sábado, 23 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23190: 18.º aniversário do nosso blogue (1): Entrevista a Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, dada a Verónica Ferreira, doutoranda ("Memórias Virtuais. Representações digitais da guerra colonial", Projeto CROME, Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > 
Sector L1  (Bambadicna) > Subsector do Xitole > 2/3 janeiro de 1970 > 

Forças da CCAÇ 12 (na foto, o 2.º Grupo de Combate, dos furriéis milicianos Humberto Reis e Tony Levezinho) atravessando uma bolanha, a caminho da península de Galo Corubal -Satecuta, na margem direita do Rio Corubal. O Humberto vem atrás dos homens da bazuca e do lança-rockets (igual à dos páras). E, mais atrás, os 1ºs cabos (metropolitanos) Alves e Branco. 

Não aparecço na foto mas participei na Op Navalha Polida, em 2 e 3 de janeiro de 1970,  integrado desta vez no 4.º Gr Combate. Como me dizia amavelmente o meu capitão Brito - era um gentleman! - , eu era o peão de nicas, o tapa-buracas, o suplente, o que substituía os camaradas furriéis doentes, convalescentes, desenfiados ou em férias... Não sei por que carga de água é que os psicotécnicos me disseram que eu era bom para apontador de armas pesadas de infantaria. Como a CCAÇ 12 era uma companhia de intervenção, não tendo armas pesadas, eu tornei-me um polivalente, um pau para toda a obra ... (LG)

Foto da autoria de Humberto Reis (ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). Tem sido imensa e despudoradamente  "pirateada" por aí, nas redes sociais, em livros, etc. , sem referência ao autor e ao nosso blogue.

Foto:  © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Com a devida autorização do Cherno Baldé (entrevistado) e da doutoranda Verónica Ferreira (entrevistadora), divulgamos hoje, dia em que o nosso blogue faz 18 anos (a maioridade...) as interessantes e extensas respostas dadas pelo nosso colaborador permanente, que vive em Bissau,  às questões que lhe foram colocadas por escrito,  no âmbito do doutoramento da autora (que irá defender a sua tese em meados deste ano, na Universidade deCoimbra

Mensagem de ontem, 22 de abril de 2022, 16:51 :

Boa tarde, Professor Luís Graça,

No seguimento da nossa conversa, venho apenas confirmar a nossa autorização para a utilização da entrevista. Mais uma vez parabéns pelo aniversário do blogue e um abraço para os restantes membros!

Cordialmente,

Verónica Ferreira
PhD student | Junior Researcher

CROME - Crossed Memories, Politics of Silence.
The Colonial-Liberation Wars in Postcolonial Times
(European Research Council - ERC-2016-StG-715593)
Centro de Estudos Sociais - Universidade de Coimbra (CES)


Doutoramento >Verónica Ferreira >
 “Memórias Virtuais. Representações digitais da guerra colonial” 

 
Trabalho de campo. Entrevista a Cherno Baldé, colaborador permanente do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné 
(com a devida vénia...)



Cherno Baldé economista,
Bissau. Tem 260 referências
no blogue.

1. Conte um pouco da sua história pessoal.


R: Esta parte tu podes encontrar no Blogue de forma mais desenvolvida e com todos os detalhes que eu poderei completar caso vier a ser necessario.

Eu nasci em meados de 1959/60, na aldeia de Farimbali, arredores da vila de Fajonquito, no sector de Contuboel, região de Bafatá. 

Comecei a dar os primeiros passos e conhecer o mundo a minha volta na nova aldeia fundada pela familia que recebeu o nome de Luanda (mais tarde descobri que, havia em Bolama, cidade onde ele tinha prestado serviço como policia gentilica ao serviço da administraçao colonial, um bairro com esse nome), mas que todos chamavam de Sintchã Samagaia (Samba Gaia era o nome do patriarca a quem todas as crianças da familia chamavam de pai), porque a nossa comunidade ainda era muito conservadora e não aderira a ideia por ser estranha a nossa língua e aos usos e costumes tradicionais.

Em meados de 1963/64, começou o movimento de deslocação das populações das suas aldeias devido à guerra que se alastrava a partir do Sudoeste, dos regulados vizinhos de Oio, Caresse e Cola que foram completamente abandonados. Assim, a nossa familia foi obrigada a deslocar-se para uma aldeia perto da fronteira do Senegal.

