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segunda-feira, 19 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26817: Notas de leitura (1798): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Importa exaltar o meritório de trabalho do Coronel Nuno Mira Vaz, dá-nos um amplo enquadramento do desempenho dos paraquedistas nos três teatros de operações, no caso que mais nos toca, a Guiné, oferece-nos uma visão do que mais relevante esta tropa de elite ali praticou, entre 1963 e 1974. O autor deve ser leitor atento do nosso blogue, nele foi colher diferentes testemunhos daqueles momentos cruciais, como o de Gandembel, o nosso confrade Idálio Reis invoca o papel determinante que eles tiveram, designadamente nos ataques do PAIGC em dezembro de 1968; tropa que andou nos trilhos mais difíceis, no Morés e no Sul, esteve nos palcos de Guidage e de Gadamael, nos terríveis meses de maio e junho de 1973; e convém não esquecer que o BCP 12 infligiu ao PAIGC duros golpes no decurso da Operação Grande Empresa, na reocupação do Cantanhez. Um livro para ler e guardar.

Um abraço do
Mário



Paraquedistas em combate na Guiné (2)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz, Fronteira do Caos Editores, 2019, abarca o histórico da participação dos paraquedistas nos teatros de Angola, Guiné e Moçambique, e não esquece a extremosa e indispensável intervenção das enfermeiras no decurso da guerra. Houve um grupo de trabalho que desafiou o autor a coligir a obra destinada a guardar a memória desta tropa de elite.

No texto anterior, procedeu-se a uma síntese dos acontecimentos ocorridos em Angola em 1961, partiram a 16 de março com destino à Base Aérea n.º 9, em Luanda, era o primeiro contingente, o autor dá nota do desempenho da força paraquedista, refere as operações com salto em paraquedas, onde foi possível praticar tais iniciativas, não deixando de mencionar aquela que foi a mais emblemática e temerária mas que não se concretizou, e que tinha a ver com a reunião em Cap Skirring onde decorreu uma reunião entre o General Spínola e o Presidente Senghor. Como necessário, o leitor acompanha a atividade operacional dos paraquedistas em Angola.

Reportando-nos à Guiné, deu-se a visão da intervenção dos paraquedistas desde 1963 até à sua presença em Gandembel, em dezembro de 1968. O autor cita algumas expressões que o nosso confrade Idálio Reis, presença marcante em Gandembel, deixa no blogue:
“Os paraquedistas eram, inquestionavelmente, a tropa de elite melhor preparada para este tipo de guerra de guerrilhas, na busca perseverante ao agressor (…) a sua ação foi de uma extraordinária valia, revelou-se fundamental para o futuro dos homens da minha Companhia, muito em especial no aspeto anímico, e inclusive conseguiu também criar um clima de muito maior segurança para as demais tropas fixas e imóveis que estavam de algum modo envolvidas com Gandembel (…) Indubitavelmente, foi capaz de incutir uma outra serenidade a estes desalentados homens, renovar estados de espírito abalados, sobrepujar contrariedades inúmeras, remoçar réstias de esperança, que se revelaram cruciais no aumento da autoestima. E esta extraordinária proeza, este feito inigualável, ninguém lhe consegue dar a devida dimensão, tão-só o peso e o testemunho da gratidão dos que a sentiram.”

Estamos agora na era de Spínola, a reformulação da atividade operacional também atingiu as forças paraquedistas: foram criados Comandos Operacionais, Comandos de Agrupamentos de Operacionais e Comandos Operacionais Temporários. Deu-se seguimento ao projeto “Por Uma Guiné Melhor”, as populações das zonas mais disputadas eram transferidas para aldeamentos em locais estrategicamente escolhidos. Um coronel paraquedista foi escolhido para comandar o Comando de Agrupamento Operacional n.º 1, em Teixeira Pinto, em 1969, os paraquedistas alcançaram resultados assinaláveis. Eles também estiveram presentes na Operação Titão, a 24 de abril de 1969, na região do Morés, houve guerrilheiros capturados, bem como muito material de guerra. Em 13 de junho de 1969, eles irão intervir na Operação Orfeu, assalto à base de Choquemone, nos resultados, um número assinalável de material capturável.

A Operação Jove, executada nos dias 17 e 18 de novembro de 1969, no corredor de Guileje, deu como resultado a captura do capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta. Irão realizar-se outras operações no corredor de Guileje. Em território bem distante, na região de Pirada, estamos em julho de 1970, decorrerá a Operação Elefante Roxo, o PAIGC tinha lançado um violento ataque ao aquartelamento, com fogos de canhão sem recuo, lança-granadas foguete, metralhadoras e armas ligeiras, procurava-se infiltrar elementos na povoação, a guerrilha tentou assaltar as instalações da DGS, uma secção de paraquedistas impediu que o assalto se concretizasse, contra-atacando e perseguindo os guerrilheiros.

Em janeiro de 1972, os paraquedistas voltam ao Morés em vários agrupamentos, batem o terreno, capturam material e provocam baixas à guerrilha. Por essa altura, o Comando-Chefe decidiu realizar entre a fronteira com a Guiné-Conacri e Salancaur Jate, perto do corredor de Guileje, a Operação Muralha Quimérica, entrou-se em acampamentos e apreendeu-se material. As forças paraquedistas tiveram um papel determinante na reocupação do Cantanhez, este local, severamente fustigado em 1968, dava sinais de que o PAIGC voltara a ocupá-lo. A Operação Grande Empresa envolveu forças de intervenção, entre elas três Companhias de Caçadores Paraquedistas, forças de quadrícula, várias companhias de caçadores e um pelotão de artilharia, forças de apoio, a Marinha e Força Aérea. Os páras participaram na implantação de aquartelamentos em Cadique, Caboxanque, Cafal Balanta, etc. Observa o autor que em maio de 1973, apesar de todos os progressos alcançados ninguém podia afirmar que se vivia em paz no Cantanhez. Todo este esforço se acabou por diluir com as ofensivas do PAIGC na região de Guileje e Gadamael e no norte, em Guidage, nesta altura a guerrilha já operava com os mísseis terra-ar Strela.

Mais uma vez os paraquedistas vão intervir em pontos convulsivos. Depois da retirada de Guileje, em 22 de maio, o PAIGC cerca Gadamael, vêm os paraquedistas, chegam a 3 de junho, desembarcam debaixo de uma concentração de artilharia e morteiros, os paraquedistas vão encontrar Gadamael em estado de grande devastação, o PAIGC pressiona, uma companhia de paraquedistas patrulha. Em 23 de junho, vários grupos de combate de paraquedistas saem de Gadamael e vão rumo a Cacoca, é a Operação Cobra Ondulante, vão desarticular um “quartel” do PAIGC. Os combates a norte foram igualmente ferozes, o PAIGC preparou o cerco de Guidage com um efetivo de 650 homens, provoca o inferno, quase que destrói o aquartelamento, faz repelir as colunas de reabastecimento. Os paraquedistas irão apoiar a Operação Ametista Real, a missão é estabelecer e garantir a segurança de um corredor por onde se fará a recolha do Batalhão de Comandos Africanos, na sequência do assalto a Cumbamori, e partem depois para Guidage, pelo caminho serão emboscados, a resposta é rápida, a guerrilha provoca baixas aos paraquedistas. A 30 de maio, uma companhia de paraquedistas, os destacamentos de Fuzileiros e o remanescente do Batalhão de Comandos Africanos deslocam-se para Binta, a companhia de paraquedistas saíra 17 dias antes para apoiar a Operação Ametista Real, trazia vestida a mesma roupa e menos quatro dos seus homens.

O autor chama a atenção que o empenhamento operacional no Cantanhez tinha exigido aos paraquedistas um esforço enorme. Os homens regressaram a Bissalanca mais magros, fisicamente cansados pelas consecutivas ações de combate e psicologicamente afetados pelos bombardeamentos suportados em noites insones. Mas voltaram às operações em junho. A última ação de combate com expressão relevante ocorreu em 30 de janeiro de 1974, na região de Bissum, os paraquedistas procederam a uma batida, encontraram uma canoa com armas, capturaram elementos do PAIGC e abateram outro. Em 10 de abril de 1968 foi concedida a medalha de Cruz de Guerra de 1.ª Classe ao Batalhão de Caçadores de Paraquedistas n.º 12, o diploma legal destaca as reais qualidades desta tropa de elite: “O Batalhão tem-se destacado, através dos seus oficiais, sargentos e praças, que formam um grupo equilibrado e homogéneo, exemplo da tropa de intervenção como uma verdadeira unidade de elite, contribuindo, de maneira decisiva para a viragem da situação no sul da província, honrando, assim, as Forças Paraquedistas e tendo a sua atuação na província considerada brilhante e altamente honrosa, resultando prestígio para a Força Aérea e admiração e reconhecimento das outras Forças Armadas.”

