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segunda-feira, 3 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26547: Notas de leitura (1777): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
A obra Os Mais Jovens Combatentes, do ex-marinheiro José Maria Monteiro, não se confina à guerra na Guiné, é uma narrativa que se estende à Angola, Moçambique e à Índia. Mas naquilo que nos diz respeito, vê-se claramente que consultou bibliografia adequada quanto às atividades da Marinha na Guiné, vai cronologicamente da chegada de um pelotão de fuzileiros no final de 1961 à Guiné até ao relato do marinheiro Quintão de Andrade Rodrigues, radiotelegrafista em Caió, o último a retirar, embarcou na Fragata Comandante Roberto Ivens na manhã do dia 15 de outubro de 1974. O autor releva as principais operações em que estiveram envolvidos os destacamentos de fuzileiros especiais, enumera os marinheiros mortos bem como as unidades especiais de combate e o dispositivo naval. Um documento seguramente descrito com emoção de quem sente que cumpriu o seu dever, palmilhando leituras que permitissem pôr em livro singelo o papel da Marinha na guerra de África.

Um abraço do
Mário



Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné (3)

Mário Beja Santos


A obra intitula-se "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro, Chiado Books, 2019. O autor alistou-se em 1967 na Marinha, ofereceu-se como voluntário para a Guiné, nos dois primeiros anos desempenhou as funções de radiotelegrafista de uma lancha de fiscalização pequena; terminados os dois primeiros anos, passou para o Comando da Defesa Marítima da Guiné, continuando mais dois anos como marinheiro telegrafista. Foi aumentando as suas habilitações, concluiu o curso de Economia e, mais tarde, o de Direito.

Antes de se contar a interessantíssima história do último militar português que saiu da Guiné, na manhã do dia 15 de outubro de 1974, há que fazer uma síntese das atividades dos fuzileiros entre 1971 e 1974. Terminada a operação Mar Verde, os combatentes integrados nos DFE 4, 8, 12, 13 e 21, continuaram em sucessivas operações, tendo sido ordenado ao DFE 21 e à Companhia de Artilharia 2673 a participação na operação Boa Festa, deslocaram-se para a região de Empada, na península da Pobreza. Foi uma as operações mais negativas para os fuzileiros, há um relato do comandante do DFE 21 que refere que a partir do anoitecer o local do estacionamento foi batido por granadas de morteiro, horas mais tarde flagelado por 50 a 60 elementos da guerrilha, o destacamento reagiu, sofreu 1 morto e 3 feridos graves, mudou de posição, passadas horas passou a ser flagelado, houve reação enérgica do efetivo do destacamento, o IN retirou.

No mês seguinte, realizou-se a operação Boa Festa, quatro secções do DFE 13 embarcaram na lancha Orión, avistaram uma canoa sem tripulantes na zona de Garsene, ao aproximarem-se caíram numa violenta emboscada que lhes causou 2 mortos; em novembro de 1971 foi criado o 2.º Destacamento de Fuzileiros Especiais africanos, o seu comandante era o primeiro-tenente Rebordão de Brito, a atividade operacional ao longo de 1972 não abrandou, os destacamentos de fuzileiros africanos deram provas de grande bravura. Em 1973, a partir de agosto o dispositivo dos fuzileiros situava-se na Bapatganturé, era o DFE 1; o DFE 21 estava sediado em Cacheu; o DFE 12 aquartelado em Cafine; o DFE 4 no Chugué e o DFE 22 em Cacine, sofrendo flagelações diárias.
E o autor refere os acontecimentos anteriores ao 25 de Abril:
“Chegados a 1974, a região de Gadamael continua sistematicamente a ser bombardeada, o DFE 22, sediado em Cacine, participa em diversas operações de intervenção e fiscalização, em que nenhuma dessas intervenções o DFE 22 sofreu várias baixas. Poucos dias antes do 25 de Abril, a Norte, o DFE 1 sofreu uma emboscada no rio Cacheu, perto das clareiras do Jagali e do Leto, sofrendo três baixas.”

Portugal reconheceu a independência da antiga colónia portuguesa em 10 de setembro de 1974. É neste contexto que ganha luminosidade a narrativa do último marinheiro a tirar o pé do último território marinhense, Quintão Mendes de Andrade Rodrigues. Ele fora nomeado radiotelegrafista para a estação Rádio Naval de Bissau, em 1972. Viera em comissão para o Comando da Defesa Marítima da Guiné. Foi colocado numa pequena ilha, Caió, transportado para ali por uma secção de fuzileiros, e a substituir quem ali se encontrava há três meses. Se o radiotelegrafista quisesse continuar, apenas teria de informar a chefia do Rádio Naval. A proteção e segurança da ilha era constituída por dez praças fuzileiros e o radiotelegrafista, a chefia era de um sargento; a ilha tinha uma equipa de pilotos de barra e alguns marinheiros civis. Caió deve ter pouco mais de 1 km de comprimento e uns 800 m de largura, a sua importância tinha a ver com a estação de pilotos e o posto rádio, além de uma estação meteorológica.

O Comando de Defesa Marítima da Guiné, ao tomar conhecimento dos movimentos marítimos de e para Bissau, gerava uma mensagem que era enviada para o rádio de Caió. O radiotelegrafista recebia a mensagem e entregava uma cópia ao chefe dos pilotos e a outra ao sargento fuzileiro. Na referida mensagem também vinha a ordem de ativação do radiofarol da ilha. Quintão habituou-se à ilha, na manhã de 25 de Abril chegou a mensagem onde fazia referência aos acontecimentos na metrópole e que o MFA derrubara o regime. Recebeu a indicação de Bissau para que ele se aguentasse no posto de rádio operacional durante a retirada. Aceitou ficar ali sozinho, a mulher de um dos pilotos cozinhava para ele, ali permaneceu cerca de mais de dois meses depois da retirada dos fuzileiros.

Um dia apareceram-lhe uns homens do PAIGC, depois dos cumprimentos mostrou-lhes o posto de rádio, a central elétrica, o farol e as instalações. Finda a visita informaram-no que não podia alienar nada e que em breve voltariam. No seu relato, Quintão de Andrade Rodrigues refere o vaivém dos navios de transporte de tropas, o radiofarol a funcionar quase sem descanso, ele ia tomando notícia da retirada dos militares da Guiné-Bissau até que lhe chegou a informação que os últimos militares portugueses deixariam o país no dia seguinte. Quintão recebeu a informação de Bissau para estar pronto para embarcar a partir da ilha de Caió no dia seguinte, a bordo da fragata Roberto Ivens.

Quintão quis fazer as contas com a sua diligente cozinheira, esta não aceitou o dinheiro, ele entregou ao casal o dinheiro guineense que tinha e tudo o que ainda havia na dispensa, bem como algum equipamento de cozinha. No nosso blogue é possível encontrar um texto alusivo ao teatro de operações da Guiné em:
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/os%20nossos%20%C3%BAltimos%20seis%20meses.

E Quintão conclui assim a sua narrativa:
“Na manhã do dia 15 de outubro de 1974, acompanhado por todo o pessoal da ilha até ao porto, foi levado a bordo da pequena embarcação dos pilotos de barra por dois marinheiros civis assalariados da Marinha. A bondade e a simplicidade daquelas pessoas eram imensas e vi lágrimas nos olhos de muitos que estavam presentes no pequeno porto. Levava comigo pouca bagagem. Na ilha, andava quase sempre de calções e chinelos, mas tinha uma farda de trabalho completa que enverguei para o embarque. A pequena embarcação dos pilotos encostou-se à fragata e da entrada a bordo, a minha primeira preocupação foi entregar uma espingarda G-3 e uma pistola Walter, que me estavam atribuídas. Entreguei também uma bandeira nacional, que continuei a hastear na ilha até ao reconhecimento da independência da Guiné-Bissau.
Pouco tempo depois de regressar, os antigos pilotos de barra começaram a chegar a Portugal à procura de uma pensão, a que diziam ter direito. Confessaram-me que, na Guiné, estava tudo difícil e caótico: a estação de pilotos de barra deixara de existir e o farol estava sem funcionar.
Quero apenas contribuir para que a história seja dita e contada como ela foi. Vou tentar juntar-me ao blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Marinheiros, os primeiros a chegar e os últimos a partir."

