Portal Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 05778.042.10619 | Título: Diário de Lisboa | Número: 8341 | Ano: 25 | Data: Sexta, 15 de Fevereiro de 1946 | Directores: Director: Joaquim Manso | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: IMPRENSA
Citação:
(1946), "Diário de Lisboa", nº 8341, Ano 25, Sexta, 15 de Fevereiro de 1946, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_23303 (2024-9-13)
Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, 208 pp. Cortesia de Internet Archive. O livro é publicado trinta anos depois dos acontecimentos. O autor terá nascido na primeira década do séc. XX. |
António Oliveira Liberato, capitão: capas de dois dos seus livros de memórias: "O caso de Timor" (Lisboa, Portugália Editora, s/d, 242 pp.) e "Os Japoneses estiveram em Timor" (Lisboa, 1951, 33 pp.). São dois livros, de mais difícil acesso, só disponíveis em alguns alfarrabistas e numa ou noutra biblioteca pública.
Carlos Cal Brandão: "Funo: guerrra em Timor". Porto, edições "AOV", 1946, 200 pp. |
Infografia : Wikipédia > Timor-Leste | Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
O brigadeiro Roque de Sequeira Varejão, comandante-em-chefe das forças expedicionárias, desembarcou cerca das 11: 30 sendo recebido na improvisada ponte-cais e acompanhado por todos os presentes até às ruínas da Câmara Municipal onde se realizaria a cerimónia da receção.
Neste percurso estavam alinhados quase todos os chefes timorenses, com as suas bandeiras, mais de um cento, os seus tambores e as suas comitivas, totalizando alguns milhares de pessoas, formadas em massas compactas de um e outro lado da rua.
«Alguns dos chefes transportavam apenas a haste da bandeira com um papel dependurado e bem visível. Eram os que tinham emprestado as suas bandeiras durante a guerra e para a reocupação e queriam assim mostrar que não as tinham perdido. Os papeis eram os recibos passados pelas autoridades portuguesas, que comprovavam os empréstimos e garantiam direito de receberem bandeiras novas, quando as houvesse disponíveis» (1).
«Tendo o governador, que entretanto se dirigira a bordo, pedido ao comandante-em-chefe das forças expedicionárias que não fizesse desembarcar qualquer força armada para a guarda de honra, foram encarregados dessa missão os bravos moradores de Manatuto e Baucau, que bem mereciam essa distinção.» (1).
À frente do cortejo seguiu o brigadeiro Varejão acompanhado do Governador e dos oficiais do seu séquito, recebendo calorosas aclamações e manifestações de alegria de todos os presentes, naturais ou não de Timor.
Nas ruínas da Câmara, de que apenas restava de pé, ao cimo da escadaria, o frontão do pórtico de entrada apoiado em colunas, improvisou-se uma sala de receção, de que formavam as restantes três paredes as bandeiras nacionais dos chefes timorenses que, ordenadamente, se foram colocar nos seus lugares.
Para dentro do recinto entraram todos os não-timorenses, com as senhoras e crianças colocadas à frente.
«E foi neste cenário, simples e ao mesmo tempo impressionante, que se realizou a cerimónia de receção, reduzida a meia dúzia de palavras pronunciadas pelo governador, de boas-vindas aos que chegavam, de reconhecimento ao Governo da Nação por tudo o que fizera e estava fazendo, de agradecimento a todos os portugueses que tanto se tinham sacrificado no cumprimento do seu dever e aos chefes timorenses pelas provas inequívocas de lealdade e dedicação que tinham dado durante o longo período de provações a que se tinham sujeitado, resistindo a todas as pressões e promessas feitas pelo inimigo. E, tal como acontecera no dia 3 de setembro, no campo de concentração de Lebomeu, quando o governador foi anunciar a todos que o seu martírio terminara, todos os presentes entoaram o Hino Nacional, vendo-se em todos os olhos lágrimas de alegria e emoção patriótica» (1).
(...) Na tarde desse mesmo dia 27 acompanhei o Governador e o brigadeiro Varejão numa visita ao acampamento que os aponeses haviam instalado sob as árvores, no sítio de Túru-Liu, perto da baía de Tíbar, na estrada de Díli a Liquiçá, a cerca de dez quilómetros da capital.