Cumpre dizer que o autor dedica um amplo capítulo à presença dos paraquedistas em Moçambique e um tocante capítulo às enfermeiras de camuflado.

Uma importante investigação que traz luz à performance dos paraquedistas nos três teatros da guerra colonial.

Coronel de Cavalaria Paraquedista Nuno Mira Vaz
Fez uma comissão em Angola, duas comissões na Guiné e uma em Moçambique. Condecorado com a Cruz de Guerra, de 1.ª classe
Testemunho de paraquedista recolhido do jornal Correio da Manhã, não consta o nome, fez comissão na Guiné de 1966 a 1968 no 1.º pelotão da Companhia de Caçadores Paraquedistas 122:

“Faltavam oito dias para regressarmos a Lisboa com a nossa missão cumprida. Entre nós já ninguém pensava na guerra, os dias eram contados a cada instante. Mas o inesperado aconteceu. O nosso Comandante Coronel Sigfredo Ventura da Costa Campos mandou formar a companhia de caçadores paraquedistas 122 e disse o que passo a citar: "Meus senhores, nós vamos embora daqui a oito dias, mas os camaradas que nos veem substitui, vão precisar de um mês para ficarem 100% operacionais. O problema é que os rapazes de Tite estão constantemente a ser atacados. Eu sei onde estão as armas pesadas com que eles os flagelam... Vocês querem ir lá buscá-las?" - E aqueles 120 rapazes responderam em uníssono, "Queremos!".


Fomos de novo cumprir com o nosso dever e trouxemos os canhões sem recuo, os morteiros 82 e armas ligeiras; e para além de algumas baixas infligidas, ainda trouxemos ferido o irmão do chefe do grupo que ali atuava. E assim aliviámos os nossos irmãos, pelo menos por algum tempo. No final fomos condecorados com a medalha de Cruz de guerra de primeira classe coletiva. Mas se me perguntassem se faltou alguma coisa... Bem, diria que faltou alguém com bom senso dizer: Obrigado, Pá! A Pátria está-te agradecida!”

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Notas do editor:
Post anterior de 12 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26793: Notas de leitura (1796): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 16 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26806: Notas de leitura (1797): "As Raças Humanas", de Louis Figuier, editado em Lisboa em 1881, no tempo em que se acreditava nas raças superiores e inferiores… (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26793: Notas de leitura (1796): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Fui encontrar-me com o coronel Nuno Mira Vaz à porta do Colégio Militar, na manhã de 1 de maio de 2024, entreguei-lhe o espólio de um valoroso alferes paraquedista há pouco falecido, que ficará no museu em Tancos, ele ofereceu-me o livro de que é autor, li-o com imensa emoção, dele vos estou a dar conhecimento, insere um vasto reportório sobre a participação dos paraquedistas na Guiné, o autor nunca esquece o blogue e cita amigos nossos como o coronel Moura Calheiros, termina no seu depoimento com a referência à medalha de Cruz de Guerra de 1ª classe conferida ao BCP 12. Escreve o autor na contracapa do seu prestimoso trabalho, um paraninfo a esta tropa de elite: "Têm os seus motivos de orgulho, de que não abdicam: por terem sido os primeiros a voar para os Dembos em 16 de março de 1961; por terem estado entre os últimos a sair de África e de Timor; por não terem deixado nenhum camarada para trás; por terem respeitado nos campos de batalha os que contra eles se bateram; por terem agido guiados pela Honra, pelo Dever e pela Camaradagem."

Um abraço do
Mário


Paraquedistas em combate na Guiné (1)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se Pára-quedistas em Combate 1961-1975, por Nuno Mira Vaz, Fronteira do Caos Editores, 2019, abarca o histórico da participação dos paraquedistas nos teatros de Angola, Guiné e Moçambique, e não esquece a extremosa e indispensável intervenção das enfermeiras no decurso da guerra. Houve um grupo de trabalho que desafiou o autor a coligir a obra destinada a guardar a memória desta tropa de elite. O autor mostra que acompanha assiduamente o nosso blogue, dele recolhe um bom punhado de citações, logo a do alferes Vítor Junqueira, dizendo:

 “(…) Os paraquedistas que conheci na Guiné, 121.ª e 122.ª Companhias, eram realmente diferentes entre iguais. Sei que eram duros com o Inimigo, bravos debaixo do fogo, eficientes na ação, por esta ou qualquer outra ordem! Os resultados obtidos, as condecorações justamente atribuídas, atestam-no. Mas aquilo que aos meus olhos nos tornava a melhor tropa de elite, sem desprimor para outros, era a sua humildade, educação, respeito e cortesia para com os camaradas de outras forças (…)”

É uma longa viagem que mete preâmbulo sobre os primórdios da luta de libertação, chegamos a 1971 e temos os Páras em Angola, é um denso inventário de operações, fala-se das operações com salto em paraquedas e é nesse contexto que o autor irá falar da mais emblemática operação aerotransportada, decorreu na Guiné, e tinha a ver com a proteção que se queria dar ao General António Spínola, que se reuniu em 27 de abril de 1972 com o presidente senegalês Senghor, em Cape Skirring, a poucos quilómetros a Norte da fronteira com a Guiné. Montou-se um dispositivo militar capaz de resgatar o Governador e Comandante-Chefe e a sua comitiva, vivos ou mortos.

Tudo teria de ser feito sem o conhecimento das autoridades senegalesas. Houve um envolvimento impressionante: o Grupo Pperacional da Base Aérea 12 com as Esquadras 121 (Fiat), 122 (helicópteros) e 123 (Nord Atlas) e o BCP 12 com duas companhias e meia, num total de cerca de 300 paraquedistas. 

Nenhum dos intervenientes de operação, com exceção dos Comandos da BA 12 e do BCP 12, sabia qual era a missão – esta só seria indicada às forças intervenientes imediatamente antes da sua entrada em ação. Nada aconteceu felizmente. Este esquema preventivo voltou a ser montado em 18 de maio para um novo encontro, mas por haver confiança relativamente à boa-fé dos interlocutores senegaleses, os Nord Atrlas não saíram da placa da BA 12, onde também se manteve, preparado para embarcar se necessário, o pessoal a lançarem paraquedas.

Detalham-se os acontecimentos de Angola, a narrativa culmina com a atribuição da Medalha de Ouro de Valor Militar, com Palma ao Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 21, em fevereiro de 1973.

Passamos agora à Guiné onde os primeiros militares paraquedistas chegaram em junho de 1963, a sua missão principal consistia na defesa imediata do Aeródromo/Base n.º 2 (futura Base Aérea n.º 12). Era o Pelotão de Paraquedistas n.º 111, que teve o seu batismo de fogo em Agosto. O agravamento da situação exigiu o aumento do efetivo para o escalão Companhia. É referida a operação em que morreu em combate o Capitão Para-quedista Tinoco de Faria, em abril de 1966; enumeram-se as operações ao Cantanhez entre 1967 e 1968, com baixas da guerrilha e material capturado, os resultados mais impressionantes situam-se nestes primeiros meses de 1968.

E o autor dá-nos um quadro de combates sem tréguas à volta da Operação Júpiter, a missão era proceder à reorganização do dispositivo das forças terrestres aquarteladas em Guileje, Gandembel, Mejo e Porto Balana, era uma tentativa de dificultar ao PAIGC a utilização do “corredor de Guileje”, a operação decorreu em quatro períodos. O “corredor de Guileje” era utilizado pela guerrilha duas a três vezes por semana, por aí transitava boa parte dos combatentes e carregadores, transportava-se material de guerra entre a Guiné-Conacri e as bases situadas no interior da Guiné Portuguesa, no regresso transportavam-se géneros alimentícios.

Este trânsito de colunas era precedido por patrulhas com efetivos variáveis entre 20 a 50 homens, eles percorriam os caminhos de acesso ao corredor sinais da presença das forças militares portuguesas – e sempre que eram detetados sinais desta presença, as movimentações da guerrilha conheciam adiamento para o dia seguinte pois o PAIGC sabia que estas emboscadas raramente duravam mais do que 24 horas consecutivas. Sucederam-se as ações de combate, o inimigo dispersava e contra-atacava, as marchas eram extenuantes, os paraquedistas regressavam a Gandembel com os seus feridos e mortos e muito material de guerra capturado, e o autor dá-nos a seguinte citação:

“Formados na parada do quartel, sombras cambaleantes curvadas pela dor e exaustão, escutam o seu comandante que pede voluntários para bater na madrugada próxima toda a zona onde se tinham desenrolado os combates. Aqueles que se sentissem capazes, que dessem um passo em frente.
Perfilando-se orgulhosamente, olhos cintilando nas faces cavadas, cansaço vencido, todos avançam como se fossem um só homem.”


