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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20620: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXXV: Francisco Vasco Gonçalves Moura Borges, cap cav, 1º cmdt da CCAV 2721 (Sintra, 1944 - Lisboa, HMP, 1970): ferido gravemente no decurso da Op Jaguar Vemelho, no mítico Morés, acabou por morrer um mês depois em Lisboa, no Hospital Militar Principal





1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia). (*)

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à esquerda], membro da nossa Tabanca Grande [, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972 ]

2. Sobre a Op Jaguar Vermelho, onde o cap cav Moura Borges, cmdt da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), foi ferido gravemente (, acabando por morrer um mês mais tarde, em Lisboa, no Hospital Militar Principal), temos uma referência, um poste do nosso camarada Carlos Fortunato (**).  

Mobilizada pelo RC 4, a CCAV 2721 partiu para o TO da Guiné em 4 de abril de 1970 e regressou a 28 de fevereiro de 1972. Teve como comandantes, além do infortunado cap cav Moura Borges, o cap cav Mário [António Baptista] Tomé. O nosso camarada e amigo Paulo Salgado foi alf mil op esp nessa companhia, e poderá dizer-nos algo mais sobre a Op Jaguar Vermelho.
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(**) Vd. poste de 20 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13766: (Ex)citações (240): Água da bolanha... quem a não bebeu ?!... Recordando aqui o pesadelo que foi a Op Jaguar Vermelho, no Morés, em 9 de junho de 1970... (Carlos Fortunato. ex-fur mil trms. CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, e presidente da direção da ONDG Ajuda Amiga)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19470: Agenda cultural (671): Lançamento do livro "Milando ou Andanças por África", do Paulo Salgado, na Associação 25 de Abril, Lisboa, 21 do corrente, às 18h00. Apresentação: cor cav ref Mário Tomé, ex-cmdt da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72)



Convite para a apresentação do livro do Paulo Cordeiro Salgado, nosso grã-tabanqueiro, administrador hospitalar reformado,    "Milando ou Andanças por África" (Torre de Moncorvo: Lema d'Origem, 2019).

Local: A25A - Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95, Lisboa. Data e hora: 21 de fevereiro de 2019, às 18h. Aporesentação a cargo de Mário Tomé.


Sinopse:

Trata-se do lançamento de mais um livro de ficção do autor, que tem por título Milando ou Andanças por África, englobando quatro andanças. São narradas as aventuras e desventuras de personagens reais que passaram por África e que merecem o respeito do autor. Decerto que serão apreciadas pelos leitores..

Paulo Salgado  foi alf mil cav , op esp.,  CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), e é autor do livro "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor". Mário Tomé comandou a CCAV 2721.
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Nota do editor:

Último poste da série >  3 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19466: Agenda cultural (670): As Rotas da Escravatura, série de 4 episódios na RTP 1: 2ª feira, dia 4/2/2019, 4º (e último) episódio > 1789-1888: As Novas Fronteiras da Escravatura 

domingo, 2 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16547: Agenda cultural (503): Lançamento do livro do nosso camarada Paulo Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e de amor", com prefácio de Mário Tomé... Dia 20 de outubro, 5ª feira, às 18h00, na Associação 25 de Abril, R Misericórdia, 95, Lisboa


Guiné > Região do Oio > Olossato > CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72) >  O alf mil cav op esp Paulo Salgado...

Foto: © Paulo Salgado (2010). Todos os direitos reservados.


1. Embora essencialmente operacional, o nosso camarada Paulo Salgado não se coibia de dar uma mãozinha quer no posto sanitário quer na educação de adultos. Na foto, vemo-lo, no Olossato, prestando ajuda como voluntário ao fur mil enf Carvalho.

Transmontano, professor primário, "ranger", numa companhia de cavalaria, comandada pelo cap cav Mário Tomé, ele já tinha vocação, na época, para a administração de serviços de saúde, a par de especial motivação e sensibilidade para as questões da cooperação e da solidariedade.

O nosso editor Luís Graça irá encontrá-lo, mais tarde, no ano letivo de 1981/82 em Lisboa, como aluno do Curso de Especialização em Administração Hospitalar, da Escola Nacional de Saúde Pública, depois de ter feito a licenciatura em direito pela FDUL , Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Mas só depois da criação do nosso blogue, é que os dois deram conta, por volta de setembro de 2005, que tinham sido também "camaradas da Guiné" e partilhavam uma "paixão comum por África"... O Paulo (e a sua inseparável companheira, a Conceição Salgado, economista, também ela nossa grã-tabanqueira tal como a filha de ambos, doutorada em biologia, investigadora no Reino Unido, Paula Salgado) tem vivido nos últimos entre Vila Nova de Gaia e Luanda. Foi justamente em Luanda, na Clínica da Sagrada Esperança, que o Paulo falou, ao nosso editor Luís Graça,  há uns tempos, deste seu projecto literário que chega, finalmente, a bom porto.

Paulo, o nosso editor (, este fim em Candoa, nas vindimas,) manda dizer que lá estará, com todo o gosto e em representação da Tabanca Grande, na tua festa!... Dia 20 de outubro, às 18h00, na A25A, no Bairro Alto, em Lisboa. (CV)




Guiné – Crónicas de Guerra e Amor - Sinopse

Esta obra constitui um admirável mosaico de personagens que, na sua diversidade, fazem ressaltar a humanidade intrínseca de cada uma face a factos diversos, ocorridos em distintos momentos históricos. 

De forma engenhosa, inovadora e crítica, colhida da sua experiência e da sua inteligência emocional, o seu autor, Paulo Salgado, alferes miliciano presente na guerra colonial travada na Guiné entre 1970 e 1972, e consultor sénior na área da saúde, nas décadas de 1990 e 2000 na Guiné-Bissau, consegue, segundo Mário Tomé, que escreveu o prefácio, “fazer-nos sentir a tensão a um tempo subtil e tumultuosa, terna e violenta, que sustenta o relacionamento entre homens quando sujeitos a imposições cujo sentido verdadeiro desconhecem, sendo obrigados a obedecer, desenraizados, mas logo criando laços profundos num espaço e num tempo que lhes era de todo estranho, e que fazem evidenciar o lado certo da história” – razões fortes para um convite à leitura desta interessante obra.