A LDG Alfange
NRP Roberto Ivens
Caió, antigas instalações da Marinha, estação de pilotos. Ao fundo o farol, que terá sido construído em 1944, fotografia constante do nosso blogue
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Notas do editor:

Vd post de 24 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26524: Notas de leitura (1775): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (2) (Mário Beja Santos)

Úl timo post da série de 28 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26538: Notas de leitura (1776): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Quando escreveu em parceria com António Estácio sobre os chineses na Guiné (3) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26524: Notas de leitura (1775): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
José Maria Monteiro lançou-se num empreendimento solitário e invulgar: contar o que fez a Marinha de Guerra na Guiné, Angola e Moçambique, sínteses sobre as atividades operacionais e descrevendo até o dispositivo militar existente. Neste episódio elencam-se as atividades operacionais de 1964 até 1970, o autor regista as alterações operadas em 1968 por Spínola e passa em revista as grandes operações, quer no Sul quer no Norte, operações essas em que por vezes contavam com o Exército, com outras forças de elite e necessariamente contando sempre com a Força Aérea. Dá relevo a operações denominadas Catanada, Cocha e Cuco. Esmiúça a operação Mar Verde, ela tem sido de tal modo aqui tratada que seria repetitivo fazer-lhe aqui mais referência. Deixamos para o último episódio o sumário das atividades de 1971 a 1974, e haverá, espero, alguma surpresa com o que ele nos conta sobre o último militar a sair da Guiné.

Um abraço do
Mário



Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné (2)

Mário Beja Santos


A obra intitula-se "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro, Chiado Books, 2019. O autor alistou-se em 1967 na Marinha, ofereceu-se como voluntário para a Guiné, nos dois primeiros anos desempenhou as funções de radiotelegrafista de uma lancha de fiscalização pequena; terminados os dois primeiros anos, passou para o Comando da Defesa Marítima da Guiné, continuando mais dois anos como marinheiro telegrafista. Foi aumentando as suas habilitações, concluiu o curso de Economia e, mais tarde, o de Direito.

Vamos ver agora as atividades da Marinha de Guerra na Guiné entre 1964 e 1968. Apareceram os primeiros engenhos explosivos aquáticos que afundaram alguns batelões enquadrados em comboios navais. Nos primeiros meses do ano de 1965, verificou-se um aumento das atividades da guerrilha nas regiões de Bajocunda, Canquelifa e Pirada, Schulz requereu a dois destacamentos que interviessem em Bigene, Barro e Ingoré, na zona Norte, e em Gadamael-Guileje. Em igual período cada um dos Destacamentos de Fuzileiros Especiais (DFE) atuava na bacia hidrográfica da sua responsabilidade, usavam-se as técnicas de desembarque em botes de borracha, que rapidamente foram abandonadas porque estes, após o desembarque, ficavam sem proteção; passou-se a usar o desembarque e o reembarque com apoio das lanchas nos principais cursos de água da Guiné. Dera-se, de 1965 para 1966, um avanço da guerrilha que passara à ofensiva na zona do Cantanhez. A operação Safari, constituída pelos DFE 10, 9, 4 e 3, e ainda pela CF 7, tinha por objetivo destruir a base central localizada no triângulo Cafal-Calaque-Darsalame, não foi possível devido aos violentos confrontos com os guerrilheiros.

Recorda o autor que a orientação militar, seguida pelo Comando da Defesa Marítima até 1968 pressupunha o controlo e o emprego das unidades de fuzileiros sob a sua alçada, que era lançada em operações específicas em coordenação com outras forças navais. No início de 1966, vários DFE tentaram conquistar a zona de Cafine, sem êxito; em meados do ano, o PAIGC ampliava todas as bases ao longo da fronteira com o Senegal, atacando em S. Domingos, Barro, Ingoré e Susana. Em agosto desse ano, o dispositivo militar naval foi reforçado com mais uma Companhia de Fuzileiros. O dispositivo militar naval era constituído por quatro DFE e duas CF atuando em Bissau, Ganturé, Cacheu, rio Grande de Buba, rios Geba, Mansoa e Corubal e rios Cacine e Cumbijã. Vamos agora entrar num novo período.

Em maio de 1968, Spínola vai alterar toda a estratégia naval, acabou com as atribuições de defesa e segurança das bacias hidrográficas criando comandos de agrupamento operacionais permanentes nos quais seriam integrados os fuzileiros. No último mês em funções, o comandante-chefe Schulz determinou à Marinha a realização de operações com fuzileiros a fim de cortar o corredor de Sambuiá e também na zona de Geba-Corubal. Nesse mesmo mês de abril chegou à Guiné o DFE 13, a quem foi atribuída a responsabilidade de fiscalizar as bacias hidrográficas de Cacine e Cumbijã. Para Spínola, o objetivo passava a ser cortar o abastecimento aos guerrilheiros, foram lançadas duas grandes operações no Norte, a operação Via Láctea e a operação Andrómeda, visando a destruição das rotas de infiltração de Canja, Sambuiã, Jumbembem e Sitato, a logística da guerrilha do PAIGC ficou temporariamente em muito mau estado. Observa o autor que Spínola não nutria grande admiração pelos fuzileiros, mas aqueles êxitos alteraram a visão do comandante-chefe. E sempre na sua linguagem de exaltação e triunfo, o autor acrescenta que a operação Dragão 68, levada a cabo pelos DFE 12 e 13, veio a confirmar a grande máquina de guerra que eram os fuzileiros. E observa também o autor que para ultrapassar a logística naval e não ficar dependente dos meios da Marinha, Spínola, a partir de 1969, pressionou o Governo Central para que lhe enviasse as célebres Chaimites V-200 que chegaram a Bissau no final de 1970, revelaram-se pouco eficazes no que diz respeito ao poder de fogo e da chapa blindada.

No início de 1969, foi lançada uma nova operação de grande envergadura, de nome Grande Colheita, na qual participaram algumas unidades do Exército, apreenderam-se várias toneladas de armamento e o autor dirá que, como resultado desta operação, o DFE 13 fez a maior apreensão de material de guerra por uma única unidade e numa só operação. Em fevereiro desse ano, coube ao DFE 10 uma das missões mais ingratas que se registaram na Guiné, pesquisar e recolher os cadáveres de militares que morreram na travessia do rio Corubal, fora uma grande tragédia.

O autor socorre-se de um texto de um outro fuzileiro, José Talhadas, publicado com o título Memórias de Um Guerreiro Colonial, pela Âncora Editora. A operação Grande Colheita apareceu associada às operações Cocha e Catanada, realizadas na região de Cumbamory, o objetivo era destruir as importantes bases instaladas nesta região senegalesa, foram levadas a cabo pelo DFE 12, entre 1970 e 1971. A operação Catanada iniciou-se em 3 de abril de 1970, com partida de Bigene, os fuzileiros tinham como reforço um pelotão do Exército e dois oficiais veteranos de fuzileiros que estavam em Ganturé. O pelotão do Exército ficou numa bolanha com a missão de apoio de fogo e também de apoiar os fuzileiros na retirada em caso de necessidade. José Talhadas conta as peripécias da operação, a reação havida pelo grupo do PAIGC, houve um desencontro de grupos de fuzileiros, só mais tarde é que Talhadas veio a saber que Luís Cabral, então comandante da Frente Norte do PAIGC se encontrava no interior de Cumbamory, daí a resistência a toda a prova.

Passamos agora para a operação Cocha, novamente na região de Cumbamory, a força do PAIGC foi apanhada de surpresa, descobriu-se uma grande quantidade de armamento, era preciso defender as posições para permitir levar tal espólio, e descreve-se o apoio da Força Aérea, como se aproximava a noite, houve que fazer explodir tudo, independentemente de se ter capturado tanto material de guerra. O autor observa que no decurso da guerra mais nenhuma outra força conseguiu entrar em Cumbamory e ocupá-la, ainda que a espaços, muito menos logrou apreender tamanha quantidade de armamento.