No final do primeiro período da Operação Júpiter, as tropas paraquedistas tinham causado à guerrilha 35 mortos, 1 prisioneiro e um número incontrolado de feridos. E nova observação do autor: 

“O Cantanhez, que durante vários anos tinha encarnado piores receios dos militares portugueses, a região onde mandara, incontestado, Nino Vieira, revelava-se afinal o cenário onde o BCP 12 obtinha os mais estimulantes sucessos operacionais.” 

Mas o inimigo não se deu por vencido, os ataques a Gandembel eram devastadores, danificaram o aquartelamento.

Depois de uma acalmia, a 16 de setembro, o PAIGC volta a bombardear com violência Gandembel e também Guileje. Regista o autor:

“O bombardeamento a este aquartelamento começou pelas 01H00 e só terminou às 05H10 depois de mais de 300 granadas de morteiro e de canhão sem recuo terem explodido no interior do perímetro defensivo ou nas zonas limítrofes. Após um curto período sem fogo, a tensa expetativa dos defensores foi bruscamente quebrada pela tentativa de assalto lançada pelo PAIGC cerca das 05H50. A decidida reação da tropa, porém, forçou os guerrilheiros a retirar, mais uma vez a coberto de granadas de fumo. 

A guerrilha somou novo insucesso, mas provocou extensos danos materiais no aquartelamento. Gandembel, por seu turno, foi atacado pelas 08H30, tendo sito contabilizados cerca de 150 arrebentamentos de granadas de canhão sem recuo e LGF na área do aquartelamento, as nossas tropas ripostaram forçando os guerrilheiros a retirar. Os atos de coragem praticados pelos militares paraquedistas nos duros combates que travaram com os guerrilheiros do PAIGC, defendendo Guileje e Gandembel, mereceram destacadas citações individuais nos relatórios de operações.”

Coronel de Cavalaria Paraquedista Nuno Mira Vaz
Fez uma comissão em Angola, duas comissões na Guiné e uma em Moçambique. Condecorado com a Cruz de Guerra, de 1.ª classe
Testemunho de paraquedista recolhido do jornal Correio da Manhã, não consta o nome, fez comissão na Guiné de 1966 a 1968 no 1.º pelotão da Companhia de Caçadores Paraquedistas 122:

“Faltavam oito dias para regressarmos a Lisboa com a nossa missão cumprida. Entre nós já ninguém pensava na guerra, os dias eram contados a cada instante. Mas o inesperado aconteceu. O nosso Comandante Coronel Sigfredo Ventura da Costa Campos mandou formar a companhia de caçadores paraquedistas 122 e disse o que passo a citar: "Meus senhores, nós vamos embora daqui a oito dias, mas os camaradas que nos veem substitui, vão precisar de um mês para ficarem 100% operacionais. O problema é que os rapazes de Tite estão constantemente a ser atacados. Eu sei onde estão as armas pesadas com que eles os flagelam... Vocês querem ir lá buscá-las?" - E aqueles 120 rapazes responderam em uníssono, "Queremos!".

Fomos de novo cumprir com o nosso dever e trouxemos os canhões sem recuo, os morteiros 82 e armas ligeiras; e para além de algumas baixas infligidas, ainda trouxemos ferido o irmão do chefe do grupo que ali atuava. E assim aliviámos os nossos irmãos, pelo menos por algum tempo. No final fomos condecorados com a medalha de Cruz de guerra de primeira classe coletiva. Mas se me perguntassem se faltou alguma coisa... Bem, diria que faltou alguém com bom senso dizer: Obrigado, Pá! A Pátria está-te agradecida!”


(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 6 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26771: Notas de leitura (1795): "Um preto muito português", da luso-angolana e antiga "rapper" Telma Tvon (Lisboa, Quetzal, 2024)... Parte II (Luís Graça): Uma dedicatória que vale um poema: "Para os meus de sangue e coração. Para os meus de rua e coração"

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24869: (In)citações (260): Ainda os Esquecidos. Para o António Silva, Soldado Paraquedista morto em Angola em 1963 (Juvenal Amado)

Lobão da Beira, Tondela, 2017 > Funeral do Soldado Paraquedista António Silva

1. Em mensagem de 19 de Outubro de 2023, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), fala-nos dos (combatentes) Esquecidos, nós todos afinal, mortos ou vivos.


Ainda os Esquecidos

Para o António Silva, Soldado Paraquedista morto em Angola em 1963

Patriotismo é querermos o melhor para o nosso país.
Nacionalismo é querermos o país só para nós.

Os dois foram homenageados na Assembleia da República por diferentes razões a meu ver. Mereceram a homenagem?

Um era esquivo, não tinha travões na língua, discreto quanto à sua vida pessoal, rico dono de uma cadeia de supermercados, que se enchem quase todos os dias de gente que o enriqueceu e promete continuar a enriquecer os seus familiares nos anos mais próximos. Dizem que à custa de salários baixos e de o defender com a boca toda, era responsável pelo fecho de milhares de pequenas empresas, lojas, talhos, mercearias, retrosarias e até ao definhar de mercados tradicionais, onde os produtores vendiam os seus produtos directamente ao consumidor.

Digno de todas a honras, para além de entender que devia pagar o menos possível aos seus trabalhadores, também não estava de acordo com a tributação devida no seu país e passou a sede das suas empresas para a Holanda, onde paga menos. Era comendador pelos serviços prestados ao nosso país, aliás como muitos que o merecem, e outros tantos ou mais que o não merecem, como se veio a comprovar-se nos anos seguintes.

Quanto ao outro que vi actuar desde cedo como músico, era como dizem, um gajo porreiro, amigo do seu amigo, que integrado numa banda primeiramente punk e depois rock, que quer se goste ou não, marcou trinta e tal anos das nossas vidas, pois a sua música não nos atingiu a nós, atingiu os nossos filhos e também netos. Na verdade ele não explorou ninguém, não enriqueceu (quem é que enriquece pela música em Portugal?) mas levava milhares de apreciadores atrás dele para onde fosse, como eu fui testemunha disso. Quando ele estava no palco sabíamos que conhecia muita gente que ali estava e nós, tínhamos a sensação de pertencermos ao seu núcleo de amigos sem nunca termos estado a menos de trinta metros dele. Tenho pena que ele tenha morrido, do outro tenho uma dualidade entre o lamento e a embirração.

No dia que eram homenageados na AR, chegava a Portugal finalmente o soldado paraquedista António Silva morto em combate Angola 1963. Morreu por uma Pátria que já não existe.

Essa Pária alterou no seu conceito, já não tem guerra, modernizou-se, encheu-se autoestradas, dos tais supermercados, de temas musicais que não lhe diriam possivelmente nada, tem uma juventude que não sabe o que é ter guerra estar longe de casa sem telefone por vezes sem água e com uma alimentação que faria torcer o nariz a qualquer jovem frequentador de centros comerciais de hoje.

O soldado António Silva por lá esteve morto e enterrado 11 anos antes da viragem do seu país e, se voltou no dia 6 de Dezembro de 2017 a pisar solo pela Pátria, pela qual deu a vida, não foi o Estado que lhe prestou esse derradeiro e devido serviço.

No dia em que homenagearam dois, talvez, discutíveis portugueses na AR, esqueceram aquele que morreu pela Pátria, lamentavelmente não lhes mereceu uma só palavra, que era indiscutível.

Os esquecidos, continuam isso mesmo, esquecidos.

Feliz Natal e um Grande Ano para todos os camaradas.

Escrevi em 2017 mas como continua actual cá vai.
Juvenal Amado

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Foto: Nuno André Ferreira - Com a devida vénia ao Correio da Manhã
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24860: (In)citações (259): Depois da "mina A/P" que me atirou, em 29/10/2023, para um leito de hospital, com o fémur partido, estou de regresso à vida, à luta, a escrita, enquanto a a recuperação prossegue (José Saúde, Beja)

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23696: In Memoriam (455): Mensagens do Coronel Paraquedista Nuno Mira Vaz, enviadas a Mário Beja Santos, a propósito do falecimento ocorrido no passado dia 2 de Outubro do Alf Mil Paraquedista Jorge da Cunha Fernandes (JOTA) (Nuno Mira Vaz / Mário Beja Santos)

1. Mensagem do Coronel Paraquedista Nuno Mira Vaz, enviada a Mário Beja Santos em 7 de Outubro de 2022, a propósito do falecimento do Alf Mil Paraquedista Jorge da Cunha Fernandes (JOTA), ocorrida no passado dia dia 2 de Outubro:

Caro Mário Beja Santos

Muito lhe agradeço ter-me notificado da morte do Jota, um jovem que ficará para sempre na minha memória como um grande combatente e um excelente camarada. Depois da nossa convivência na Guiné só voltei a vê-lo uma única vez, com as tais barbas de missionário, numa romagem de saudade em Tancos. Desconheço as razões por que não voltou a essas confraternizações, pois só tinha amigos na comunidade pára-quedista.
Dos cinco oficiais dessa CCP 121, é o segundo a rumar às nuvens.

