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sexta-feira, 7 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26561: Notas de leitura (1778): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Negros e brancos na Guiné Portuguesa (1915-1935) (4) – 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Este importante ensaio de Philip Havik abre luz quanto à história do conhecimento do colonizador face ao colono, um percurso que se inicia fundamentalmente no fim do século XIX que ganhará dimensões com caráter científico a partir da governação de Sarmento Rodrigues, data deste tempo um inquérito etnográfico preparado por Teixeira da Mota. A grande motivação inicial sobre os dados estatísticos do imposto de palhota, a pressão do ministro das colónias não abrandou, era preciso conhecer quem habitava os lugares, e nascem então os inquéritos etnográficos, de que aqui temos feito referência, isto a par dos relatórios anuais enviados por algumas residências. É todo este histórico que Philip Havik analisa com o seu habitual espero, e que aqui se procurará fazer a súmula.

Um abraço do
Mário



Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné:
Negros e brancos na Guiné Portuguesa (1915-1935) (4) – 1

Mário Beja Santos

Philip Havik publicou na revista Lusotopie XII, em 2005, o artigo com o título Les Noirs et les ‘Blancs’ de l’Ethnographie Coloniale: Discours sur le genre en Guinée Portugaise, (1915-1935), uma esclarecedora incursão sobre o relacionamento entre colonizadores e colonos no período posterior à chamada pacificação, obra do capitão Teixeira Pinto, e 1935, o ano que precede a denominada pacificação de toda a Guiné.

No preâmbulo, o investigador recorda que este enclave foi muito pouco depois da “pacificação” de 1915. Os administradores coloniais, obrigados ao protocolo de fornecer com regularidade postas em inquéritos ou o envio ao governador de relatórios anuais, muitas vezes pondo-se no papel do etnógrafo, deixaram pouca informação até meados dos anos 1930. A questão para eles dominante era o imposto palhota, centravam-se no registo das palhotas, os homens eram importantes enquanto chefes de tabanca, as mulheres eram totalmente ignoradas enquanto sujeitos autónomos.

No entanto, com o aparecimento dos primeiros dados etnográficos, os relatórios oficiais entrelaçaram considerações de género com os conceitos de cor, revelando a hierarquização interna ao género em que eles operavam. Acresce que a ausência de mulheres europeias ocasionou uma viragem das medidas de política colonial, projetando a imagem na mulher africana como guardiã da pureza racial. A ajuda médica era apresentada como símbolo de modernidade e acabou por reconhecer às mulheres indígenas um lugar de mães. Este artigo abrange a produção etnográfica num período de duas décadas e procura preencher as lacunas desta literatura, explorando ao mesmo tempo novas pistas para análise do discurso colonial sobre as relações de género.

A Guiné Portuguesa foi sempre objeto de um interesse marginal. Numa perspetiva “luso-africana” os antropólogos portugueses começaram a partir dos meados dos anos 1980 a examinar mais de perto os dados etnográficos elaborados na época colonial. Há ainda fontes documentais relativamente intactas que carecem de estudo, aguardam na poeira dos arquivos os investigadores. É igualmente urgente questionar os paradigmas coloniais relativos às políticas e às populações destes territórios. Este texto aborda um corpo de conhecimentos, que se considera apaixonante, proveniente de fontes escritas e orais e das atitudes dos funcionários coloniais face aos africanos, do ponto de vista das relações de género e parentesco. Espera-se assim contribuir para o debate quanto às tensões que se produziram entre colonizadores e colonizados, bem como quais os modelos de papel que o colonizador aplicou ao colonizado.

Alguns antropólogos defenderam o ponto de vista que era necessário “pluralizar o conceito de situação colonial”, tendo em conta “o leque de interações entre indivíduos e grupos extremamente diferentes”. No caso português, para além da grande diversidade étnica das populações e dos atores coloniais, é preciso ter em conta a falta de diretivas claras sobre a política indígena a implementar no terreno, sobretudo durante as primeiras décadas da administração colonial. Na maioria dos casos, as medidas eram tomadas uma a uma, de forma aleatória, ou após negociação, uma noção que não parece coincidir com a ideia que se faz numa colónia dirigida pela metrópole. A ausência de políticas coerentes face à família alargada indígena e aos seus membros, bem como o conhecimento limitado das sociedades africanas por parte dos funcionários e dos responsáveis políticos, certamente contribuíram para este estado de coisas.

Iremos comparar os dados etnográficos recolhidos até ao fim dos anos 1930, partindo da I República em 1910 até ao período do Estado Novo. Aborda-se, em primeiro lugar, o estado de conhecimentos demográficos e etnográficos no enclave, isto no contexto da implantação da administração colonial a partir de 1915. Procura-se ilustrar seguidamente, através da análise sucinta de um certo número de fontes publicadas de artigos, como o discurso oficial ou a sua ausência que estruturaram representações dos indígenas. Para concluir, extrapola-se a pertinência destes dados, abordando de modo mais amplo as metáforas coloniais e a sua semântica, tais como elas se desenvolveram na Guiné neste período.

Antes da ocupação militar na maior parte do território da Guiné, as relações dos governantes e dos seus representantes não forneceram informações sobre a população a não ser sobre o perímetro das zonas costeiras. Mas os responsáveis não escondiam que era vergonhoso após seculos de presença portuguesa a sua influência não ultrapassava os muros que envolviam Bissau. As estimativas da população eram feitas ao acaso, o que justificava a impossibilidade de implementar uma política social. Os dados disponíveis sobre as populações do interior limitavam-se aos relatórios dos missionários e dos oficiais de saúde. No início do século XX, a situação no terreno tinha-se deteriorado a tal ponto que um observador estrangeiro observara que “o governo colonial português exercia pouco ou nenhum controlo sobre os indígenas, isto devido aos falhanços da administração”. Os governadores tinham que admitir que eram incapazes de fazer o recenseamento da população pedido por Lisboa. Com a introdução do imposto de palhota em 1903, a administração começara a juntar a informação sobre as “tribos indígenas” com fins fiscais. Esta abordagem iria ser determinante em todo o período colonial (1915-1974). A partir de 1909, o gabinete do governador em Bolama emitiu circulares confidenciais a fim de obrigar as residências (postos administrativos coloniais) a fornecer regularmente informações detalhadas sobre os aspetos demográficos e políticos da sua zona de jurisdição.

A reforma administrativa de 1912, que introduziu o sistema de régulos, na base da hierarquia, comportava a organização de processos burocráticos entre os quais o estabelecimento de relações sobre os futuros sujeitos do regime. Entre eles, o "intérprete oficial de diligências” encarregado de contactos com a população exterior ao posto, sobre autoridade direta do administrador, devia informá-lo sobre todas as relações relativas à vida política e social dos indígenas que podiam ter interesse à administração. Foi uma prática do período da administração militar (1892-1918), quando a comunicação entre os escalões central e local do governo se focavam essencialmente à volta das questões de segurança e o lançamento de impostos. O estabelecimento simultâneo de uma força de polícia indígena, conhecida por cipaios, fora pensada como um estrato intermédio entre a administração colonial e os indígenas, não só com a finalidade de coerção, mas igualmente para filtrar as informações pertinentes provenientes da base.