Temos agora a operação Cuco, realizada em setembro de 1970, visava-se atacar com golpe de mão um eventual aquartelamento do PAIGC que se encontrava algures junto ao povoado senegalês de Sanou. O DFE 12 seguiu de Bigene para Barro e daqui iniciou a progressão para o interior do Senegal. Ao amanhecer deu-se o ataque, havia moranças a arder e população a fugir e deu-se um episódio digno de registo: “O nosso guia, um balanta chamado Bacar Camará, chefe de tabanca em Bigene, assim que reparou que alguns dos elementos da população de Sanou eram da sua família, começou a correr na sua direção, chamando-os pelos nomes. Este facto causou alguma desorientação, o que levou alguns dos nossos a disparar naquela direção, supondo que ele iria desertar. Mas felizmente alguns elementos da população pararam ao chamamento de Bacar, ele voltou de novo caminhando na nossa direção com um grupo de populares atrás de si, todo feliz, e assinalava que eram seus familiares que tinham fugido de Bigene e tabancas vizinhas no início da guerra.” Na revista à base esta revelou-se fortemente logística, com centenas de uniformes, mochilas, havia granadas de canhão e livros escolares.

Seguidamente o autor fará a narrativa da operação Mar Verde, depois vem as referências aos anos de 1971 a 1974, o autor elenca as unidades especiais de combate, conta a história, já referida no nosso blogue da epopeia da LDM 302, faz a lista dos marinheiros mortos na Guiné e para o próximo e último episódio fica reservada a narrativa, bem curiosa daquele que foi o último militar a sair da Guiné.

A LDG Alfange
Chaimite V-200

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post de 17 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26504: Notas de leitura (1773): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 21 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26516: Notas de leitura (1774): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: A sua colaboração num livro de arromba, Orlando Ribeiro em 1947, na Guiné (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26504: Notas de leitura (1773): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
José Maria Monteiro permaneceu 4 anos na Guiné, ligado à telegrafia. A sua ambição é mostrar a exemplaridade da Marinha de Guerra na Guiné, em Angola e Moçambique, referindo que esta geração de todas as gerações foi a mais combatente, a mais sacrificada e a mais revolucionária. Temo que exagere nas laudes que faz ao desempenho dos fuzileiros (cuja bravura jamais alguém contestou), e faz-se uma síntese, de acordo com os elementos que ele apresenta da intervenção dos fuzileiros e da Marinha de Guerra em geral a partir de 1961. Ele recorda que no segundo semestre de 1962 já havia confrontos com a guerrilha, na região Sul, faz uma menção detalhada da operação Tridente e de outras que se seguiram, vamos proximamente continuar com a síntese das atividades que ele apresenta entre 1964 e 1968, as alterações impostas por Spínola à atividade da Marinha, haverá mesmo espaço para se falar da operação Mar Verde.

Um abraço do
Mário



Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné (1)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro, Chiado Books, 2019. O autor alistou-se em 1967 na Marinha, ofereceu-se como voluntário para a Guiné, nos dois primeiros anos desempenhou as funções de radiotelegrafista de uma lancha de fiscalização pequena; terminados os dois primeiros anos, passou para o Comando da Defesa Marítima da Guiné, continuando mais dois anos como marinheiro telegrafista. Foi aumentando as suas habilitações, concluiu o curso de Economia e, mais tarde, o de Direito.

Começa por lamentar a indiferença com que o país no seu geral trata os que combateram pela pátria, refere o sentimento de revolta que atinge os ex-combatentes; depois faz um esboço dos inícios da guerra colonial, uma descrição do recrutamento dos mais jovens combatentes, como se processava a partida para os teatros de operações e entramos propriamente na guerra de guerrilhas da Guiné, tudo matéria bem conhecida dos leitores, incluindo o mantra que as coisas na Guiné não correram nada bem durante a governação de Arnaldo Schulz, que em 1968 os relatórios não escondiam avanços e sucessos dos guerrilheiros, esperava-se uma mudança providencial com o brigadeiro António de Spínola, refere as primeiras diretivas do novo comandante-chefe, também matéria conhecida dos nossos leitores.

E lança-se então na gesta da Marinha de Guerra na Guiné, então encomiástico, assim, enaltecendo os fuzileiros:

“Penetraram nas matas africanas até ao fim do mundo, com uma vontade férrea de um povo que insistia em manter viva a herança de séculos e séculos, sem pensar que, um dia, as Forças Armadas portuguesas viriam a pôr fim a uma guerra suicida. No final do ano de 1961 embarca um pelotão de fuzileiros para a Guiné. Em junho do ano seguinte, embarca, por via aérea, o Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE) N.º 2, no final de dezembro de 1962 registaram os primeiros feridos entre os fuzileiros. Com o ataque a Tite em 20 de janeiro de 1963, começam as grandes façanhas dos guerrilheiros em terras da Guiné, uma vez que eram os homens mais bem preparados para este tipo de guerrilha. Existindo no Sul do território algumas áreas sobre o controlo do IN, os DFE, apoiados por diversos meios navais, a fragata Nuno Tristão, a LFP Argos, a LFP Escorpião e a LFP Dragão, entre outras, iniciam no Sul da Guiné, concretamente nas ilhas de Como, Caiar e Catunco, penetrando pelas matas serradas naquelas ilhas. Nas operações Trevo, Seta e Lima, competia ao DFE n.º 2 e DFE n.º 8 bater toda a zona envolvente a Darsalame, ocupando-a, tendo em vista içar de novo a bandeira portuguesa, facto que veio a acontecer em novembro de 1963.”

Não terá sido exatamente assim pois o comandante-chefe Louro de Sousa começou a arquitetar a operação Tridente para expulsar os guerrilheiros destas ilhas. José Maria Monteiro descreve a operação Tridente até à sua finalização, ficou a partir de março de 1964 uma unidade do exército na mata do Cachil, a Norte da ilha do Como, com a missão de patrulhar a ilha, controlar a margens do rio Cobade, de modo a assegurar o abastecimento aos operacionais de Catió. Ainda sob o comando de Louro de Sousa, o DFE n.º 2 participa com forças terrestres na operação Alvor, na península Gampará, em busca do quartel-general de Rui Djassi, esta península nunca tinha sido percorrida por forças militares; o relato não deixa claro o que aconteceu.

Com a nomeação de Arnaldo Schulz o Comando da Defesa Marítima da Guiné é alterado e descentralizado, criando-se quatro comandos sediados em quatro zonas distintas: Bacia hidrográfica do rio Cacheu; Bacia hidrográfica dos rios Geba, Mansoa e Corubal; Bacia hidrográfica dos rios Grande de Buba e Tombali; e Bacia hidrográfica dos rios Cumbijã e Cacine. O autor volta a desfazer-se em elogios aos fuzileiros: “Todos os movimentos independentistas só tinham medo e temor aos homens brancos ou negros, com a boina azul-ferrete pertencente aos destacamentos de fuzileiros especiais, em qualquer frente de batalha.”

E vem a seguir novos parágrafos de exaltação:
Se
“Dada a elevada preparação destes jovens combatentes, os DFE eram chamados para participarem nas operações de maior envergadura, tendo no mês de setembro de 1964 participado nas operações Touro, Hitler e Tornado, em que, nesta última, além dos quatro DFE, também participaram três companhias de cavalaria, uma de artilharia, uma de caçadores e um pelotão de paraquedistas, apoiados por duas LFG, duas LFP, oito LDM, três LDP e um ferryboat, sem, no entanto, encontrar qualquer resistência da guerrilha na zona do Cantanhez. A atuação quase permanente das forças especiais da Marinha de Guerra em toda a zona Sul, mormente na região do Corubal e Cacine, conduziu a um notório abrandamento da atividade inimiga, obrigando o PAIGC a deslocar-se para Leste e para Norte, em que os guerrilheiros do PAIGC tiveram de alterar os seus corredores habituais.”