No que respeita aos comentários sobre a actuação do general Schulz como Comandante-Chefe, estou inteiramente de acordo consigo: o homem é persistentemente e injustamente desvalorizado e não vejo razão para tal.

Um abraço com muita consideração deste velho camarada de armas.
Nuno Mira Vaz

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Jorge da Cunha Fernandes (JOTA) (23/04/1942 - 02/10/2022)
Ex-Alf Mil Paraquedista da CCP 121/BCP 12, Guiné, Dezembro de 1966 – Maio de 1968


2. Nova mensagem do Coronel Paraquedista Nuno Mira Vaz, enviada a Mário Beja Santos, no mesmo dia, pouco depois:

Caro Mário Beja Santos

Depois de lhe enviar a MSG anterior, decidi pesquisar num livro de memórias que escrevi exclusivamente para os meus filhos, eventuais referências ao Jota.
Aqui as tem, com sincera estima e consideração

1. - A repartição dos subalternos pelas duas Companhias tinha sido acordada com o Manuel Morais durante a viagem a bordo do Manuel Alfredo: eu ficava com o Ramos, que ia na segunda comissão e que tinha sido na primeira, tal como eu, alferes da 2.ª companhia do BCP 21 em Luanda, e com o Preto, que fora meu condiscípulo no Colégio Militar. 

O Manuel escolheu em seguida os seus quatro alferes e eu completei o elenco com o Cunha Fernandes e o Américo. Este estava a acabar a comissão e foi substituído passados poucos meses pelo Taliscas. Cada um com o seu feitio, eram quatro máquinas em combate. Quatro verdadeiros “Leões”, se me é permitido estabelecer uma analogia com o indicativo de combate da CCP 121.

 Mas, por ora, o combate era travado com sacos de cimento, vigas de ferro e placas de lusalite, numa febre de construir que nos permitiu pôr de pé, num tempo recorde, as novas instalações do Batalhão. Espaço era coisa que não faltava. E cada pelotão ficou desde logo com um jardim privativo, cujo arranjo passou a ser tema de renhido concurso anual.

2. - Recordo o Quartel de Santa Luzia com a piscina de águas tão espessamente esverdeadas que nada se via a dez centímetros de profundidade, o UDIB onde passavam filmes de cowboys, a Associação Comercial com os torneios de bridge e o naipe de restaurantes e cervejarias: o Café Portugal, o Zé da Amura, o Solar do Dez e o Grande Hotel. 

Neste pontificava o gerente, o senhor Marques, ziguezagueando por entre as mesas a cativar a clientela. O Jantar da Casa custava na altura 65 escudos e dava direito a repetir os pratos. Isto até o dia em que o Cunha Fernandes e o Taliscas, entretanto tornados clientes habituais, se sentiram acometidos por um apetite especialmente devorador. 

Cansado de ver passar travessas com repetição para a mesa dos dois alferes, o Marques decidiu interpelá-los. Delicadamente mas com inquebrantável veemência, fez-lhes ver que, embora fosse timbre do Grande Hotel a repetição dos pratos do Menu, fazê-lo tantas vezes era absolutamente incomportável. Os nossos alferes não se desmancharam. Deram-lhe razão e, daí para o futuro, de cada vez que iam comer ao Grande Hotel, mandavam servir quatro jantares da casa: tendo em conta o que comiam, ainda compensava largamente.

3. - Nada, mas nada, nos faz suspeitar de que um vulto negro está prestes a saltar para a picada para disparar uma granada de bazooka e sumir-se de imediato no arvoredo. Lançados ao chão pela violência da explosão, os homens da 1.ª secção mal têm tempo de ver o corpo do Galego revolutear no ar como um boneco de palha antes de cair inerme. Gatinhamos a procurar abrigo, enquanto o inimigo atira com meia dúzia de armas automáticas e as bazookadas explodem de cinco em cinco segundos. O sargento Serigado, a comandar o 1.º pelotão, faz manobrar os seus homens com uma calma olímpica.

Entretanto, a metralhadora da secção do André encravou. Da frente, reclamam aos gritos outra arma. Não decorreram sequer dez segundos quando o alferes Cunha Fernandes passa por mim acompanhado por um apontador de metralhadora do seu pelotão. 

Naquele exacto momento, nova bazookada estoira na árvore por cima de nós, partindo uma pernada que cai sobre o alferes e o soldado. Felizmente, os estragos resumem-se a uns míseros arranhões que não os impedem de se levantar rapidamente e de continuar a correr. Daí a pouco, já se ouve o rugir furioso da MG-42 na frente da Companhia.

4. - (Operação Ciclone II, 25Fev1968 no Cantanhez, a tal que destroçou por completo um bigrupo do PAIGC):

Entretanto, desembarcou o 4.º pelotão, do alferes Cunha Fernandes, um “maçarico” que em nada desmerecia dos “veteranos” e a quem mandei explorar a orla da mata para Leste, na direcção de Cafal, a fim de estabelecer ligação com a CCP 122.

Nuno Mira Vaz

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Notas do editor:

Vd. poste de 6 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23678: In Memoriam (454): Jorge da Cunha Fernandes (23/4/1942 - 02/10/2022), ex-Alf Mil Paraquedista da CCP 121/BCP 12 (Guiné, 1966/68) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23678: In Memoriam (454): Jorge da Cunha Fernandes (23/4/1942 - 02/10/2022), ex-Alf Mil Paraquedista da CCP 121/BCP 12 (Guiné, 1966/68) (Mário Beja Santos)

I N  M E M O R I A M

Jorge da Cunha Fernandes (23/04/1942 - 02/10/2022)
Ex-Alf Mil Paraquedista da CCP 121/BCP 12, Guiné, Dezembro de 1966 – Maio de 1968 

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1.
Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2022:

Queridos amigos,
É mais uma perda de um peso pesado do meu coração. Enquanto folheava esta história de paraquedistas e da atividade operacional que experienciou o Jorge da Cunha Fernandes pensava nos disparates sistemáticos que impunemente se escrevem sobre as atividades desenvolvidas durante o período da governação de Schulz, ainda recentemente Bernardo Futscher Pereira no seu importante ensaio sobre a política diplomática do Estado Novo, Orgulhosamente Sós, voltou a referir que este Comandante-Chefe se limitou a atividades defensivas, recorrendo a bombardeamentos aéreos, olha-se só para o que fizeram os paraquedistas e questiona-se que investigação se fez ou anda a fazer.
E abraço o meu querido Jota que partiu para as nuvens, e que tanto bem me fez e aos meus.

Um abraço do
Mário



In memoriam:
Jorge da Cunha Fernandes (23/04/1942 - 02/10/2022), Alferes Miliciano Paraquedista, CCP 121/BCP 12, Guiné, Dezembro de 1966 - Maio de 1968


Mário Beja Santos

Foi através de um dos irmãos que me chegou a nefasta notícia de mais uma perda: o Jota, que estava numa unidade de cuidados paliativos, morrera serenamente ao amanhecer daquele dia. De imediato contactei os irmãos, pedindo-lhes encarecidamente que se acaso aparecesse o seu processo militar me autorizassem a consulta para honrar este bravo paraquedista. Como convivi desde criança com os sete filhos dos meus padrinhos de batismo, recebi do Jota, ao longo da vida, provas de imenso carinho e solicitude. Tive mesmo o privilégio de usar as suas roupas até a adolescência, não mais se puderam aproveitar os sapatos, ele quedou-se nos 42 e eu disparei para o 45, acresce que subi mais uns centímetros, os suficientes para que nenhuma costureira pudesse fazer o milagre da multiplicação da roupa. Com elevado sentido prático, tinha dedo para canalizador, eletricista, reparador de miudezas domésticas, uma forte atração por carros, que montava e desmanchava sistematicamente. Foi-se tornando um tanto bizarro, deixou crescer as barbas como se fosse um missionário (era impressionante a parecença dele com um tio da minha madrinha, Monsenhor Alves da Cunha, ainda hoje figura grada na memória dos angolanos), tornou-se acumulador compulsivo, como eu comprovei. Andava a preparar o segundo volume do meu Diário da Guiné, apareceu-me uma folha, no meio da papelada de antanho, em que lera um livro de William Faulkner e um livro de poesia de Jorge de Sena, oferta do meu padrinho, com envio para a Guiné, livros devorados pelo fogo numa flagelação, telefonei ao Jota, prontamente me respondeu que os tinha e que me os oferecia, marcou o dia e hora no seu apartamento em Benfica, por ali andei espavorido por carreirinhos, havia tralha até ao cimo das paredes, e pela primeira vez vi na vida um chassi na mesa de cozinha… era assim o meu saudoso Jota.

