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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26471: Notas de leitura (1770): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Vellez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Janeiro de 2025:

Queridos amigos,
Finda aqui a digressão pelo livro de Armando Tavares da Silva, "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", Caminhos Romanos, 2016, foi a nossa bengala como contraponto à rotina burocrática do Boletim Official da Guiné Portuguesa. Com efeito, o Boletim Official, talvez tirando o período da governação do tenente-coronel Vellez Caroço, é meticuloso quanto à publicação dos diplomas emanados pelo Governo em Lisboa, elenca nomeações, movimento marítimo, aforamentos e concessões de terrenos, etc., etc., mas sonega-nos informações da vida quotidiana, conflitos interétnicos; é evidente que nos vamos apercebendo da gradual presença portuguesa dentro da colónia e como se está a alterar o movimento import-export, vão saíndo empresas estrangeiras, a CUF tem um papel dominante e, já mais atrás, a Sociedade Comercial Ultramarina. Sinto falta a partir de agora de uma obra que me permita o contraponto ao Boletim Oficial, usarei como recurso a História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936, de René Pélissier, mas sinto que há um vácuo entre 1928 e 1933, isto a despeito do golpe revolucionário republicano que eclodiu na Guiné entre maio e abril de 1931. A ver vamos como se poderá tapar esta lacuna.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Velez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13)

Mário Beja Santos

Chega à Guiné em junho de 1921, a colónia tinha estado durante um ano entregue ao secretário-geral Sebastião Barbosa, tinham-se praticado muitas irregularidades. Vellez Caroço tinha apostado em sanear a vida pública da província, faz-se acompanhar do seu sobrinho, que irá exercer as funções de seu chefe de gabinete. Prontamente inicia as visitas pelo território, reconhece que era necessário dissolver a Comissão Municipal de Bissau, o ministro também lhe propõe o restabelecimento do Conselho de Governo. Este oficial de Infantaria conheceu seguramente inúmeros desagradáveis conflitos, é firme e enérgico, anuncia publicamente que não se afastaria uma linha de cumprimento dos seus deveres, indica uma série de ligações que considera prioritárias; Brames a Cacheu, Farim e Bafatá; Mansoa a Bafatá, S. João a Buba, entre outras. É aprovada a criação da circunscrição de Cacine. Já em rota de colisão com Sebastião Barbosa, anula disposições por este tomadas, mas punha-se um problema concreto relativamente à concessão de terrenos, o governador temia as especulações.

Os problemas não se ficaram por aqui: o ex-governador Carlos Pereira havia requerido a concessão por aforamento de 25 mil hectares de terreno na Costa de Baixo, os indígenas protestaram contra esta concessão, nasce processo, o ministro não vê condições para anular a decisão, o governador não desanima, sempre que suspeita de indícios de corrupção manda fazer sindicâncias, não faltou uma sindicância ao coronel Quinhones de Matos Cabral, é suspenso Sebastião Barbosa, vai decorrendo a moralização da vida pública, o governador tem amigos e inimigos, a intriga chega a Lisboa, o ministro resiste e congratula-se com a ação governativa.

Em agosto de 1922, Vellez Caroço elabora o seu primeiro relatório, exprime a sua preocupação com o saneamento da província, já que altos funcionários eram acusados de faltas que iam desde o abuso de autoridade até aos crimes de peculato. Lembra o ministro que há uma tentativa surda de afastamento da colónia da esfera da influência portuguesa. A campanha de difamação contra o governador chega ao Parlamento e à imprensa de Lisboa. Nesse mesmo primeiro relatório, sempre pondo o seu lugar à disposição do Governo, Vellez Caroço fala num período de estabilidade, lembra que era preciso fazer um regulamento do trabalho indígena que estabelecesse um mínimo de trabalho para cada indivíduo. Não poupando a verdade dos factos, o governador afirma que a província se encontrava enxameada de empregados recrutados em Cabo Verde, com pouquíssimas habilitações.

Outros escolhos pendiam sobre a Guiné, a situação financeira, a questão das cambiais e o imposto de palhota. O ministro decidira que fosse adotado na colónia o estabelecimento de uma sobretaxa a que ficariam sujeitas as mercadorias exportadas; tal valor seria devolvido se dentro dos dez dias subsequentes o exportador entregasse na agência do BNU todo o valor, em moeda estrangeira, da sua exportação ou reexportação. Cresceu o descontentamento, o comércio da Guiné sentia-se altamente prejudicado com as disposições deste decreto, dizendo que havia uma escandalosa proteção à CUF. Logo no início de 1923 se verificou que o BNU não tinha numerário suficiente para permitir as transações. O problema vai-se agudizando, em agosto de 1924 Vellez Caroço torna a pedir providências, mantinham-se as dificuldades em fazer transferências para Lisboa, a agência do BNU não tinha recebido ordens de acesso para as fazer. Na ausência de moeda, o governador foi obrigado a procurar meios de aumento das disponibilidades, aumentou a taxa de imposto de palhota, mas foi manifestamente insuficiente. Novas cartas ao Governo, Vellez Caroço pede a demissão e foi-lhe dada, o governador regressa amargurado, em Lisboa sucedem-se os governos, Vellez Caroço acaba por ser nomeado de novo governador, quando chega, ele que se referia aos seus primeiros anos da Guiné como de paz, chega e encontra tumultos para resolver. Tudo começa na região de Nhacra, é decretado estado de sítio, o governador avança para o local dos incidentes com cem homens e peças de artilharia, a população apresenta-se, mas é mantido o estado de sítio, as operações só acabam dias depois.

Em 1925, nova operação em Canhabaque, bem-sucedidas, pelo menos temporariamente.

Esta ação de fomento do governador é notória, são melhoradas as estradas, é inaugurada uma linha telegráfica Farim – Kolda – Dacar. São tomadas medidas de fomento educativo, é criada uma escola noturna de ensino primário, retificam-se fronteiras e reconstroem-se antigos marcos que se achavam danificados. Graça Falcão continuava a ser uma figura controversa; demitido o Exército, mantivera-se ativo na vida da província, propusera-se como candidato a deputado pela Guiné, não tem sucesso mas consegue uma carreira na administração local, conhece castigos, transferências, inquéritos, sai sempre ilibado. Tavares da Silva dá nota da crise fiduciária em 1925, não há possibilidade de manter o equilíbrio orçamental e o delegado do BNU em Bolama recebera ordens da sede para não continuar a fazer transferências para a conta da colónia no Ministério, por falta de cobertura de Lisboa porque tal medida significativa a paralisação dos fornecimentos e dos pagamentos da colónia.

A tensão vai crescendo entre Bolama e Lisboa, o BNU fez a proposta segundo a qual o comércio exportador obrigava-se ao depósito na colónia de 50% do valor da exportação, mas não chegava o dinheiro para pagar os vencimentos aos funcionários. Em Lisboa sucediam-se alterações ministeriais umas atrás das outras. Vellez Caroço novamente pede a demissão, as dificuldades financeiras com que se deparava a província foram aproveitadas pelos adversários de Vellez Caroço, lançaram-lhe novos ataques. Em Lisboa, o jornal O Século também o destrata, refere-se que tinha mandado abrir sem plano nem critério estradas pessimamente construídas e por indígenas que ainda não tinham sido renumerados, a CUF apostava na saída do governador. Ele vem a Lisboa, dirige ao ministro uma exposição relatando todo o problema das transferências, para obviar as reclamações do comércio, o governador propõe que o Governo da metrópole ceda 50% das cambiais provenientes da exportação e reexportação da Guiné; publica-se uma portaria em que o Governo dispensa chamar a si as cambiais correspondentes aos produtos reexportados, satisfazia-se assim a Casa Gouveia.