Numa noite escura e de chuva fomos atacados e ouvimos tiros e rebentamentos, fugimos juntamente com a nossa avó materna, primeiro para uma aldeia do Senegal e depois para a vila de Cambaju onde trabalhava o meu pai como empregado comercial da casa Barbosa, um Luso-Caboverdiano.

Em 1967/68 o meu pai foi transferido para uma outra loja do mesmo comerciante em Fajonquito, mais para o interior e com ele veio toda a familia numa coluna militar de soldados metropolitanos.

Em 1970, comecei a frequentar oficialmente a escola portuguesa local e ao mesmo tempo que fazia incursoes frequentes ao aquartelamento dos soldados metropolitanos, onde acabei por fazer amizades e encontrar trabalho como faxina junto dos condutores a partir de 1972 e frequentar com certa assiduidade a oficina mecânica de reparação de viaturas onde alguns dos meus amigos trabalhavam como mecânicos-auto.

Com a independencia em 1974, a situação mudou drasticamente e, para acompanhar estas mudanças, tive que mudar a minha atitude em relação aos estudos, único meio que me permitiria acompanhar a evolução do mundo, encarando-os com atenção redobrada.

Em 1975, com mais ou menos 14/15 anos de idade, terminei a escola primária e com isso transferi-me para a cidade de Bafatá para a continuação dos estudos. No ano lectivo de 1979/80 terminei o curso geral dos Liceus de então e mudei-me para a Capital, Bissau onde funcionava o unico Liceu da época (Liceu Honório Barreto, rebaptizado Kuame N’krumah).

Em 1982 terminei o curso complementar dos Liceus (7º Ano) e depois fui recrutado, como se fazia na época, para dar aulas numa escola da região de Biombo (Quinhamel), onde trabalhei durante 3 anos.

Em 1985 (Setembro), viajei para a URSS na companhia de meia centena de jovens guineenses, para frequentar o curso de economia numa universidade de Kiev (Ucrânia) que terminei em 1990, tendo antes passado um ano na cidade de Kichinev (capital da Moldavia) para preparação e aprendizagem da língua Russa.

Com o regresso, ingressei novamente na função pública guineense, tendo feito algumas incursões em varios projectos e organizações internacionais.


2. Que tipo de contacto teve com os combatentes das Forças Armadas Portuguesas durante a guerra colonial (de libertação)?

R: Os meus primeiros contactos com soldados metropolitanos ocorreu em Cambaju, em meados de 1964/65 e consolidou-se em Fajonquito, tendo acabado por trabalhar como faxina em pequenas tarefas caseiras.

O inicio foi de terror pelo insólito de ver pessoas completamente diferentes, de ver pessoas com caras e olhos semelhantes às criaturas diabólicas que povoavam o nosso imaginário nascidos dos contos tradicionais africanos da época, onde os Irãs ou seres satánicos ( chamados em fula de Djinnés, do árabe Jinn) eram de cor branca e cabelos compridos.

Depois pouco a pouco, fomo-nos habituando e entrando dentro dos aquartelamentos onde viviam, para satisfazer as nossas curiosidades crescentes à medida que os conheciíamos e descobríamos o seu mundo e os seus hábitos alimentares, muito diferentes dos nossos, na época.


3.  Qual foi o motivo que o fez interessar-se e aderir à Tabanca Grande? E em que data pediu a adesão?


R: Devo ter entrado em meados de 2008/9 (as datas estão no Blogue), logo depois de descobrir o Blogue por acaso.

Num dia em que, talvez, não tinha muito que fazer, deu-me vontade de saber o que é que o Google sabia sobre Fajonquito, a minha aldeia. Foi um assombro, pois a pesquisa conduziu-me para um trabalho do José Marcelino Martins (um dos colaboradores permanentes do Blogue), sobre uma lista resumo das companhias que tinham passado por Fajonquito de 1964 a 1974 com datas, nomes dos comandantes entre outras informações.

De repente foi como o rebobinar de uma fita magnética com milhares de imagens, de acontecimentos e de momentos que se encontravam adormecidos na minha cabeça. Não conseguia dormir com tanta excitação e então resolvi escrever aos editores o meu percurso de infância e a experiência que tivera com as tropas metropolitanas entre os quais tinha feito amizades, mesmo que passageiras, e que ainda não tinha esquecido. Os Editores, todos ex-combatentes, acho que ficaram sensibilizados e me receberam de braços abertos, passando de simples e curioso seguidor para colaborador permanente, passados alguns anos.