Não descansei enquanto não encontrei algo para aqui o homenagear. Fui até à Biblioteca da Liga dos Combatentes e o Dr. João Horta obsequiou-me com pesquisas, encontrou a "História das Tropas Paraquedistas Portuguesas", Volume da Guiné, agora é mais fácil mostrar-vos o Jota, como ele é merecedor de lembrança (consta que só morremos definitivamente quando ninguém fala de nós).

Temos aqui uma fotografia dele a bordo do "Manuel Alfredo", estamos em dezembro de 1966, o BCP 12 vai entrar em funções, tem duas companhias operacionais, a CCP 121 e a CCP 122. O Jota faz parte da 121, comandada por Nuno Mira Vaz. Chegam e ficam grandemente dependentes da Base Aérea n.º 12. Escreve-se neste documento que as instalações eram precárias, a cozinha improvisada sob a capa de um vetusto de poilão, com algumas tábuas e ramos de palmeira, construiu-se um refeitório conjunto para oficiais, sargentos e praças. Este documento dá-nos uma síntese da atividade operacional das CCP121 e 122. O BCP 12 fazia parte das forças de reserva à ordem do Comandante-Chefe. Logo no treino operacional houve captura de armamento. A primeira operação digna de registo é a "Barracuda", decorreu em 3 de fevereiro de 1967, houve captura de civis e armamento; seguiu-se a "Piranha I", na área de Bigine, andaram pelo leito do rio Fulacunda, caíram no lodo, ficaram encurralados, foram recuperados por LDP’s que estavam ancoradas em Bolama. Até meados de 1968, estas unidades de paraquedistas foram utilizadas em ações de helitransporte de assalto, emboscadas e batidas de curta duração. Realizaram também ações conjuntas com militares de outros ramos das Forças Armadas, são disto exemplo as operações "Parafuso" e "Bom Sucesso". Intensificaram o seu ritmo operacional ao longo de 1967, a obra releva duas operações classificando-as como notáveis, a "Phoenix I" e a "Trovão", a primeira na região de Paiunco e a segunda na região de Bedanda, aqui o carregamento de material capturado em vários helicópteros demorou mais de quatro horas. Terá sido em fevereiro de 1968 que os militares do BCP 12 irão travar o mais violento dos combates, em Cafal e Cafine.

O comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Costa Campos, acompanha sempre estas operações e, no caso da operação de fevereiro de 1968, destroçou-se o bigrupo que atuava naquela região do Cantanhez. A última operação de combate foi a "Barracuda III", que se realizou em 13 de maio de 1968, numa base na região de Quínara. Pelos seus atos de destemor, solicitude e abnegação foi condecorado com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe.

Preferia não acrescentar nada mais sobre o afeto que sempre guardei a alguém com quem convivi por tanto tempo e de quem beneficiei da sua estima. Não resisto a contar que estando em férias na Foz do Arelho (onde o Jota passou a viver em permanência depois de fechar a baiuca em Lisboa) com a família, telefonou-me eufórico, encontrar uma caixa com latas de sardinha do Algarve Exportador, íamos preparar uma comezaina, perguntei-lhe como é que era possível as sardinhas ainda estarem boas várias décadas depois de embaladas, eu que não me preocupasse, haveria pitéu. Como houve, guardámos fotografia desse dia, lá estamos todos sorridentes, o Jota olhando-nos fixamente com as suas barbas de missionário.

Fica-me a recordação de alguém que serviu denodadamente a Pátria, desapareceu mais um herói, fica no altar supremo das minhas saudades. Jota, que tudo te corra bem por esse mar de nuvens onde seguramente contemplas Deus.
O Jota é o primeiro à direita de cócoras, terá medo de apanhar lêndeas e piolhos na Guiné, grande é a carecada, não sorri para nós, sorri para os camaradas
O Jota é o primeiro à esquerda, de cócoras, seguramente deixou de ter receio das lêndeas e piolhos, deixou crescer o cabelo, a gente pergunta-se se todos estes homens viveram passados 365 dias de vida operacional na Guiné

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23660: In Memoriam (453): Júlio Martins Pereira (1944-2022), ex-sold trms, CCAÇ 1439 (Enxalé, Missirá e Porto Gole, 1965/67)... Natural de Paredes, vivia em Valongo... Nosso grã-tabanqueiro nº 653... Nascemos no mesmo dia, 12/6/1944 e conhecemos as mesmas estações do inferno (João Crisóstomo, Nova Iorque)

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22288: Consultório militar do José Martins (67): “Companhias de Caçadores Especiais” - Unidades de Infantaria criadas em 1959, que iriam ter como missão principal, a defesa das Províncias Ultramarinas - Parte I


O nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), em mensagem de 14 de Junho de 2021, enviou-nos mais um dos seus trabalhos de pesquisa histórica, desta vez dedicado às antigas Companhias de Caçadores Especiais, as primeiras Unidades militares a serem enviadas para a Guerra do Ultramar no início dos anos sessenta.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22284: Consultório militar do José Martins (66): Implementação do Estatuto do Antigo Combatente - Actualizações

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20213: Notas de leitura (1224): História das Tropas Pára-Quedistas Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12; responsável pela redação e pesquisa Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão; edição do Corpo de Tropas Paraquedistas, 1987 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
Esta saga sobre os paraquedistas na Guiné aparece redigida sob um documento muito contido, factual, sem enxúndia nem pompa. Mas há os picos de orgulho, e justificados. Caso daqueles dias de Agosto de 1968, em Gandembel, esta tropa especial lança-se num ataque aos guerrilheiros do PAIGC, este procura ripostar, quatro homens tombam, mas a força resiste, repele os guerrilheiros.
E escreve-se: "Cai a noite quando, quase no limite das suas forças, chegam a Gandembel. Transportam os seus feridos e mortos e algumas centenas de quilos de material de guerra capturado. Formados na parada do quartel, sombras cambaleantes curvadas pelo dor e exaustão, escutam o seu comandante de pelotão que pede voluntários para bater na madrugada próxima toda a zona onde se tinham desenrolado os combates. Perfilando-se orgulhosamente, olhos cintilando nas faces cavadas, cansaço vencido, todos avançam como se fossem um só homem".
Esta a história de 11 anos de uma força especial cujo desempenho foi crucial para a luta que se travou nas matas e bolanhas da Guiné.

Um abraço do
Mário


História das tropas paraquedistas na Guiné (2)

Beja Santos

“História das Tropas Paraquedistas Portuguesas”, Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12, é responsável pela redação e pesquisa o Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão, edição do Corpo de Tropas Pára-Quedistas, 1987.

A segunda parte da obra, que vamos analisar, coincide com o período entre 1968 e o termo das hostilidades, 1974. Spínola irá introduzir alterações na política do emprego operacional das tropas do BCP 12. Como se escreve no documento, “às missões de combate helitransportadas, de curta duração e sob comando directo do seu comandante, irão suceder-se as operações em que os militares pára-quedistas se vão manter durante períodos muito dilatados em áreas distintas do seu aquartelamento em Bissau, em missões de reforço de tropas de quadrícula”. Em Agosto de 1968 assume o comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné/BA 12 o Coronel Tirocinado Piloto-Aviador Diogo Neto.