Tudo isto ocorre nas vésperas do 28 de maio, o comércio de Bolama pede insistentemente ao Governo o regresso imediato do “honesto de Vellez Caroço”, segue o pedido da Câmara Municipal de Bolama, em 23 de junho Vellez Caroço reassume o Governo e elabora um diploma de acordo com o que tinha sido estabelecido com o Governo Central, procura-se uma solução para a questão das transferências. A associação comercial de Bissau manifesta-se em oposição ao governador, este discute a situação com o comércio exportador, os comerciantes de Bolama e Bissau estão divididos. Continua a faltar numerário na circulação da Guiné. Tudo acabará com a verdadeira exoneração de Vellez Caroço em dezembro de 1926.

O trabalho de Tavares da Silva termina com a referência de que Vellez Caroço regressado a Lisboa envolve-se nas sublevações militares de fevereiro de 1927, vindo a ser preso e deportado para a Angola. Resta o epílogo. Vale a pena reter alguns parágrafos.

“As dificuldades financeiras da Guiné e a falta de cambiais continuariam ainda por vários anos a afetar o comércio, sendo o de menor dimensão o mais prejudicado. Igualmente as atividades de fomento, que tiveram um assinalável incremento durante a governação de Vellez Caroço, iriam ser afetadas, assim como os serviços de administração local. Porém, a partir de meados dos anos 30 as contas da colónia passaram a apresentar saldos positivos, aliviando as dívidas ao exterior.
A Casa Gouveia, onde a CUF tinha uma participação, ia adquirindo uma posição cada vez mais dominante no comércio local, quase monopolizando a atividade exportadora e comercial da província. Desde a pacificação da ilha de Bissau com a campanha de Teixeira Pinto, em 1915, que a província vivera sem que operações militares de envergadura ocorressem, excetuando a campanha de Canhabaque de Vellez Caroço. Novas operações só vêm a ter lugar em 1933 na região dos Felupes, prolongando-se pelo ano seguinte; e, em 1935-l936 ocorre uma outra campanha nos Bijagós, também na ilha de Canhabaque. Era, porém, a última grande operação militar na Guiné. A partir desta, e terminada a Segunda Guerra Mundial, a Guiné viverá um período de paz que lhe vai possibilitar notável desenvolvimento, sobretudo sob o Governo de Sarmento Rodrigues.”


Armando Tavares da Silva
Bilhete-postal de 1900
Bilhete-postal de 1900
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Notas do editor:

Vd. post de 31 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26445: Notas de leitura (1768): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, continuação dos acontecimentos em 1917-1919 (12) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26455: Notas de leitura (1769): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (4) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26445: Notas de leitura (1768): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, continuação dos acontecimentos em 1917-1919 (12) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Desde a governação interina de Manuel Maria Coelho, em 1917, até à chegada de Velez Caroço, em 1920, parece que a Guiné está a sofrer um enguiço, carências, desacatos, medidas de governação contraditórias, rebeliões, autos de vassalagem de curta duração, uma Carta Orgânica da Guiné, aprovada, depois revogada, depois reposta com emendas; de território Felupe aos Bijagós, não param as tensões. Parece que a Guiné é espelho do que se vive na metrópole, onde se sucedem os governos, há o golpe de Sidónio Pais, que acabará assassinado no final do ano de 1918. O pomo das grandes discórdias passa por Canhabaque, os Bijagós resistem, submetem-se e voltam a rebeliar-se; o major Ivo Ferreira, que sucedeu a Manuel Maria Coelho, não combate mas manda combater, mas chama a si o resultados, zanga-se com o encarregado do Governo, Josué d'Oliveira Duque volta à governação, sucede-lhe o capitão Sousa Guerra, os órgãos legislativos e administrativos estavam praticamente paralisados. Abdul Indjai é destituído de régulo do Oio, fez tantas e tão poucas que se tornou uma criatura insuportável. As coisas vão mudar de feição, chegou o tenente-coronel Velez Caroço, vai procurar pôr a casa em ordem, como vamos ver.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, continuação dos acontecimentos em 1917-1919 (12)

Mário Beja Santos

Não é demais insistir que este poderoso acervo documental organizado por Armando Tavares da Silva nos ajuda a compreender este período histórico da I República e que serve de excelente contraponto ao Boletim Official da Província da Guiné Portuguesa, no que este é omisso no campo sociopolítico económico e cultural. Voltemos a 1917, Manuel Maria Coelho foi exonerado e na mesma data foi nomeado o tenente-coronel Carlos Ivo de Sá Ferreira, este pretendeu nomear para secretário-geral o tão problemático Graça Falcão, o ministro das Colónias Ernesto de Vilhena opôs-se, quem veio para ocupar o cargo foi Sebastião Barbosa, uma presença regular na administração. O novo governador desloca-se a Canhabaque, faz alterações nos dois postos militares existentes, envolve-se depois na constituição de um comando militar em S. Domingos, mas o governador, face ao agravamento da situação dos Bijagós aqui regressa, é recebido a tiro no posto de Bini, irá nomear o alferes Alberto Soares para comandante do posto militar de In-Orei, quando este ali chega foi confrontado com uma epidemia de beribéri e um inimigo fortemente hostil. Quem com ele colabora é Abdul Indjai, há perdas num violento combate, só em dezembro os rebeldes vão desistir dos seus atos de guerra. Armando Tavares da Silva dá minuciosamente conta das operações dos Bijagós que levaram ao ato de vassalagem do povo de Canhabaque.

É Ivo Ferreira que eleva Bolama à categoria de cidade, aprova os estatutos de uma nova associação do tipo recreativo, o Club Fraternidade de Farim, manifesta-se interessado no projeto de um caminho de ferro partindo de Bolama, ou pelo menos S. João, seguindo por Bafatá até à fronteira norte. É neste intervalo de tempo que ocorre a revolução de 5 de dezembro de 1917, um golpe chefiado por Sidónio Pais, forma-se uma junta revolucionária, a pasta das Colónias passa para Tamagnini Barbosa. Ivo Ferreira fará uma extensa visita a vários pontos do interior, fica como encarregado do Governo o coronel Guedes Quinhones, Ivo Ferreira demora-se na região do Geba pela necessidade de resolver várias questões da política indígena, caso do régulo Monjur, do Gabu, e Abdul Indjai, do Cuor. Entendeu-se dividir o território de Geba em pequenos regulados e destituir Abdul Indjai do Cuor. Regressado a Bolama, o governador envolve-se em atritos com Guedes Quinhones. Entretanto, o novo ministro das Colónias nomeou novo governador o coronel Josué d’Oliveira Duque. O autor observa a situação problemática vivida:
“Tinha sido atribulada e sinuosa a presença de Ivo Ferreira na Guiné. Sobrepusera-se e ultrapassara no tempo a governação interina de Manuel Maria Coelho, e correspondera a um período de quase dois anos em que o governador efetivo, Andrade Sequeira, se mantivera em Lisboa, sem ser demitido e sem mesmo pedir a demissão. Como resultado primeiro da sua governação, Ivo Ferreira, que não tomara parte em qualquer operação militar, ufanava-se, com a ocupação de Canhabaque, de ter conseguido a pacificação completa da Guiné. Mas teria esta, de facto, sido atingida?”

Oliveira Duque chega à província, um decreto revogou a Carta Orgânica da Guiné, são tomadas disposições legais para a vida administrativa e financeira da colónia. Em outubro de 1918 realiza-se uma operação contra os Felupes de Varela; são tempos de uma apreciável concessão de terrenos, assiste-se a um crescente aumento da população de Bissau, devido à afluência de numerosas companhias nacionais e estrangeiras, o que motiva o novo ciclo de urbanização de Bissau. A agitação continua em Portugal, culmina com o assassinato de Sidónio Pais em dezembro de 1918. Tamagnini Barbosa para a presidente do ministério, afasta da Guiné Oliveira Duque, virá a ser nomeado governador Sousa Guerra, capitão de Infantaria.

Um dos acontecimentos mais marcantes de 1919 é a campanha contra Abdul Indjai, sucediam-se as queixas pelas suas extorsões, raptos, pilhagens descaradas. Desde a chegada de Oliveira Duque que era reconhecida a inconveniência de Abdul Indjai continuar no regulado do Oio, segue-se um período de elevada tensão que o autor descreve ao pormenor, seguir-se-á a deportação de Abdul para Cabo Verde, daqui o antigo régulo do Oio fará exposições ao ministro das Colónias, irá morrer na cidade da Praia, em junho de 1921. Também em 1919 é declarada em vigor a Carta Orgânica da Guiné, mas com alterações, nomeadamente tendentes a restringir a possibilidade de os governadores alterarem as Cartas Orgânicas.

Não obstante a contínua sucessão de Governos na metrópole, Sousa Guerra mantém-se no Governo da Guiné e manifesta a sua preocupação com o desenvolvimento, escrevendo mesmo ao ministro que devia ser feito o aproveitamento das riquezas da Guiné, fez propostas de criação de colónias agrícolas com o fim de repovoar o Rio Grande através de concessões gratuitas a colonos europeus e cabo-verdianos, e a demarcação de reservas territoriais para os indígenas, em regime de culturas obrigatórias, com prémios pecuniários e aquisição de reprodutores para melhoria da pecuária. Sousa Guerra também fez alteração da divisão administrativa. Face à carestia de vida aumentou os vencimentos do funcionalismo, os critérios não terão sido os melhores, houve greve, aumentaram as taxas fiscais, houve que fazer alterações ao orçamento, pensou-se mesmo em revogar as portarias que tinham alterado os vencimentos, depois de muitas peripécias a situação ficou esclarecida com a aprovação dos vencimentos dos funcionários. Sucedem-se os Governos na metrópole, negociantes e proprietários de Bissau enviam telegrama pedindo ao ministro que mantivesse Sousa Guerra no Governo da província, mas ele foi exonerado em novembro de 1920, Sebastião Barbosa volta novamente a ser Encarregado do Governo. Entrara-se num período ziguezagueante, a situação só ficará esclarecida em junho de 1921 com a nomeação do tenente-coronel de Infantaria Jorge Frederico Velez Caroço.

Como se fará referência a propósito do Boletim Official da Província da Guiné, Velez Caroço tem estratégia militar e administrativa, procurou pôr em funcionamento os órgãos legislativos e executivos da colónia, anulou várias nomeações que Sebastião Barbosa tinha feito para os Conselhos Legislativo e Executivo; começa a visitar o território, para se inteirar da situação nas principais circunscrições. Observa a autora: “Devem ter sido inúmeros, importantes e desagradáveis os conflitos que Velez Caroço veio encontrar entre o funcionalismo nos diversos locais que já visitara, pelo que se vê na necessidade de mandar publicar uma portaria em que lembra as palavras que tinha proferido no ato de posse. Nela afirmava que, admitindo conflitos entre os funcionários por diferenças de critério ou erradas apreciações dos atos de serviço, não tolerava o uso de uma linguagem despejada ou o emprego de termos injuriosos". E acrescentava que a correção e porte exigia ao funcionalismo era extensivo às relações sociais e ao convívio com as outras classes. Ficando clara a maneira como o governador encarava este problema de ordem, reafirmava que não se afastaria uma linha do cumprimento dos seus deveres, aplicando sem tergiversar o rigor dos regulamentos.

Armando Tavares da Silva
Tenente-coronel Velez Caroço
Abdul Indjai
Selos da Guiné Portuguesa de diferentes períodos
Guiné Portuguesa, aldeia Mancanha, bilhete-postal de 1910
Bissau, um trecho da Avenida, bilhete-postal, 1920
Rua General Bastos, Bissau, 1920

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 24 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26421: Notas de leitura (1766): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 27 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26432: Notas de leitura (1767): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26421: Notas de leitura (1766): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
O impacto da Primeira Guerra Mundial é notório nos acontecimentos político-militares e económicos da Guiné; não conheço nenhum estudo que avalie o que foi o apresamento do comércio alemão e do encerramento das próprias fábricas germânicas, seguramente que tudo isso veio bulir com um descontentamento nos Bijagós e pesaram nas hostilidades às autoridades portuguesas. Veio um sindicante para o processo instaurado a Teixeira Pinto, acabou por ficar governador interino, era o coronel Manuel Maria Coelho, pediu regresso à metrópole de Sebastião José Barbosa, um secretário geral de longa data, sobre este pendiam múltiplos descontentamentos, Sebastião Barbosa desobedeceu; há também sublevações em chão Felupe, e o Chefe do Estado-Maior, Ivo Ferreira, toma medidas nos Bijagós que o coronel Manuel Maria Coelho anula. Nesse ano de 1917 temos novo ministro das Colónias, o comandante Ernesto Vilhena, quando Ivo Ferreira lhe pede a nomeação de Graça Falcão para secretário-geral, a resposta é terminante, nunca, jamais, em tempo algum. Tempos turbulentos, conforme se vê, e numa grande penúria, não há dinheiro para fazer operações militares.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11)

Mário Beja Santos

Todo o contencioso entre o governador Andrade Sequeira e o major Teixeira Pinto acabou num processo arquivado, o governador já deixara a Guiné e o major Teixeira Pinto morrera em campanha. Em 6 de janeiro de 1917 chegou à Guiné o coronel Manuel Maria Coelho, viera como sindicante deste processo que visava Teixeira Pinto, devia trazer mais referências do secretário-geral Sebastião José Barbosa, o coronel Coelho dá a saber ao ministro que não pode começar a trabalhar sem antes assumir o Governo interinamente, havendo que fazer regressar o secretário-geral à metrópole. O coronel teve que se preocupar com a realização de várias operações militares. Havia uma grande agitação na região do Cacheu, mais propriamente em Elia, tinham chegado uns manjacos vindos do território francês, estavam a pôr em polvorosa a etnia dominante, os Baiotes. O governador encarregou o Chefe do Estado-Maior, Ivo Ferreira, de ir averiguar a situação, Ivo Ferreira deu razão à queixa dos Baiotes, lamentava que o administrador de Cacheu não tivesse sabido agir em conformidade. Ainda na sua inspeção, Ivo Ferreira descobriu um roubo que estava a ser feito aos indígenas. “Verifica que toda a escrituração do cofre se achava correta, mas averigua que existia uma espoliação da parte do comércio local, o qual pagava adiantadamente o imposto devido pelos indígenas na importância de um escudo e 50 centavos por palhota, e que depois recebia por cada imposto pago um bushel (cerca de 27 quilos) de coconote cuja cotação é em média de 3 escudos. Era uma usura, com que era necessário acabar, mas que os administradores costumavam aceitar, por lhes ser mais fácil realizar assim a cobrança.” Ivo Ferreira também descobriu que havia grandes desinteligências entre o administrador e o comerciante Graça Falcão, aqui tantas vezes referido quer como herói militar quer pelas suas tropelias, Ivo Ferreira escreve no seu relatório ser do parecer de que o administrador deveria ser transferido para outro local, como aconteceu.

Há igualmente desacatos em Canhabaque, o governador Coelho para obrigar os indígenas à obediência e montar um posto de ocupação da ilha mandou constituir uma coluna comandada pelo tenente Sousa Guerra, que já se tinha distinguido na coluna de Bissau de 1915. A operação não se chegou a realizar porque o ministro não deu dinheiro para tal. Numa tentativa de resolver a situação, o chefe do Estado-Maior alvitrou ao governador que se desanexassem as ilhas rebeldes da circunscrição civil e se instalasse uma guarnição em Bubaque. Ivo Ferreira regressou a Bolama, o coronel Coelho visita Bissau e Ivo Ferreira aproveita para fazer ele próprio a sua política, as tais medidas de desanexação de circunscrição civil, ficam sob o comando militar com sede na ilha de Bubaque, o comandante nomeado é o tenente Gaspar que desembarca em Bubaque onde é informado por um chefe de tabanca que todos tinham fugido para o mato; Gaspar previne os chefes locais que irá fazer o arrolamento das restantes tabancas, a que se seguiria o pagamento do imposto.

O tenente Gaspar procede a um reconhecimento às margens da ilha de Canhabaque, há tiros disparados de longe contra o navio, a resposta são tiros de canhão e metralhadora. Dá-se um desembarque, a coluna é atingida pela fuzilaria dos Bijagós. Instala-se a desorientação na coluna, o tenente Gaspar decide retirar para a Praia, tinham morrido três soldados e ficado feridos 22. O governador Manuel Coelho regressa a Bolama, declara sem efeito as medidas de Ivo Ferreira. Há alterações governamentais em Lisboa, Afonso Costa era agora o presidente do Ministério e Ernesto de Vilhena o ministro das Colónia, o governador Coelho pede exoneração, mas antes disso ordena a Ivo Ferreira para ir a Canhabaque verificar o que se tinha passado, e o que se tinha passado fora um revés, Ivo Ferreira informa o governador que são necessários reforços para satisfazer as despesas das operações, temos uma nova coluna e operações nos Bijagós, nova fuzilaria mas os naturais da ilha fogem, encontram-se inúmeros mantimentos na tabanca de Bini, eram em quantidade tal que deram para sustentar uma força de 350 homens , entre regulares e irregulares, durante perto de 15 dias. Montou-se um posto militar, avançou-se para outras tabancas, o alvo era o rei de Canhabaque. No seu relatório, Ivo Ferreira releva a conduta militar de Sousa Guerra e, pasme-se, menciona com dignos louvores não só o alferes de 2ª linha Mamadu Sissé e o chefe de guerra Abdul Indjai.

Entretanto, Manuel Maria Coelho abandona a Guiné, sugerira ao ministro o nome de Ivo Ferreira, chegando a Lisboa apresenta o seu próprio relatório ao ministro, não deixa de lançar acusações à ação de Ivo Ferreira, acusando este de ser conflituoso e originar indisciplina com outros oficiais e escreve explicitamente que Ivo Ferreira não tinha mostrado as melhores qualidades de chefe. Enquanto isto tudo se passa, há desordens e desacatos de novo em chão Felupe, parte uma força de Arame que é recebida em Nhanbalam a tiro, mas depois os revoltados fogem em debandada, as tabancas são incendidas, os desacatos continuaram, as povoações Felupes foram intimadas em entregarem todo o armamento que possuíssem, todos irão cumprir com exceção de Susana, esta povoação será bombardeada, acabam por pedir perdão. É então que o ainda governador Manuel Maria Coelho manda atacar Nhanbalam, os residentes fogem em debandada, segue-se o incêndio das moranças, haverá festejos no Cacheu.

Armando Tavares da Silva debruça-se sobe o caso de Sebastião Barbosa. O coronel Coelho teria conhecimento de factos passados com Sebastião Barbosa que aconselhavam o seu afastamento da colónia, depois de várias peripécias, manda-o seguir para Lisboa e nomeia substituto interino para as funções de secretário do Governo, Sebastião Barbosa não irá cumprir a determinação do governador. Antes de se ausentar da província este envia um relatório providencial sobre o estado da colónia, aborda a organização dos serviços, fala do valor das riquezas e forma do seu aproveitamento, não deixando de resumir o conflito entre o governador Andrade Sequeira e o capitão Teixeira Pinto. Expressa a sua opinião sobre Sebastião José Barbosa: “É um antigo negociante, com dois ou três anos dos liceus nacionais; antigo escrivão, antigo amanuense da comissão municipal. É republicano antigo também e, por ocasião da proclamação da República, foi nomeado secretário do Governo por ser irmão de um dos membros do Diretório. É inteligente e ilustrado, mais do que o comum dos seus conterrâneos, crê a Guiné ser uma colónia de Cabo Verde.”

Em 13 de julho de 1917, o tenente-coronel Carlos Ivo de Sá Ferreira assume o Governo da província. De forma surpreendente a sua primeira proposta ao ministro Ernesto Vilhena era a nomeação para secretário-geral de Graça Falcão. E o ministro responde: “Convém dizer ao governador que o lugar não está vago, mas ainda que estivesse não era este individuo o mais próprio para o ocupar, atenta a circunstância de se ter envolvido, de longa data, em questões locais e de não apresentar bons antecedentes.”

Vamos agora ver a governação de Ivo Ferreira.


Armando Tavares da Silva
Manuel Maria Coelho, Governador interino da Guiné, 1917
Monumento aos heróis da pacificação de Canhabaque
Imagem retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, fotografia de Francisco Nogueira, Edições Tinta-de-China, 2016, com a devida vénia

Bolama, rua Governador Cattela, em 1892
Com a devida vénia a Wikimedia Commons

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 17 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26399: Notas de leitura (1765): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26399: Notas de leitura (1765): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Se pretendermos sintetizar os acontecimentos deste período, é imperioso lançar um olhar sobre a política da I República que é pautada por movimentos revolucionários, uma sucessão de ministérios, enfim, instabilidade, que se repercute com as nomeações para Bolama; a nomeação de Andrade Sequeira é coincidente com o rol de queixas quanto a Teixeira Pinto e Abdul Indjai, sobretudo este é acusado de barbaridades, roubos, raptos e intimidações em série; Andrade Sequeira informa o Ministério de que Teixeira Pinto tinha como braço direito este torcionário; irão suceder-se os governadores, haverá mesmo um inquérito a Andrade Sequeira, cresce a instabilidade nos Bijagós, houvera um grave incidente em Bor, Portugal já está em guerra com a Alemanha, irão não só acentuar-se as dificuldades económicas e financeiras , os negociantes alemães têm os seus bens apresados, vem aí um tempo de grandes dificuldades.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10)

Mário Beja Santos

1915, o ano que é dado como o da pacificação da Guiné continental, conhece a polvorosa em Portugal. O general Pimenta de Castro é encarregado de organizar um Ministério, entretanto redobra a agitação republicana, há um movimento revolucionário que provoca largas centenas de mortos, o presidente Manuel de Arriaga é obrigado a demitir-se; virá João Chagas, que era embaixador em Paris, convidado para formar Governo, mal entra em Portugal sofre um atentado, fica gravemente ferido; em junho, Norton de Matos é o novo ministro das Colónias, irá nomear Andrade Sequeira para governador da Guiné (como o leitor estará recordado a sua primeira nomeação fora recusada pelo Senado).