Os primeiros relatórios provenientes das residências, apresentados em 1911, na sequência da divulgação de um questionário, constituem alguns dos primeiros dados provenientes do interior do país coligidos pelos funcionários e seus intérpretes. A partir deste momento, a divisão da população num certo número de “raças”, termo que vai aparecer pela primeira vez na correspondência oficial da Guiné em meados dos anos de 1800 – e de subgrupos, bem assim como a descrição do seu habitat, costumes, línguas e modos de subsistência, seguirá um esquema reproduzido na documentação oficial ao longo do período colonial.

Imagens de campanhas de pacificação, Nhacra, 1915
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Nota do editor

Vd. post de 28 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26538: Notas de leitura (1776): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Quando escreveu em parceria com António Estácio sobre os chineses na Guiné (3) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 3 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26547: Notas de leitura (1777): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (3) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26506: Historiografia da presença portuguesa em África (466): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte II ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 514, 27 de dezembro 1915, páqg. 806)

 

Foto nº 1 > Guiné > Bissau >  1915 > "Salva de artilharia dada na fortaleza da Amura. O edifício ao fundo é o do comando militar".



Foto nº 2 > Guiné > Bissau >  1915 >  "Os oficiais que fizeram parte da coluna. Da esquerda para a direita: os srs. segundo tenente da marinha Queimado de Sousa, capitão médico R. Augusto Regala, capitão de infantaria Teixeira Pinto, segundo tenente da marinha José Francisco Monteiro, tenente de infantaria Henrique de Sousa Guerra" (há um erro no nome do capitão médico, Francisco Augusto da Fonseca Regala)


Foto nº 3 > Guiné > s/l (Bissau ) > s/d  (c.1915) > "O tenente de segunda linha,  régulo Madoul-N'djou" (erro no nome, era mais conhecido por Abdul Injai ou Indjai, ou Abdoul Ndaiye, de etnia uolofe, nascido em Ziguinchor, hoje Senegal).


Foto nº 2 > Bissau > 1915 > "O senhor cpitão Teixeira Pinto que comandou a coluna de operações contra os papéis e  grumetes e mais revoltados da ilha de Bissau" (referência aos portugueses reunidos na Liga da Guiné, mas também comerciantes estrangeiros)

1. Notícia da "Ilustração Portuguesa", Lisboa,  27/12/1915:

A Campanha de Bissau

Foi um triunfo para as armas portuguesas a vitória alcançada na África contra os 'papéis0, que desde longa data vinham causando graves prejuízos à nossa soberania.

A lenda de que essa raça era invencível está, felizmente, posta de parte, sendo preciso agira fazer ver aos 'grumetes', almas danadas dos 'papéis0, que Portugal quer restabelecer ali a obediência às suas autoridades, o que fará, custe o que custar,



Diretor: J. J. da Silva Graça; Propriedade: J.J. da Silva Graça, Lda; Ed lit. José Joubert Chaves. 

(Cortesia de Hemeroteca Municipal / Càmara Municipal de Lisboa; é de reconhecer publicamente o extraordinário trabalho dã Hemeroteca Municipal de Lisboa, em termos de arquivo, tratamento, digitalização e divulgação destes periódicos centenários, cujo conteúdo merece ser conhecido pelos nossos leitores, antigos combatentes na Guiné, 1961/74).

 
(Seleção, revisão / fixação de texto, edição e legendagem das fotos: LG)



Guiné > Bissau > s/d  [c. 1960] > Monumento a Teixeira Pinto  no Alto do Crim < Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, nº 112. (Edição Foto Serra, C.P. 239,  Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL)... 

(Teixeira Pinto, o "capitão-diabo",. tem 90 referências no nosso blogue; esta estátua foi derrubada a seguir à independência e levada para o forte do Cacheu).

Colecção de postais ilustrados do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria.Selecção dos postais,  digitalização, edição de imagem e legendagam: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)



2. Excerto de Carlos Bessa - Guiné. Das feitorias isoladas ao 'enclave' unificado. In: Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, ed. lit - Nova Históriaa Militar de Portugal. Vol. 3. S/l: Círculo de Leitores. 2004. 257-270.


(...) A Liga Guineense não parou de atacar Teixeira Pinto e o seu auxiliar Abdul Injai, mas o governador Oliveira Duque não lhe retirou o apoio. A 13 de maio de 1915 foi decretado o estado de sítio na ilha de Bissau e iniciou-se a campanha contra os papéis. 

Desta vez Teixeira Pinto aceitou a colaboração de um oficial, o tenente Sousa Guerra. Concentrou em Nhacra forte  coluna que entrou em Bissau a 1 de junho. Nesse dia, porém,  os irregulares foram atacados em Antim, fugindo aos milhares. Mas o ataque dos papéis e grumetes contra a cidade foi detido e evitou-se o massacre.

No dia dia 5, após violenta preparação de artilharia contra Bandim e Antim, Teixeira Pinto ocupou aquelas colinas, mas a 7 os papéis e grumetes refizeram-se e atacaram o acampamento.

Após nova preparação de artilharia, a coluna apoderou-se de Antula,a inexpugnável, sem resistência, a 10 de junho.

Com grandce perícia seguiu-se a  penetração nas aldeias, sendo Teixeira Pinto ferido e substituído por Sousa Guerra. As negociações de rendição com os papéis fracassaram e a conquista de Quinhanel abriu a pista para o Biombo no extremo da ilha, onde terminou a campanha após uma armadilha do régulo Cassande, que simulou uma rendição e disparou, mas veio a ser abatido e a prisão do régulo do Biombo  e a a rendição do de Tor.

Teixeira  Pinto mandou construir quatro postos militares: Bor, Bijemita, Safim e Biombo.

A Guiné estava pacificada e, mais do que isso, ficava unificado o "enclave" que os Franceses sempre esperaram vir um dia a pertencer-lhes, fomentando para isso a hostilidade dos guineenses, como vimos. 

A coluna foi dissolvida em 17 de agosto de 1915. Teixeira Pintio bem mereceu, portanto, a estátua  lhe foi erguida  numa das colinas de Bissau por ele conquistada. Tal só aconteceu pela sua energia excecional, determinação e raro conhecimento do modo de ser dos nativos, que permitiu dominá-los por vias apropriadas e pouco acessíveis  à guerra clássica" (Bessa, 2004, op cit, pp. 269/270),

(Seleção, revisão / fixação de texto, edição: LG)


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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26503: Historiografia da presença portuguesa em África (465): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte I ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 502, 4 de Outubro de 1915, pp. 447/448)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26503: Historiografia da presença portuguesa em África (465): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte I ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 502, 4 de Outubro de 1915, pp. 447/448)

 

Foto nº 5 > Guiné > s/l (Nhacra,  donde partiu a coluna que entrou em Bissau a 3 de junho ou) > 1915 > Ao centro, o Abdul [Injai], "chefe de guerra" (1); e à esquerda, "o capitão [médico], sr. Francisco Regala", de chapéu  e bigode (2)... Em primeiro plano, quatro músicos, três dos quais tocadores de cora (cujo papel deveria ser o de galvanizar os combatentes, irregulares, sob a chefia do Abdul Injai). (A numeração dos combatentes é da responsabilidade da revista, "Ilustração Portuguesa").