Enuncia-se a atividade operacional entre Junho de 1968 a Dezembro de 1971, destaca-se a criação dos Comandos Operacionais, onde se vão integrar uma ou mais companhias do BCP 12. Tem destaque a operação Júpiter, que se estendeu por quatro períodos, desde Agosto até Dezembro de 1968. Atua-se nas regiões de Guileje, Mejo, Gandembel e Porto Balana, sob o comando do COP 2, cuja missão era a de reorganizar o dispositivo das forças aquarteladas. No final do primeiro período da operação Júpiter estas tropas paraquedistas tinham causado ao PAIGC 33 mortos, um prisioneiro e um número incontrolável de feridos, com a apreensão de grandes quantidades de armamento, os paraquedistas sofreram dois mortos, um ferido grave e dois ligeiros, e as tropas em quadrícula sofreram dois feridos graves. São descritas as sucessivas fases desta operação e a resposta do PAIGC, logo com um poderoso ataque contra Gandembel. No dia 11 de Setembro, das 20 horas desse dia até às 5 horas do dia seguinte, rebentaram na área do aquartelamento de Gandembel mais de 500 granadas de morteiro 120, 82 e de canhão S/R. Desde as 3h30 da manhã, tentaram o assalto ao aquartelamento, após rebentar as redes de arame-farpado com torpedos bengalórios; repelido, voltou por mais duas vezes à carga, houve mesmo grupos suicidas que tentaram ultrapassar as últimas defesas das nossas tropas, só ao amanhecer é que os atacantes retiraram, e os paraquedistas lançaram-se na sua perseguição. Segue-se um ataque a Guileje e de novo a Gandembel. Os atos de coragem praticados pelas tropas paraquedistas e pelos militares da CCAÇ 2317 mereceram destacadas citações individuais. A campanha de Gandembel, extenuante, chegará ao fim em Dezembro, o COP 2 será extinto, encerrando-se a operação Júpiter. Em 1969 é criado o CAOP 1, com sede em Teixeira Pinto, aposta-se no Chão Manjaco, cujas populações concediam escasso apoio ao PAIGC. Sucedem-se as operações Aquiles 1, Titão, Orfeu, Talião, Adónis, na operação Jove é capturado o capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta. A par da intervenção em Teixeira Pinto, o corredor de Guileje merecia destaque na atividade operacional do BCP 12, a operação Crocodilo Negro foi um enorme sucesso, em 17/18 de Janeiro de 1970, na região de Porto Balana.

Sucedem-se as operações enquanto as companhias paraquedistas intervêm no CAOP 1, no COP 6 e 7, irão ganhar fôlego operações helitransportadas.

O documento, com o título “A Escalada”, reporta a atividade operacional entre Janeiro de 1972 a Dezembro de 1973. O novo comandante da unidade, a partir de Dezembro de 1969 foi o Tenente-Coronel Paraquedista Sílvio Araújo e Sá que manifestou reticências ao modo como estavam a ser utilizadas as tropas paraquedistas. “Em sua opinião, o comandante do BCP 12 deveria dispor sob seu comando directo e em permanência, de duas Companhias de Pára-quedistas. Só assim seria possível lançar operações frequentes e rápidas nas áreas mais sensíveis do teatro de operações, devolvendo às tropas pára-quedistas as suas verdadeiras características operacionais de forças de intervenção”. Mas Spínola não o ouviu. Merecem realce a operação Mocho Verde, realizada na região do Sara, os paraquedistas entraram na chamada “Barraca de Mantém” após uma aproximação apeada de cerca de 15 km. Recuperaram-se 12 elementos de população e apreendeu-se um número significativo de material. A operação mais importante realizada pelo BCP 12 durante o ano de 1972 teve o nome de código “Muralha Quimérica”, e decorreu na região de Unal-Guileje. Para esta operação convergiram três companhias de paraquedistas, duas companhias de comandos africanos, três companhias de caçadores e um grupo especial COE. Dispersou-se temporariamente a força inimiga e apreendeu-se um número impressionante de armamento.

Segue-se a descrição das operações em 1973, até que se chegou à grande ofensiva lançada pelo PAIGC em torno de Guileje e Guidage. As tropas paraquedistas foram lançadas em Gadamael-Porto e atuaram para contrair o cerco de Guidage. O aqui se relata é hoje matéria desenvolvida em diferentes livros, o dado mais significativo é o comportamento admirável dos paraquedistas na defesa de Gadamael e as missões de patrulhamento que posteriormente desenvolveram até interromper a pressão sobre Gadamael-Porto.

O derradeiro capítulo é dedicado à extinção do batalhão, desvelando a atividade operacional entre Janeiro a Maio de 1974. Em Janeiro o comando do BCP 12 passa a ser assegurado pelo Tenente-Coronel Pára-quedista António Chumbito Ruivinho. Os paraquedistas vão participar na operação Gato Zangado 1, sobre o controlo operacional do CAOP 2, que decorrer na região de Bajocunda-Copá-Canquelifá. A última operação militar das forças paraquedistas foi a denominada “Obstáculo Hermético”, levada a cabo entre Abril e Maio na região de Canquelifá. Chegara-se se ao fim da guerra, em Agosto as tropas paraquedistas regressaram a Portugal. As instalações do BCP 12 passaram então a ser utilizadas pelas tropas do Exército que aguardavam transporte de regresso a Portugal. No dia 13 de Outubro de 1974 findou a presença militar das tropas paraquedistas na Guiné, o Capitão Albuquerque Pinto fez a entrega a um representante do PAIGC de todas as instalações do BCP 12. Em 15 de Outubro do mesmo ano um decreto-lei do Conselho dos Chefes de Estados-Maiores das Forças Armadas consumou a extinção legal do BCP 12. Assim se encerravam 11 anos de vida e presença efetiva das tropas paraquedistas na Guiné.

Um "Pára" ferido em combate aguarda a evacuação

Canhão S/R B-10 apreendido durante a operação Muralha Quimérica

Enfermeira do PAIGC capturada pela CCP 121
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Nota do editor

Poste anterior de 30 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20190: Notas de leitura (1222): História das Tropas Pára-Quedistas Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12; responsável pela redação e pesquisa Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão; edição do Corpo de Tropas Paraquedistas, 1987 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 4 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20205: Notas de leitura (1223): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (26) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20190: Notas de leitura (1222): História das Tropas Pára-Quedistas Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12; responsável pela redação e pesquisa Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão; edição do Corpo de Tropas Paraquedistas, 1987 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
A Biblioteca da Liga dos Combatentes continua a reservar-me surpresas e leituras inesperadas. Tanto quanto me é dado saber, esta obra é a primeira iniciativa de levantamento do que foi a atividade do BCP 12 e seus antecedentes.
Trata-se de uma edição cuidada, relevando as operações em que os paraquedistas capturaram material, guerrilheiros, tiveram combates extremamente sofridos. E também se analisa a lógica seguida durante o governo de Schulz e o que se alterou com Spínola. Fica bem claro, a despeito do esforço mediático que envolveu a governação de Spínola, tropas como as paraquedistas desenvolveram atividades ofensivas de caráter notável ao tempo de Schulz. Mas no seu todo, toda a governação de Schulz continua envolta em bruma, o que é lamentável.

Um abraço do
Mário


História das tropas paraquedistas na Guiné (1)

Beja Santos

“História das Tropas Paraquedistas Portuguesas”, Volume IV, é dedicado à Guiné e tem como título História do Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12, é responsável pela redação e pesquisa o Tenente-Coronel Luís António Martinho Grão, edição do Corpo de Tropas Paraquedistas, 1987.

A primeira parte da obra é dedicada à geografia física, notas históricas, a geografia humana, estruturas administrativas, económicas e sociais, dados que o leitor manifestamente conhece, muitas obras aqui versadas abordam à exaustão estes diferentes aspetos. A segunda parte é dedicada à luta armada, começando pela pacificação da ilha de Bissau, as campanhas do Oio, a pacificação das regiões do Cacheu e do Churo, seguindo-se a história dos movimentos políticos emancipalistas, dados igualmente conhecidos pelo leitor do blogue.

Entramos seguidamente na história do Batalhão de Paraquedistas, dá-se relevo à presença de tropas paraquedistas na Guiné em 1959, em 10 de Agosto desse ano um pelotão de paraquedistas foi transportado para Bissau, acabaram por simbolizar uma missão de paz. É com a situação de conflito armado em 1963 que um pelotão de paraquedistas é enviado para a zona aérea de Cabo Verde e Guiné, com a missão fundamental da defesa do AB 2, o Aeródromo Militar de Bissau. Também nesse ano chegou à Guiné um pelotão de paraquedistas que ficou a fazer parte da companhia mista “Páras-Polícia Aérea”. No início de 1964 é enviado para Bissau um segundo pelotão de paraquedistas. O batismo de fogo ocorre em Agosto de 1963, no Sul. Em Fevereiro de 1964, as tropas paraquedistas sofreram o seu primeiro morto em território guineense. Com a intensificação da luta armada, em Fevereiro de 1964, é colocada na Guiné uma companhia de paraquedistas, os pelotões vão chegando ao longo do ano. Cria-se a Esquadra de Defesa Mista, composta pela companhia de paraquedistas, efetivos pertencentes à Polícia Aérea e por um pelotão reforçado de artilharia antiaérea, sob o comando do Capitão Tinoco de Faria. Em 1966, os paraquedistas estão em permanente atividade no corredor de Guileje. É na operação Grifo que é atingido mortalmente Tinoco de Faria.