Compreende-se que o autor tenha um elevado espírito corpo, mas os factos históricos desmentem esta gesta laudatória. Mas vale a pena continuar a acompanhar esta escrita:
“Na sequência da operação Tridente, os contactos com o inimigo continuavam a ser frequentes, pelo que havia necessidade de efetuar operações de reconhecimento no extremo sul, a ideia das operações no rio Camexibó e da operação Hitler era estancar e intersetar os corredores intervenientes da Guiné-Conacri, nomeadamente através do corredor de Gadamael. A LDM 305 entrou na foz do rio Camexibó no dia 6 de fevereiro de 1964, em fase de preia-mar com o objetivo de efetuar uma fiscalização àquele rio durante cinco dias. Para o efeito, foi reforçada com uma secção de fuzileiros da CF 3. Dois dias depois, quando se preparava para fundear a montante do rio, um dos elementos da companhia de fuzileiros apercebeu-se de um grupo numeroso de homens armados na margem direita daquele rio. Inicialmente, houve troca de palavras entre os elementos da companhia de fuzileiros e um comandante dos guerrilheiros do PAIGC, conversa que durou pouco tempo uma vez que o oficial que comandava a companhia de fuzileiros deu ordem à guarnição da lancha e aos fuzileiros para dispararem, tendo os guerrilheiros fugido para o interior da mata com baixas muito pesadas. A lancha de desembarque continuou a subir o rio Camexibó, a intenção era patrulhar todo o rio até à confluência com o rio Nhafuane, não só para certificar que comunicaria com o rio Inxanche, mas também verificar se aquelas zonas permitiriam a navegação fluvial a lanchas como a LDM 305 ou mesmo a de porte superior. No dia 29 de fevereiro de 1964, a LDM 305 iniciou a descida do rio Camexibó, sempre na expetativa de ataques dos guerrilheiros, perto das oito da noite foram atacados perto das margens do rio, sem provocar danos humanos, mais adiante foram localizadas cinco canoas, que foram destruídas. A partir do conhecimento obtido no local e das experiências adquiridas naquelas intervenções, foi decidido levar a bom porto uma nova operação, a qual teve o nome de operação Hitler, entregue ao DFE 8, sob o comando de Alpoim Calvão.”

Observa o autor que nenhuma destas intervenções foi bem-sucedida. Vamos ver seguidamente o que o autor tem para nos dizer quanto à síntese das atividades da Marinha de Guerra entre 1964 e 1968.

Ilustração do livro de José Maria Monteiro

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 14 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26496: Notas de leitura (1772): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Uma mulher singularíssima, Bibiana Vaz, século XVII (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26099: Roteiro dos museus e outros lugares de memória e cultura, abertos (ou a abrir) ao "antigo combatente" (2): Museu da Marinha, Fragata Dom Fernando,. Submarinbo Barracuda, Planetário e Aquário Vasco da Gama... Vale a pena, mas é tudo "a pagantes"


Lisboa > Mosteiro dos Jerónimos > 
Ala oeste, com as duas torres neomanuelinas >
Entrada do Museu da Marinha.
Foto de Felix Koenig (2014)
Fonte: Adapt. de
Wikimedia Commons

1. Continuando a nossa viagem pelo roteiro dos museus e monumentos nacionais... a que têm acesso (gratuito) os antigos combatentes, bem como de outros museu, regionais, municipais e particulares a que queremos ver também reconhecido o nosso direito de visita...


Abrimos aqui, no passado dia 10, uma campanha de informação e sensibilização para que o nosso benefício (social) se alargue também, pelo menos (e para já), aos museus municipais, sociais e privados... (e mais tarde, aos monumentos) (*).
 
Vamos procurar, com a ajuda dos nossos leitores,  identificá-los e ajudar a "sensibilizar" os proprietários e gestores desses museus e núcleos museológicos (autarquias, misericórdias, Igreja, etc.) para o seu interesse também em estender aos antigos combatentes o acesso gratuito. 

Se ainda somos 400 mil (*), com as nossas famílias, facilmente ultraprassamos o milhão de potenciais visitantes...mesmo com a idade a pesar e a perda quer de mobilidade quer de poder de compra,  fatores que não nos deixa viajar para muito longe.

Teríamos que incluir nesse número (com direito a cartão de antigo combatente) a diáspora lusófona, os nossos camaradas do continente e "ilhas adjacentes" (Açores e Madeira) que deixaram a "Pátria ingrata" e foram para o Brasil, a Venezuela, os EUA, o Canadá, a França, a Alemanha, o Luxemburgo, a Suiça, o Reino Unido, a Austrália, a África do Sul, e por aí fora... 

Infelizmente, uma parte deles perdeu o contato com as suas raízes... Agora, reformados, muitos regressam, nem que seja por uns meses,  e precisa de (re)conhecer (e reconcilioar-se com) o país onde nasceram e lutaram...

2. Ora apontem mais um à vossa lista (mais um ou mais quatro):




É tudo gerido (o museu e od demais equipamentos culturais) pela Comissão Cultural da Marinha, tutelada pela Direção Cultural da Marinha, a quem compete:

(i) contribuír ativamente para o desenvolvimento da vertente cultural da Marinha;

(ii) constitui um fator de prestígio e de marcante afirmação de identidade da Marinha.

(...) "A par da sua componente operacional, a Marinha detém uma diversificada e rica área Cultural, fruto de uma história secular que se confunde com a própria identidade do país.

(...) "A Direção Cultural da Marinha tem um papel de primeira instância na abertura à sociedade, no sentido da conservação, valorização e divulgação do património Cultural, histórico e artístico da Marinha, e com esse objetivo tem vindo a desenvolver, com êxito, uma série de novas iniciativas e projetos." (...)

Ver aqui o mapa do sítio. São 4 equipamentos culturais, com destaque para o Museu da Marinha.  É uma visita que vale a pena.

(...) O Museu ocupa uma área total de cerca de 50 mil metros quadrados, dedicando 16.050 metros quadrados à exposição permanente. O espólio é constituído por mais de 20.000 peças museológicas, estando expostas apenas seis mil.

O acervo do museu é constituído por modelos de Galés, embarcações fluviais e costeiras e navios desde os Descobrimentos até ao século XIX.

Também possui uma vasta colecção de armas e fardamentos, instrumentos de navegação e cartas marítimas.

O Museu inclui um centro de documentação com 14.500 obras, um arquivo de imagem, que reúne, aproximadamente, 120 mil imagens, e um arquivo de desenhos e planos com mais de 1.500 documentos de navios portugueses antigos.(...) (Fonte: Wikipedia).


3. Mas  é tudo a "pagantes" ... Não há borlas para os antigos combatentes... Nem para os marinheiros aventureiros que andaram a chafurdar nos tarrafos, rias, rios, braços de mar e bolanhas da Guiné ?!... 

Posso ter visto mal, mas acho que não, que não há borlas... Para ver tudo, o preço completo para um "sénior" (+ 65), como eu, seria de 20,5 euros (se não fiz mal as contas; em alterantiva, pode-se comprar o passe CulturaMAR, por 11 euros).
 
Segundo o sítio oficial,   que consultámos, o Passe CulturaMAR é um bilhete conjunto, com validade de 4 meses,  para uma entrada em:

  • Aquário Vasco da Gama, 
  • Núcleo Museológico Fragata D. Fernando II e Glória (Fragata e Submarino Barracuda), 
  • Museu de Marinha 
  • Planetário de Marinha, 
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segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26087: O nosso livro de visitas (224): Gonçalo Silva, bisneto do Comandante Jerónimo, que comandou a Canhoeira Salvador, gostaria de obter ainda mais informações acerca do seu bisavô, que combateu na batalha de Negomano onde Teixeira Pinto perdeu a vida



A canhoeira "Pátria", em 1903, no Tejo (Fonte; Museu da Marinha). Cortesia de Wikipedia


1. Mensagem de Gonçalo Silva, bisneto do Comandante Jerónimo, que comandou a Canhoeira Salvador, com data de 9 de Outubro de 2024:

Caro Professor,

Sou bisneto do meu Bisavô Jerónimo e sei que foi comandante da canhoneira Salvador, e combateu no Rovumo onde o Capitão Teireira Pinto perdeu a vida.[1] [2]
Ainda comandou a Canhoneira Pátria, no Chinde e Macau.