Foto nº 4A  > Guiné > s/l (Nhacra, donde partiu a coluna para atacar Bissau) > 1915 > Partida para a guerra contra os papéis e grumetes da ilha de  Bissau: os oficiais da coluna; o capitão de infantaria Teixeira Pinto, à esquerda (1); o capitão médico Francisco Regala, ao centro (2); e à direita, o segundo tenente de marinha, José Francisco  Monteiro (3).


Foto nº 4 ...Faltam aqui mais dois oficiais: segundo tenente da marinha Queimado de Sousa e ten inf Henrique de Sousa Guerra. De se



Foto nº 6 > Guiné > s/l  (Nhacra) > 1915 > Aparelhando os cavalos para a partida da coluna.


Foto nº 7 > Guiné > s/l (Nhacra) > 1915 > Partida de um grupo de irregulares que vão juntar-se às restantes forças.


Foto nº 1 > Guiné > s/l> 1915 > O veleiro Luso, transportando as forças irregulares que vieram combater os 'papéis'.

Foto nº  2 >  Guiné > s/l (Nhacra) > A coluna preparando-se para partir para a guerra.  


1. A propósito das "campanhas de pacificação" (um eufemismo...) (*),  reproduzimos aqui um pequeno texto e fotos das operações  de 1915 (13 de maio / 17 de agosto), contra os papéis e os grumetes da ilha de Bissau (apoiados direta ou indiretamente pelos franceses que nunca viram com bons olhos aquele "enclave" português na grande África ocidental francesa), operações em que participaram, entre outros, o cap inf Teixeira Pinto, o cap médico Francisco Regala, o tenente da marinha José  Francisco Monteiro, e o cap inf Sousa Guerra,  e o chefe das tropas auxiliares,  Abdul Injai (, de etnia Uolofe, nascido em Casamansa, hpoje Senegal.


"Para as as tropas portuguesas que operam na Guiné tem sido assaz trabalhosa a sua campanha contra o gentio que estrangeiros e portugueses desnaturados e antipatriotas têm açulado contra a nossa soberania.

Mas,apesar das rudes marchas por terrenos empestados, não afrouxou o ardor dos nossos soldados que parece animarem-se ainda mais quanto maiores forem os perigos a que se expõem.

A insubmissa ordem dos 'papéis' tem sentido os resultados da sua rebeldia  no castigo eficacíssimo que as nossas tropas lhes têm aplicado, obrigando-os a uma pacificação tão desejada para aquela nossa colónia que, apesar de insalubre, possui uma agricultura invejável pela sua enorme riqueza.

A campanha continua ainda muito acesa em vários pontos, mas espera-se, pelos reforços que para lá têm sido enviados, que dentro em breve as tropas portuguesas dominem a região, o que decerto constituirá mais  uma brilhante  vitória para o prestígio nacional".

Fonte: "Ilustração Portuguesa".   2.ª série, n.º 502, 4 de Outubro de 1915, pp. 447/448.  Diretor: J. J. da Silva Graça; Propriedade: J.J. da Silva Graça, Lda; Ed lit. José Joubert Chaves. 

(Cortesia de Hemeroteca Municipal / Càmara Municipal de Lisboa; é de reconhecer publicamente o extraordinário trabalho dã Hemeroteca Municipal de Lisboa, em termos de arquivo, tratamento, digitalização e divulgação destes periódicos centenários, cujo conteúdo merece ser conhecido pelos nossos leitores, antigos combatentes na Guiné, 1961/74).
 
 (Seleção, revisão / fixação de texto, edição e legendagem das fotos: LG)


2. A notícia é dada em outubro de 1915, já a campanha tinha terminado, em 17 de  agosto, com a vitória inequívoca do hábil e destemido cap inf Teixeira Pinto (a quem os guineenses hoje devem possivelmente o facto de terem um país que não foi engolido pelo colonialismo francês; hoje seria parte integrante do Senegal e/ou da Guiné-Conacri).

A "Ilustração Portuguesa" (fundada em 1903, com uma II série a partir de 1906) era uma edição semanal do jornal "O Século", republicano. Custava 10 centavos o número avulso  A assinatura anual era de 4$80 centavos (Portugal, colónias portuguesas e Espanha). 

Recorde-se que, com a proclamação da República (em 5 de outubro de 1910), o escudo (=1000 réis) passou a ser a nova moeda. Estava dividido em 100 centavos. 10 centavos eram portanto 100 réis. O escudo irá sofrer uma grande desvalorização com I Grande Guerra.

Foi a primeira publicação a fazer grande uso da fotografia, recorrendo não só a fotógrafos profissionais (como o Joshua Benoliel, o primeiro grande fotojornalista português), como amadores: muitas das fotos da I Grande Guerra e da guerra em África são dos próprios participantes no conflito (no caso destas fotos de Bissau, 1915, desconhece-se o seu autor).

Entretanto, e a propósito dos oficiais portugueses acima retratados, recorde-se o nome do cap médico Francisco Regala, já aqui referido no nosso blogue, por um seu bisneto (**), e nosso leitor:  Francisco Augusto Monteiro Regalla "combateu em 1915 na coluna de operações em Bissau" e fez parte, durante algum tempo, da guarnição da Fortaleza da Amura...  

Francisco Regala nasceu em Aveiro, em 1871, e morreu em 1937, com o posto de coronel médico. Foi autarca no Mindelo, São Vicente, onde está sepultado. Era uma figura muito querida dos mindelenses

Enfim, apontamentos sobre a  historiografia da presença portuguesa (nem sempre "pacífica"...) em África (***)...
  