2. Mensagem que recebemos do nosso amigo e camarada Paulo Salgado, com data de 12 de setembro último: 

 Meu caro Luís,

Pois bem, após algum tempo (demasiado tempo?), vai ser publicado pela Lema d'Origem, uma editora sediada em Carviçais, Moncorvo, cujo proprietário é um homem bom e empreendedor, além de escritor muito por fundo, o meu livro Guiné - Crónicas de Guerra e Amor.

Irá ser apresentado pelo jornalista (amigo de juventude e crítico sério) Rogério Rodrigues, na Associação 25 de Abril, e tem o prefácio de Mário Tomé.

Dir-te-ei a data brevemente, Se os editores do blogue entenderem interessante divulgar, na oportunidade, esta iniciativa, será um prazer e uma honra dar a conhecer o livro.

Até dentro de poucos dias para informar os editores do blogue da data certa.[, confirmada posteriormente: será a 20 de outubro, 5.ª feira, em Lisboa, na A25A - Associação 25 de Abril,  Rua da Misericórdia, 95]

Entretanto, estarei também em Lisboa no dia 28 de outubro na homenagem ao Prof. Coriolano Ferreira, na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa.

Forte abraço.
Paulo Xavier Fernandes Cordeiro Salgado
Administrador Hospitalar - ENSP/UNL
Pós-graduado em Administração Pública - UMinho
Pós-graduado em Direito dos Contratos - UCP
Mestre em Gestão-Especialização em Gestão e Administração de Unidades de Saúde-UCP
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16505: Agenda cultural (496): Rescaldo da inauguração da exposição de pintura de Adão Cruz, levada a efeito no passado dia 17 de Setembro de 2016, no Museu de Ovar (Carlos Vinhal)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14010: (In)citações (72): "Vem ver o que custou a liberdade", um colóquio/debate "A resistência na guerra colonial", levado a efeito no passado dia 6 de Dezembro em Á-dos-Loucos (Hélder Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 8 de Dezembro de 2014:

Caros amigos Editores

Em anexo envio um texto, em jeito de reportagem, que fiz sobre um evento a que assisti e participei no passado sábado. Foi interessante, na medida em que foi possível falar de aspectos menos comuns da nossa participação nos 'teatros de operações'.

No caso em questão falou-se essencialmente das experiências do pessoal da CCav 2721, já que os elementos convidados a relatar as suas impressões sobre como foi possível 'resistir' ao pensamento dominante eram dessa Unidade.

Abraços
Hélder Sousa




Caros camaradas

O que hoje trago à vossa consideração é sobre um aspecto pouco abordado aqui no Blogue mas que, no entanto, se bem observado, acaba por ter muitos pontos de contacto com as diferentes realidades que muitos de nós vivemos.

Trata-se de se tentar perceber como evoluíram as consciências, melhor dizendo, como foi evoluindo a consciencialização de cada um relativamente à realidade que foi encontrar e vivenciar nos 'teatros de guerra' e como isso acabou também por não só mudar as suas atitudes individuais como igualmente influenciou colectivamente a nossa sociedade de então. Uma e outra gota de água vão-se juntando a outras, formando riachos, ribeiros, rios e chegando ao mar!

Sobre esta temática foi levado a cabo no passado sábado dia 6 de Dezembro em À-dos-Loucos, próximo de Alhandra, um "Colóquio/Debate" com o sugestivo título de "Vem saber o que custou a Liberdade" que ocorreu nas instalações da União Desportiva e Columbófila de À-dos-Loucos, impulsionado pela URAP (União dos Resistentes Anti-fascistas Portugueses) e integrando as comemorações dos 40 anos do 25 de Abril.

Para o efeito foi dado conhecimento da experiência e seus testemunhos que vários elementos da CCav 2721 puderam facultar.


Mesa da Presidência: da esquerda para a direita temos o Presidente da Junta da União de Freguesias, Mário Tomé, Bento Luís, Paulo Salgado e Mário Branco


Um aspecto da assistência


Conforme o programa, intervieram o antigo Comandante dessa CCav 2721, Major Mário Tomé, o 2.º Comandante Alferes Paulo Salgado [, membro da nossa Tabanca Grande], o Furriel Mário Branco e o Furriel Bento Luís, que foi o impulsionador e organizador do evento. José Manuel Graça, hoje Coronel reformado e então Comandante do Terceiro Grupo de Combate, foi impedido de comparecer a contas com uma arreliadora dor (ciática?). (Em anexo segue foto da mesa do Colóquio, em que da esquerda para a direita temos o Presidente da Junta da União de Freguesias, Mário Tomé, Bento Luís, Paulo Salgado e Mário Branco).

Das diferentes intervenções e testemunhos ressaltou aquilo que já se sabia, em larga medida. Que a maioria dos militares tinha pouco ou nenhum conhecimento da realidade que foram encontrar. Alguns rapidamente se aperceberam de como Portugal não era tão 'pluricontinental e plurirracial' como lhes diziam. Também rapidamente se questionaram sobre o que afinal (não) se tinha feito em 500 anos de possessão daquele território e daquelas gentes, em que nem sequer a língua era comum.

Do meu ponto de vista, o mais importante do que foi dito foi que se as posturas dos graduados foram importantes para as ‘tomadas de consciência’ das militares, na medida em que potenciaram e promoveram várias práticas que a isso ajudaram, como por exemplo a feitura de um Jornal a que deram o nome de “Tabanca” com textos que suscitaram o interesse dos soldados, com a realização de reuniões de tipo ‘plenário’ onde se discutiam todo o tipo de assuntos e que chegaram a incluir leitura de poesia, a verdade é que a ‘tomada de consciência’ foi sempre um acto individual e tanto mais consistente quanto mais profunda e própria foi essa evolução.

A assistência, que se revelou interessada e interveniente, rondando as três dezenas, colocou várias questões e procurando perceber se a ‘resistência’ que se acabava por produzir em pleno teatro de guerra se era ‘passiva’ ou ‘activa’.