Infelizmente a pouca documentação e a sua morte prematura, julga-se alzeimer ou efeitos da malaria.

Tenho recolhido com dificuldade alguma documentação, a sua espada e outras e uma fotografia da Canhoneira Salvador que julgo única!

Fica aqui o meu contacto muito gostariamos de juntar ainda mais informação, destes verdadeiros herois pois combateram Paul Emile Lettow, um dos mais astutos militares alemães.[3]

O meu bisavô só teve um filho Manuel Bivar (Eng. António Manuel Vahia Neves Weinholtz de Bivar) primeiro engenheiro electrotécnico do IST, fundador da Rádio e TV em Portugal.
Anedota curiosa: em Março de 1937 esteve em Berlim com a minha Avó para discutir as ondas rádio União Europeia de Radiodifusão, a minha Avó muito alta e dura (ao contrário do avô engenhocas mais baixo), ficou no jantar ao lado do Goring (filho do governador alemão africano) contava que disse que os portugueses e o sogro combateram as tropas alemãs do Lettow até ao final da guerra.

Cumprimentos,
Gonçalo Silva
gcorneliodasilva@hotmail.com

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Notas do editor

[1] - Vd. Wikipédia: João Teixeira Pinto

[2] - Vd. Academia Militar - In Memoriam João Teixeira Pinto

[3] - Vd. Wikipédia: Paul Emil von Lettow-Vorbeck

Último post da série de 1 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P25997: O nosso livro de visitas (223): Nelson Quintino Lage, Soldado Condutor Auto da CPM 2537, através do Formulário de Contactos

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25976: (De) Caras (220): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de setembro de 2024:

Queridos amigos,
Esta carta do tenente Barbieri para o seu irmão, Paulo António, em Lisboa, terá a ver com uma viagem que este oficial da Armada fez a caminho de Luanda com paragem em Bissau. Não deixa de surpreender a riqueza da informação que foi prestada, certamente no Comando de Defesa Marítima da Guiné. Há, evidentemente, dados arbitrários, discutíveis, desde os 10% do domínio territorial do IN, passando pelo gasto de 80 granadas de morteiro numa operação de emboscada, até ao poderio naval do IN, nesta data o PAIGC já deslocava pela calada da noite embarcações no Sul, daí as operações com êxito efetuadas pelo comandante Alpoim Calvão, a previsão do tenente de Barbieri quanto a um poderio naval no Sul nunca se concretizou, bem como o sistema antiaéreo que ele refere na região do Quitafine acabou por ser aniquilado. Este documento, à semelhança da correspondência para Paulo Barbieri, prendendo-se sempre com o tema da guerra colonial, será posteriormente entregue no Arquivo Histórico-Militar.

Um abraço do
Mário



Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (2)

Mário Beja Santos

Dei conta ao leitor que nas minhas deambulações pela Feira da Ladra conto sempre cumprimentar potenciais fornecedores, um deles dispõe em cima da sua banca álbuns fotográficos, caixas com velhos bilhetes-postais, fotografias avulsas, maços de aerogramas (infelizmente só de Angola e Moçambique), material avulso, desde programas de ópera a teatro de revista, tudo para satisfazer a clientela de colecionistas, que ali aparece em número apreciável. Bato quase sempre com o nariz na porta, mas desta feita apareceram para ali quatro cartas destinadas a Paulo António Osório de Castro Barbieri, duas escritas pelo seu irmão na Guiné, Nuno Barbieri, e outras duas escritas por um alferes na Guiné, seu amigo, Pedro Barros e Silva, SPM 0368. Já aqui se publicou a primeira carta de Nuno Barbieri para Paulo António, vejamos agora a segunda, com data de 12 de maio de 1967:

“Meu caro Paulo:

Deixei Bissau ontem à tarde sob a ameaça de um tornado, que não tardou a desabar sobre nós no canal de Geba e que veio anunciar a época das chuvas por estas paragens. No momento presente o céu está aberto e o Sol começa a escaldar e isto a umas escassas milhas da costa, pois há cerca de 1 horas passámos pelo través do Cabo Verde. Não só este regime é instável, como também estamos em presença de um microclima, o da Guiné.

Devo dizer-te que um dia antes de chegarmos à Guiné a cor do mar sofreu uma alteração sensível de azul para verde-sujo e isto seria uma amostra da cor das águas marinhas daquela costa. Quando nos levantamos verificamos com desagrado que o mar passara a cor de água de charco. Costa não se via ainda, embora pouco mais tarde nos aparecesse misteriosa, encoberta por um véu de neblina que nós atribuímos ao facto de ainda ser manhã cedo.

A nossa chegada a Bissau foi um acontecimento para as forças navais, que nos vieram esperar sob formatura, com todas as pequenas e ‘grandes’ unidades disponíveis no momento. Era uma da tarde e Bissau continuava encoberta por uma neblina agora parda e apenas nos deixava ver a orla costeira de edifícios e árvores. Sob os nossos pés a chapa de aço fazia arder os sapatos e começava a tornar-se incomodativo para quem como nós tínhamos de estar parados em formatura. Devo dizer-te também que no dia anterior à nossa chegada já a noite se apresentou húmida embora estivesse longe da costa e isso não se parecesse nada com o que nos esperava: 93% de humidade na atmosfera!

Tirando os habitantes e os arredores, Bissau parece uma cidade portuguesa de província onde a desmentir tal facto existe talvez um excesso de geometria no traçado das ruas e um elevado número de cores no tipo de moradias. No entanto, existe qualquer coisa que nos lembra imediatamente que estamos numa terra sob a nossa influência. A presença islâmica é aqui verdadeiramente notável, tendo dado ao negro não só uma aparência de dignidade como também uma mobilização humana orientada que nos pode ser útil ou difícil de suportar, conforme a soubermos manejar.

Etnicamente a Guiné compõe-se de Fulas, Futa-Fulas no Leste, Balantas na faixa central, Mandigas na zona de Como e Cantanhez, Papéis e Balantas ao pé de Bissau e Manjacos no Noroeste. Os Fulas não podem com os Balantas e vice-versa, no entanto as nossas autoridades esforçam-se para a pacificação e é nesse sentido que se procura encarar a fraternização dessas duas etnias. 

Se se perguntar qual a razão por que o terrorista se estabeleceu com tanta força no Sul, e se encarniça a defender essas terras, é porque essa é a zona mais rica em agricultura da Guiné, arroz, e também porque pode receber diretamente da República da Guiné o apoio de que necessita.

As vias de abastecimento do IN são nossas conhecidas e de vez em quando flageladas. Tal conhecimento não nos impede, no entanto, de permitir outras vias sob pretextos humanitários, de tratamentos médicos à população do Senegal que ‘pacificamente’ entra na Guiné para receber tratamento.

Chega-se agora à conclusão da necessidade de organizar a nossa administração sob o tipo de hierarquias paralelas, como único meio de fazer frente à forte organização IN. Este realiza um esforço triplo: de informação, de abastecimento em pessoal e material, e finalmente o de guerra.

 A sua informação na maioria dos casos é superior à nossa e a tal ponto que o fator surpresa não conta praticamente para o nosso lado. O seu abastecimento é bastante eficiente pois material não lhes falta, nem tão pouco munições. É vulgar o IN gastar numa operação de emboscada 80 granadas de morteiro. Como sabes, apareceu agora como novo elemento na dança o canhão sem recuo, que é transportada às costas até ao local da emboscada. Ao longo das principais do IN encontram-se peças antiaéreas duplas que tornam praticamente ‘impossível’ o voo da FAP.

Existe também um contra às nossas ações que é dado pela uniformidade de relevo da Guiné. A falta de pontos conspícuos torna difícil a navegação marítima e terrestre. Sempre que uma força é obrigada a desvia-se de estradas ou picadas por razões de surpresa ou de segurança, tem de se fazer navegação por bússola aproveitando o tipo de vegetação como elemento auxiliar na identificação da posição.

A navegação costeira é feita a olho assim como a determinação dos pontos de reunião de forças desembarcadas com as unidades navais de recuperação. Tal facto apresenta o inconveniente da escolha obrigatória de pontos de desembarque e de reunião, facilmente identificados pelo IN.