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Notas do editor:


sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26421: Notas de leitura (1766): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
O impacto da Primeira Guerra Mundial é notório nos acontecimentos político-militares e económicos da Guiné; não conheço nenhum estudo que avalie o que foi o apresamento do comércio alemão e do encerramento das próprias fábricas germânicas, seguramente que tudo isso veio bulir com um descontentamento nos Bijagós e pesaram nas hostilidades às autoridades portuguesas. Veio um sindicante para o processo instaurado a Teixeira Pinto, acabou por ficar governador interino, era o coronel Manuel Maria Coelho, pediu regresso à metrópole de Sebastião José Barbosa, um secretário geral de longa data, sobre este pendiam múltiplos descontentamentos, Sebastião Barbosa desobedeceu; há também sublevações em chão Felupe, e o Chefe do Estado-Maior, Ivo Ferreira, toma medidas nos Bijagós que o coronel Manuel Maria Coelho anula. Nesse ano de 1917 temos novo ministro das Colónias, o comandante Ernesto Vilhena, quando Ivo Ferreira lhe pede a nomeação de Graça Falcão para secretário-geral, a resposta é terminante, nunca, jamais, em tempo algum. Tempos turbulentos, conforme se vê, e numa grande penúria, não há dinheiro para fazer operações militares.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11)

Mário Beja Santos

Todo o contencioso entre o governador Andrade Sequeira e o major Teixeira Pinto acabou num processo arquivado, o governador já deixara a Guiné e o major Teixeira Pinto morrera em campanha. Em 6 de janeiro de 1917 chegou à Guiné o coronel Manuel Maria Coelho, viera como sindicante deste processo que visava Teixeira Pinto, devia trazer mais referências do secretário-geral Sebastião José Barbosa, o coronel Coelho dá a saber ao ministro que não pode começar a trabalhar sem antes assumir o Governo interinamente, havendo que fazer regressar o secretário-geral à metrópole. O coronel teve que se preocupar com a realização de várias operações militares. Havia uma grande agitação na região do Cacheu, mais propriamente em Elia, tinham chegado uns manjacos vindos do território francês, estavam a pôr em polvorosa a etnia dominante, os Baiotes. O governador encarregou o Chefe do Estado-Maior, Ivo Ferreira, de ir averiguar a situação, Ivo Ferreira deu razão à queixa dos Baiotes, lamentava que o administrador de Cacheu não tivesse sabido agir em conformidade. Ainda na sua inspeção, Ivo Ferreira descobriu um roubo que estava a ser feito aos indígenas. “Verifica que toda a escrituração do cofre se achava correta, mas averigua que existia uma espoliação da parte do comércio local, o qual pagava adiantadamente o imposto devido pelos indígenas na importância de um escudo e 50 centavos por palhota, e que depois recebia por cada imposto pago um bushel (cerca de 27 quilos) de coconote cuja cotação é em média de 3 escudos. Era uma usura, com que era necessário acabar, mas que os administradores costumavam aceitar, por lhes ser mais fácil realizar assim a cobrança.” Ivo Ferreira também descobriu que havia grandes desinteligências entre o administrador e o comerciante Graça Falcão, aqui tantas vezes referido quer como herói militar quer pelas suas tropelias, Ivo Ferreira escreve no seu relatório ser do parecer de que o administrador deveria ser transferido para outro local, como aconteceu.

Há igualmente desacatos em Canhabaque, o governador Coelho para obrigar os indígenas à obediência e montar um posto de ocupação da ilha mandou constituir uma coluna comandada pelo tenente Sousa Guerra, que já se tinha distinguido na coluna de Bissau de 1915. A operação não se chegou a realizar porque o ministro não deu dinheiro para tal. Numa tentativa de resolver a situação, o chefe do Estado-Maior alvitrou ao governador que se desanexassem as ilhas rebeldes da circunscrição civil e se instalasse uma guarnição em Bubaque. Ivo Ferreira regressou a Bolama, o coronel Coelho visita Bissau e Ivo Ferreira aproveita para fazer ele próprio a sua política, as tais medidas de desanexação de circunscrição civil, ficam sob o comando militar com sede na ilha de Bubaque, o comandante nomeado é o tenente Gaspar que desembarca em Bubaque onde é informado por um chefe de tabanca que todos tinham fugido para o mato; Gaspar previne os chefes locais que irá fazer o arrolamento das restantes tabancas, a que se seguiria o pagamento do imposto.

O tenente Gaspar procede a um reconhecimento às margens da ilha de Canhabaque, há tiros disparados de longe contra o navio, a resposta são tiros de canhão e metralhadora. Dá-se um desembarque, a coluna é atingida pela fuzilaria dos Bijagós. Instala-se a desorientação na coluna, o tenente Gaspar decide retirar para a Praia, tinham morrido três soldados e ficado feridos 22. O governador Manuel Coelho regressa a Bolama, declara sem efeito as medidas de Ivo Ferreira. Há alterações governamentais em Lisboa, Afonso Costa era agora o presidente do Ministério e Ernesto de Vilhena o ministro das Colónia, o governador Coelho pede exoneração, mas antes disso ordena a Ivo Ferreira para ir a Canhabaque verificar o que se tinha passado, e o que se tinha passado fora um revés, Ivo Ferreira informa o governador que são necessários reforços para satisfazer as despesas das operações, temos uma nova coluna e operações nos Bijagós, nova fuzilaria mas os naturais da ilha fogem, encontram-se inúmeros mantimentos na tabanca de Bini, eram em quantidade tal que deram para sustentar uma força de 350 homens , entre regulares e irregulares, durante perto de 15 dias. Montou-se um posto militar, avançou-se para outras tabancas, o alvo era o rei de Canhabaque. No seu relatório, Ivo Ferreira releva a conduta militar de Sousa Guerra e, pasme-se, menciona com dignos louvores não só o alferes de 2ª linha Mamadu Sissé e o chefe de guerra Abdul Indjai.

Entretanto, Manuel Maria Coelho abandona a Guiné, sugerira ao ministro o nome de Ivo Ferreira, chegando a Lisboa apresenta o seu próprio relatório ao ministro, não deixa de lançar acusações à ação de Ivo Ferreira, acusando este de ser conflituoso e originar indisciplina com outros oficiais e escreve explicitamente que Ivo Ferreira não tinha mostrado as melhores qualidades de chefe. Enquanto isto tudo se passa, há desordens e desacatos de novo em chão Felupe, parte uma força de Arame que é recebida em Nhanbalam a tiro, mas depois os revoltados fogem em debandada, as tabancas são incendidas, os desacatos continuaram, as povoações Felupes foram intimadas em entregarem todo o armamento que possuíssem, todos irão cumprir com exceção de Susana, esta povoação será bombardeada, acabam por pedir perdão. É então que o ainda governador Manuel Maria Coelho manda atacar Nhanbalam, os residentes fogem em debandada, segue-se o incêndio das moranças, haverá festejos no Cacheu.

Armando Tavares da Silva debruça-se sobe o caso de Sebastião Barbosa. O coronel Coelho teria conhecimento de factos passados com Sebastião Barbosa que aconselhavam o seu afastamento da colónia, depois de várias peripécias, manda-o seguir para Lisboa e nomeia substituto interino para as funções de secretário do Governo, Sebastião Barbosa não irá cumprir a determinação do governador. Antes de se ausentar da província este envia um relatório providencial sobre o estado da colónia, aborda a organização dos serviços, fala do valor das riquezas e forma do seu aproveitamento, não deixando de resumir o conflito entre o governador Andrade Sequeira e o capitão Teixeira Pinto. Expressa a sua opinião sobre Sebastião José Barbosa: “É um antigo negociante, com dois ou três anos dos liceus nacionais; antigo escrivão, antigo amanuense da comissão municipal. É republicano antigo também e, por ocasião da proclamação da República, foi nomeado secretário do Governo por ser irmão de um dos membros do Diretório. É inteligente e ilustrado, mais do que o comum dos seus conterrâneos, crê a Guiné ser uma colónia de Cabo Verde.”