Foram esclarecidos que não há que iludir, estava-se em actos de guerra, era necessário defender a pele e isso implicava disparar. Fazê-lo por gosto ou ‘convicção patriótica’ era outra coisa. Mário Tomé revelou que embora pontualmente questionasse uma ou outra situação antes dessa comissão na Guiné.  foi de facto lá, no Olossato, que ‘chocou com a realidade’ e que percebeu a necessidade de ‘contribuir para a mudança’, ‘resistindo’ à ordem vigente. Paulo Salgado e Bento Luís também deixaram os seus testemunhos, os seus percursos de vida e de como a vivência e convivência com aqueles homens da CCav 2721 também foi importante para as suas vidas.

À questão de se saber o que foi ou não ‘activo’ ou ‘passivo’ foi dada resposta essencialmente pela intervenção do ex-1.º Cabo Moura Marques (também presente) esclarecendo que tudo o que contrariava a ‘normalidade’ institucional era ‘resistência’ e, no seu entendimento, bem ‘activa’. Até a simples denominação do seu grupo de combate como “Os filhos da puta” revelava o estado de espírito que grassava entre os soldados.

Foi recordado também que num determinado momento em que houve um surto de cólera nos países vizinhos e se procedeu a uma campanha de vacinação massiva, a militares e população, a rádio tinha um slogan destinado a fazer passar uma mensagem de confiança e tranquilidade dizendo, “Mantenham a calma que ainda não há cólera na Guiné”, o qual foi rapidamente transformado em “Mantenham a cólera que ainda não há calma na Guiné”, representando isso uma atitude muito mais de desafio à ordem do que uma simples gracinha!

Em jeito de conclusão posso dizer que foi bem entendido que mesmo em condições muito adversas é possível desenvolver-se espírito crítico e estender essa atitude a muito mais pessoas. Daí a perceber-se que no momento actual é necessário e urgente insistir na atitude de resistência ao que nos atropela no presente e compromete o futuro, foi uma conclusão natural.

Gostei muito de ‘ver ao vivo’ o nosso ‘tabanqueiro’ Paulo Salgado que veio de perto do Porto para ver os seus antigos “amigos, companheiros e camaradas”, conforme explicou, acompanhado pela nossa também ‘tabanqueira’ Maria da Conceição. Momentos bem passados e de grande elevação.

Abraços
Hélder Sousa

PS - Fui convidado particularmente para este Colóquio porque sou amigo desde o primeiro dia da EICVFXira do Bento Luís.

Quando a CCav 2721 deixou o Olossato e veio para ‘descansar’ para Nhacra (foi tal o descanso que ainda não estavam a sair das viaturas que os transportaram e já estavam a ser alvo de ataque), fui lá visitá-lo duas ou três vezes, de moto, indo de Bissau com outro Furriel, o Fernando Roque, que igualmente foi convidado pelo Bento a estar presente no Colóquio.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13822: (In)citações (71): Djarama (obrigado) a este "santástico" blogue por nos proporcionar um espaço de diálogo e de (re)encontro entre o passado, o presente e o futuro (Djuli Sal, neto do Cherno Rachide Djaló)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12957: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (15): O meu amigo Fur Mil Bento Luís, ou a amizade através dos tempos

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 6 de Abril de 2014:

Caros camaradas Editores
Dando cumprimento ao apelo do nosso Editor-Chefe Luís Graça que pediu para 'alimentar o Blogue' durante os tempos que iria ficar no 'estaleiro' devido à intervenção à anca, aqui fica um modesto contributo com este pequeno episódio que me 'tocou' e que ocorreu na passada 3ª feira.
Penso que pode ser inserido na série que, em certa medida, me 'pertence' e a que dei o título de "Histórias em Tempo de Guerra".
Em anexo remeto também uma foto minha actualizada, uma foto relativamente recente do amigo a que me refiro, o nosso camarada da Guiné, Furriel Mil. Bento de Jesus Luís, uma foto em que estou a almoçar com ele no "Enfarta Brutos" em Bissau e uma outra foto em que estou com a moto que utilizava nas minha deslocações a Nhacra, na companhia do meu amigo e também trabalhador na "Escuta", o Fur. Mil TSF Manuel Martinho.

 Abraços
Hélder Silva


HISTÓRIAS EM TEMPO DE GUERRA

15 - O MEU AMIGO FUR MIL BENTO LUÍS
ou
A amizade através dos tempos

Hesitei um pouco sobre como enquadrar este meu artigo. Na verdade, o motivo próximo, foi uma recente intervenção de carácter público que esse meu amigo fez em Vila Franca, mas como o que a motivou teve a ver com algo passado aquando das nossas vivências na Guiné, não será de todo desenquadrado do teor do título que fui dando às minhas memórias, que chamei de “Histórias em tempo de guerra”.

Eu e o Bento já nos conhecíamos há muito. Desde os tempos do exame de admissão à Escola Industrial e Comercial de Vila Franca de Xira, corria o ano de 1959. O Bento, que tem por uma das suas características principais a discrição (por feitio, por formação, por necessidade), teve o azar de nas vésperas ter tido um problema que o fez apresentar-se nessas provas de ambulância, maca e perna engessada. Para quem não gosta, nem quer, ‘dar nas vistas’, convenhamos que ‘melhor’ seria difícil!

Ex- Fur Mil Bento Luís

A partir daí, em que era fácil ser referenciado, e pelo facto de termos ficado na mesma turma nesse ano inicial, de arranque, da Escola Técnica, fomos estreitando, desenvolvendo e cimentando a nossa estima e amizade. Foi-se mantendo ao longo dos tempos, mesmo tendo cursado áreas diferentes pois eu fiz o curso de montador electricista e ele o de formação de serralheiro (tempos em que se procurava obter formação para trabalhar….). Terminada essa fase os nossos destinos originaram um afastamento. O Bento foi ingressar no mercado de trabalho e eu fui continuar os estudos em ‘modo diurno’ para a Machado de Castro, em Lisboa, com vista a obter a formação complementar para tentar o ingresso no Instituto Industrial.