4. Existem outros guineenses a contribuir para a Tabanca Grande?

R: Sim, conheço 2 ou 3 casos, o que é muito pouco pela importância que o Blogue pode ter para o nosso país do ponto vista histórico e da (re)construção dos laços de amizade e fraternidade entre os três paises (Guiné-Bissau, Cabo-Verde e Portugal).


5. Como é que o blog Luís Graça & Camaradas da Guiné evoluiu ao longo dos últimos anos e como se organiza, atualmente?

R: Questão que remeto para os Editores, especialmente para o Editor Chefe, Luis Graça.


6. Que tipo de contribuições faz para o blogue?

R: Eu encaro a minha contribuição como uma forma pedagógica de tentar corrigir as interpretações que muitas vezes os ex-combatentes fazem sobre a Guiné e suas gentes e que parecem-me enviesadas ou deturpadas por lembranças que já perderam objectividade e/ou realidades mal compreendidas na época.

Também, por incentivo, dos Editores tenho enviado alguns trabalhos sobre história da antiga provincia portuguesa da Guiné, pequenas narrativas sobre personalidades históricas e localidades antigas, a cultura dos diferentes grupos étnicos que conheço e diferentes temas de natureza etno-linguística.


7. Revê-se nas histórias e na forma como os ex-combatentes portugueses descrevem a Guiné e os Guineenses?

R: Nem sempre, dai a importância que eu atribuo à minha colaboração no Blogue, com a finalidade de atenuar os impactos negativos das interpretações erróneas que algumas pessoas trazem ao universo do Blogue e que, muitas vezes, não correspondem à realidade dos factos ou são deliberadamente deturpadas para gozar e divertir a malta, como costumam dizer.

Todavia, tenho evoluido positivamente e aprendido muito com os ensinamentos, relatos e experiências muito ricas dos antigos combatentes em geral e que não podia deixar de aferir e valorizar. No Blogue interessa-me tudo, até os aspectos banais que poderiam passar despercebidos e outros claramente menos positivos e que tendem para o menosprezo e a caricatura dos africanos em geral e guineenses em particular, tudo serve para apreender e compreender o outro, uma ferramenta que já trazia comigo desde os tempos em que frequentava os aquartelamentos onde já tinha cruzado com o comportamento excessivamente etnocêntrico dos soldados portugueses diante das nossas populações e culturas, provavelmente resultante da imposição e cultura colonial da época.


8. Existiram ou existem tensões e conflitos de opinião? Se sim, em que assuntos?

R: De uma forma geral, os intervenientes do Blogue sao ex-combatentes, muito maduros e diametralmente opostos aos jovens irrequietos e irreverentes (para não dizer insolentes) que eram quando pisaram solo guineense como soldados e por isso, temos tido discussões e troca de ideias de forma serena e amistosa, mas às vezes aparece um ou outro com ideias muito fixas e com atitudes e palavrões menos dignos e respeitosos quando os seus discursos são colocados ao crivo da crítica e do contraditório. E quando isso acontece, os Editores ou colaboradores, qual bombeiros diante do fogo posto, intervêm para acalmar os ânimos e tudo volta ao normal.


9. Qual a sua opinião sobre a guerra?

R: Eu nao fiz a guerra, fui vitima da mesma e, hoje, os ex-combatentes são unânimes em considerar que a guerra foi injusta e nunca poderia ser resolvida por via das armas, logo não deveria acontecer, mas aconteceu, sobretudo, devido a irreductividade das posições da parte a parte e, penso eu, porque o regime de Lisboa, por razões históricas e geo-estratégicas de interesses nacionais, quiça imperiais, não conseguia vislumbrar uma saída que não fosse a guerra para acabar com a insurreição armada, da mesma forma que já acontecera no passado, sem ter em devida conta os ventos da história e as mudanças de paradigma ocidental em relação à colonização à escala mundial.

Se dependesse da opinião dos chefes tradicionais fulas, não haveria guerra contra os portugueses nos anos 60/70 como pretendiam os nacionalistas originários das elites urbanas, e aqueles, com ou sem razão, eram de opinião de que a presença dos portugueses era necessária para consolidar os alicerces do território e seus fundamentos.

Constituido colónia apenas em finais do sec. XIX, ocupado e pacificado de facto no séc. XX, coexistiam, no território da Guiné, mais de 30 grupos étnicos de diferentes credos e modos de vida que muitas vezes não se entendiam entre si.


