Morreu um poeta
por Luís Graça
Morreu um poeta.
Um grande poeta da minha terra.
Herberto Helder.
E eu estou longe,
muito longe, em Berlim,
para lhe poder dizer
as palavras que são devidas
aos poetas que morrem.
Como escrever algo
que não seja um lugar comum,
para mais num quarto de hotel em Berlim ?
Estou no Hotel Park Plaza,
na antiga parte leste da cidade,
invisivelmente dividida.
No chão tenho um tapete
com a reprodução de uma nota de um dólar.
Piso a efígie de George Washington.
Aqui deus é capitalista, norte-americano,
e está por toda a parte.
A poesia é inútil,
mas os poetas talvez sejam necessários,
tão ou mais do que os corretores da bolsa de valores.
Na cabeceira da cama,
num painel de madeira,
de pinho sueco e design germânico,
leio a inscrição de André Kostolany
(que não era poeta,
mas que ganhou um fortuna na bolsa),
em quatro idiomas,
alemão, inglês, chinês e japonês:
Aktien kaufen
und dann tief
und lange schlafen.
Buy stocks,
and then go to sleep
for a long time.
Não segui o conselho do André Kostolany,
não comprei ações em Berlim,
nem dormi um sono profundo.
Morreu um poeta,
um grande poeta da minha terra,
soube da notícia
no mesmo dia da tragédia do Airbus A320 nos Alpes.
"É na morte de um poeta
que se principia a ver
que o mundo é eterno".
Herberto Helder dixit,
muito antes de morrer.
Berlim, 23/24 de março de 2015
Luís Graça, revisto, v2, 27 junho 2022
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Nota do editor:
Último poste da série > 16 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14371: Manuscritos(s) (Luís Graça) (50): Na hora da tua morte...