Ao longo do tempo fomos tendo vivências diferentes, convergindo contudo na procura de respostas para se encontrar caminhos para uma sociedade mais justa, mais feliz. O ano de 1969 fez-nos reencontrar em Santarém, na EPC, sendo que ele foi na 2ª incorporação e eu na 3ª mas como ficou na Cavalaria acabámos por ser contemporâneos, sendo que nessa altura estava com ele outro colega da EICVFXira, o meu amigo Joaquim Pedrosa, jogador da Académica de Coimbra e que aí foi colega do Brasfemes, Vítor Campos, Costa, Gervásio, etc.. O ano de 1971 foi o do reencontro em Bissau.

O Bento pertenceu à CCAV 2721, que esteve na Guiné entre 69/71 e que andou pelo Olossato, Companhia a que pertenceu, entre outros o nosso “tertuliano” Paulo Salgado. Tenho a ideia que inicialmente teve um Capitão a comandar a Companhia mas foi substituído (por falecimento?) pelo Capitão Mário Tomé e terminaram a comissão em Nhacra.

Fruto dessa proximidade a Bissau e tendo em conta que desde o final de Maio de 71 já me encontrava na “Escuta”, o Bento, na sequência da sua ida ao Hospital, procurou-me e eu dei-lhe o apoio possível. É dessa época a foto que anexo em que estamos a comer no restaurante da Estrada de Santa Luzia, o “Enfarta Brutos”, julgo que eram umas omeletes de camarão, e cuja foto foi tirada por outro camarada que estava connosco, o Fernando Roque.

Bissau > No Enfarta Brutos com o Fur Mil Bento Luís

A partir daí fui algumas vezes a Nhacra, com o Roque, de moto. Na foto que anexo está a moto que utilizava, embora o camarada que está comigo seja o Manuel Martinho outro “Ilustre TSF” que estava comigo na “Escuta”. Em Nhacra não se vivia só da guerra e para a guerra. Havia conversas, perspectivava-se o futuro, iam-se ‘formando vontades’. Havia também sessões culturais, leitura de poesia, etc.

Setembro de 1971 > Hélder Silva e Manuel Martinho

Quando ele acabou a comissão, em 1971, eu ainda fiquei quase até ao final de 1972 e portanto deixámos de nos ver pois as nossas vidas familiares, profissionais e até de residência eram diferentes. Mas, mais do que isso, foram as diferenças nos nossos “entendimentos” de como se chegar a uma sociedade melhor, que não nos deixaram aproximar mais, permanecendo apenas a amizade e estima ‘à distância’, consubstanciada tantas vezes de forma colateral, já que o Bento manteve a amizade com o meu pai, a quem visitava com frequência e a quem deixava sempre um abraço para mim.

Um dia destes, na passada 3ª feira, dia 1 de Abril, calhou estarmos presentes numa sessão em Vila Franca de Xira promovida pela Junta de Freguesia, integrada nas actividades destinadas a comemorar os 40 anos do 25 de Abril de 74, dando voz, na ocasião, a alguns dos vilafranquenses (naturais ou adoptados), meus contemporâneos, que experimentaram a repressão e a ignomínia da prisão e da tortura pela execrável polícia política.

No final das intervenções dos quatro elementos do painel, em que se falou de resistência, de coragem, de determinação, de solidariedade e de mais outras coisas, foi dada a palavra à assistência, que apesar da noite fortemente chuvosa lotava o auditório da Junta. Numa delas, para minha surpresa e algum embaraço, o Bento resolveu citar-me como um exemplo de solidariedade, forjado na guerra, na medida em que lhe cedi alojamento e outros apoios aquando da passagem dele pelo Hospital de Bissau e de como isso lhe tinha sido marcante e agradável, a ponto de o estar ali a referir.

Confesso que nunca me tinha apercebido do efeito que, de forma natural e impulsiva, fui causador. Para mim, o que fiz foi uma coisa simples, auxiliando um amigo, sem qualquer esforço. Fiquei a pensar que muitas vezes os nossos gestos têm um alcance muito maior do que aquilo que julgamos. E que o “fazer bem” não só não é difícil como é compensador.

No final ficámos a rever as nossas vivências e, mais uma vez, a ‘teorizar’ sobre a necessidade de nos empenharmos, de novo, no combate por um mundo melhor. E, naturalmente, celebrámos a amizade!

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE NOVEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10613: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (14): Um poema-despedida da Naty, dedicado ao seu companheiro a caminho da Guerra Colonial

domingo, 9 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12815: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (23): Santarém, onde volto por necessidade, por gosto e por desgosto de ver desaparecer algumas das minhas referências (Hélder Valério de Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 2 de Março de 2014:

Caro Editores

Já faz tempo que não colaboro com nenhum escrito para o Blogue.
Coisas da vida! Mas hoje resolvi enviar-vos este texto para ser enquadrado no tema da "Cidade ou Vila que mais amei ou odiei antes da mobilização".
Trata-se de Santarém e da sua EPC e Destacamento.
Ainda não tinha visto por aqui ninguém recordar essa passagem e entendi por bem fazê-lo. O problema é que não tenho fotos da época e por isso o texto pode ser pouco apelativo. Afinal tratam-se das minhas recordações e isso pouco pode interessar a terceiros, no entanto acho que por lá passou também muito boa gente e pode ser que se sintam encorajados a trazer a público as suas lembranças.

Abraços
Hélder Sousa


A CIDADE OU VILA QUE MAIS AMEI OU ODIEI, NO MEU TEMPO DE TROPA ANTES DE SER MOBILIZADO

SANTARÉM


Vista aérea da cidade de Santarém. Foto: InLut, com a devida vénia


Responder a esta questão não é fácil, porque as circunstâncias eram diferentes conforme se estava na recruta ou com uma ocupação mais ‘folgada’, aliás conforme já foi possível verificar por recordações de outros camaradas. Mas é uma boa questão, para se perceber melhor como é que nos relacionamos com essas recordações e se elas ainda ‘mexem’ connosco. Por isso, vou também entrar no jogo.