A minha presença, ordenada pelo Governador, justificava-se pela necessidade de obterem o meu parecer acerca das condições sanitárias do acampamento, com vista à possível instalação das tropas a desembarcar.
Porém, além da casa do comandante, construída de pedra e cal, nada mais se poderia aproveitar pois havia somente as arracas de madeira e zinco, sem paredes, onde os japoneses se instalaram, protegidos dos mosquitos por enormes mosquiteiros coletivos feitos de pano e tule.
Faz-se também o pesado balanço da guerra e da ocupação nipónica,
com os seus milhares de mortos e danos patrimoniais
(...) Na manhã do dia 29 chegaram a Díli o aviso "Afonso de Albuquerque" e o navio armado em transporte "Angola", conduzindo, o primeiro contingente do destacamento expedicionário a Timor.
Foi-me dada então a grande alegria de poder abraçar dois dos oficiais recém-chegados, meus conhecidos e amigos: o capitão-capelão, padre Aníbal Rebelo Bastos e o capitão-farmacêutico Artur de Oliveira, o qual havia conseguido alcançar Moçambique, ido da Austrália e agora voltava à terra onde estabelecera residência e profundamente amava (2) .
No navio «Angola» chegou o destacamento sanitário comandado pelo capitão médico Dr. Costa Félix tendo como subalternos os tenentes milicianos médicos, Drs. Meira e Cruz, Tamaguini [mais priovável, Tamagnini], Leitão Marques e Teixeira Dinis, os quais instalei no pavilhão principal do Hospital Dr. Carvalho que, felizmente, estava pronto a recebê-los embora, não restasse um único vidro nas suas janelas por todos haverem desaparecido, estilhaçados pelo efeito dos bombardeamentos aéreos.
Deles soube da recente descoberta de um maravilhoso medicamento — a penicilina.
Desembarcados do «Angola» as tropas e material seguiu o navio para a Austrália com o fim de se reabastecer de carvão e mantimentos e transportar os portugueses que aí se encontravam foragidos.
A 9 de outubro fundeou em Díli o vapor «Sofala» com militares e funcionários administrativos e trazendo os mais diversos artigos necessários à população, para serem postos à venda.
Por estes dias, o aviso «Afonso de Albuquerque» deslocou-se ao território do Oecússi, transportando o novo administrador. A sua chegada foi completa surpresa para o chefe de posto Fernando Tinoco que esteve encarregado da circunscrição durante todo o período da guerra. Milagrosamente, tudo aí corria em ordem, graças ao encarregado administrativo e à lealdade e dedicação do liurai D. Hugo da Costa, tendo-se mantido a população sempre coesa e disciplinada.
(…) Pouco a pouco, passámos a saber de factos passados durante a guerra, os quais, até aí, completamente desconhecíamos e pudemos recapitular algumas estatísticas. Contámos, então, os portugueses mortos por causa violenta durante a guerra:
- timorenses, às centenas;
- e, dos não naturais de Timor, trinta e sete assassinados, dez mortos em combate e seis mortos por suicídio;
- também vinte faleceram ao abandono no interior da ilha onde andavam foragidos;
- e oito acabaram miseravelmente os seus dias no cárcere nipónico.
Durante todo o período da guerra Díli, incluindo Lahane e arredores, sofrera noventa e quatro ataques aéreos com bombardeamento. Desses bombardeamentos, atingiram Lahane trinta, sendo vinte concentrados nos meses de outubro e novembro de 1944.
Muitas centenas de timorenses haviam perecido assassinados e muitos milhares morreram, principalmente por estarem completamente abandonados os serviços públicos de assistência médica e de enfermagem e não disporem de qualquer possibilidade de obter medicamentos.
Entre os primeiros, tinham sido passados pelas armas velhos e leais amigos timorenses dentre os quais se destacava a figura gloriosa do liurai do Suro, D. Aleixo Corte Real
Alguns refugiados portugueses na Austrália foram aí voluntariamente treinados na técnica dos comandos (3) para depois desembarcarem ou serem lançados em paraquedas sobre Timor para se dedicarem à observação dos movimentos das tropas nipónicas e à respectiva comunicação pela via radiolegráfica (4).
Seguira para Timor, em Fevereiro de 1944, um primeiro grupo constituído por dois autralianos, o chefe Paulo de Ussuroa, seu primo Cosme Soares e o criado Sancho. Mais tarde, em agosto, seguira um novo grupo chefiado por um capitão australiano que levava consigo um telegrafista da mesma nacionalidade e os portugueses José Rebelo, Armindo Fernandes e José Carvalho, que apenas desejavam serem sempre considerados portugueses voluntários para coadjuvar nas operações que tivessem por fim repelir o dominador e espoliador da sua terra (4) .
O primeiro grupo foi aprisionado pouco depois de ter desembarcado tendo os timorenses que dele faziam parte estado na cadeia de Díli e depois sido transferidos para Lautem, onde morreram, com exceção do criado Sancho (4) .
Os portugueses do segundo grupo desembarcaram num ponto ermo da costa sul de Lautem e «foram recolhidos nas povoações indígenas, onde os japoneses os foram prender, logo aos primeiros rumores do armistício, em agosto, para os fuzilar» (4).
(....) No dia 25 de outubro, por despacho do Governador dando execução um telegrama do Ministro das Colónias, foi levantada a nota de «deportado» a todos os indivíduos que se encontravam em Timor nessa situação, restituindo-lhes o uso de todos os direitos civis e políticos que a lei confere aos cidadãos portugueses.
A 18 de novembro realizou-se um ato eleitoral em toda a colónia, que decorreu na mais absoluta ordem e legalidade, elegendo-se, quase por 100% dos votos o candidato a deputado por Timor e antigo governador da colónia, capitão Teófilo Duarte.
Por este tempo, foi dado conhecimento aos interessados de o Governador ter promulgado uma portaria, pela qual eram louvados os que mais se haviam distinguido durante a ocupação.
Na tarde de 7 de dzembro, tendo chegado o vapor "Angola" em regresso da Austrália, o capitão Ferreira de Carvalho fez entrega do governo da colónia ao inspector administrativo, capitão Óscar Freire de Vasconcelos Ruas, numa sessão pública em que ambos discursaram.
Às 15 horas do dia 8 de dezembro, embarcaram no referido navio cerca de 160 portugueses — homens, mulheres e crianças — que tinham permanecido em Timor durante a guerra. Alguns, poucos, não seguiram, por então preferirem ficar na ilha onde tinham a sua família e interesses.
Chegados a bordo, tivemos a alegria de poder abraçar, de novo, conhecidos e amigos, entre os quais, D. Jaime Garcia, o engenheiro José de Azevedo Noura, o administrador António Policarpo de Sousa Santos, o capitão Silva, o administrador Lourenço Aguilar, o Dr. Cal Brandão, etc.
(...) Pôde ser classificada de triunfal a viagem até Lisboa. Em todos os portos que tocámos, fomos acolhidos com festas e honrarias e, sobretudo, com manifestações de tão sincera alegria que nos demos por bem pagos das provações que havíamos passado.
Na Beira, Lourenço Marques, Moçâmedes, Luanda e Funchal recebemos inúmeras e inequívocas provas de consideração e estima que nunca poderíamos esquecer.
Chegámos e Lisboa em 15 de Fevereiro de 1946, sendo esperados ansiosamente por muitos milhares de pessoas (5).
«Em Alcântara viveu-se uma hora simultaneamente apoteótica e emotiva, dentro de um dos mais belos espetáculos que alguma vez se têm verificado em Lisboa, Milhares de pessoas de todas as classes acorreram à Estação Marítima para receber triunfalmente os repatriados de Timor, vítima de uma guerra que não provocaram. Bem singular foi essa manifestaçao, em que às palmas e aos vivas se juntaram palmas e soluços. Quase todos os que vieram sofreram crueldades e torturas sem nome, correram aventuras de jogar-se a vida, viram cair para sempre parentes e amigos — só por teimarem em defender a soberania portuguesa. E a história de cada um foi o que se viveu ontem, em vibrante comunhão patriótica, forte o amplexo em que se confundiam o orgulho dos que chegaram e a comoção dos que os recebiam." (5)
(...) Aos repatriados necessitados foram distribuídos, ainda no navio, roupas e agasalhos por uma comissão do Fundo de Socorro Social que tinha ao seu serviço uma brigada de 40 empregados dos Armazéns do Chiado, sendo contemplados 100 homens, 68 mulheres, 78 rapazes, 71 meninas e 10 bebés (5) . (...)
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