Em Maio de 1964, Arnaldo Schulz chega à Guiné e solicitará mais tropas, será assim criado o BCP n.º 12. O livro dá conta da atividade operacional que decorreu entre Janeiro de 1967 a Maio de 1968.
Registe-se a observação:  
“As tropas paraquedistas, mercê da sua grande mobilidade e poder ofensivo, foram empenhadas pelo Comando-Chefe em operações e curta duração, onde o poder de fogo e a manobra rápida contavam decisivamente para o êxito nos ataques a bases e concentrações de guerrilheiros. Até meados do ano do 1968, os paraquedistas foram utilizados em ações de helitransporte de assalto, emboscadas e batidas de curta duração. As tropas do BCP 12 atuavam quase sempre em operações independentes sob comando operacional de um oficial superior paraquedista. O seu comandante, Tenente-Coronel Costa Campos, comandou quase todas as operações em que os militares paraquedistas tomaram parte”.
Ao longo do relato faz-se o sumário de operações onde se obtiveram êxitos significativos ou se travaram duros combates: a Operação Trovão, em que o carregamento de material capturado, em vários helicópteros demorou cerca de quatro horas; a Operação Ciclone I, em Caboxanque; Operação Barracuda III, realizada em Maio de 1968, mais uma vez o volume de material capturado foi de tal envergadura que exigiu várias horas para a sua total evacuação. O BCP, em Fevereiro de 1968 recebeu uma companhia de milícias que deu-lhes instrução, foi assim formada a companhia de milícias que operava ao lado dos paraquedistas.

O documento relata igualmente um grave incidente ocorrido com os fuzileiros, formara-se uma associação desportiva denominada ASA, sob o patrocínio dos Comandos da BA 12 e do BCP 12. Houvera até então um excelente clima de amizade entre paraquedistas e fuzileiros. Em 3 de Junho de 1967 paraquedistas e fuzileiros envolveram-se em violenta desordem que custou a vida a dois paraquedistas, os Comandos encerraram a associação desportiva ASA. Faz-se igualmente destaque para a atividade aeroterrestre, a construção de infraestruturas e destaca-se as condecorações recebidas.

Dá-se entretanto a alteração em Maio de 1968 dos comandos superiores, chega Spínola e um novo tenente-coronel para comandar o BCP 12. É instituída uma nova lógica para a atividade dos paraquedistas:  
“O novo Comandante-Chefe iria, de imediato, introduzir alterações de emprego operacional das tropas do BCP 12; às missões de combate helitransportadas, de curta duração e sob comando direto do seu comandante, irão suceder-se as operações em que os militares paraquedistas se vão manter durante períodos muito dilatados em áreas distintas do seu aquartelamento em Bissau, muitas vezes sob comandos estranhos ao BCP 12, em missões de reforço de tropas de quadrícula”.
Neste novo contexto, a atividade operacional dos novos efetivos do BCP 12 desenrola-se no itinerário Bula-Có, tratava-se de proporcionar aos novos elementos do Batalhão um primeiro contacto com o terreno da Guiné. Em Agosto desse ano, Spínola criou os Comandos Operacionais nas áreas mais críticas e/ou vulneráveis à ação do inimigo. As tropas paraquedistas, tal como outras forças de intervenção do Comando-Chefe, passaram então a ser empenhadas, durante largos períodos, conjuntamente com unidades de quadrícula do exército. Os Comandos Operacionais integravam, normalmente uma ou mais companhias do BCP 12, sendo o seu comando atribuído, com frequência, a oficiais superiores paraquedistas. Neste novo ambiente, as tropas do BCP 12 são usadas em operações de grande risco nomeadamente no Sul. Por esse tempo, o PAIGC passou a concentrar o seu esforço ofensivo sobre Gandembel, para contrariar a atividade guerrilha do PAIGC as nossas tropas iam lançando ações diárias de patrulhamento nas imediações dos aquartelamentos de Gandembel, Porto Balana, Guileje e Mejo. O PAIGC reage, é um período de inferno sobre Gandembel.

(Continua)


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Nota do editor

Último poste da série 27 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20183: Notas de leitura (1221): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (25) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 26 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19623: (In)citações (127): A Comissão Especial da ONU e outros embustes… (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)


Fundação Mário Soares / Documentos Amílcar Cabral > Abril de 1972 > Região de Tombali > "Visita da Missão Especial da ONU a Cubucaré [, a sul do Rio Cacine,] distinguindo-se Fidelis Cabral de Almada e José Araújo. Com a inscrição manuscrita a lápis no verso: Recebida, com entusiasmo pela população, a missão especial chega ao local de um grande meeting popular, em Cubucaré". Guiné-Bissau, 2 a 8 de Abril de 1972."


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) com data de 22 de Março de 2019, sendo publicada com o poste na série (In)citações (**):


A Guerra da Guiné:

A Comissão Especial da ONU e outros embustes…

A ONU, Organização das Nações Unidas, é uma entidade enformada por humanos, tanto pode praticar as melhores virtudes como cometer os erros mais comezinhos. E sendo as guerras actividades humanas e o homem a única espécie animal que mente, a verdade é a primeira vítima delas.

Postulante à Assembleia Geral da ONU do envio dessa Comissão Especial (*), Amílcar Cabral, num exercício de génio político, nem a acompanhou nem penetrou na fronteira da Guiné Portuguesa. Se o desafio corresse mal, haveria um culpado - o seu “marechal de campo” Nino Vieira. A superação do medo do risco dessa troika onusiana foi trabalho dos drs. Fidelis Almada e José Araújo, do Comité Executivo de Luta, formaram um grupo de 6 e desceram de Conacri para Boké-Kandiafara, fizeram-se ao caminho até à fronteira de jipe, fardados de “boinas azuis” e escoltados pelo grupo de experientes guerrilheiros comandados pelo decidido Abdulai Barri, passaram linha invisível da fronteira a pé, foram recebidos na margem do rio Balana pelo comandante Pedro Pires, que acabara de substituir o comandante Constantino Teixeira no cargo de Comissário Político da Frente Sul e de “controleiro” de Nino Vieira.

Havia dois anos que a tropa deixara de içar a bandeira de Portugal naquele troço do longo Corredor de Guileje. Amílcar Cabral embirrou com a posição e, na sua sobranceria de militar clássico, convencional, em 1970, o General António de Spínola negligenciara a valia táctica das posições de “impermeabilização” daquela fronteira, dando preferência à perseguição dos intrusos com operações “à general”, com forças terrestres, navais e aéreas, evacuando as suas guarnições (Ponte Balana, Gadembel, etc).

Na mata da margem desse pequeno rio Balana também os esperava Nino Vieira, o eficiente Chefe de Operações do PAIGC, correspondente ao posto de Comandante-Chefe, nos exércitos clássicos, que lhes deu orientações tácticas, traçou-lhes a rota orientada a leste, eles começaram a marcha na direcção de Daresalam, com dois bi-grupos em segurança avançada, comandados por Constantino Teixeira, e desandou apressado (Luís Cabral escreveu por sofrer de maleita nos pés), mas no desempenho do seu cargo do mais alto comando operacional das FARP (Forças Armadas Populares) e com a missão de despistar à tropa de Bissau a sua porta entrada, a sua progressão e na cobertura à sua estada, com manobras de flanco, enquanto o Comandante-Chefe General António de Spínola correspondia à intrusão desencadeava, a partir de Aldeia Formosa (Quebo) a Operação Muralha Quimérica, entre Unal e Gadembel, investindo agrupamentos de tropas especiais e do contingente geral - as Companhias de Pára-quedistas 121, 122 e 123, duas Companhias de Comandos Africanos, as Companhias de Caçadores, 19, 3399, 3477 e as imprescindíveis parelhas de aviões Fiat G-91, de ataque ao solo, cerca de 800 operacionais, brancos, pretos e mestiços. Atente-se na premonição da nomenclatura dessa operação. (***)

Lançados na procura da sua peugada e comandados pelos valorosos oficiais pára-quedistas Tenente-Coronel Araújo e Sá e Capitão Mira Vaz, aqueles insofridos operacionais andaram 12 dias a pentear aquele inóspito território, como quem procura agulhas em palheiro, enquanto o intuitivo e bem informado Nino Vieira, ao comando dos seus bisonhos 400 combatentes nacionalistas, enquadrados por cubanos, com a sua lendária sorte e pelas suas audaciosas manobras de diversão, ofensivas e defensivas, conseguiu manter à distância e garantir o desencontro de toda aquela tropa com esses intrometidos “emissários especiais”. A segurança próxima de Abdulai Barri e segurança alargada de Constantino Teixeira não dispararam um tiro.