O meu percurso militar, antes de ser mobilizado, portanto, na “Metrópole”, foi Santarém, Lisboa (Batalhão de Telegrafistas), Tancos, novamente Lisboa, Porto e Lisboa (Adidos). Porque de todos esses locais guardo recordações, vou cingir-me hoje a Santarém.

E faço-o com muito gosto porque ainda não vi por aqui recordações da Escola Prática de Cavalaria [EPC], o que lamento, sabendo da importância que tal Escola teve nas nossas vidas, esperando sinceramente que possam surgir mais depoimentos.

Como o objectivo é saber, no fundo, como é que nos relacionámos ou interagimos com as terras e suas gentes, isto podia ser muito simples: antes de ir para Santarém, gostava muito, enquanto lá estive fui ganhando saturação ao ponto de pensar que “Santarém, nunca mais!” e hoje volto a ir lá por necessidade, por gosto e por desgosto de ver desaparecer algumas das minhas referências. É preciso dizer que sou ribatejano, que fui Furriel e até aqui estou coincidente com o Armando Pires, mas depois não fui enfermeiro nem fadista o que, valha a verdade, ainda bem, pois não tenho jeito.



Bissau - Bar de Sargentos. Santa Luzia. O Hélder Sousa com o Boavida, do seu tempo de recruta na EPC.

Ir a Santarém, antes da tropa, era normal. Ia lá muitas vezes, principalmente quando estava a passar alguns dias na minha aldeia. Fui lá às “sortes”. E apresentei-me no dia 15 de Julho de 1969 para integrar a 3.ª incorporação no 1.º Ciclo do CSM. Foi no Destacamento da EPC.

Durante esse tempo da recruta foram muito poucas as folgas, os dias em que se podia sair, dar uma volta pela cidade ou arredores, para que assim se pudesse conhecer melhor e dar agora a opinião. Como noutros locais em que se tinha que produzir rapidamente militares ‘prontos’, a formação era acelerada. E tenho a ideia que havia uma espécie de competição para ver quem fazia mais e melhores ‘sargentos milicianos’, nomeadamente entre a Cavalaria (Santarém), a Artilharia (Vendas Novas) e a Infantaria (Tavira), já que as Caldas da Rainha, não sei se só com fama se também com proveito, não contava para isso.

Essa competição fazia com que as recrutas fossem duras, por si mesmas, ou até por algum exagero para maior diferenciação. Devido às constantes actividades saía-se pouco à noite. O pessoal era fortemente castigado do ponto de vista físico, portanto tinha que descansar e as actividades nocturnas não eram raras. Daí que, para a generalidade dos ‘soldados-recrutas’, acredito que o conhecimento da cidade não pudesse vir a ser muito profundo. Já aqueles que depois, terminado esse 1.º ciclo, ficaram na própria EPC em qualquer das especialidades da Cavalaria, tiveram mais tempo e talvez mais oportunidades.

Não sei como era no curto tempo do fim-de-semana pois consegui vir sempre a casa, já que a distância não era muita (45 km) e havia ligações por camioneta e comboio. Quando se saía, os mais afortunados iam até Almeirim, às febras e à ‘sopa da pedra’. Fui lá 2 ou 3 vezes por força das amizades que sempre se vão fazendo com camaradas do Pelotão e que eram de lá, caso do Aranha Figueiredo e do Boavida, cujos conhecimentos ajudavam a ‘abrir portas’.

Refiro estes dois camaradas porque o Aranha, que foi para Moçambique, encontrei-o naquela “clara e límpida madrugada”, no Terreiro do Paço, onde pensávamos que íamos apanhar o barco das 07:00 para a Margem Sul onde trabalhávamos e o Boavida porque mais tarde me veio a encontrar em Bissau conforme foto anexa tirada no Bar de Sargentos em Santa Luzia.

A maior parte das vezes, quando havia dispensa de recolher, ficava-se ali perto, no “Verde Gaio”. Também ia até ao “Quinzena”. Visitar a “Adibis”, pastelaria fina, da elite ‘scalabitana’, das meninas estudantes, era quase proibitivo já que também estava ‘infestada’ de Oficiais. Enquanto civil, fui lá várias vezes, Enquanto militar, acho que só entrei uma vez e… chegou!

Santarém tem a particularidade de se espraiar por um planalto o que faz com que fosse para onde se fosse, para a carreira de tiro com acesso pela EN 3 a caminho do Cartaxo, para a outra carreira de tiro em Vale de Estacas, para a estrada da Estação da CP e ponte de Almeirim, fosse pelo “Colégio Andaluz” para a Quinta das Ómnias, à ida era sempre a descer e depois de completamente estoirados, o regresso seria naturalmente a subir, mas parecia sempre muito mais íngreme do que na descida. E quantas vezes, para ‘abreviar tempo’, se tinha que o fazer em ‘passo de corrida’? Daí que quando saí de Santarém tivesse pensado de forma determinada que nunca mais voltaria lá. Claro, puro engano!
Voltei lá, sim senhor, para tratar assuntos pessoais, para jantares de convívio, para rever locais, para visitar a minha mãe no Hospital e assisti-la no falecimento.

Tudo o que atrás disse tem a ver com a relação com a cidade, com os locais e as pessoas. Mas foi tudo condicionado pela actividade militar. Não será esse o tema mas não posso deixar de referir alguns apontamentos que me parecem relevantes ou interessantes. Muitas vezes tenho lido que o pessoal foi, na generalidade, mal preparado para a guerra, para o tipo de guerra que acabou por encontrar, principalmente na Guiné. A experiência que tive em Santarém diz-me o contrário. Lá, pelo menos naquele 3.º Turno do CSM, a preparação foi dura, exigente (talvez nada que se parecesse com os “especiais”, mas teve alguns pontos comuns), e fortemente voltada para o tipo de situações semelhantes à Guiné.

Claro que na altura não podíamos saber, mas eles, os instrutores, esforçavam-se por nos incutir a ideia que esse seria o nosso destino. Diziam isso amiudadamente e as nossas constantes idas às Ómnias podem hoje testemunhar como isso era verdade. Nas Ómnias, na orla do Tejo, com terrenos alagados, em charcos, em terrenos enlameados, em lagoas (numa das quais, mais funda do que se pensava, um dos instruendos do meu Pelotão ia lá ficando) encontrava-se e praticava-se em locais que quem teve o ‘privilégio de usufruir’ das bolanhas não deve ter achado estranho.