Em 13 de julho de 1917, o tenente-coronel Carlos Ivo de Sá Ferreira assume o Governo da província. De forma surpreendente a sua primeira proposta ao ministro Ernesto Vilhena era a nomeação para secretário-geral de Graça Falcão. E o ministro responde: “Convém dizer ao governador que o lugar não está vago, mas ainda que estivesse não era este individuo o mais próprio para o ocupar, atenta a circunstância de se ter envolvido, de longa data, em questões locais e de não apresentar bons antecedentes.”

Vamos agora ver a governação de Ivo Ferreira.


Armando Tavares da Silva
Manuel Maria Coelho, Governador interino da Guiné, 1917
Monumento aos heróis da pacificação de Canhabaque
Imagem retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, fotografia de Francisco Nogueira, Edições Tinta-de-China, 2016, com a devida vénia

Bolama, rua Governador Cattela, em 1892
Com a devida vénia a Wikimedia Commons

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 17 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26399: Notas de leitura (1765): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26413: Historiografia da presença portuguesa em África (461): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1892 para 1893 (19) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
É necessário ler número após número do Boletim Official do Governo da Província da Guiné deste período para ter uma noção de que há algo de paradoxal entre o acervo das disposições que envolvem as legislações do Reino, as pautas aduaneiras, as chegadas e partidas de pessoal, o movimento marítimo, os relatórios de saúde pública, etc., registos que parecem induzir a uma perfeita normalidade e, inopinadamente, sem qualquer quadro explicativo, explodem rebeliões que têm os seus principais focos onde estão a mexer os negócios mais prósperos ao tempo: Geba e Bissau, nota-se uma acalmia em Cacheu e Farim depois da Convenção Luso-Francesa de 1886, e ainda não se manifestaram as rebeliões nos Bijagós. A ocupação do território na região do Gabu e na Península do Cacine continua a ser mínima, não há tropas nem orçamento nem se prevêem investimentos de capital estrangeiro ou nacional em tais regiões.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1892 para 1893 (19)


Mário Beja Santos

As campanhas do Geba parecem assumir um caráter de continuidade, mas geram contaminação diferentes regulados, vamos assistir durante os próximos 12 anos a imprevistas sublevações em ambas as margens do rio Geba. É um pouco como os autos de perdão aos Papéis de Bissau, submetem-se sempre temporariamente, a situação só se alterará com a última campanha do capitão João Teixeira Pinto. Veja-se no suplemento ao Boletim Official n.º 45, de 1 de dezembro de 1893, o que escreve o Governador Vasconcelos e Sá:
“Tendo os habitantes indígenas da ilha de Bissau, por várias ocasiões, dado provas de falta de respeito às autoridades, procurando trazer à vila de S. José a desordem com manifestas tentativas de agressão, rebelando-se evidentemente contra as determinações superiores deste Governo, provocando Papéis e Grumetes nas praças da guarnição a desertarem para o interior da ilha onde as acolhem e sustentam;
Sendo certo que depois que assumi o Governo desta colónia procurei por meios suasórios chamar ao sossego os povos que se rebelaram em princípios de 1891; tendo conseguido da clemência de Sua Majestade El-Rei fosse concedido o perdão que muitas vezes e por vários meios solicitaram; reconhecendo porém que após o conseguimento do perdão e com ele a livre entrada e saída da praça, recomeçaram estes a praticar atos pouco regulares, faltando ao estabelecido no auto do perdão lavrado a 6 de março de 1892, e assinado pelos régulos de Antim, Antula e Bandim com os grandes da sua comitiva; tendo eles, dias depois, desprezado as marcações de terreno estabelecido naquele documento como pertencentes à praça, destruindo-as, faltando às combinações concluídas para a construção do novo bairro dos Grumetes;
Observando as muitas evasivas dos Grumetes para o início dos trabalhos de inauguração das construções, dando-se azo à destruição dos marcos de alvenaria para o alinhamento mandado fazer;
Considerando que são os Papéis de Antim, Antula e Bandim os que mais ostensivamente se revelam acompanhados sempre dos Grumetes, tendo a 28 deste mês disparado alguns tiros em direção da praça e assassinado na manhã de ontem um cabo-verdiano;
Tornando-se a rebelião destes povos circunvizinhos da vila de S. José de Bissau um facto que convém pôr termo por prejudicial ao prestígio da autoridade contrária à boa administração económica do distrito, etc. etc.
Hei por conveniente determinar que são considerados desde hoje em completa rebelião os povos da ilha de Bissau;
Em qualquer ponto do distrito em que forem encontrados e reconhecidos Papéis de Antim, Antula e Bandim, ou Grumetes de Bissau, serão presos como rebeldes; os gentios de Bissau que não pertencerem às três tribos citadas só poderão ser admitidos nas povoações em liberdade quando se prove que residem nestas localidades o tempo mínimo de 1 ano; são igualmente considerados rebeldes todos os demais povos do distrito que derem guarida aos Papéis e Grumetes referidos.”


E na mesma data o Governador alocou uma verba para as despesas com as medidas de repressão, estabelecendo gratificações ao comandante militar da praça de S. José de Bissau aos oficiais em serviço, facultativos e farmacêuticos e demais pessoal.

A 9 de dezembro, o Governador decreta controlo de munições na ilha de Bissau, dizendo expressamente que os comandantes militares e de presídios, bem como o administrado do concelho de Bolama devem fiscalizar rigorosamente a venda de pólvora ao gentio, não permitindo que ela se faça aos que nos são hostis ou mantêm relações de amizade com estes.