10. Essa opinião mudou ao longo dos anos? Se sim, de que forma? O blogue contribuiu para essa mudança?

R: Claro, na vida tudo muda no dia a dia, e cada vez estou mais convencido que a guerra só podia acabar com a desistência de uma das partes, como veio a acontecer com o 25 de Abril. As duas partes tinham objectivos irreconciliáveis, logo não podiam haver negociações a bom termo.

Com a desistência de Portugal, tudo ficou resolvido a contento dos nacionalistas que queriam ocupar o lugar dos colonizadores e usufruir das benesses daí inerentes em detrimento das populações em geral como já acontecia noutros paises africanos independentes.

O Blogue foi fundamental para poder fazer uma leitura mais abrangente do contexto, dos objectivos e meios postos á disposiçao na contenda e descartar algumas núvens e fumos artificiais que existiam na minha cabeça, fruto das diversas campanhas de propaganda de parte a parte e responder a algumas questões de que até à data desconhecia as motivações de fundo. O Blogue foi mais que uma enciclopedia para mim, nos últimos anos.


11. Como é que avalia a contribuição do blogue para a preservação da memória da guerra?

R: Positivamente, pois acho que, inclusive, o governo português já devia patrocinar ou ajudar a patrocinar a produção do Blogue de forma a valorizar e projectar o seu conteúdo de forma a que possa atingir patamares mais elevados e ganhar mais visibilidade no mundo em geral e na sociedade portuguesa em particular.

Os ex-combatentes, pelo que dizem, mostram ter uma consciência clara de que, se não fizerem nada para a preservação da memoóia da guerra, onde foram obrigados a combater, serão os bodes expiadores de todos os horrores que aconteceram e as suas histórias serão simplesmente colocadas debaixo do tapete, por outras palavras, do lixo da história como a pátria sempre fez para com as suas vitimas ao longo da sua existência como nação.

Em relação à Guiné não posso dizer nada porque ela ainda não está livre e, em consequência, não acordou para poder falar sem amarras da sua verdadeira história, talvez um dia.


12. Considera que a memória da guerra que os combatentes das Forças Armadas portuguesas constroem no blogue é incompatível com a memória dos combatentes da liberdade da pátria? Quais são as suas críticas aos textos do blogue?

R: Trata-se de visões diferentes sobre o mesmo objecto histórico. Há muita poeira ao ar e muitas coisas escondidas dos dois lados e que, talvez, nunca viremos a saber, seja por constituirem actos menos abonatórios e dignos do ponto de vista humanitário, seja porque os seus autores simplesmente não conseguem dar a voz, como faz o Blogue da Tabanca Grande, e transmitir às gerações vindouras os feitos e proezas que protagonizaram na sua juventude em condições das mais imprevisiveis e impensáveis.

Apesar dos estímulos e desafios lançados, não tem havido muita vontade de falar da guerra por parte dos combatentes do partido “libertador”. Mas, por outro lado, considero que as reacções menos favoráveis e mesmo agressivas dos ex-combatentes portugueses inibem a participação dos combatentes e guineenses em geral da narrativa da guerra no Blogue, pois existem irreductíveis que não querem ouvir o outro lado da barricada e preferem acantonar-se nas suas trincheiras num terreno e numa lingua que é mais dele que dos outros.


13. Quais são os seus elogios aos textos do blogue?

R: Tenho lido, no Blogue, textos maravilhosos e que me ajudaram a ser melhor e mais humano e sobretudo a compreender as razões porque combateram, alguns por convicção patriótica, outros por obrigação e ainda aqueles que, não o afirmando abertamente, mas que era uma forma de progredirem na vida, saindo das suas aldeias onde não acontecia nada, para as cidades, à procura de uma vida melhor.


14. Gostaria de acrescentar alguma história, informação ou reflexão?

R: Por agora não, mas existem diversos textos já produzidos no Blogue que, caso sejam de interesse para o vosso trabalho, sempre poderão ter à vossa disposição e utilizar dentro das regras impostas pela comunidade e Editores da TG.

[ Cópia do guião da entrevista  com as respostas escritas, disponibilizada pelo Cherno Baldé. Revisão / fixação de texto / negritos,  para efeitos de publicação  no blogue: LG]
___________

12 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Cherno,pelos elogios e pelas críticas que fazes ao nosso blogue. Fico muito honrado. Esperemos que os nossos leitores te leiam com o mesmo interesse e atenção com que eu te li. Mantenhas. Luís

Hélder Valério disse...