Particularmente duras foram as “24 horas de Santarém”, já no final da formação, em Setembro.
Nesse ‘evento’ todos os Pelotões saíram para um local comum, no Paúl, onde lhe foi dada a possibilidade de participar e assistir a progressões, emboscadas, golpes de mão, confrontos. Após isso, em que enquanto participantes estávamos lá em baixo no terreno cada vez mais enlameado por força da chuva e revolvido pelos passos dos ‘actores’ e enquanto espectadores estávamos num plano mais acima donde se podia assistir ao desenrolar dos acontecimentos, fomos agrupados em diferentes secções para desempenharmos as missões que nos foram dadas e das quais só podíamos regressar ao Destacamento às 08:00 do dia seguinte.

Como começou a chover uma chuvinha miudinha, mas persistente, praticamente desde que saímos do Quartel e que foi progressivamente engrossando e que durou todo o ‘santo dia’, aliviando já só sobre a madrugada alta, foram realmente umas “24 horas” de grandes dificuldades, em que se pode dizer que fomos ‘ensopados até aos ossos’. Recordo que cerca das 23:00 entrámos, o meu grupo (7?, 9?, não recordo) em Alcanede e habitantes apiedados da nossa situação e estado lastimoso, convidaram-nos a entrar para uma espécie de adega onde tinham um lareira e várias coisas para comer que nos facultaram. O pão soube divinamente, os chouriços, morcelas, queijos, etc., também, mas o que recordo ainda é o fumegar das nossas roupas, a evaporação da água incorporada, pois tirámos o que pudemos e ficou tudo junto à tal lareira.

Ficámos por lá até quase à madrugada e, conhecedores da região, foi então mais fácil dar conta da missão e chegar a horas ao Destacamento. Um dos elementos desse grupo era o Aranha, que levava a bazuca. Na formação no Destacamento estavam 3 Esquadrões. O 3.º do Tenente Cadavez, o 4.º do Tenente Guilherme, que me disseram nunca ter chegado a ir a África pois foi para a NATO, e o 5.º do Tenente Tavares de Almeida.

Eu pertenci ao 1.º Pelotão do 4.º Esquadrão que tinha como instrutores o Aspirante Teixeira (diziam que tinha pertencido ao Conjunto Maria Albertina) e um Cabo que, não sendo maus tipos, tinham assumido o ‘espírito da coisa’ e foram bastante duros connosco. Duros, mas leais, diga-se em abono da verdade.

Além dos já citados Aranha e Boavida faziam parte do meu Pelotão outros elementos (obviamente) de que me lembro agora dum tal Vozone, que era um nome conhecido da vela de competição, e o nosso camarada da Guiné, Luís Encarnação, da Companhia que esteve em Canquelifá do BCAV 2922, que ainda não pertence à “Tabanca” mas já esteve em almoços na “Linha”. Falando com ele recordei-me de várias peripécias, como os patrulhamentos ao longo do caminho de ferro, a escalada da escarpa das “Portas do Sol” (dizia o Aspirante Teixeira que era para imitar os soldados de D. Afonso Henriques) em que a cada dois metros de progressão escorregávamos um, das ‘cenas’ com um camarada que dormia de olhos abertos, de outro que foi enganado e utilizou “Baygon” pensando que era desodorizante, etc..

Foi tempo de conhecer um tal Salgueiro Maia, que nos deu instrução de granadas, de um tal Mário Tomé, ao tempo Oficial de Segurança da EPC e que foi o protagonista de uma cena-aviso do tipo “casamento na Parada”.

Esta passou-se na Parada da EPC, com todos os militares tanto da própria EPC como do seu Destacamento, ao qual pertencíamos, formados e a ouvir um raspanete a propósito, ou a pretexto, de uma mãe que se teria queixado de abusos à sua filha ocasionados por militar. Fiquei sempre com a sensação que se tratou de uma encenação, destinada à “acção psicológica”, mas a verdade é que o então Capitão Tomé disse mais ou menos isto: “…. têm a mania que são machões? Acham que a instrução não é suficientemente dura? Pois vão ver como será daqui para a frente! Vão ser ‘apertados’ de tal maneira que não terão força nem para levantar o ‘piçalho’….”

Foi tempo de um grande empenhamento em aprender as ‘artes militares’. Dediquei-me à formação com toda a energia. Aprendi a teoria. Não me baldei à prática. Achava que era importante aprender e obter conhecimentos que certamente iriam ser necessários para os tempos que, convictamente, ‘sabia’ que iriam ocorrer, inevitavelmente, embora ainda tivessem que decorrer quase 5 anos.

Tive boas pontuações de tal modo que fui convidado a ‘seguir outro caminho’, o que não aconteceu. Além disso também podia usufruir do conhecimento antecipado do resultado correcto dos testes de escolha múltipla que fazíamos sentados no chão. Como sabia? Não me recordo…. apenas me lembro que fazia sempre primeiro por meu conhecimento e depois ia ‘conferir’, sendo que, por ‘precaução’, falhava sempre uma ou duas.

Lembro-me, também, como se ia ‘moldando’ as vontades do pessoal. Primeiro procurava-se valorizar a ‘dispensa de fim-de-semana’ de tal modo que isso era uma espécie de prémio, para o qual todos deviam concorrer e para tal suportar tudo. E tudo servia de pretexto para ‘cortar’ essa ‘regalia’. Por exemplo, na revista aos Pelotões do meu Esquadrão chegou a participar um Alferes, com um ar propositadamente abandalhado, mal ataviado, com a barba por fazer e a exigir o máximo de aprumo e perfeição dos instruendos perfilados, para lhes provocar alguma reacção às injustiças sentidas quando os castigavam por os botões não estarem alegadamente bem brilhantes, por a camisa não estar devidamente fraldada, por a barba ‘não estar bem feita’ (mesmo que a cara já estivesse com vários cortes).