Convém recordar que o Boletim Oficial n.º 12, de 8 de abril desse ano, insere detalhadamente o alto de vassalagem do régulo do Xime. Mas o final do ano tem como acontecimento principal os acontecimentos de Bissau. O comandante militar de Bissau, capitão Zacarias de Sousa Lage, escreve ao Governador em 8 de dezembro:
“Às 5 horas da manhã do dia 7 do corrente, dia claro e maré no princípio da enchente, teve lugar um ataque de surpresa à praça pelo lado oeste, executado pelo gentio rebelde da ilha auxiliado por alguns Balantas adeptos, que consta terem sido os de Nhacra e Contanga. O inimigo preparou a emboscada de noite sem ser pressentido, e à hora indicada rompeu vivo tiroteio sobre o baluarte da Balança e fortim de Pidjiquiti, ao que as respetivas guarnições responderam com fuzilaria em fogo à vontade, iniciando-se o combate. Parte dos rebeldes papéis apareceu em massa, dando gritos gentílicos para aterrorizarem, enquanto os Grumetes sustentavam fogo vivo sobre os pontos já indicados. Mandei imediatamente romper o fogo de artilharia com lanternetas, do baluarte a Onça, como o efeito fosse pequeno o entusiasmo do inimigo cresceu, mandando então fazer fogo com granadas com balas pelas peças de calibre 7c, sistema Krupp, o que fez cessar os gritos e obrigou a emboscar os rebeldes que tinham aparecido a descoberto. O fogo sustentado pelo inimigo era vivíssimo, cruzando-se as balas em diferentes direções, partindo todas de oeste, principalmente dos mangueiros e baixa que circunda o setor norte do baluarte a Balança e do tarrafo marginal próximo ao Pidjiquiti. O fogo era todo feito em armas de retrocarga, na maioria Snider e algumas de ferrolho, sistema alemão, vendidas pela Casa Soller; todos os projéteis que se encontraram, o grande alcance dos tiros e o seu estampido assim o demonstravam.
Eram 10 horas e fogo da parte do inimigo nada tinha diminuído de intensidade; porém, pelo lado do leste (Antula) movimento algum se manifestava, o que me obrigou, por compreender o plano do gentio, a aumentar a defensiva sobre este lado. Às 11 horas é descoberta por nós a emboscada do gentio a 200 metros da Puana que se preparava para um ataque à viva força sobre este ponto e que foi desalojado a fogo de metralhadora. Sendo o gentio obrigado a abandonar esta posição, correu a refugiar-se em massa atrás do cemitério, pelo que mandei executar fogo com granada ordinária.”


O relato continua, as forças rebeldes retiram-se pelas 2 horas da tarde, presume-se ter havido grandes perdas da sua parte, dentro das forças portuguesas nem um único ferimento. O capitão Sousa Lage dirá ainda no seu relatório que o número dos rebeldes seria superior a 3 mil, dividido em duas forças. “Estou procurando obter informações pelo intermédio dos Balantas do efeito moral e material produzido no inimigo pelo combate de 7, bem como da sua disposição e ânimo, o qual relatarei a Vossa Excelência logo que os obtenha.”

No Boletim Official n.º 48, de 16 de dezembro, o Governador manda publicar um conjunto de louvores, começando pelo capitão Zacarias de Sousa Lage e todos os oficiais e praças da guarnição de Bissau, pela maneira distinta como se comportaram na defesa desta praça contra o ataque feito no dia 7, fazendo com que os rebeldes, depois de sustentarem durante 9 horas um fogo aturado de fuzilaria sobre a praça, se retirassem em debandada com bastantes perdas.

Comprovadamente, o ano de 1893 foi de uma enorme intranquilidade, com maus augúrios para o ano seguinte.

Assim se anunciava a expedição contra novas rebeliões na ilha de Bissau, 1 de dezembro de 1893
Era assim a publicidade na Guiné na década de 1920
Carta temática da repartição dos povos da Guiné, trabalho efetuado por Teixeira da Mota com base nas informações do geógrafo J. Richard-Molard, 1948
Fotografia tirada durante a guerra do Cuor em 1908, no Xime, com a legenda Manufatura do rancho, Infantaria 13

(continuação)
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Nota do editor

Último post da série de 15 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26393: Historiografia da presença portuguesa em África (461): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos em 1891, chegamos a 1892 (18) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26399: Notas de leitura (1765): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Se pretendermos sintetizar os acontecimentos deste período, é imperioso lançar um olhar sobre a política da I República que é pautada por movimentos revolucionários, uma sucessão de ministérios, enfim, instabilidade, que se repercute com as nomeações para Bolama; a nomeação de Andrade Sequeira é coincidente com o rol de queixas quanto a Teixeira Pinto e Abdul Indjai, sobretudo este é acusado de barbaridades, roubos, raptos e intimidações em série; Andrade Sequeira informa o Ministério de que Teixeira Pinto tinha como braço direito este torcionário; irão suceder-se os governadores, haverá mesmo um inquérito a Andrade Sequeira, cresce a instabilidade nos Bijagós, houvera um grave incidente em Bor, Portugal já está em guerra com a Alemanha, irão não só acentuar-se as dificuldades económicas e financeiras , os negociantes alemães têm os seus bens apresados, vem aí um tempo de grandes dificuldades.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10)

Mário Beja Santos

1915, o ano que é dado como o da pacificação da Guiné continental, conhece a polvorosa em Portugal. O general Pimenta de Castro é encarregado de organizar um Ministério, entretanto redobra a agitação republicana, há um movimento revolucionário que provoca largas centenas de mortos, o presidente Manuel de Arriaga é obrigado a demitir-se; virá João Chagas, que era embaixador em Paris, convidado para formar Governo, mal entra em Portugal sofre um atentado, fica gravemente ferido; em junho, Norton de Matos é o novo ministro das Colónias, irá nomear Andrade Sequeira para governador da Guiné (como o leitor estará recordado a sua primeira nomeação fora recusada pelo Senado).

Chega a Bolama numa altura em que já tinham terminado as operações de Bissau, é no rescaldo destas que se irão viver na Guiné conturbados e complexos tempos. Ao considerar que estavam detidos vários Grumetes sem razão fundada, Andrade Sequeira não via razão para eles serem julgados em tribunal de guerra, e os acusados foram enviados para Bolama, medida que deu contestação; os Grumetes, segundo uma petição que chegou ao governador, dizendo que este queria amnistiar gente que se juntara aos Papéis para atacar os europeus e os seus haveres. O protesto era subscrito também por vários funcionários da colónia; o governador irá demiti-los ou suspendê-los. Mas, entretanto, houve uma chacina de Papéis em Bor, praticada por Abdul Indjai e a sua gente, o régulo de Intim terá sido barbaramente assassinado, bem como membros da sua comitiva. Os comerciantes de Bissau pediam ao governador que tomasse providências para salvar os Papéis que eram barbaramente assassinados por estes auxiliares de Abdul. Em novembro, o governador informa o ministro da situação na província, resultante das operações que tinham sido realizadas em Bissau, sob o comando de Teixeira Pinto. Os comerciantes e residentes em Bissau tinham pedido a manutenção deste capitão e escrito ao ministro nesse sentido.

Andrade Sequeira escreve que “a designação de Grumete é dada na Guiné a todos os indígenas cristãos que são, na sua grande maioria, oriundos da raça Papel. São os Grumetes os indígenas que mais têm assimilado a nossa civilização, e são eles também que exercem todas as artes e ofícios, e ocupam vários empregos públicos. Muitos dedicam-se ao pequeno comércio, e pequena cabotagem, e alguns há que são abastados de proprietários, importantes e acreditados comerciantes”. E o governador informa o ministro que era público e notório, terminada a guerra de Bissau, que os auxiliares de Abdul continuavam a praticar toda a casta de violências, extorsões, roubos, assassinatos, saqueavam tudo. Os Grumetes estavam impedidos de se deslocar a Bissau. E mais informava o governador que iria fazer a ocupação militar do território, dá instruções rigorosas aos auxiliares que só poderiam afastar-se dos postos com ordem do comandante, os Papéis poderiam construir as suas tabancas.