Li.
Li com atenção e interesse e também aproveito para agradecer o que o Cherno respondeu.
O Cherno já nos habituou a fazer intervenções do género das que refere ao longo da entrevista.
Memorialista, perspicaz, assertivo, contributor, crítico das "coisas" que se passaram e se passam, quer antes, durante e depois da independência, quer mesmo sobre os tempos atuais.
É um incansável explicador das realidades da Guiné-Bissau.

É um gosto, uma mais-valia, tê-lo aqui como leitor e interventor.

Parabéns ao Blogue!

Hélder Sousa

José Botelho Colaço disse...

O camarada ou Camarigo Cherno é um ser superior que a Guiné criou, ele tem saído e sofre com todas as crises que a Guiné tem sofrido, mas entra novamemte sempre pela porta grande por isso o admiro e todos os adjéctivos de elogio que pudesse adicionar carecem por defeito. Vejamos o oposto blogue "ditadura do consenso" do António Aly Silva!?... Um abraço amigo.

Anónimo disse...

Afonso de Melo (através do Formulário de Contacto do Blogger)

23 abril 2022 00:29

Parabéns pelo 18º aniversário do Blogue que enriquece substancialmente o
relato da nossa vivência em terras da Guiné.

Um forte abraço ao Luís Graça
e a toda a equipa.

Cumprimentos,
Afonso de Melo

(Membro da Tabanca Grande, nº 837)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Afonso%20de%20Melo

Cherno Baldé disse...

Obrigado Luis Graça, obrigado Helder Valério e Zé Colaço pelas palavras amigas que me fazem sentir bem na sombra deste Poilão que simbologia a nossa Tabanca Grande.

Esta entrevista aconteceu há muito tempo atrás e já nem me lembrava, e na altura estava um pouco atarefado e não deu para me abrir muito e fui breve e contido nas palavras, mas talvez fosse melhor assim, pois no fim, depois aconteceu um incidente que me deixou um amargo na boca, como se costuma dizer que, paradoxalmente, trouxe de volta a tal questão dos frequentes (mal)entendidos entre europeus e africanos. Aconteceu que alguns dias após a entrevista, a D. Verónica Ferreira enviou-me um pedido insólito aos olhos de um africano que a permitisse ser a detentora da propriedade do conteúdo da entrevista (foi assim que eu o entendi) e que, em termos práticos, me desautorizava e impedia de proceder a qualquer reclamação ou impugnação sobre o destino e conteúdo que pudesse ser dada no futuro (foi assim que o entendi), facto que não compreendi e me irritou sobremaneira. Então, eu lhe dei a entrevista por escrito e tentei responder ao seu questionário de boa fé com uma reflexão saida do meu coração e alma como se de um filho se tratasse e depois, ela quer se apossar de tudo, de forma fria e calculadamente com a pretensão de se proteger de futuras consequências no âmbito do seu trabalho !?... Isto é assombroso e não existia na cultura no meio dentro do qual fui educado,a isto se junta a muitos outros comportamentos próprios do mundo ocidental aos quais tive problemas de comoreensão e de adaptação, provávelmente em virtude do trauma sofrido com a guerra que me apanhou durante a infância, na sequência e como resultado de uma longa e violenta tentativa de assimilação colonial. Afinal de contas, o chamado problema da doença pós-traumático não restringe certamente aos antigos combatentes e deveria ser visto de forma mais abrangente, incluinda as vítimas e, sobretudo, as crianças.

O pedido da D. Verónica Ferreira nunca teve resposta até hoje e acho que não merece, independentemente das suas motivações de fundo que eu desconheço. Acidentes de percurso !?!?...

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

PS: Só ela poderá esclarecer.

Cherno AB

Valdemar Silva disse...

Caro Cherno Baldé.
Mais uma daquelas que fazem lembrar a máxima do 'que quer, é da Lei'.
Comparavelmente, para um africano que viveu debaixo do colonialismo é complicado perceber o 'é da Lei', passando-lhe sempre pelo pensamento: tá bem é da Lei, mas é sempre pra lixar o preto.
Esta tua entrevista deveria fazer parte no ensino público, para ser explicado o que é a cidadania.

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz Embaló

Anónimo disse...