Suprema ironia era quando, propositadamente, pisava uma bota impecavelmente reluzente (diria quase envernizada com “Búfalo”) que assim ficava com algum pedaço esfolado e depois dizia para o Cabo apontar o corte da dispensa por ter as botas mal engraxadas. Tudo isto provocava revolta. Mas o pessoal continha-se. E, de contenção em contenção, as chefias pensavam que ‘domavam as vontades’, o que era possível que sim, pelo menos no momento, e que tinham o pessoal ‘enquadrado’, sendo que aqui se enganavam redondamente, pois as animosidades foram sempre em crescendo.

Portanto, em resumo, as recordações de Santarém são boas. O que se passou foi importante. Sempre valorizei essa passagem, compreendendo todos os seus passos. Isto em termos militares que, afinal, não podemos dissociar do resto.

Da cidade em si, da sua História, da sua importância, da sua monumentalidade, a capital do Gótico Português, diz-se, isso foram conhecimentos que já tinha antes da passagem pela tropa, pelo que não me acrescentaram nada.

Quanto a ódio-amor acho que já disse. Primeiro, amor. Depois, ódio, Agora, novamente, amor e tristeza.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12810: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (22): Caldas da Rainha - Os primeiros dias da recruta (Mário Migueis da Silva)

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1458: Bombolom XV (Paulo Salgado): Contos mandingas, de Manuel Belchior, ou a sabedoria dos guineenses


Guiné > Região do Oio > Farim > Olossato > O Alferes miliciano Salgado, em cima do capô dum GMC, e devidamente assinalado por um círculo a vermelho. Fazia parte da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), e era seu comandante o capitão de cavalaria Mário Tomé. O Olossato fazia parte do chão mandinga.

Foto: © Paulo Salgado (2005). Direitos reservados.


Mensagem do Paulo Salgado (1), ex-alf mil Alferes miliciano da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), que teve como comandante o capitão de cavalaria Mário Tomé, hoje coronel na reforma (2)


Meu Caro Luís Graça,
Camarada e Tertuliano:

Não é demasiado: os nossos contributos - de todos os tertulianos, com muitos e diferentes pontos de vista - não existiriam, não cresceriam, não ganhariam voz e dimensão, não fora o teu trabalho, a tua paciência, a tua sagacidade, o teu sentido de independência face às saborosas e dignas diferenças de ideias sobre a guerra (ultimamente tem sido produzida matéria de discussão, onde eu pretendo dar a minha achega, como já fiz anteriormente, pelo menos uma vez).

Quero - uma vez mais (põe isto blogue, por favor) - dar-te um abraço de muita consideração.

Comecei assim este meu contributo - que, julgo ter esse direito, deverá a continuar-se a chamar bombolom - para, uma vez mais, e da minha parte dar destaque a aspectos que, tendo muito que ver connosco (ex-militares na Guiné), se afastam, a maior parte das vezes, do que foi a guerra, como a vivemos, como a julgámos e julgamos, hoje.

O meu contributo de hoje é trazer uma história contada pelo historiador e cientista (por que não?!) Manuel Belchior, que escreveu várias obras sobre África e, em especial, sobre a Província da Guiné (era assim, lembrais-vos todos).

A sentença da lebre ajuda-nos a compreender, através da intervenção de animais e humanos (em comunhão de linguagem e de partilha de dúvidas) como os homens se comportam, como existem, em toda a parte, em qualquer latitude ou longitude, os ladinos, os malteses, os indiferentes, os acomodados, os sacrificados.

Sendo possível publicá-la, seria interessante, pois serviria para nós meditarmos um pouco sobre a natureza humana, e, em especial, relembrarmos como é grande a alma dos guineenses, ou dos alentejanos, ou dos transmontanos (que sei eu?) na sua sabedoria popular.


Paulo Salgado

PS - Voltaremos a contos e estórias (de guerra, serão algumas)

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A sentença da Lebre

In: Contos Mandingas, de Manuel Belchior (1971) (3)
(com a devida vénia, ao autor e à editora).


Certo crocodilo abandonou as margens do rio em que habitava e resolveu partir em guerra contra os animais da floresta. Porém, bem depressa viu quão infeliz havia sido a sua decisão e quão pouco preparado estava para viver e lutar num meio que não era o seu, pois somente por milagre escapou de ser reduzido a cinzas por uma grande queimada e, ainda meio tonto e chamuscado, estava a ser atacado por um bando de jagudis (*) que não lhe poupavam as sua valentes bicadas, quando foi salvo por um moço pastor ao qual angustiosamente pediu:
- Por quem és, tira-me deste lugar onde a morte me espreita e leva-me para o rio de onde nunca devia ter saído. Anda, faz-me esse favor, que te serei eternamente grato.
- De boa vontade o faria – disse-lhe o moço – se isso não fosse tão perigoso para mim. Agora que te vês em perigo, pedes com muito bom modo e tudo prometes; mas que sucederá, quando chegados ao rio, eu te soltar, ficando, assim, completamente, à tua mercê?

O grande lagarto lamuriou, afirmando que isso que isso era impossível, que não tinha tanta maldade e ingratidão, e de tal maneira o medo da morte o tornou eloquente e o fez parecer sincero, que o rapaz, comovido, se deixou convencer. Por sugestão do próprio crocodilo, o pastor amarrou-lhe as mandíbulas com uma corda feita de casca de árvore, e ligando-lhe solidamente o corpo a uns paus, pô-lo à cabeça e assim o transportou.

Quando atingiram as margens do rio e o rapaz se preparava para o depositar no solo, o crocodilo pediu-lhe que entrasse na água porque o seu estado de fraqueza era tal, que não poderia, por si só, transportar-se até lá. O moço concordou e, ao dar-lhe a água pelos joelhos, quis parar, e novamente o crocodilo lhe pediu que fosse um pouco mais longe até a água dar-lhe pelas coxas e também mais uma vez o pastor lhe fez a vontade.