Na mesma carta ao ministro dava-lhe conta do que tinha pretendido fazer na ilha de Bissau em 1914; que os Grumetes, representados pela Liga Guineense, haviam pedido insistentemente que não houvesse guerra, considerava que tinha sido péssimo e desastroso esta guerra de 1915, ainda por cima com uma composição de três oficiais, dos quais um era médico, seis praças europeias e 35 soldados indígenas, apoiados por 2 mil irregulares de Abdul Indjai, considerava que com esta proporção de irregulares era materialmente impossível disciplinar e fazer obedecer os auxiliares. “Foi o Abdul que bateu Bissau e que nós fomos, apenas, os seus modestos auxiliares. O governador lamentava ter sido um francês de nascimento e bandido de profissão a prestar serviços à província ‘por seu próprio interesse’”. E juntava documentos que atestavam as irregularidades e as arbitrariedades que Abdul praticara ao longo do tempo. Nesta mesma carta ao ministro, Andrade Sequeira está ciente das dificuldades em apear Abdul, ele ainda goza de popularidade e escreve: “É indispensável tolerá-lo, mas é forçoso desarmá-lo, restringir-lhe a supremacia e não lhe permitir que, impunemente, pratique toda a série de crimes, barbaridades e vandalismos.”
Seguiria esta política desde que obtivesse a anuência do ministro.

Armando Tavares da Silva cita uma informação do administrador de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, enviada a Andrade Sequeira, em síntese: Abdul era oriundo do Senegal, antigo negociante ambulante, tinha exercido comércio de permuta com os indígenas da Costa de Baixo, tinha sido preso pelo régulo dos Manjacos por abusos cometidos, dele se vingou em 1914; um dia desgostou-se das suas ocupações e armou-se em guerreiro, veio viver para a região de Geba, onde cometeu abusos, coadjuvado pela gente que o acompanhava, o que obrigou o comandante militar de Geba a prendê-lo e depois enviado para S. Tomé, de onde regressou em 1908 amnistiado pelo príncipe Luís Filipe, o governador Muzanty não o queria deixar entrar, cedeu ao pedido do régulo Abdulai do Xime; Abdul esteve ao lado de Oliveira Muzanty na guerra com Badora e Cuor, continuaram os abusos, chegou a apresentar-se em Bafatá com mais de oitenta homens armados; trata-se de um esclarecimento longo, cheio de referências a roubos e humilhações de toda a ordem, Calvet Magalhães confessa mesmo que tinha reprovado a decisão do governador Oliveira Duque para a nomeação de Abdul como régulo do Oio, a carta também refere a escravatura que Abdul exercia sobre os desgraçados que apanhava nas guerras.

Vão seguir-se audições de Teixeira Pinto, inumeradas as acusações e é o próprio Andrade Sequeira que incrimina o capitão; há uma participação judicial sobre Teixeira Pinto e Abdul Indjai, Andrade Sequeira manda abrir inquérito sobre o desaparecimento de um processo que implicava Teixeira Pinto, segue-se nova inquirição, Teixeira Pinto vai respondendo aos quesitos, quem coordena o processo é o vice-almirante Brito Capello que concluirá não haver nenhum facto concreto que determinasse procedimento contra o capitão.

Em 1916, temos novo ministro das Colónia, António José de Almeida, Andrade Sequeira abandona a Guiné, em 10 de março Portugal está em guerra com a Alemanha. Surgem problemas nos Bijagós relacionados com a cobrança de impostos, reconheceu-se a impossibilidade de cobrar imposto. Regressado a Lisboa, Andrade Sequeira pede ao ministro um rigoroso inquérito a fim de se averiguarem vários abusos praticados na colónia e que ele documentara nos seus relatórios. O inquérito é entregue a Manuel Maria Coelho, um oficial que foi o primeiro governador-geral de Angola no regime republicano. O relatório deste é absolutamente demolidor quanto ao comportamento do governador Andrade Sequeira, e conclui mesmo que a obra do capitão Teixeira Pinto na Guiné tinha sido tão fecunda em benefícios para a colónia e em glória para Portugal como nefasta foi a obra do governador Andrade Sequeira.

Iremos ver agora o período de 1917 a 1919 marcada por desacatos em Canhabaque, a governação interina de Manuel Maria Coelho, haverá novo governador interino, Ivo Ferreira, e a segunda presença de Josué de Oliveira Duque à frente dos destinos da Guiné, e, no tropel dos acontecimentos, Sousa Guerra também será nomeado governador da Guiné.


Armando Tavares da Silva
Régulo Mamadu Sissé, colaborador de Teixeira Pinto nas operações de Bissau, fotografia de Domingos Alvão, tirada durante a I Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934
Aldeia Mancanha, 1910
Terra Ardente (1960, documentário realizado por Augusto Fraga, pertence à Cinemateca Portuguesa, com a devida vénia

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 10 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26385: Notas de leitura (1764): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Achei por bem fazer uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos na Guiné entre 1910 (chegada de Carlos Pereira, 1.º governador da República) até ao fim das operações de Teixeira Pinto, depois dos seus êxitos na ilha de Bissau. É um dos momentos mais controversos da história desta colónia, não aparecem documentos que explicitamente culpabilizem dirigentes da Liga Guineense em termos de agitarem os Grumetes e os Papéis contra a política do governador; o defensor dos acusados, o Dr. Loff de Vasconcelos, irá escrever um opúsculo arrasador, dando Teixeira Pinto como conivente com os crimes e pilhagens praticados pelos irregulares de Abdul Indjai em toda a ilha; como sabemos, governadores irão, a partir da década de 1920, procurar a glorificação do capitão Teixeira Pinto, e há qualquer coisa de escandaloso em não dar voz aos argumentos expostos por Loff de Vasconcelos. E como acontece nestas cenas de comédia à portuguesa, os acusados, resolvido a contento do Governo o problema da ilha de Bissau, foram libertos, embora silenciados pela História. Somos verdadeiramente peritos nestas lavagens, deixamos a verdade a bom recato.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Oficial, até ao virar do século e depois (9)

Mário Beja Santos

Convém proceder a uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos entre 1910 e 1913. Carlos Pereira é o 1.º Governador da República, envia um relatório de extrema importância o Ministro da Marinha e Ultramar, surgiu a Liga Guineense que mostra propósitos de fazer propaganda de instrução e promete trabalhar para o progresso e desenvolvimento da Guiné Portuguesa; há desacatos em Cacheu, a organização militar e a Marinha sofreram alterações, foram demolidas as muralhas de Bissau e chega um novo Chefe do Estado-Maior, o Capitão João Teixeira Pinto, depois de observar o terreno lança-se em operações no Oio; a circunscrição de Geba, então qualquer coisa como um sexto do território da Guiné, o administrador Vasco Calvet de Magalhães, que também apoiou as operações de Teixeira Pinto, procede a um conjunto de obras, com destaque para a estrada de Bafatá para Bambadinca; é tempo de concessões, surgiu o entusiasmo pela agricultura, mesmo gente da classe média aboletada em Bissau ou Bolama quer ter a sua propriedade no campo; começam as acusações a um colaborador direito de Teixeira Pinto, Abdul Indjai; segue-se o estranho caso da nomeação de Andrade Sequeira para governador para substituir Carlos Pereira e a sua rejeição pelo Senado; entretanto, Teixeira Pinto é enviado a Cacine, onde houvera sublevação, faz-se acompanhar por centenas de auxiliares de Abdul Indjai; parecendo que ficara pacificado o território da Costa de Baixo, ocorre em fevereiro de 1914 um acontecimento de extrema gravidade, que irá originar novas operações militares. O alferes Manuel Pedro tinha saído de Porto Mansoa com o pelotão de polícia rural do seu comando, foi atacado por Balantas, o alferes morre bem como três cabos. Teixeira Pinto segue para Bissorã e Mansoa, teve que alterar os seus planos, volta à circunscrição de Cacheu a vim de submeter aqueles povos. Conhecedor da morte do alferes Pedro avança em direção a Basserel, é apoiado pela lancha canhoneira Flecha, depois de atravessar uma mata serradíssima, a coluna encontra a paliçada que defendia a tabanca, a coluna foi atacada pelos Manjacos, segue-se um fogo intensíssimo, os Manjacos têm bastantes mortos, e a coluna sofreu também seis mortos.

Tem bastante importância o relatório que Teixeira Pinto enviou a Andrade Sequeira, chama a atenção para a insuficiência das guarnições, estas careciam, todas somadas de 760 soldados. Teixeira Pinto escolhe novos régulos para a Costa de Baixo, e diz ao governador que o problema fulcral era a educação do gentio. Antes de parir, Andrade Sequeira nomeara Abdul Indjai tenente de 2.ª linha. Em maio de 1914, chega novo governador, Josué de Oliveira Duque, que prontamente decide uma operação para castigar os Balantas, de novo o comando da coluna é confiado a Teixeira Pinto. Este tece um plano de seguir para Bula, aí concentraria as forças, passaria até Bissorã e daí para Porto Mansoa; numa segunda fase, pensa passar para a margem esquerda do rio Mansoa e bater todos os Balantas entre este rio e o de Geba, até ao Impernal, ocupando Nhacra onde ficaria estabelecido o posto militar.

Teixeira Pinto para com 600 irregulares, chega a Binar, marcha em direção a Paxe, é, entretanto, atacado, mas o inimigo repelido, destrói depois várias povoações e regressa a Binar. Os rebeldes não desarmam, mas são repelidos pelas forças de Abdul. A força obtém a ajuda de Mancanhas como carregadores. E chegam notícias de que os Balantas estão a fazer uma grande reunião, o que se revela verdade. Teixeira Pinto vai agindo em três frentes, o inimigo vê-se forçado a retirar, irá sofrer muito com o fogo das canhoneiras. Encurtando razões, nos dias seguintes os Balantas atacam, sem êxito. Chegou a hora das negociações. Mas vai começar a segunda fase das operações na margem esquerda do rio Mansoa. Teixeira Pinto regressa a Bolama, havia que tratar da ocupação militar dos territórios batidos, faltava apenas bater a região dos Papéis de Bissau, Teixeira Pinto mantém-se na Guiné até outubro e depois segue para Lisboa, mas logo em novembro é determinado que regressa à Guiné para servir numa nova comissão. Abdul Indjai dá que falar, veio de Lisboa em missão de inspeção extraordinária como inspetor da fazenda das colónias, pede informações ao governador Oliveira Duque e a Teixeira Pinto, este parece tomar partido a favor de Abdul, o governador Josué Duque parte e chega Andrade Sequeira. A missão que viera de Lisboa emitiu o parecer de que o Oio devia ser desanexado e ficar como comando militar independente. Teixeira Pinto vai sempre defendendo Abdul, dizendo que este sofria o ódio do administrador da circunscrição de Cacheu.

Regressado de Lisboa, é preparada a operação na ilha de Bissau. O que se passa antes das operações ainda não está devidamente claro, os dirigentes da Liga Guineense tudo fazem para que não se empregue a força das armas, afirmam que os Grumetes e os Papéis se irão submeter e entregar as armas, apela-se mesmo ao ministro das colónias para evitar a campanha, afirma-se que os habitantes da ilha de Bissau se comprometiam a pagar os impostos que legalmente fossem devidos. Desenvolve-se, entretanto, uma campanha de ameaças e de intrigas entre Abdul e outros chefes de guerra, como Mamadu Sissé. O governador está do lado de Teixeira Pinto, é a favor das operações, alega a falta de cumprimento de todas as promessas feitas, competia ao ministro ordenar a cessão dos preparativos ao mandar executar as operações, o ministro limita-se a deixar ao critério do governador a resolução final. O governador reúne o conselho administrativo da província que unanimemente apoia as operações, assim estas se vão desenrolar, estão amplamente documentadas, é, no entretanto, que se dá a prisão de alegados responsáveis pela resistência dos Grumetes e Papéis, gente que fazia parte da Liga Guineense, Oliveira Duque procede à sua dissolução, responsabiliza-a pelo estado de permanente hostilidade por parte dos indígenas de Bissau.

É aqui que Armando Tavares da Silva abre um parenteses para recordar o movimento de 14 de maio de 1915, um conflito ocorrera entre o Governo e boa parte das Forças Armadas, mas as causas reais residiam na oposição do Exército na entrada de Portugal na guerra. Na madrugada de 19 para 20 de janeiro de 1915, um grupo de oficiais revolta-se reclamando o regresso dos oficiais transferidos às suas unidades de origem. Dirigem-se para a Presidência da República, são travados no caminho, protestam entregando as suas espadas, sendo seguidamente presos. Segue-se o movimento revolucionário de 14 de maio, que se irá estender por todo o país. João Chagas, que era embaixador em Paris, é chamado para formar Governo, mas pouco depois de entrar em Portugal sofre um atentado, ficando gravemente ferido. Peripécias atrás de peripécias, em junho Norton de Matos é ministro das Colónias, nomeia-se novamente Andrade Sequeira para governador da Guiné, toma posse em 25 de agosto de 1915. Vão agora aparecer as acusações contra Teixeira Pinto.


Armando Tavares da Silva
Vista das instalações fabris da Sociedade Comercial Ultramarina, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Navio Alger carregado de madeira, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Em Bissorã, festa com dança pela captura de armamento ao PAIG, pela CART 1525, na Operação RUA, no dia 01/02/1967, e no dia 3, nos arredores de Bissorã. Apreensão importante que motivou a deslocação àquela Vila do Governador, General Arnaldo Schulz. Imagem retirada do historial da CART 1525, com a devida vénia

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 3 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26342: Notas de leitura (1760): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (8) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 9 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26365 Notas de leitura (1762): "Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação": apresentação do prof Joop de Song, Simpósio Internacional "Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal", Praia, Cabo Verde, 9 de setembro de 2024