Em 10 de Abril, em Conacri e, a seguir, em Nova Iorque e noutras arenas internacionais, aqueles emissários diplomáticos clandestinos proclamaram, na certeza de colher a condescendência da generalidade das chancelarias que, nos 5 dias e 6 noites da sua visita à Guiné (da sua imaginação) percorreram cerca 200 km a pé em “áreas libertadas, e apenas de noite – uma média de 30 km por cada dessas curtas noites tropicais, superior à alcançada em corridas pedestres em pista – proeza de super-homens! – que estiveram em 9 localidades libertadas, em contacto com as populações na inspecção das estruturas que enformam os Estados – serviços da administração, saúde, justiça, educação, obras de reconstrução, economia, assembleia nacional, etc (seriam portadores de óculos de visão nocturna?). E que, a simbolizar a missão cumprida arvoraram a bandeira da ONU no galho duma árvore, algures na península de Cubucaré/Bedanda.

Essa mistificação dessa missão internacional a uma imaginativa Guiné custou ao PAIGC a destruição do “hospital” e da “loja do povo”, razão por que não as visitaram, importante armamento aos 400 duros combatentes do comandante-chefe Nino Vieira e 47 baixas, entre mortos, feridos e prisioneiros. O fotógrafo oficial da ONU, o japonês Youtaca Nagata, voluntariara-se para a essa missão, mas não terá tirado a foto pró-memória do acontecimento, prevenindo-se do seu do contraditório, enquanto o relatório e seus anexos, para uso da Comissão de Descolonização, do Secretário-Geral, da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança da ONU denunciam a mão do PAIGC.

Essa visita da Comissão Especial da ONU à Guiné foi um embuste - protagonizou o maior acto de hipocrisia diplomática da Comunidade das Nações. Não fora mandada com a missão de observar, mas para satisfazer o formalismo da apresentação dum relatório, circunstancial de modo e de lugar. Ainda há pouco alguns ex-quadros do PAIGC se descaíam, em privado, em como esses onusianos apenas puseram os pés nas bordas do chão bissau- guineense.

Testemunhos espontâneos de veteranos combatentes diziam que aquele grupo onusiano apenas se aventurara a pequenas deslocações, ao longo da fronteira, sempre de noite, a penar os tormentos da guerra, sempre com o credo na boca. Penetrados 5 km no mato da Guiné, a audição dos rebentamentos, a sua intensidade e o roncar dos Fiat's fizeram o diplomata Kamel Belkhiria, secretário da missão permanente da Tunísia, avaliar o risco que incorriam, manifestou-se renitente à aventura e tornara-se recorrente nas tentativas de não só não avançar mais como de voltar para trás. Tendo em conta que Boké dista cerca de 80 km da fronteira, aos apregoados 200 km palmilhados terão de ser subtraídos os 160 km de ida e volta, percorridos de viatura em território estrangeiro. A máxima distância em linha recta, entre Bissau e o ponto fronteiriço mais distante, como Buruntuma ou Guileje, será pouco superior a 100 km...

Essa desavergonhada missão internacional, porque clandestina e nocturna, em favor ao reconhecimento dum Estado também ele ausente, nocturno e clandestino, ter-se-á limitado ao acto de dependurar a bandeira da ONU no galho duma árvore além rio Balana, ao Cantanhez – esse santuário da Natureza Bissau-guineense, entrado em processo de desertificação demográfica, que a conjugação das adversidades naturais com as tormentas daquela guerra transformaram em “inferno verde” para os seres vivos – animais, guerrilheiros, tropa e populações.

 Essa Comissão da ONU aterrou em Conacri, então a capital da Guiné-Bissau, e poderia ter aterrado em Bissau ou nas 60 pistas de aterragem activas, espalhadas pela Guiné Portuguesa. A sua precedente aterrara em Bissau, em Julho de 1971, observara os 12 mil aldeamentos sociais espalhados pelo território, construídos pelo Batalhão de Engenharia de Bissau e pelas guarnições das suas quadrículas, e não escondeu o seu espanto, pelo sucesso do PAIGC em revertê-los em seus secretos pontos logísticos. O PAIGC tinha “comissários” nesses aldeamentos; a sua circulação era quase livre…

Se não fosse tão “especial”, essa missão teria podido deslocar-se por terra, mar e ar, aos quatro cantos da Guiné, teria avaliado “a guerra de guerrear” do PAIGC, eficiente em criar dificuldades e na disrupção da vida das populações rurais guineenses, pela minagem das picadas e trilhos, teria observado a sua eficácia a dar combate, em encontros de primeiro grau, como as emboscadas de bate e foge às patrulhas, colunas-auto da tropa ou os ataques, em regra nocturnos, aos seus aboletamentos; teria visto mortos, feridos ou estropiados de um e de outro lado, em particular nas áreas florestais e suas acessibilidades.

Mas, em lugar algum dessa Guiné real encontraria Amílcar Cabral ou qualquer um da cúpula dos mandantes dos seus insofridos combatentes da liberdade. Viviam em Conacri. O próprio Nino Vieira viva em Boké. Em abono da verdade, seriam obrigados a reportar que o atraso da Guiné portuguesa era ligeiramente superior ao do Portugal europeu, que a colonização portuguesa era algo mental e pouco económica, que a capital da Guiné do PAIGC e as suas instituições políticas e militares funcionavam em Conacri e noutras cidades no estrangeiro e que as dimensões atribuídas às “áreas libertadas” eram criações fantasiosas, propaganda mediática.

Estavam os intrusos onusianos a pisar a margem do rio Balana e o Comandante-Chefe comparecera no palco da quimérica operação que desencadeara. No dia seguinte ao conhecimento que já tinham abandonado o território, que lhe chegara pela diligente propaganda radiofónica do PAIGC, os voos rasantes de reconhecimento duma parelha de jactos Fiat anunciavam a sua visita à área dessa visita e um “zingarelho” da base aérea de Bissalanca poisou nela.

O general, carismático pelo seu monóculo e pela teimosia de ir aos locais onde o PAIGC já tinha ido, chegava ao encontro com a ONU, atrasado mas não clandestino, a lavar, com a sua presença, o enxovalho da ONU dirigido à terceira nação mais antiga do mundo e aos seus soldados; e só então mandou calar a metralha, que havia 12 dias punha o Cantanhez a ferro e fogo, por terra, água e ar, já Nino Vieira manobrava o Terceiro Corpo de Exército das FARP pelo troço no estrangeiro do famigerado “Corredor de Guileje”, para as suas bases de retaguarda, de Kandiafara e Boké.

Os mesmos populares que o PAIGC havia coagido a sair dos seus esconderijos, a seco e em segredo, para fazer de cenário a esse evento onusiano, foram os mesmos a acorrer à aterragem do Comandante-Chefe, que animou a malta, presenteando-os com dois garrafões de aguardente de cana.

Os naturais da Guiné são naturalmente hospitaleiros e nunca desperdiçam a oportunidade dum ronco (uma festa); e esses mesmos figurantes para o evento da ONU rufaram o “bombolom” nos seus tambores, convocatório a nova reunião, ora de celebração à presença do “homem grande de Bissau” e em gratidão à sua dádiva aguardenteira, enquanto os 800 militares dos agrupamentos de tropas especiais e normais da Operação Muralha Quimérica começavam a recolher aos seus aquartelamentos, mortos de cansaço físico e psíquico pelos esforços e sofrimento individual que lhes foram exigidos, a custo de um morto e sete feridos graves. Estariam longe de imaginar ou de qualquer pressentimento que acabavam de abordar uma emergência transcendental e que dois garrafões de aguardente de cana-de-açúcar da “Apsico” do Comando-Chefe fizeram mais pela “Guiné Portuguesa” que os seus 12 dias de canseiras, sofrimento e combates.

Como as operações combinadas dos três ramos são planeadas pelos Comandantes-Chefes, no outro lado, no Índico, o Comandante-Chefe General Kaúlza do Arriaga, o oposto do General Spínola, com a sua Operação Fronteira embargou 13 vezes ao Comité dos 24 da ONU, as suas tentativas de penetração clandestina em Moçambique…

À maneira de “um general no seu labirinto”: o espião das informações em que o Comando-Chefe baseou o planeamento da Operação Muralha Quimérica e o guia para o avanço do seu desencadeamento haviam-lhe sido “fornecidos” pelo PAIGC. Luís Cabral escreveu terem tomado precauções militares e “conspirativas”... Dizem que o tempo e a História devolvem a gratidão aos povos. Os nossos netos verão em Bissau uma estátua a homenagear o General António Spínola “Por uma Guiné melhor”?
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  16 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19592: (D)o outro lado do combate (48): A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - III (e última) Parte II: capa + pp. 9-11.

Postes anteriores:


14 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19586: (D)o outro lado do combate (46): A Missão especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - Parte I: capa + pp. 1-3