Logo que os informadores de Bissau assinalam a partida de uma força anfíbia ao Sul, para o Norte, pelo Geba acima, imediatamente as posições prováveis de desembarque e de ação se tornam identificadas. Para fugir a este inconveniente, o desembarque realiza-se muitas vezes acima de um arbusto, quase arbóreo, que pela sua densidade forma uma massa impenetrável. É o tarrafo, que separa a linha de água da terra firme, numa margem de cerca de 300 m e que é necessário percorrer de ramo em ramo com o material às costas e de regresso, com feridos, prisioneiros e material apreendido. Assim consegue-se desembarcar em qualquer lugar do rio ou da costa e ganha-se segurança. 
Porém, o desgaste físico é violentíssimo e a operação de desembarque demora por vezes 45 minutos. 

Outro aspeto característico da Guiné é a quantidade de líquidos que se absorve e o facto de nunca se conseguir ter o corpo seco. Qualquer gole de água que se beba parece que nos sai logo pelos poros da pele. O calor é muito violento, embora exista sempre uma aragem do mar que no nosso suor nos dá uma sensação de frescura. É apenas uma ilusão provocada pela evaporação do suor e talvez mesmo um meio de defesa.

Tudo isto se conjuga para nos dar a ideia de que a Guiné não é para nós a não ser um divertimento ou uma escola militar. É importante salientar o facto de que as populações indígenas constituírem no interior sistemas de autodefesa bastante eficientes e que por vezes por sua iniciativa tomam parte em ações deliberadas contra o adversário. Além disso, existe na Guiné a milícia que tem feito grandes ações e dado provas de bravura muito superiores a algumas das nossas forças.

Como sabes, o terrorista esforça-se para dominar as zonas ricas de gado e agricultura, não só para debilitar a economia da província como para resolver os seus problemas. Assim, pelo domínio substitui a nossa hierarquia administrativa pela sua, que compreende técnicas especializadas em assuntos agrícolas. Aonde o seu domínio não pode ser efetivo, o terrorista em ações isoladas vai subtrair às populações pela força o arroz de que tem necessidade. Porém, isso autoriza a nossa propaganda a classificá-lo como IN. 

Para fugir a tal classificação, o exército popular da libertação da Guiné começa a vir às nossas zonas comprar o arroz às populações com a nossa moeda, o que significa possuírem dinheiro suficiente para nos fazer concorrência ao nosso poder de compra!

Para terminar, basta dizer que o nosso espírito é o do saudosismo pela causa abandonada na metrópole. Felizmente ainda existem casos de reação e de vontade e que com a escassez de meios ao seu dispor conseguem equilibrar e, ultimamente, obter lenta vantagem militar.

Encontrei o Pedro
(adquiri na Feira da Ladra duas cartas do alferes Pedro Barros e Silva também dirigidas a Paulo António Barbieri, delas se fará referência adiante) no Quartel-General onde trabalha numa repartição de nome estranho e pouca importância. 

Persiste no bigode, embora mais curto para substituir as penosas operações militares dedica-se por vezes a pequenos distúrbios. Basta dizer-te que apanhou com uma garrafa na cabeça, mas segundo ele o adversário ficou pior! Saudoso de casa, isto é, da Europa e certos alimentos, o Pedro espera ardentemente livrar-se da Guiné. Faz projetos de férias que, suponho, te vai participar na próxima carta. 

Quanto ao seu aspeto físico achei-o bom embora com aquela cor um pouco verde da gente que aqui vive. As suas taras mantêm-se vivas e julgo que contraria outras bem mais numerosas. Jantei com ele no batalhão de engenharia por convite do coronel Branquinho e esposa. O comandante situa-se perplexo durante a guerra e diz-nos que a nossa ação será difícil. Esquece, porém, uma coisa, que estamos perante um teatro de operações que é do tamanho das nossas terras a Sul do Tejo e que de todo esse teatro só 10% está nas mãos do IN. 

Embora o terreno seja realmente difícil de atuar, as suas dimensões são, por outro lado, um auxílio nosso. A 20 km de Bissau as tropas estão em guerra o que mostra da parte do adversário o conhecimento que as dimensões estão contra ele. Obrigado por razões de economia a estabelecer-se em força no Sul, espalha-se pelo resto do território para evitar que esses 10% de espaço ocupado e de ação se situem numa zona delimitada, fácil de cercar e estrangular pelas suas pequenas dimensões.

Tudo isto é razão de sobra para a nossa atitude de boca aberta. Enquanto os comandos militares sofrerem de admirações e indecisões deste tipo, julgo que a supremacia será deles.

De todos os seus problemas talvez o das vias de comunicações seja o maior. Este traz problemas de atraso de abastecimentos e das informações e ordens, ao mesmo tempo que só são verdadeiramente possíveis deslocações no sentido Oeste-Leste. Norte-Sul implica o atravessar de numerosas vias de água, esta é a menor dimensão da Guiné logo para azar dos turras. Imposição por virtude de necessidades, de atravessar vias de água obriga os turras a lançarem mão de construção naval: pirogas, porém, uma vez obrigados a aceitar água, o turra serve-se dela para acelerar o abastecimento e a informação no sentido longitudinal, reduzindo assim uma combinação de deslocamentos terra-água o comprimento da Guiné para efeitos de tempo.

Parece-me nunca ser possível ao IN a utilização de outro tipo de embarcação, a não ser que a consolidação das suas posições no Como e no Cantanhez permita a instalação de artilharia de costa e assim estabelecer águas territoriais independentes ao Sul.

Essas águas independentes serão a porta de entrada de embarcações de guerra bem equipadas que a República da Guiné lhes queira fornecer. Primeiro como base naval, depois como irradiação do poderio naval para o interior, o Sul apresenta-se hoje como uma pedra-chave ao poderio do IN. 

A nossa fiscalização, embora dificultada pela ação das margens, não tem encontrado reação pelo próprio meio. Esta inicia-se agora por meio de minas nos rios, já tendo sido danificada uma lancha de desembarque, a ação no próprio meio a longo prazo e depois em ação direta do poderio naval. Isto obrigará da nossa parte a um aumento do custo da guerra, o qual deixará de ser compensado pelo nosso fraco objetivo ideológico.

Julgo ter-te dito tudo quanto consegui concluir no prazo de 2 dias em que aqui permaneci. Dá à família os carinhos devidos e insiste no estado perfeito da minha saúde, Nuno".


(continua)

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Nota do editor

Post anterior da série de 17 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25951: (De) Caras (219): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 14 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25941: Timor: passado e presente (21): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte XII: O regresso à Pátria e o fim do anátema de 'deportado' (pp. 102-107)




Restos do edifício da Cãmara Municipal de Timor (Setembro de 1945), bombardeado duarnte a guerra (pág.  103)


Fonte: José  dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial" (Lisboa: Livraria Portugal, 1972)





Recorte da 1ª primeira página do "Diário de Lisboa", de 15 de fevereiro de 1946,
 2ª edição. (Fot0 à direita: O governador de Timor e a sua fanmília a bordo do "Angola").

Portal Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 05778.042.10619 | Título: Diário de Lisboa | Número: 8341 | Ano: 25 | Data: Sexta, 15 de Fevereiro de 1946 | Directores: Director: Joaquim Manso | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: IMPRENSA


Citação:
(1946), "Diário de Lisboa", nº 8341, Ano 25, Sexta, 15 de Fevereiro de 1946, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_23303 (2024-9-13)




Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, 208 pp. Cortesia de Internet Archive. O livro é publicado trinta anos depois dos acontecimentos. O autor terá nascido na primeira década do séc. XX.




António Oliveira Liberato, capitão: capas de dois dos seus livros de memórias: "O caso de Timor" (Lisboa, Portugália  Editora, s/d, 242 pp.)  e "Os Japoneses estiveram em Timor" (Lisboa, 1951, 33 pp.). São dois livros, de mais difícil acesso, só disponíveis em alguns alfarrabistas e numa ou noutra biblioteca pública.



Carlos Cal Brandão: "Funo: guerrra em Timor". 
 Porto, edições "AOV", 1946, 200 pp.