Caro Valdemar,

A tua longa e intensa vivência no meio dos fulas deu-te o "feeling" de compreender tudo em poucas palavras a ambiguidade do homem africano e fula que sou.

"...É da lei, mas é sempre para lixar o preto", exactamente.

Históricamente falando, quando o Europeu Português) pedia ao régulo (Pepel) um terreno para construir uma residência (que na realidade seria uma fortaleza), o Pepel percebia como cedência (concessão para uso temporário), o Europeu (Português) percebia que era um negócio de compra e venda e de posse definitiva. E depois, nessa confusão (deliberada) o Pepel é que era o mau da fita, o beligerante crónico, quando o Pepel na sua cultura milenar não sabia o que era o negócio de compra e venda da terra, a terra que recebeu intacta dos seus ancestrais e tinha obrigação de conservar intacta para as gerações seguintes.

Quem fala de Bissau fala de Bolama e o famoso conflito de posse entre portugueses e Ingleses no sêc. XIX, enfim...sempre esses (mal)entendidos...

Um grande abraço,

Cherni AB

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno: lamento estes mal-entendidos... Pometo esclarecer esta questão com a dr. Verónica Ferreira...

Há aqui questões que são muito próprias da "tribo académica"...Repara, eu pedi autorização à investigadora e doutoranda Verónica Ferreira para reproduzir a "tua" (e dela) entrevista no nosso blogue por ocasião do nosso 18º aniversário...

Selecionei a "tua" entrevista. Achámos por bem consultar o seu orientador, que deu o seu OK. A tese de doutoramento ainda não foi discutida em provas públicas. E a "tua" entrevista é material que ela utilizaou na sua tese...

Aqui tens a resposta por email que ela me deu, depois de consultar o seu orientador:


Verónica Ferreira
sexta, 22/04/2022, 16:51

Boa tarde, Professor Luís Graça,

No seguimento da nossa conversa, venho apenas confirmar a nossa autorização para a utilização da entrevista. Mais uma vez parabéns pelo aniversário do blogue e um abraço para os restantes membros!

Cordialmente,

Verónica Ferreira
PhD student | Junior Researcher

CROME - Crossed Memories, Politics of Silence.
The Colonial-Liberation Wars in Postcolonial Times
(European Research Council - ERC-2016-StG-715593)

Centro de Estudos Sociais - Universidade de Coimbra (CES)

Anónimo disse...

PS: Nesta mesma lógica, já em plena guerra colonial (1964), quando um africano (homem grande fula) oferece os serviços (de lavadeira!?) da sua neta a um alf. Miliciano numa aldeia do mato, na Guiné, o Europeu (alferes) percebe que ofereceram-lhe uma virgem (bajuda) para todos os serviços.

Eternos (mal)entendidos ou simples Xalá(da) Tuga ?!?!...

Cherno AB

José Teixeira disse...

Antes de mais, parabéns ao blogue e sobretudo ao seu mentor Luís Graça, a todos quantos se dedicam a mantê-lo ativo e a todos nós os "vivinhos da costa" que escrevinham ou o leem.

Ao Cherno devo dizer que praticamente fiz o meu tempo de Guiné no meio de gente fula. Sinto-me em família e sem querer tenho "ermons" filhos e netos, ou seja, os amigos que ficaram e que mais tarde reencontrei chama-me "ermon", para os seus filhos sou tio ou pai, para os netos sou avô ou velho. Tenho muito orgulho nestes epítetos porque me sinto fula no meio dos fulas. só lamento não poder passar mais tempo no meio de vós.
Gostei imenso da tua entrevista, aliás, não me surpreendeu pelo que conheço de ti, dos teus escritos e do teu pensamento.
O nosso blogue que tomei conhecimento da sua existência em 2005 tm sido para mim uma fonte de crescimento, pelo que leio dos meus camaradas e pelo que sou tentado a escrever. Acrescento as amizades que desenvolvi e que prezo imenso a partir do momento em que tomei conhecimento da sua existência.

Obrigado Luís
Obrigado Cherno.
Zé Teixeira

Valdemar Silva disse...

Esqueci-me
Parabéns ao blogue e aos seus principais e dedicados editores: Luís Graça e Carlos Vinhal.
E, também, aos habituais escrivas de tão interessantes e variados temas relacionados com a Guiné, ou contos e crónicas de lugares/viagens que todos gostaríamos de fazer.
Vamos deixar obra, muitos anos de vida.

Valdemar Queiroz