Chega a Bolama numa altura em que já tinham terminado as operações de Bissau, é no rescaldo destas que se irão viver na Guiné conturbados e complexos tempos. Ao considerar que estavam detidos vários Grumetes sem razão fundada, Andrade Sequeira não via razão para eles serem julgados em tribunal de guerra, e os acusados foram enviados para Bolama, medida que deu contestação; os Grumetes, segundo uma petição que chegou ao governador, dizendo que este queria amnistiar gente que se juntara aos Papéis para atacar os europeus e os seus haveres. O protesto era subscrito também por vários funcionários da colónia; o governador irá demiti-los ou suspendê-los. Mas, entretanto, houve uma chacina de Papéis em Bor, praticada por Abdul Indjai e a sua gente, o régulo de Intim terá sido barbaramente assassinado, bem como membros da sua comitiva. Os comerciantes de Bissau pediam ao governador que tomasse providências para salvar os Papéis que eram barbaramente assassinados por estes auxiliares de Abdul. Em novembro, o governador informa o ministro da situação na província, resultante das operações que tinham sido realizadas em Bissau, sob o comando de Teixeira Pinto. Os comerciantes e residentes em Bissau tinham pedido a manutenção deste capitão e escrito ao ministro nesse sentido.

Andrade Sequeira escreve que “a designação de Grumete é dada na Guiné a todos os indígenas cristãos que são, na sua grande maioria, oriundos da raça Papel. São os Grumetes os indígenas que mais têm assimilado a nossa civilização, e são eles também que exercem todas as artes e ofícios, e ocupam vários empregos públicos. Muitos dedicam-se ao pequeno comércio, e pequena cabotagem, e alguns há que são abastados de proprietários, importantes e acreditados comerciantes”. E o governador informa o ministro que era público e notório, terminada a guerra de Bissau, que os auxiliares de Abdul continuavam a praticar toda a casta de violências, extorsões, roubos, assassinatos, saqueavam tudo. Os Grumetes estavam impedidos de se deslocar a Bissau. E mais informava o governador que iria fazer a ocupação militar do território, dá instruções rigorosas aos auxiliares que só poderiam afastar-se dos postos com ordem do comandante, os Papéis poderiam construir as suas tabancas.

Na mesma carta ao ministro dava-lhe conta do que tinha pretendido fazer na ilha de Bissau em 1914; que os Grumetes, representados pela Liga Guineense, haviam pedido insistentemente que não houvesse guerra, considerava que tinha sido péssimo e desastroso esta guerra de 1915, ainda por cima com uma composição de três oficiais, dos quais um era médico, seis praças europeias e 35 soldados indígenas, apoiados por 2 mil irregulares de Abdul Indjai, considerava que com esta proporção de irregulares era materialmente impossível disciplinar e fazer obedecer os auxiliares. “Foi o Abdul que bateu Bissau e que nós fomos, apenas, os seus modestos auxiliares. O governador lamentava ter sido um francês de nascimento e bandido de profissão a prestar serviços à província ‘por seu próprio interesse’”. E juntava documentos que atestavam as irregularidades e as arbitrariedades que Abdul praticara ao longo do tempo. Nesta mesma carta ao ministro, Andrade Sequeira está ciente das dificuldades em apear Abdul, ele ainda goza de popularidade e escreve: “É indispensável tolerá-lo, mas é forçoso desarmá-lo, restringir-lhe a supremacia e não lhe permitir que, impunemente, pratique toda a série de crimes, barbaridades e vandalismos.”
Seguiria esta política desde que obtivesse a anuência do ministro.

Armando Tavares da Silva cita uma informação do administrador de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, enviada a Andrade Sequeira, em síntese: Abdul era oriundo do Senegal, antigo negociante ambulante, tinha exercido comércio de permuta com os indígenas da Costa de Baixo, tinha sido preso pelo régulo dos Manjacos por abusos cometidos, dele se vingou em 1914; um dia desgostou-se das suas ocupações e armou-se em guerreiro, veio viver para a região de Geba, onde cometeu abusos, coadjuvado pela gente que o acompanhava, o que obrigou o comandante militar de Geba a prendê-lo e depois enviado para S. Tomé, de onde regressou em 1908 amnistiado pelo príncipe Luís Filipe, o governador Muzanty não o queria deixar entrar, cedeu ao pedido do régulo Abdulai do Xime; Abdul esteve ao lado de Oliveira Muzanty na guerra com Badora e Cuor, continuaram os abusos, chegou a apresentar-se em Bafatá com mais de oitenta homens armados; trata-se de um esclarecimento longo, cheio de referências a roubos e humilhações de toda a ordem, Calvet Magalhães confessa mesmo que tinha reprovado a decisão do governador Oliveira Duque para a nomeação de Abdul como régulo do Oio, a carta também refere a escravatura que Abdul exercia sobre os desgraçados que apanhava nas guerras.

Vão seguir-se audições de Teixeira Pinto, inumeradas as acusações e é o próprio Andrade Sequeira que incrimina o capitão; há uma participação judicial sobre Teixeira Pinto e Abdul Indjai, Andrade Sequeira manda abrir inquérito sobre o desaparecimento de um processo que implicava Teixeira Pinto, segue-se nova inquirição, Teixeira Pinto vai respondendo aos quesitos, quem coordena o processo é o vice-almirante Brito Capello que concluirá não haver nenhum facto concreto que determinasse procedimento contra o capitão.

Em 1916, temos novo ministro das Colónia, António José de Almeida, Andrade Sequeira abandona a Guiné, em 10 de março Portugal está em guerra com a Alemanha. Surgem problemas nos Bijagós relacionados com a cobrança de impostos, reconheceu-se a impossibilidade de cobrar imposto. Regressado a Lisboa, Andrade Sequeira pede ao ministro um rigoroso inquérito a fim de se averiguarem vários abusos praticados na colónia e que ele documentara nos seus relatórios. O inquérito é entregue a Manuel Maria Coelho, um oficial que foi o primeiro governador-geral de Angola no regime republicano. O relatório deste é absolutamente demolidor quanto ao comportamento do governador Andrade Sequeira, e conclui mesmo que a obra do capitão Teixeira Pinto na Guiné tinha sido tão fecunda em benefícios para a colónia e em glória para Portugal como nefasta foi a obra do governador Andrade Sequeira.

Iremos ver agora o período de 1917 a 1919 marcada por desacatos em Canhabaque, a governação interina de Manuel Maria Coelho, haverá novo governador interino, Ivo Ferreira, e a segunda presença de Josué de Oliveira Duque à frente dos destinos da Guiné, e, no tropel dos acontecimentos, Sousa Guerra também será nomeado governador da Guiné.


Armando Tavares da Silva
Régulo Mamadu Sissé, colaborador de Teixeira Pinto nas operações de Bissau, fotografia de Domingos Alvão, tirada durante a I Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934
Aldeia Mancanha, 1910
Terra Ardente (1960, documentário realizado por Augusto Fraga, pertence à Cinemateca Portuguesa, com a devida vénia

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 10 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26385: Notas de leitura (1764): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Achei por bem fazer uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos na Guiné entre 1910 (chegada de Carlos Pereira, 1.º governador da República) até ao fim das operações de Teixeira Pinto, depois dos seus êxitos na ilha de Bissau. É um dos momentos mais controversos da história desta colónia, não aparecem documentos que explicitamente culpabilizem dirigentes da Liga Guineense em termos de agitarem os Grumetes e os Papéis contra a política do governador; o defensor dos acusados, o Dr. Loff de Vasconcelos, irá escrever um opúsculo arrasador, dando Teixeira Pinto como conivente com os crimes e pilhagens praticados pelos irregulares de Abdul Indjai em toda a ilha; como sabemos, governadores irão, a partir da década de 1920, procurar a glorificação do capitão Teixeira Pinto, e há qualquer coisa de escandaloso em não dar voz aos argumentos expostos por Loff de Vasconcelos. E como acontece nestas cenas de comédia à portuguesa, os acusados, resolvido a contento do Governo o problema da ilha de Bissau, foram libertos, embora silenciados pela História. Somos verdadeiramente peritos nestas lavagens, deixamos a verdade a bom recato.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Oficial, até ao virar do século e depois (9)

Mário Beja Santos

Convém proceder a uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos entre 1910 e 1913. Carlos Pereira é o 1.º Governador da República, envia um relatório de extrema importância o Ministro da Marinha e Ultramar, surgiu a Liga Guineense que mostra propósitos de fazer propaganda de instrução e promete trabalhar para o progresso e desenvolvimento da Guiné Portuguesa; há desacatos em Cacheu, a organização militar e a Marinha sofreram alterações, foram demolidas as muralhas de Bissau e chega um novo Chefe do Estado-Maior, o Capitão João Teixeira Pinto, depois de observar o terreno lança-se em operações no Oio; a circunscrição de Geba, então qualquer coisa como um sexto do território da Guiné, o administrador Vasco Calvet de Magalhães, que também apoiou as operações de Teixeira Pinto, procede a um conjunto de obras, com destaque para a estrada de Bafatá para Bambadinca; é tempo de concessões, surgiu o entusiasmo pela agricultura, mesmo gente da classe média aboletada em Bissau ou Bolama quer ter a sua propriedade no campo; começam as acusações a um colaborador direito de Teixeira Pinto, Abdul Indjai; segue-se o estranho caso da nomeação de Andrade Sequeira para governador para substituir Carlos Pereira e a sua rejeição pelo Senado; entretanto, Teixeira Pinto é enviado a Cacine, onde houvera sublevação, faz-se acompanhar por centenas de auxiliares de Abdul Indjai; parecendo que ficara pacificado o território da Costa de Baixo, ocorre em fevereiro de 1914 um acontecimento de extrema gravidade, que irá originar novas operações militares. O alferes Manuel Pedro tinha saído de Porto Mansoa com o pelotão de polícia rural do seu comando, foi atacado por Balantas, o alferes morre bem como três cabos. Teixeira Pinto segue para Bissorã e Mansoa, teve que alterar os seus planos, volta à circunscrição de Cacheu a vim de submeter aqueles povos. Conhecedor da morte do alferes Pedro avança em direção a Basserel, é apoiado pela lancha canhoneira Flecha, depois de atravessar uma mata serradíssima, a coluna encontra a paliçada que defendia a tabanca, a coluna foi atacada pelos Manjacos, segue-se um fogo intensíssimo, os Manjacos têm bastantes mortos, e a coluna sofreu também seis mortos.

Tem bastante importância o relatório que Teixeira Pinto enviou a Andrade Sequeira, chama a atenção para a insuficiência das guarnições, estas careciam, todas somadas de 760 soldados. Teixeira Pinto escolhe novos régulos para a Costa de Baixo, e diz ao governador que o problema fulcral era a educação do gentio. Antes de parir, Andrade Sequeira nomeara Abdul Indjai tenente de 2.ª linha. Em maio de 1914, chega novo governador, Josué de Oliveira Duque, que prontamente decide uma operação para castigar os Balantas, de novo o comando da coluna é confiado a Teixeira Pinto. Este tece um plano de seguir para Bula, aí concentraria as forças, passaria até Bissorã e daí para Porto Mansoa; numa segunda fase, pensa passar para a margem esquerda do rio Mansoa e bater todos os Balantas entre este rio e o de Geba, até ao Impernal, ocupando Nhacra onde ficaria estabelecido o posto militar.

Teixeira Pinto para com 600 irregulares, chega a Binar, marcha em direção a Paxe, é, entretanto, atacado, mas o inimigo repelido, destrói depois várias povoações e regressa a Binar. Os rebeldes não desarmam, mas são repelidos pelas forças de Abdul. A força obtém a ajuda de Mancanhas como carregadores. E chegam notícias de que os Balantas estão a fazer uma grande reunião, o que se revela verdade. Teixeira Pinto vai agindo em três frentes, o inimigo vê-se forçado a retirar, irá sofrer muito com o fogo das canhoneiras. Encurtando razões, nos dias seguintes os Balantas atacam, sem êxito. Chegou a hora das negociações. Mas vai começar a segunda fase das operações na margem esquerda do rio Mansoa. Teixeira Pinto regressa a Bolama, havia que tratar da ocupação militar dos territórios batidos, faltava apenas bater a região dos Papéis de Bissau, Teixeira Pinto mantém-se na Guiné até outubro e depois segue para Lisboa, mas logo em novembro é determinado que regressa à Guiné para servir numa nova comissão. Abdul Indjai dá que falar, veio de Lisboa em missão de inspeção extraordinária como inspetor da fazenda das colónias, pede informações ao governador Oliveira Duque e a Teixeira Pinto, este parece tomar partido a favor de Abdul, o governador Josué Duque parte e chega Andrade Sequeira. A missão que viera de Lisboa emitiu o parecer de que o Oio devia ser desanexado e ficar como comando militar independente. Teixeira Pinto vai sempre defendendo Abdul, dizendo que este sofria o ódio do administrador da circunscrição de Cacheu.

Regressado de Lisboa, é preparada a operação na ilha de Bissau. O que se passa antes das operações ainda não está devidamente claro, os dirigentes da Liga Guineense tudo fazem para que não se empregue a força das armas, afirmam que os Grumetes e os Papéis se irão submeter e entregar as armas, apela-se mesmo ao ministro das colónias para evitar a campanha, afirma-se que os habitantes da ilha de Bissau se comprometiam a pagar os impostos que legalmente fossem devidos. Desenvolve-se, entretanto, uma campanha de ameaças e de intrigas entre Abdul e outros chefes de guerra, como Mamadu Sissé. O governador está do lado de Teixeira Pinto, é a favor das operações, alega a falta de cumprimento de todas as promessas feitas, competia ao ministro ordenar a cessão dos preparativos ao mandar executar as operações, o ministro limita-se a deixar ao critério do governador a resolução final. O governador reúne o conselho administrativo da província que unanimemente apoia as operações, assim estas se vão desenrolar, estão amplamente documentadas, é, no entretanto, que se dá a prisão de alegados responsáveis pela resistência dos Grumetes e Papéis, gente que fazia parte da Liga Guineense, Oliveira Duque procede à sua dissolução, responsabiliza-a pelo estado de permanente hostilidade por parte dos indígenas de Bissau.

É aqui que Armando Tavares da Silva abre um parenteses para recordar o movimento de 14 de maio de 1915, um conflito ocorrera entre o Governo e boa parte das Forças Armadas, mas as causas reais residiam na oposição do Exército na entrada de Portugal na guerra. Na madrugada de 19 para 20 de janeiro de 1915, um grupo de oficiais revolta-se reclamando o regresso dos oficiais transferidos às suas unidades de origem. Dirigem-se para a Presidência da República, são travados no caminho, protestam entregando as suas espadas, sendo seguidamente presos. Segue-se o movimento revolucionário de 14 de maio, que se irá estender por todo o país. João Chagas, que era embaixador em Paris, é chamado para formar Governo, mas pouco depois de entrar em Portugal sofre um atentado, ficando gravemente ferido. Peripécias atrás de peripécias, em junho Norton de Matos é ministro das Colónias, nomeia-se novamente Andrade Sequeira para governador da Guiné, toma posse em 25 de agosto de 1915. Vão agora aparecer as acusações contra Teixeira Pinto.


Armando Tavares da Silva
Vista das instalações fabris da Sociedade Comercial Ultramarina, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Navio Alger carregado de madeira, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Em Bissorã, festa com dança pela captura de armamento ao PAIG, pela CART 1525, na Operação RUA, no dia 01/02/1967, e no dia 3, nos arredores de Bissorã. Apreensão importante que motivou a deslocação àquela Vila do Governador, General Arnaldo Schulz. Imagem retirada do historial da CART 1525, com a devida vénia

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 3 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26342: Notas de leitura (1760): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (8) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 9 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26365 Notas de leitura (1762): "Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação": apresentação do prof Joop de Song, Simpósio Internacional "Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal", Praia, Cabo Verde, 9 de setembro de 2024

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26361: O nosso livro de visitas (226): João Maria da Cruz Teixeira Pinto, bisneto do João Teixeira Pinto (1876-1917): o único descendente masculino vivo, em linha reta, do antigo aluno, nº 144/1888, do Colégio Militar, "o Pinto dos Bigodes"




Guiné > Bissau > c. 1943 > Busto do cap Teixeira
Pinto (1876 - 1917). Fonte: "Guiné Portuguesa. Album Fotográfico", 1943. Coleção de fotografias de Amândio Lopes. Cortesia de Armando Tavares da Silva (*).



João Teixeira Pinto, maj inf (1876 - 1917)

Foi aluno, nº 144/1888, do Colégio Militar, onde era conhecido pelo "Pinto dos Bigodes", antes de ingressar na Escola do Exército em 1897, cujo curso de infantaria irá concluir em 1899, (**)



1. Mensagem do nosso leitor, João Maria da Cruz Teixeira Pinto, investigor e professor do Instituto Superior Técnico / Universidade de Lisboa:


Data - 7 jan 2025 13:35

Assunto - Pequena correção


Caro Luis Graça


Quero começar por felicitá-lo e à sua equipa pelo excelente trabalho de recolha de testemunhos e informações sobre experiências vividas durante
a  guerra colonial na Guiné no blog "Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Apesar da minha ascendência e do ambiente familiar da minha juventude, onde me lembro que estes assuntos eram frequentemente falados, estou muito afastado destes temas (sou Matemático, professor e investigador do Instituto Superior Técnico), tendo chegado ao vosso blog através do meu querido primo Pedro Lauret com quem tenho uma relação próxima desde criança.

Ao explorar o vosso blog deparei-me com um artigo antigo, já de 2007, incluindo a contribuição do meu primo afastado A. Teixeira Pinto na página

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/03/guin-6374-p1614-o-capito-diabo-heri-do.html

Além de manifestar o meu apreço pelo vosso trabalho,  gostaria apenas de, e apesar da antiguidade do referido artigo, fazer uma observação relativa a referir-se ao Capitão João Teixeira Pinto como antepassado de A. Teixeira Pinto. 

Na realidade, no sentido mais estrito do termo "antepassado",  trata-se de uma incorrecção que eu passo a detalhar. 

De facto, descendentes vivos do referido militar só há dois, eu próprio e a minha prima Maria Margarida Teixeira Restani Pinto. 

O Capitão João Teixeira Pinto apenas teve um filho, também ele chamado João Teixeira Pinto, tal como o meu pai e eu próprio, o qual foi também oficial mas em artilharia, tendo chegado ao posto de coronel. 

Por curiosidade, refira-se que, na 1ª Guerra Munidal o meu avô lutava na Flandres ao mesmo tempo que o meu bisavô lutava em Moçambique onde encontrou a morte em 1917. 

Aquele, por sua vez, teve dois filhos, a minha tia Maria Judite Teixeira Restani Pinto, mãe da minha prima atrás referida, e o meu pai, João Teixeira Pinto, também atrás referido. 

Refira-se que este último foi o meu único ascendente masculino em pelo menos 6 gerações que não abraçou a carreira militar, tendo sido médico veterinário. Por sua vez este teve dois filhos, a minha irmã Maria João Teixeira Pinto que
faleceu ainda criança, e eu próprio.

Disponho de alguma documentação e, principalmente, muitas chapas fotográficas, já que o meu bisavô era entusiasta da fotografia levando
sempre atrás de si nas campanhas um volume considerável de material fotográfico.

Termino com os meus desejos de que prossigam o vosso bom trabalho.

Com os meus cumprimentos,

João Maria da Cruz Teixeira Pinto

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, prof João Teixeira Pinto,  pelo seu apreço  pelo trabalho da nossa equipa na partilha de informações, conhecimentos, memórias, vivências, afetos, etc., relacionados com a guerra da descolonização da Guiné (1961/74)... E onde, naturalmente, cabem o passado, o presente e o futuro da presença histórica lusófona nesta parte de África.

É, justamente, nessa medida, que falamos aqui também de ilustres militares como o seu bisavô, o major inf João Teixeira Pinto (Moçâmedes, Angola, 1876 — Negomano, Moçambique, 1917). Sobre ele temos mais de 80 referências no nosso blogue (capitão Teixeira Pinto).

De facto, e em rigor, no sentido estrito do vocábulo, o meu amigo (e ilustre colega que  se irá jubilar, presumo eu, em 2028) é o único descendente, masculino, em linha reta, do 
"nosso" João Teixeira Pinto, filho de outro "africanista" do mesmo nome João Teixeira Pinto ("Kurica", leão, em língua cuamata), pai do seu pai... Todos eles de nome João Teixeira Pinto. 

Fica aqui feita a "pequena coreção" que nos pede, "por mor da verdade" e para os demais efeitos que forem devidos.

Fica, desde já convidado, a utilizar este espaço para divulgar alguma da,  julgo que inédita,  documentação fotográfica do seu ilustre bisavô. Aproveito também para saudar o seu primo Pedro Lauret, que é um membro histórico da nossa Tabanca Grande, e que em hora lhe falou do nosso blogue.  (***)

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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 8 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21747: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (80): busto do capitão Teixeira Pinto, em Bissau, c. 1943 (Armando Tavares da Silva)

(**) Vd. "João Teixeira Pinto, antigo aluno, 144/1888, o Pinto dos Bigodes". Zacatraz - Revista da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, nº 192, jul / set 2013, pp. 23-26.

(***) Último poste da série > 10 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26137: O nosso livro de visitas (225): Jaime Portugal, ex-alf mil, CART 6251/72 (Catió e Cabedu, 1972/74)

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26213: Notas de leitura (1750): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Continua a ser mistério insondável o silêncio do Boletim Oficial da Província da Guiné quanto aos acontecimentos, verdadeiramente preocupantes, das dificuldades postas à pacificação e ocupação do território. Nunca se fala da hostilidade do Oio e da sua firme oposição a pagar impostos; não há uma só referência à insubmissões das populações à volta de Cacheu, isto a despeito de haver relatórios mensais do comandante militar de Cacheu, parece que está tudo em paz. Um dia, em conversa com Armando Tavares da Silva, ele contou-me como é que sendo ele um professor catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, se lançou neste cometimento de investigação da História Política e Militar nas vésperas de autonomia até ao fim da I República. O seu avô, tenente da Armada Real e administrador colonial, estivera na guerra do Churo, deixara documentação, picado pela curiosidade, lançou-se ao trabalho. Neste texto, em que se fala da guerra do Churo de 1904, invoco com respeito a memória de Armando Tavares da Silva, a quem a historiografia da Guiné muito fica a dever.

Um abraço do
Mário


O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (4)

Mário Beja Santos

O leitor tem vindo a ser informado da parcimónia informativa do Boletim Official da Província da Guiné quanto a este período do virar do século, entrou-se numa rotina burocrática das chegadas e partidas, nomeações e exonerações e questões alfandegárias, não esquecendo as questões militares, mas também de caráter burocrático. Por isso se regressa ao vasto acervo documental da obra de Armando Tavares da Silva, A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926, no caso vertente o período de 1903 a 1905.

Judice Biker partiu, chegou Soveral Martins. Este escreve para Lisboa, elogiando a obra pacificador do seu antecessor, considera a situação que a situação económica da província não correspondia à riqueza e vastidão do território e observa que “fazer a guerra a pretos com pretos só serve e basta quando aqueles sabem que ela pode ser sustentada com outras forças cuja decisiva e irresistível ação já sentiram.” Exprime dúvidas quanto à lealdade de diversas etnias, será o caso do Oio, a campanha de Judice Biker podia ter sido seguida por uma ocupação séria, é de prever nova guerra. Faz ao Governo uma resenha dos diferentes povos, enumera a multiplicidade de artérias fluviais e questiona em voz alta quais os meios que a província dispõe para manterem respeito aos povos inimigos. Alude à ocupação reduzida aos comandos militares – Cacheu, Farim, Bissau, Geba, Buba e Cacine, os postos fiscais de Arame, São Domingos e Contabane; existem duas lanchas canhoneiras, Cacheu e Farim, que não podem sair ao mar. O material de guerra é inapropriado, dúvida do seu bom estado de funcionamento. Elogia a administração francesa em que o sipaio senegalês mantinha o prestígio colonial, a segurança e integridade do território.

Enumera as regiões que, pelo seu estado de revolta, necessitam de uma imediata ocupação: o Oio; a região ocupada pelos Balantas nas duas margens do Mansoa; a ilha de Bissau; o arquipélago de Bijagós e Manjacos. Para que se dê essa ocupação seria indispensável um estabelecimento de um total e seis comandos militares, fala dos efetivos necessários, a presença de um navio de guerra capaz de sair ao mar, forças europeias. Em Lisboa, o novo ministro do Ultramar pede ao ex-governador Judice Biker um relatório confidencial, este elabora-o, considera que o principal problema passa por castigar os Oincas e sujeitá-los ao pagamento imposto, tinha a convicção que se assim não se fizesse, os Fulas e Biafadas passariam a ter relutância ao pagamento; e Biker exprimia também a opinião de que na época seca seguinte se devia avançar para o Oio e depois aproveitar a mesma expedição para castiga o gentio do Churo, que estava constantemente incomodando a praça de Cacheu; Biker termina o seu relatório indicando as forças militares necessárias para manter o gentio em sossego; o desenvolvimento comercial com a paz na província compensaria bem todos os esforços e defesas. Também não deixa de notar quando, a 13 de julho de 1900 assumira o Governo da província “o nosso domínio era pouco mais que nominal, limitando-nos a conservarmo-nos na sede dos comandos militares, mas sem prestígio e influência sobre os gentios para nos fazermos obedecer.”

O ministro não responde às propostas de Soveral Martins, era certamente da opinião que se fazia resolver sem empregar a força. Soveral Martins viaja pelo interior da província, informa o ministro que conseguira com meios suasórios a submissão de agentes do Oio, o que estava muito longe da realidade. É nisto que o comandante militar de Cacheu avisa o governador que foi prevenido pelo gentio de Churo de que no prazo de três dias iria atacar a praça. Seguem uma embarcação para Cacheu e mais tarde a lancha canhoneira Cacheu. Está tudo num impasse, não há nenhuma operação contra o Churo, mas a 7 de dezembro o gentio de Churo avança sobre Cacheu. O governador junta reforços para a defesa da praça. O ministro expede um telegrama para o governador de Angola perguntando-lhe se ele poderia organizar um batalhão disciplinar com uma companhia europeia e outra indígena para destacar em serviço de campanha na Guiné. O ministro não tem dinheiro, não é aceitável qualquer guerra dispendiosa, sugere ao governador que aproveite os Grumetes como elemento essencial e principal nas operações. O governador vê esboroarem-se os seus planos, mas pede apoio naval, 500 armas Snider e 200 mil cartuchos. A custo, fora organizada na metrópole uma pequena força composta quase só de praças que, estando na maioria dos casos a cumprir penas, se tinham voluntariado para servir no Ultramar.

Depois de alguns avanços e recuos organiza-se a coluna de operações composta por um núcleo de forças regulares e por forças irregulares de auxiliares Grumetes, partem a 26 de fevereiro de 1904 para Cacheu, vai chegando mais apoio naval, a coluna põe-se ao caminho, dirigem-se para as tabancas de Churo, as palhotas foram incendiadas, houve algum tiroteio, mas o Churo estava vencido. Restava, para completo castigo dos rebeldes levar a guerra às tabancas da região de Cacheu. Não era possível atravessar o território entre o Churro e o Cacheu, 30 km de mato quase impraticável e o calor era uma fornalha. Regressa-se a Cacheu e a partir por terra castigavam-se os povos que mais incomodavam a praça.

O governador deixou um detalhado relatório, informa o governo em Lisboa dos resultados desta nova expedição, as tabancas arrasadas em torno de Cacheu. O governador viajará a Cacheu para receber a submissão do gentio e impor as suas condições para o perdão, estas foram aceites. Para que houvesse ocupação efetiva, era indispensável a nomeação de um corpo de tropa aguerrida, ou um esquadrão de dragões. O ministro irá arguir à constituição de um esquadrão de dragões indígenas da Guiné, pede que se proceda à reorganização militar, e o esquadrão fica com a sua sede em Farim. Lapa Valente é o governador interino, vê-se confrontado com a decadência progressiva do pequeno comércio nas margens dos rios e no interior. Interessante observação dele sobre o comércio da Guiné, constituiria “um sindicato entregue a três ou quatro companhias estrangeiras, pouco escrupulosas, que num futuro muito próxima explorarão sem consciência europeus e indígenas”. E, mais adiante, referindo-se ao pequeno comércio no interior diz que é “constituído por nacionais clientes dessas companhias, e que se limitavam a casas de venda a grosso e retalho em Bolama e Bissau, os portos servidos pela navegação de longo curso.” Internando-se pelos rios, ali faziam o seu abastecimento, promovendo com o indígena “trocas em dinheiro e em produtos do país (mancarra, cola, borracha, bandas, gado, coros, cera, etc.), que entregues a essas casas, eram depois por elas lançadas nos mercados europeus.” É, pois, manifestamente favorável ao estabelecimento de companhias estrangeiras no interior dos rios.

Decorrem, entretanto, a delimitação de fronteiras, acarretando confrontos com o gentio; tratava-se da delimitação da fronteira norte pela missão conjunta luso-francesa, com o levantamento dos rios Cacheu e Casamansa, para se determinar a linha de separação. Encontrou-se bastante hostilidade. Em 15 de dezembro de 1904 é nomeado novo governador, o capitão Carlos d’Almeida Pessanha, virá tomar posse em 2 de fevereiro de 1905.

Armando Tavares da Silva
Lapa Valente nomeado governador interino na ausência de Carlos d’Almeida Pessanha, 1905
Nomeação de João Augusto d’Oliveira Muzanty como governador da Guiné, 1906
Um prisioneiro. Oferta de Maria Alice Caldeira, viúva do Coronel de Artilharia/Comando Octávio Barbosa Henriques (1938-2007), de um conjunto de materiais do seu espólio. No arquivo da EPHEMERA, encontra-se um número significativo de fotografias da guerra colonial, em particular da sua estadia na Guiné entre 1968-1972, aquartelado no Sul da Guiné junto da fronteira com a Guiné-Conacri.

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 22 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26181: Notas de leitura (1747): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (3) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 25 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26191: Notas de leitura (1749): A Guiné Que Conhecemos: as histórias sobre unidades do BCAV 2867 (1) (Mário Beja Santos)