Capa do livro de Carlos Vieira da Rocha,
" Timor: ocupação japonesa dirante a Segunda Guerra Mundial,
2ª ed rev e aum, Lisboa: Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 1996 309 pp.





Mapa de Timor em 1940. In: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pág. 11. (Com a devida vénia). Assinalado a vermelho a posição relativa de Maubara e Liquiçá, a oeste de Díli, onde se situava a zona de detenção dos portugueses, imposta pelos japoneses (finais de 1942 - setembro de 1945)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Timor Leste > Com c. 15 mil km2, e mais de 1,3 milhões de habitantes, ocupa a parte oriental da ilha de Timor, mais o enclave de Oecusse e a ilha de  Ataúro. Antiga colónia portuguesa, tornou-se independente desde 2002, depois de ter sido  invadida e ocupada pela Indonésia durante 24 nos, desde finais de 1975.

Infografia : Wikipédia > Timor-Leste |  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné 



1. Estamos a chegar ao fim das notas de leitura e excertos do livro do médico de saúde pública José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive. Recorremos também a outras fontes, nomeadamennte, Rocha (1996).


Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) 

Parte XII:     O regresso à Pátria e o fim do anátema de 'deportado' (pp. 102-107)
 

(i)  Portugal recuperou a soberania da Timor, ao fim de
três anos e meio de ocupação do território pelas tropas japonesas. 
Morreram perto de um centena de portugueses, europeus e "liurais" (régulos timorenses, fiéis a *Portugal), em combate, assassinados, vítimas de doença, ou desaparecidos no mato,   sem falar das muitas  dezenas e dezenas de milhares de timorenses anónimos.

 Isolados do mundo desde julho de 1943,  os habitantes de Timor só souberam em  1 de setembro de 1945 (!) da notícia 
do fim da II Grande Guerra e  do armistício. 
 
  O Governador, cap Ferreira Carvalho, 
 rapidamente decidiu a reocupação da ilha, 
 e o restabelecimento da autoridade portuguesa, 
o que foi feito em tempo tempo-recorde de 14 dias.

A 27, chegam a Díli os avisos "Bartolomeu Dias" e "Gonçalves Zarco", 
e,  dois dias depois, a  29, o aviso "Afonso de Albuquerque" e o T/T "Angola", 
vindos de Lourenço Marques,  
e ainda, a 9 de outubro, o vapor "Sofala", 
com tropas expedicionárias, novos funcionários e mantimentos.


 (...) Assim, na manhã de 27, estávamos na praia todos os não-timorenses  homens, mulheres e crianças, e muitas centenas de timorenses,  avistando-se os navios cerca das 8 horas, com emoção fácil de calcular. 

O brigadeiro Roque de Sequeira Varejão, comandante-em-chefe das forças expedicionárias, desembarcou cerca das 11: 30 sendo recebido na improvisada ponte-cais e acompanhado por todos os presentes até às ruínas da Câmara Municipal onde se realizaria a cerimónia da receção. 

Neste percurso estavam alinhados quase todos os chefes timorenses, com as suas bandeiras, mais de um cento, os seus tambores e as suas comitivas, totalizando alguns milhares de  pessoas, formadas em massas compactas de um e outro lado  da rua. 

«Alguns dos chefes transportavam apenas a haste da bandeira com um papel dependurado e bem visível. Eram os que tinham emprestado as suas bandeiras durante a guerra e para a reocupação e queriam assim mostrar que não as tinham perdido. Os papeis eram os recibos passados pelas autoridades portuguesas, que comprovavam os empréstimos e garantiam  direito de receberem bandeiras novas, quando as houvesse disponíveis» (1). 

«Tendo o governador, que entretanto se dirigira a bordo, pedido ao comandante-em-chefe das forças expedicionárias que não fizesse desembarcar qualquer força armada para a guarda de honra, foram encarregados dessa missão os bravos moradores de Manatuto e Baucau, que bem mereciam essa distinção.» (1). 

À frente do cortejo seguiu o brigadeiro Varejão acompanhado do Governador e dos oficiais do seu séquito, recebendo  calorosas aclamações e manifestações de alegria de todos os presentes, naturais ou não de Timor. 

Nas ruínas da Câmara, de que apenas restava de pé, ao cimo da escadaria, o frontão do pórtico de entrada apoiado em colunas, improvisou-se uma sala de receção, de que formavam  as restantes três paredes as bandeiras nacionais dos chefes  timorenses que, ordenadamente, se foram colocar nos seus lugares. 

Para dentro do recinto entraram todos os não-timorenses,  com as senhoras e crianças colocadas à frente. 

«E foi neste cenário, simples e ao mesmo tempo impressionante, que se realizou a cerimónia de receção, reduzida a meia  dúzia de palavras pronunciadas pelo governador, de boas-vindas aos que chegavam, de reconhecimento ao Governo da Nação por tudo o que fizera e estava fazendo, de agradecimento a todos os portugueses que tanto se tinham sacrificado no cumprimento do seu dever e aos chefes timorenses pelas provas inequívocas de lealdade e dedicação que tinham dado durante o longo período de provações a que se tinham sujeitado, resistindo a todas as pressões e promessas feitas pelo inimigo. E, tal como acontecera no dia 3 de setembro, no campo de concentração de Lebomeu, quando o governador foi anunciar a todos  que o seu martírio terminara, todos os presentes entoaram o Hino Nacional, vendo-se em todos os olhos lágrimas de alegria  e emoção patriótica» (1). 

 (...) Na tarde desse mesmo dia 27 acompanhei o Governador  e o brigadeiro Varejão numa visita ao acampamento que os  aponeses haviam instalado sob as árvores, no sítio de Túru-Liu,  perto da baía de Tíbar, na estrada de Díli a Liquiçá, a cerca de dez quilómetros da capital. 

A minha presença, ordenada pelo Governador, justificava-se pela necessidade de obterem o meu parecer acerca das condições sanitárias do acampamento, com vista à possível  instalação das tropas a desembarcar. 

Porém, além da casa do comandante, construída de pedra  e cal, nada mais se poderia aproveitar pois havia somente as arracas de madeira e zinco, sem paredes, onde os japoneses  se instalaram, protegidos dos mosquitos por enormes mosquiteiros coletivos feitos de pano e tule. 


(ii) Uma nova equipa santária (quatro médicos) desembarca na ilha: por eles soube, o autor, da descoberta da penicilina!

Faz-se também o pesado balanço da guerra e da ocupação nipónica,
com os seus milhares de mortos e danos patrimoniais


(...) Na manhã do dia 29 chegaram a Díli o aviso "Afonso de Albuquerque" e o navio armado em transporte "Angola", conduzindo, o primeiro contingente do destacamento expedicionário a Timor. 

Foi-me dada então a grande alegria de poder abraçar dois dos oficiais recém-chegados, meus conhecidos e amigos: o capitão-capelão, padre Aníbal Rebelo Bastos e o capitão-farmacêutico Artur de Oliveira, o qual havia conseguido alcançar Moçambique, ido da Austrália e agora voltava à terra onde estabelecera residência e profundamente amava (2) . 

No navio «Angola» chegou o destacamento sanitário comandado pelo capitão médico Dr. Costa Félix tendo como  subalternos os tenentes milicianos médicos, Drs. Meira e Cruz, Tamaguini [mais priovável, Tamagnini], Leitão Marques e Teixeira Dinis, os quais instalei no pavilhão principal do Hospital Dr. Carvalho que, felizmente, estava pronto a recebê-los embora, não restasse um único vidro nas suas janelas por todos haverem desaparecido, estilhaçados  pelo efeito dos bombardeamentos aéreos. 

Deles soube da recente descoberta de um maravilhoso medicamento — a penicilina. 

Desembarcados do «Angola» as tropas e material seguiu  o navio para a Austrália com o fim de se reabastecer de carvão  e mantimentos e transportar os portugueses que aí se encontravam foragidos. 

A 9 de outubro fundeou em Díli o vapor «Sofala» com militares e funcionários administrativos e trazendo os mais diversos artigos necessários à população, para serem postos à venda. 