Quando, por fim foi descarregado e se viu completamente solto, com as mandíbulas desamarradas e a meio do rio onde as vantagens eram todas suas, o jacaré agradeceu efusivamente ao rapaz o enorme favor que lhe prestara; mas disse-lhe que, apesar de tudo quanto lhe havia prometido, ia comê-lo porque devorar as pessoas e animais que estavam ao seu alcance era uma lei natural a que não podia faltar sem incorrer no desagrado dos seus antepassados que nunca tinham feito outra coisa. Decerto dissera que pouparia o seu salvador – mas que promessas não se fazem quando se está à beira da morte?

Bem argumentou o pobre pastor, falando de injustiça, mas o crocodilo não saía da sua e, certo que todos compreenderiam que o levava a obedecer a uma lei fatal que não lhe deixava margens para sentimentalismos, aceitou a proposta do rapaz para que fossem ouvidos os três primeiros seres que chegassem ao rio.
- Se todos forem da tua opinião – dizia o pastor – então terei de confessar que fui um parvo e a culpa de ser comido é inteiramente minha.

O primeiro animal que veio beber água ao rio foi um cavalo. Ouviu atentamente o que lhe disseram as duas partes em litígio, e por fim, sentenciou:
- O rapaz não tem razão; não há promessa que valha quando ela vem contra um costume que sempre existiu e há-de existir. É da natureza do crocodilo comer os animais que puder. E dito isto, foi muito tranquilamente pastar.

A seguir apareceu uma velha que, depois de informada do que se passara, disse:
- Como ousas tu, rapaz, falar de injustiça e de ingratidão? Pois não é verdade que todos os homens são uns ingratos? Olha para mim e vê como estou mal vestida e maltratada. No entanto, já fui nova e bonita e o meu marido prometeu que gostaria sempre de mim. Mas agora, que tomou novas mulheres, não me liga a menor importância (**). Se tu chegares a casar, serás como ele. Portanto, como os homens não dão mais valor às promessas que fazem do que o crocodilo à sua, a minha opinião é que deves ser comido.

Finalmente surgiu a lebre. O rapaz, amargurado pelos pareceres anteriores, quando acabou de expor a questão, disse:
- Tu és o último dos três seres que consultámos e também a minha última esperança. Os outros dois deram razão ao crocodilo e disseram que aquilo que eu penso ser uma ingratidão é coisa perfeitamente natural. Diz-nos a tua opinião.

A lebre ouviu muito bem aquilo que ambos disseram, mas afirmou que nada entendera porque o seu ouvido já não era bom dada a sua avançada idade. Deste modo, se quisessem que ela pudessem julgar com segurança, tornava-se necessário virem até à margem. Assim fizeram, e a lebre, depois de ouvir novamente a exposição do caso, e antes de entrar no fundo da questão, recusou-se a acreditar que o rapaz tivesse podido transportar um crocodilo tão grande como aquele desde a floresta até ao rio. A menos que visse com os seus próprios olhos como o caso tinha sido possível, ela pensaria que estavam a rir-se de si. Se é facto que dava maçada fazerem novamente a caminhada até à floresta, ela contentava-se ver como o moço pudera pôr o crocodilo à cabeça sem que ele escorregasse.

Então, tanto o jacaré como o rapaz se prestaram a uma pequena demonstração em que o primeiro foi novamente amarrado e posto nas melhores condições de ser transportado.
Quando viu o anfíbio bem ligado e à cabeça do moço pastor, a lebre perguntou a este:
- Há algum tabu a respeito da carne de crocodilo? (***) Vocês gostam dela e costumam comê-la?
- Não existe nenhum tabu a tal respeito e todos nós gostamos dela.
- Então estou a ver que também para ti é uma lei natural comer o jacaré. Desobedeceste a ela por bondade quando na floresta o tiveste à tua mercê, e ainda por cima o salvaste. Se agora que ouviste as razões desse velhaco, que aumenta a sua ingratidão fazendo-a passar por coisa natural, ainda o poupares, deixarás de ser bom para seres simplesmente um imbecil. Já que ele voltoua estar em teu poder, leva-o para casa e come-o.

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(*) Ave de rapina muito conhecida em toda a Guiné, aparecendo nas povoações onde é poupada e até protegida porque faz desaparecer a carne dos animais em decomposição – aqui para nós, Lucinda: vi com os meus olhos, os jagudis comerem as placentas lançadas ao terreiro descampado do Hospital de Bissau!!! – não se admire.

(**) A mulher deste conto apresenta aqui uma queixa muito vulgar entre as esposas dos polígamos (os muçulmanos, os animistas, são polígamos.

(***) Alguns clãs não podem, por motivos religiosos, matar nem comer, o jacaré. Daí esta pergunta da lebre.

NOTA: A lebre representa, em muitas partes da África ocidental, a esperteza, a inteligência, a malícia salomónica, de resolver os assuntos.


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Notas de L.G.:


(1) Vd. último post do Paulo Salgado: 11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1421: Crónicas de Bissau (o 'bombolom' do Paulo Salgado) (14): Um final com homenagem a um homem grande, Fernando Sani

(2) Sobre o Mário Tomé, vd. o seguinte post:


UDP > Textos > Guerra Colonial > Trocando Umas Ideias Sobre a Guerra Colonial, Mário Tomé, 29 de Setembro de 2003 (artigo publicado em Público de 29 de Setembro de 2003)



(...) "Grosso modo, Portugal, com 10 milhões de habitantes, fez um esforço de guerra em África cerca de nove vezes superior ao dos EUA, no Vietname, com os seus 250 milhões de habitantes. Portugal mobilizou para a guerra colonial mais de 800 mil jovens, teve 8 mil mortos, 112.205 feridos e doentes, 4 mil deficientes físicos e estima-se que cerca de 100 mil doentes de stress de guerra. 40% do OE destinava-se á Defesa. A isto há que acrescentar a sangria de milhão e meio de emigrantes entre 60 e 74.


"A Guiné estava perdida, reconhece o nosso historiador, ao considerá-la um mini-Vietname" (...)

(3) Manuel Belchior: Contos mandingas. Porto : Portucalense Editora. 1971. 336 pp. Vd. sítio Memórias de África. (Colecção Ultramar).