Por estes dias, o aviso «Afonso de Albuquerque» deslocou-se ao território do Oecússi, transportando o novo administrador. A sua chegada foi completa surpresa para o chefe de posto Fernando Tinoco que esteve encarregado da circunscrição durante todo o período da guerra. Milagrosamente, tudo aí corria em ordem, graças ao encarregado administrativo e à lealdade e dedicação do liurai D. Hugo da Costa, tendo-se mantido a população sempre coesa e disciplinada. 

(…) Pouco a pouco, passámos a saber de factos passados durante a guerra, os quais, até aí, completamente desconhecíamos e pudemos recapitular algumas estatísticas. Contámos, então, os portugueses mortos por causa violenta  durante a guerra: 

  • timorenses, às centenas; 
  • e, dos não naturais de Timor, trinta e sete assassinados, dez mortos em combate e seis mortos por suicídio;
  • também vinte faleceram ao abandono no interior da ilha onde andavam foragidos;
  •  e oito acabaram miseravelmente os seus dias no cárcere nipónico. 

Durante todo o período da guerra Díli, incluindo Lahane e arredores, sofrera noventa e quatro ataques aéreos com bombardeamento. Desses bombardeamentos, atingiram Lahane  trinta, sendo vinte concentrados nos meses de outubro e novembro de 1944. 

Muitas centenas de timorenses haviam perecido assassinados e muitos milhares morreram, principalmente por estarem completamente abandonados os serviços públicos de assistência médica e de enfermagem e não disporem de qualquer possibilidade de obter medicamentos. 

Entre os primeiros, tinham sido passados pelas armas  velhos e leais amigos timorenses dentre os quais se destacava a figura gloriosa do liurai do Suro, D. Aleixo Corte Real 

Alguns refugiados portugueses na Austrália foram aí voluntariamente treinados na técnica dos comandos (3) para depois desembarcarem ou serem lançados em paraquedas sobre Timor para se dedicarem à observação dos movimentos das  tropas nipónicas e à respectiva comunicação pela via radiolegráfica (4). 

Seguira para Timor, em Fevereiro de 1944, um primeiro grupo constituído por dois autralianos, o chefe Paulo de Ussuroa, seu primo Cosme Soares e o criado Sancho. Mais tarde, em agosto, seguira um novo grupo chefiado por um  capitão australiano que levava consigo um telegrafista da mesma nacionalidade e os portugueses José Rebelo, Armindo Fernandes e José Carvalho, que apenas desejavam serem sempre considerados portugueses voluntários para coadjuvar nas operações que tivessem por fim repelir o dominador e espoliador da sua terra (4) . 

O primeiro grupo foi aprisionado pouco depois de ter desembarcado tendo os timorenses que dele faziam parte estado na cadeia de Díli e depois sido transferidos para Lautem, onde morreram, com exceção do criado Sancho (4) . 

Os portugueses do segundo grupo desembarcaram num ponto ermo da costa sul de Lautem e «foram recolhidos nas povoações indígenas, onde os japoneses os foram prender, logo aos primeiros rumores do armistício, em agosto, para os  fuzilar» (4). 



(iii) a vida parece voltar "à normalidade", os "deportados" (políticos e sociais) são amnistiados... E a 8 de dezembro, o navio "Angola", reabastecido na Austrália, faz a sua viagem de regresso a Lisboa, 
levando a bordo cerca de 160 portugueses 
que tinham ficado em Timor durante a guerra.

A chegada a Lisboa foi a 15 de fevereiro de 1946, 
tendo o navio feito escala na Beira, Lourenço Marques, 
Moçâmedes, Luanda e Funchal


(....) No dia 25 de outubro, por despacho do Governador dando execução um telegrama do Ministro das Colónias, foi levantada  a nota de «deportado» a todos os indivíduos que se encontravam em Timor nessa situação, restituindo-lhes o uso de todos os direitos civis e políticos que a lei confere aos cidadãos portugueses. 

A 18 de novembro realizou-se um ato eleitoral em toda  a colónia, que decorreu na mais absoluta ordem e legalidade, elegendo-se, quase por 100% dos votos o candidato a deputado por Timor e antigo governador da colónia, capitão Teófilo  Duarte. 

Por este tempo, foi dado conhecimento aos interessados de o Governador ter promulgado uma portaria, pela qual eram louvados os que mais se haviam distinguido durante a ocupação. 

Na tarde de 7 de dzembro, tendo chegado o vapor "Angola"  em regresso da Austrália, o capitão Ferreira de Carvalho fez entrega do governo da colónia ao inspector administrativo, capitão Óscar Freire de Vasconcelos Ruas, numa sessão pública em que ambos discursaram. 

Às 15 horas do dia 8 de dezembro, embarcaram no referido navio cerca de 160 portugueses — homens, mulheres e crianças — que tinham permanecido em Timor durante a guerra.  Alguns, poucos, não seguiram, por então preferirem ficar na ilha onde tinham a sua família e interesses. 

Chegados a bordo, tivemos a alegria de poder abraçar, de novo, conhecidos e amigos, entre os quais, D. Jaime Garcia, o engenheiro José de Azevedo Noura, o administrador António Policarpo de Sousa Santos, o capitão Silva, o administrador Lourenço Aguilar, o Dr. Cal Brandão, etc. 

(...) Pôde ser classificada de triunfal a viagem até Lisboa. Em todos os portos que tocámos, fomos acolhidos com festas e honrarias e, sobretudo, com manifestações de tão sincera alegria que nos demos por bem pagos das provações que  havíamos passado. 

Na Beira, Lourenço Marques, Moçâmedes, Luanda e Funchal recebemos inúmeras e inequívocas provas de consideração e estima que nunca poderíamos esquecer. 

Chegámos e Lisboa em 15 de Fevereiro de 1946, sendo esperados ansiosamente por muitos milhares de pessoas (5). 

«Em Alcântara viveu-se uma hora simultaneamente apoteótica e emotiva, dentro de um dos mais belos espetáculos  que alguma vez se têm verificado em Lisboa, Milhares de pessoas de todas as classes acorreram à Estação Marítima para receber triunfalmente os repatriados de Timor, vítima de uma  guerra que não provocaram. Bem singular foi essa manifestaçao, em que às palmas e aos vivas se juntaram palmas e  soluços. Quase todos os que vieram sofreram crueldades e  torturas sem nome, correram aventuras de jogar-se a vida, viram cair para sempre parentes e amigos — só por teimarem  em defender a soberania portuguesa. E a história de cada um foi o que se viveu ontem, em vibrante comunhão patriótica,  forte o amplexo em que se confundiam o orgulho dos que chegaram e a comoção dos que os recebiam." (5) 

(...) Aos repatriados necessitados foram distribuídos, ainda no navio, roupas e agasalhos por uma comissão do Fundo de Socorro Social que tinha ao seu serviço uma brigada de 40 empregados dos Armazéns do Chiado, sendo contemplados 100  homens, 68 mulheres, 78 rapazes, 71 meninas e 10 bebés (5) . (...)

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Notas do autor (JSC):

(1) Vide artigo do Dr. Tarroso Gomes no jornal «Novidades» de 27 de setembro de 1970.

(2) O capitão-farmacêutico, ao avistar-me, não pôde reter estas palavras que irresistivelmente lhe escaparam: «Ai coitadinho, que está tão magrinho!». De facto eu, embora seja de baixa estatura pesava então, somente 42 quilos!

(3) O tenente Pires havia-se prontificado na Austrália a conservar-se em Timor, com um pequeno grupo, em serviço de observa ção. Comprometera-se ainda a recrutar quinze voluntários que, trei- nados nas escolas de «Comandos», fossem depois juntar-se-lhe naquele serviço e debaixo das suas ordens. (Vide Cal Brandão, "Funo", p. 148).

 (4) Vd. Carlos Cal Brandão: "Funo: guerrra em Timor".  Porto, edições "AOV", 1946, 200 pp.

(5) Vide jornal «Diário de Notícias», de 16 de fevereiro de 1946
 

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, itálicos, negritos, parênteses retos, comentários, reordenação das notas de rodapé: LG)

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Nota do editor: