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sexta-feira, 20 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26943: Notas de leitura (1810): A presença portuguesa no Gabu, a relação colonial com os Fulas, por José Mendes Moreira (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
Este artigos de divulgação escrito pelo antigo administrador que produziu uma monografia sobre os Fulas do Gabu, elucida-nos de como nos apropriamos tão recentemente de cerca de um sexto de território da atual Guiné-Bissau, como se desenvolveu um relacionamento amigável entre as etnias Fulas e a administração portuguesa que, em parte, nos leva a compreender como, iniciada a luta armada, a esmagadora maioria das etnias Fulas se puseram automaticamente do lado da soberania portuguesa, e até ao fim do período colonial, oferecendo-lhe todo o apoio militar. Releva também do trabalho de Mendes Moreira a figura do régulo Monjur, que aparecerá por várias vezes ao lado das tropas portuguesas, em campanhas de pacificação. Esta revista Império, de 1951, era-me totalmente desconhecida, este artigo surge nos primeiros números, vou ler o que ainda falta, pode ser que tenha ainda mais uma agradável surpresa.

Um abraço do
Mário


A presença portuguesa no Gabu, a relação colonial com os Fulas, por José Mendes Moreira

Mário Beja Santos

O administrador José Mendes Moreira escreveu em 1948 uma monografia sobre os Fulas do Gabu, ainda hoje trabalho referencial. Encontrei há dias uma revista intitulada Império, teve curta existência, mas teve um arranque prometedor, em 1951. No número desse ano de setembro/outubro José Mendes Moreira ocupava-se do Gabu, vale a pena citá-lo:

“Gabu, o antigo Cabo, tão bem conhecido dos nossos exploradores do século XVI, não passava ainda de uma nebulosa no quadro da ocupação efetiva da província (século XIX, entenda-se). Fomos absolutamente estranhos às sanguinolentas lutas entre Mandingas e Fulas que culminaram pela conquista da supremacia por parte dos últimos. Ao contrário do que afirmam algumas crónicas e relatos orais dos nativos, a região nunca foi desabitada mesmo recuando no tempo até à Pré-História. A recente descoberta da estação de Nhampassaré, atesta a existência de homens pré-históricos, embora de proveniência e raça ignoradas.

Já nos tempos históricos, teriam por aqui passado algumas tribos, hoje acantonadas no litoral da província: os Bagas, os Banhuns ou Cassangas, os Felupes, os Bâmbaras e os Biafadas, tendo estes últimos sido desalojados pelos Mandingas Soninqueses, a partir do século XIII. Posteriormente, atravessaram a região os Fulas de Coli Tenguela, verdadeira tromba humana de que André Álvares de Almada nos conservou a memória.

Na primeira metade do século XIX, são ainda os Soninqueses os denominadores do Cabo (de Kabu – guerra) de onde o nome de “kabunkas” por que ainda hoje são designados pelos seus irmãos de além-Geba e Farim, por sua vez designados de “braçunkas” (de Braço – rio Farim ou Cacheu).

Contra o animismo turbulento dos kabunkas ia surgir em breve uma ameaça: o proselitismo religioso, fanático e avassalador, dos Fulas-muçulmanos do Futa-Jalom, já senhores de um império que atingia a Gâmbia pelo norte, a Serra Leoa pelo sul e se estendia para o oriente, quase até à curva do Alto Níger. É inevitável o choque entre as duas ideologias adversas e as crónicas relatam porfiadas lutas que terminam na epopeia sangrenta de Cam-Salá, numa guerra de extermínio entre duas raças e dois credos opostos.

Venceram os Futa-Fulas embora a vitória representasse um golpe profundo no seu poderio militar, golpe de que nunca mais se recompuseram, pois os franceses avançavam já com passos seguros por todo o seu domínio, enquanto os Fulas-Pretos de Alfá Moló e Mussá Moló, de vitória em vitória, completavam numa guerra de libertação a queda do carcomido tronco da poderosa monarquia religiosa e feudal do Futa-Djalon.

Alfá Bácar Guidáli completava a ocupação de Gabu pelos Fula-Forros, os Mandingas homiziavam-se para Farim e Casamansa, e o forte militar de Geba pairava já como sombra fatídica sobre o imenso território.

Entretanto, celebra-se a Convenção de 12 de maio de 1886 e todo aquele território correspondendo ao Gabu é considerado esfera de influência dos portugueses. Os franceses estavam persuadidos de que a Convenção de 1886 deixava na zona francesa os territórios do Forreá e Pachisse, incluindo Kadé e Canquelifá, mas brevemente reconheceram o erro. De facto, Kadé, inegavelmente sobre a influência francesa ficava a 20 km para o ocidente do meridiano 16ºW de Paris. Após intermináveis discussões, recomeçaram-se os trabalhos de 1898 concluidos em 1903, conduzindo à assinatura de um processo verbal que deixava à França os territórios de Kadé e Binane e a Portugal o Forreá e a parte ocidental de Pachisse, incluindo Canquelifá. Como compensação, foi-nos atribuído ao Sul uma extensão igual de território. Tudo decorreu sem quaisquer atritos.

Foi assim que Gabu entrou na órbita da ocupação portuguesa.
De 1905 a 1919, Gabu não tem qualquer autonomia administrativa. Faz parte da antiga circunscrição civil de Geba. Porém, Geba, antigo baluarte militar, foco de um intenso e profícuo missionarismo, sentinela vigilante da soberania e da civilização na parte oriental da província e centro comercial de primeira categoria, entra em decadência. É que, na margem esquerda do rio a que dera o nome começa a surgir, numa promessa de grande prosperidade, um novo foco de civilização – Bafatá. Situada na confluência dos rios Geba e Colufe, em breve destrona a velha e gloriosa povoação afortalezada. Em 1912, já é sede de circunscrição, que ainda se domina circunscrição civil de Geba. É Bafatá a porta de saída dos produtos naturais da região. É Bafatá que arrecada o imposto de soberania e todos os rendimentos públicos. No Gabu impera, quase soberanamente, o prestigioso régulo Monjur Embaló, filho do fundador do regulado, Alfá Bacar Guidáli, sucessor de Seilú Coiada, o régulo que acompanhara os trabalhos de delimitação de fronteiras.

Mais para o ocidente, o gentio insubmisso reclamava o emprego das nossas armas enquanto Monjur, nosso amigo e colaborador em campanhas, cobrava os impostos que vertia no todo ou em parte nos cofres da Fazenda, guerreava os potentados vizinhos do território francês e cercava-se de uma auréola de fastígio e de poder e granjearam o ser reconhecido como o maior de todos entre os régulos que ainda imperavam dos dois lados da fronteira.

Os centros comerciais de Oco, Piche, Sonaco e Canquelifá esboçavam ainda timidamente os primeiros passos. Um português de nome Lança abrira o primeiro estabelecimento comercial em Oco. Em 1912, começa a infiltração de comerciantes sírios e libaneses. São eles que efetivam a ocupação comercial da região.

Com as fulgurantes vitórias de Teixeira Pinto, a província foi completamente pacificada. Da ocupação militar passa-se à ocupação administrativa. Em junho de 1919, o território do Gabu é desanexado da circunscrição civil de Bafatá, constituindo a décima circunscrição civil. O administrado Alberto Gomes Pimentel vem instalar em Oco a sede dos serviços da nova circunscrição. O tenente Adolfo de Jesus Leopoldo transfere a administração para Lenquerim, na margem esquerda do Colufe mas, a breve trecho, reconhece que Gabu-Sara, povoação fronteira na margem direita, oferece melhores perspetivas ao desenvolvimento de um centro urbano comercial que combina os comerciantes libaneses de Oco a transferência do centro comercial para Gabu-Sara, onde, em 1921, já se encontram em funcionamento os primeiras estabelecimentos comerciais e iniciada a constrição do edifício da administração.

Monjur é ainda o maior de todos, mas com a velhice as intrigas dos próprios irmãos começam a minar-lhe o poderio. Respeitado e temido por todos, não faz concessões, as nossas autoridades administrativas, recentemente instaladas, não dão conta dos trabalhos que se lhes levantam debaixo dos pés e cometem erros de gravidade por desconhecerem a índole da população e o espírito intrigante do Fula. Monjur luta sempre, indomável, contra as intrigas dos seus irmãos de raça e de sangue e contra a incompreensão do branco outrora tão seu amigo. É sucessivamente destituído e reposto no cargo, vê o seu território esfacelado e de novo unificado sob a sua égide.

Quando uma nova divisão estava iminente, Monjur vai a Bolama pedir justiça, que é feita e, no regresso, morre pouco tempo depois em Coiada, donde o seu cadáver é processionalmente transferido para Oco perante incontáveis multidões de gente vindas de todos os pontos da Guiné e do vizinho território francês.

Estamos em 1929. De então, até 1935, Gabu atravessa um período crítico em que a confusão reina soberanamente e despovoa-se de tal forma que, de 30 mil impostos que se arrecadavam nos tempos áureos de Monjur, desce para 11 mil e pouco em 1934. Contudo, nunca foi necessária a força armada para restabelecer a ordem. Em 1936, repartiu-se o território pelos chefes dos diferentes ramos da família Embalocunda, a dinastia reinante, voltou a tranquilidade. Hoje a população nativa anda à volta dos 60 mil quando em 1934 mal aflorava aos 30 mil. Fulas-Forros, Futa-Fulas e Fulas-Pretos vivem em paredes meias com Mandingas, Jacancas, Saracolés. Sossos, Torancas e outros grupos étnicos, sem atritos de qualquer natureza.”


José Mendes Moreira dá-nos depois a relação das benfeitorias desde a assistência sanitária, a assistência agrícola, a construção de edifícios, um bairro cívico em Sonaco, novos edifícios para a administração, uma central elétrica em Nova Lamego, melhoria das estradas, etc.


A antiga Nova Lamego
Pista aérea de Nova Lamego, 1971
Uma galeria de mulheres Fulas numa festa do Cupilon de Baixo, 1973, RTP Arquivos
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Nota do editor

Último post da série de 16 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26925: Notas de leitura (1809): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26776: Historiografia da presença portuguesa em África (480): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1916 e 1917 (34) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Quero resistir à tentação de introduzir nestes relatos os comentários do chefe da delegação do BNU em Bolama que incluí no meu livro Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba: O BNU da Guiné, confesso que até podiam trazer mais esclarecimento ao que procuro juntar com as transcrições que faço separadamente do acervo que Armando Tavares da Silva recolheu no Arquivo Histórico Ultramarino, este é usado para evidenciar o que no Boletim Oficial é omisso. Seja como for, nota-se que a atmosfera de guerra suscita novas exigÊncias de comunicação, por exemplo: não se pode esconder o facto que há exportações proibidas, por contingência da guerra; há novas insubmissões nos Bijagós, mormente em Canhabaque, formam-se colunas, só vinte anos depois se consegue alcançar a chamada pacificação; e foi publicado o Estatuto Orgânico da Província da Guiné, está montada a ideologia que separa o civilizado do indígena. E, como veremos adiante, o final do ano traz um golpe de Estado, vai chegar Sidónio Pais e a sua cruzada.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1916 e 1917 (34)


Mário Beja Santos

Já estamos em guerra, vão ser tomadas medidas para garantir os abastecimentos, aparecerão listas de géneros cuja exportação para as colónias portuguesas é proibida ou que depende de autorização superior. Em 1917, chegámos à Flandres, segue-se o Sidonismo, no final do ano, chegara o primeiro homem providencial, sabe ao que vem e quer ordem e autoridade. Chega à Guiné o coronel de Infantaria Manuel Maria Coelho, nomeado governador interino, partiu Andrade Sequeira; em julho, toma posse o governador efetivo, Tenente-Coronel Carlos Ivo de Sá Ferreira.

No Boletim Oficial n.º 42, de 14 de outubro de 1916, dá-se conta da decisão do Governo em Lisboa para se saber o que pode ser exportado para as colónias portuguesas. Foi proibido exportar: arroz, açúcar, bacalhau, batatas, cereais e as suas farinhas, feijão, gados, minérios, cimento. Aparece em nota que poderá ser superiormente autorizada exportação para a colónia de Moçambique de todos os géneros e mercadorias destinadas a expedições militares ou às necessidades da guerra. É uma lista de géneros e mercadorias cuja exportação para as colónias depende de autorização superior: conservas de vaca e porco, lãs em qualquer estado, ovos, peles ou couros, veículos (exceto automóveis e seus pertences), aves de criação, enxofre. E ficam proibidas as exportações para o estrangeiro de todos os géneros alimentícios, com exceção do açúcar.

Entrámos em 1917, no Boletim Oficial n.º 11, de 17 de março, temos a seguinte publicação do Quartel-General:
“Tendo-se tentado por meios suasórios chamar ao convívio da civilização e à subordinação ao Governo os indígenas da ilha de Canhabaque, impondo-se apenas a entrega das armas em seu poder e o pagamento do imposto de palhota e até mesmo só esta última condição; e
Sendo cada vez mais acentuadas as provas de desrespeito para com a nossa soberania dadas por aqueles povos, o que constitui uma situação que não pode nem deve continuar; Mas sendo também de presumir que dado o estado de indisciplina em que eles se encontram, que é do domínio público, haja primeiro necessidade de os reduzir por meios violentos à obediência, a fim de os obrigar a acatar a nossa soberania e para o que será preciso tomar medidas excecionais…”


E na continuação declara-se o estado de sítio do arquipélago, fica proibido todo o género de comunicação entre Canhabaque e Bubaque, Rubane e João Vieira, interdito o comércio com as mesmas ilhas, organizada uma coluna de polícia à ilha de Canhabaque comandada pelo Tenente de Infantaria Henrique de Sousa Guerra, dá-se a lista da composição das tropas, dos auxiliares e das unidades de Marinha.

Estamos em plena guerra, teme-se as consequências da população andar armada, há ainda a reminiscência do que aconteceu na ilha de Bissau em 1915, procura-se agora uma regulamentação do comércio de armas, munições e pólvora, Manuel Maria Coelho decreta, recordando os inconvenientes que resultam para a fiscalização das relações existentes entre os negociantes que se estabelecem no mato e os indivíduos dessas regiões, atendendo à necessidade de regularizar os processos de transacionar com o gentio, fazendo-os ter confiança na probidade dos comerciantes, etc., etc., determina-se que os administradores das circunscrições e dos concelhos, bem como os comandantes militares não concedam licenças a quem quer que seja para se estabelecer com o comércio fora das povoações formadas e aos chamados negociantes ambulantes ser-lhes-ão concedidas licenças para comerciar desde que não sofismem as intenções do que aqui se determina.

Em portaria subsequente, o governador lembra que é proibido o comércio de armas e pólvora na província e escreve-se assim:
“Sendo certo que entre o gentio ainda existem muitas espingardas, impõe-se aos administradores de circunscrições e de concelhos, assim como aos comandantes militares, que procurem recolhê-las todas e no mais curto prazo. Mas sucedendo que as populações gentílicas carecem de defender-se dos animais ferozes e de fazer caça a esses, assim como é justo que se respeite o uso dos tiros de pólvora seca nas suas festas, determino que aquelas autoridades forneçam um certo número de armas a cada chefe da tabanca, que por ele é responsável, e a pólvora suficiente para aqueles efeitos.”

No Boletim Oficial n.º 23, de 9 de junho, nova portaria do Quartel-General ressaltando que é necessário estabelecer um posto na ilha de Canhabaque, volta-se a declarar o estado de sítio no arquipélago dos Bijagós, a proibir todo o género de comunicações das ilhas de Canhabaque, Bubaque, Rubane e João Vieira e organiza-se uma coluna móvel que tem como comandante o major Carlos Ivo de Sá Ferreira, e designam-se as respetivas tropas.

O suplemento ao Boletim Oficial n.º 26, de 4 de julho, insere o Estatuto Orgânico da Guiné, é do meu mero interesse fazer uma referência ao artigo 305:
“O governador da província é por si e por intermédio dos funcionários seus subordinados, o protetor nato dos indígenas da Guiné Portuguesa, e ainda daqueles cujo estado de civilização lhes seja idêntico, embora de naturalidade diversa. Compete ao governador dirigir as relações políticas com os chefes indígenas, de maneira a conseguir e manter, tanto quanto possível, por meios pacíficos, a sua submissão e integração na vida geral da colónia.”

Os artigos seguintes caracterizam a figura do indígena, é todo o indivíduo natural da Guiné que não tenha alcançado ainda o uso pleno dos direitos civis e políticos distribuídos aos cidadãos portugueses. Estes indivíduos podem entrar no pleno uso dos direitos civis e políticos próprios aos cidadãos portugueses desde que satisfaçam as seguintes condições: "ter dado provas de dedicação pelos interesses da Nação Portuguesa; saber ler e escrever ou pelo menos falar a língua portuguesa.”

Para finalizar, encontramos também uma outra não menos curiosa nota no Boletim Oficial n.º 33, de 18 de agosto, portaria que emana na Repartição Militar. O ministro das Colónias determinara que vão ser publicados no Boletim Official os louvores propostos pelo comandante da coluna de operações de Bissau em 1915, a diversos indivíduos e casas comerciais pelos serviços prestados à coluna durante as referidas operações, excluindo desses louvores aqueles que dissessem respeito a indivíduos ou casas comerciais alemãs ou pertencentes a nações com as quais Portugal tivesse interrompido as suas relações diplomáticas.

Para os louvores propostos figuram vários indivíduos naturais da Síria, província da Turquia, nação pela qual Portugal tem as suas relações diplomáticas interrompidas, mas que estão atualmente debaixo da proteção da França, e por isso deixaram de ser considerados como súbditos inimigos. Assim, é de justiça que se cumpra com respeito aos naturais da Síria e louvam-se Jorge Karam, pelo valor que patenteou durante os combates em que tomou parte e as casas comerciais Jorge Karam, Soda Fréres, Moustapha Jonad e Simon Thyan, pela oferta de vários géneros alimentícios, colas e dinheiro para o hospital de sangue e auxiliares da coluna.

O inquérito à atuação do Capitão João Teixeira Pinto
Já estamos a combater na Flandres
Capitão de Infantaria João Teixeira Pinto, o pacificador da Guiné, edição da I Exposição Colonial Portuguesa, 1934
Mercado de Mansabá, imagem restaurada no projeto Casa Comum/Fundação Mário Soares
Barracas de palmeiras, Mansabá. Imagem restaurada no projeto Casa Comum/Fundação Mário Soares
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Nota do editor

Último post da série de 30 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26746: Historiografia da presença portuguesa em África (479): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1915 e 1916 (33) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26746: Historiografia da presença portuguesa em África (479): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1915 e 1916 (33) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Sai o governador Josué de Oliveira Duque, entra o governador José António Andrade Sequeira, é um regresso à Guiné, em breve irão sentir-se as consequências da Primeira Guerra Mundial, tudo se agrava com a declaração de guerra da Alemanha a Portugal. O Boletim Official tem que ser passado a pente fino para encontrar matérias de algum suco no meio de tanto tédio administrativo. É assim que ficamos a saber que é recusada ao capitão Teixeira Pinto uma verba que em princípio ele teria direito, os acusados de terem incitado a insurreição dos Papéis e Grumetes da ilha de Bissau são amnistiados, bem queriam ser julgados para contar a verdade dos acontecimentos, todos eles ligado à Liga Guineense, que foi dissolvida, chamaram um advogado de prestígio, Loff de Vasconcelos, que irá escrever uma catilinária a arrasar os depoimentos de Teixeira Pinto, revelando as barbaridades e pilhagens feitas pelos irregulares do chefe de guerra Abdul Indjai. E há um belo documento emanado pelo comando militar dos Manjacos, tenente António Maria, vem publicado no Boletim Official n.º 30, de 22 de julho de 1916, belíssima peça.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1915 e 1916 (33)


Mário Beja Santos

Após as campanhas de Teixeira Pinto, o governador Josué de Oliveira Duque tem por fim do seu mandato, fica como encarregado do Governo o secretário-geral Sebastião José Barbosa, isto a 24 de agosto, dois dias depois toma posse alguém que regressa ao Governo, José de Andrade Sequeira, consta no Boletim Oficial n.º 35, de 28 de agosto. Nesse mesmo Boletim Official vem publicado o termo de posse dado ao Sr. Dr. José António de Andrade Sequeira, estão presentes as figuras gradas, o secretário-geral e Encarregado do Governo, a Comissão Municipal, magistrados judiciais, funcionários civis militares, corpo consular, corpo comercial e os mirones do costume.

No Boletim Oficial n.º 40, de 2 de outubro, vem publicada uma decisão da Direção-Geral da Fazenda das Colónias que envolve Teixeira Pinto, tinha sido pedida autorização para o abonar com a percentagem que lhe cabia sobre o imposto de palhota referente a 1914, na importância de 19.950$50, isto por ocasião em que batera os Manjacos e Balantas que se tinham sublevado. Ora o Ministro das Colónias indeferiu não haver portaria que desse ao Capitão Teixeira Pinto as atribuições dos direitos de administrador de circunscrição: “O mencionado capitão Teixeira Pinto não tem direito ao abono da referida percentagem, e que é por meio de recompensa honorífica que se devem galardoar, caso não tenham ainda sido premiados, os bons serviços que durante as operações o referido oficial haja prestado.”

Ficamos a saber através do Boletim Oficial n.º 41, de 9 de outubro, que tinham sido aprovados os estatutos do clube de Bolama, destinado a promover a convivência dos seus associados, proporcionando-lhes todas as distrações e divertimentos compatíveis com os seus recursos, como jogos lícitos, desportivos, leituras, palestras, música, soirées e récitas.

Voltamos a saber que há tensões, sublevações e insubmissões no Boletim Oficial n.º 44, de 30 de outubro, reza o seguinte que manda escrever o governador Andrade Sequeira:
“Sendo a região dos Balantas uma as mais insubmissas desta província;
Considerando que, pela organização social dos Balantas, só uma efetiva e conveniente ocupação militar, de tropas regulares, poderá levar esses povos ao respeito pela soberania nacional, integrando-os na nossa civilização;
Considerando que, assim, se faz sentir a necessidade de uma ação militar persistente e duradoura, que só se pode obter instituindo todo o território dos Balantas num comando militar;
Hei por conveniente desanexar das circunscrições respetivas toda a região dos Balantas e nomear seu comandante militar o Capitão de Infantaria Manuel Correia Dias, que acumulará as suas funções com as de comandante da 1.ª companhia.
Para efeitos desta portaria ficam sujeitos ao comandante militar dos Balantas todos os territórios da região Balanta que, até hoje, estavam sob as jurisdições dos comandantes militares de Bissorã, Porto Mansoa, Nhacra e Goli.”


O problema das armas e munições ir-se-á pôr durante este período e até ao conflito da Primeira Guerra Mundial. Veja o que se escreve no Boletim Oficial n.º 48, de 27 de novembro:
“Atendendo ao que me tem sido representado por vários comerciantes e indígenas, pedindo para se permitir a venda de espingardas ordinárias;
Considerando que a quase totalidade dos povos da Guiné tem por costume, uso e tradição, fazer largo dispêndio de pólvora, que consomem disparando tiros sempre que se trata de cerimónias fúnebres e outras solenidades;
Considerando que a abundância de animais ferozes, especialmente onças, jacarés e lobos, tem originado a perda de muito gado e até recentemente alcateias os últimos animais atacaram e feriram gravemente muitos indígenas da circunscrição de Geba;
Considerando que estando a província inteiramente pacificada não há o menor inconveniente, e antes toda a vantagem em permitir o uso e porte de espingardas ordinárias, cuja venda tem sido normalmente e sem restrições autorizada;
Hei por conveniente autorizar a venda de espingardas de pedreneira e espoleta nas seguintes condições:
Os comerciantes que para tal estiverem autorizados poderão ter nos seus estabelecimentos as espingardas que importarem e que ficarão relacionadas no Depósito de Material de Guerra.
As armas só serão vendidas aos indígenas que possuírem licença para as adquirir, licença que só poderá ser concedida pelos administradores de circunscrição e comandantes militares de territórios desanexados aos indivíduos que estiverem sob as suas respetivas jurisdições.”


E nesta portaria eram mencionadas diferentes formulações para obter licença, definindo os respetivos custos.

Assim chegamos a 1916. No Boletim Oficial n.º 10, de 10 de março, é anunciado que pelas 18 horas fora declarada guerra entre a Alemanha e Portugal. No Boletim Oficial n.º 17, de 22 de abril, surgem dois anúncios que desprovidos de qualquer comentário não dão para entender a sua substância. Há primeiro um agradecimento dos signatários, presos políticos, implicados na chamada rebelião de Bissau, e que tinham sido amnistiados, atos que eles não tinham pedido, o que tinham pedido era ser julgados, e agradeciam a todos os seus amigos e a outras individualidades que tinham patenteado sempre o maior interesse e simpatia pela sua justa causa. Assinavam António dos Santos Teixeira, Augusto Domingos da Costa, Vítor Francisco Robalo, Manuel Gomes Barbosa, Raimundo Ledo Pontes, Manuel Carvalho de Alvarenga e Lourenço Gomes.

Quem eram estes homens? Tinham sido considerados os incitadores da rebelião dos Papéis e Grumetes de Bissau, tinham escrito documentos acusatórios das pilhagens praticadas na ilha de Bissau pelas gentes de Abdul Indjai, o que tinha levado ao protesto do capitão Teixeira Pinto. Estes homens eram dirigentes da Liga Guineense, que fora dissolvida, e tinham chamado para a sua defesa um advogado de prestígio, com escritório em Cabo Verde, Loff de Vasconcelos, autor do segundo anúncio em que diz:
“Anuncia, para os devidos efeitos, que tendo acabado de cumprir a missão que o tinha trazido a esta colónia, contava retirar-se neste mês para Lisboa; como, porém, surgiu um incidente, que desejava liquidar, resolveu continuar manter aqui aberto o seu escritório, definitivamente, e assim oferece ao público os seus serviços permanentes.”


Loff de Vasconcelos irá escrever um texto arrasador, onde procura demolir ponto por ponto as acusações que tinham caído sobre estes comerciantes de serem instigadores da rebelião dos Papéis e Grumetes.

Documento que não deixa de se revelar muito interessante é o relatório escrito pelo tenente António Maria em Canchungo, em 15 de maio de 1916 e transcrito no Boletim Oficial n.º 30, de 22 de julho, é longo, transcrevem-se alguns parágrafos:
“Por toda a parte me diziam que ia encontrar em Basserel um posto muito bonito, já construído e 200 auxiliares, do que havia de melhor. Do posto nada existia, os bons auxiliares quando foram chamados para auxiliar o desembarque de alguns materiais e géneros, recusaram-se.
Fui alojado, com os dez soldados que trouxe, na tabanca dos irregulares, em algumas palhotas dos que andavam por fora, ficando os soldados em três e eu numa, que também servia de arrecadação do material de guerra e demais artigos.”


“O posto começou a construir-se com a exígua guarnição de dez soldados, sem ter recursos alguns. Era preciso chamar o gentio ao nosso convívio e obrigá-lo a entregar as armas e apagar o imposto e ainda a conter a onda desenfreada dos irregulares. Metodicamente vou conseguindo alguma coisa. O gentio, em pequena quantidade, vem ajudar-me no corte do mato.”

“Ao mesmo tempo trabalhava-se na construção do posto de Caió e estradas, sem desprezar a política indígena, atraindo o gentio. Fiz um mercado próximo do posto de Basserel, onde as mulheres começam a ir, protegidas por um europeu contra qualquer extorsão dos irregulares e assim vou pondo termo à fuga de mais gente, principiando a regressar os que tinham fugido.”

“Usei sempre de toda a prudência, inspirando o meu procedimento na mais elevada compreensão da justiça, para manter entre eles o prestígio da autoridade.
Tratei sempre os indígenas com bons modos e boas palavras, a fim de manter o amor e respeito do nome português, sem, contudo, abandonar a firmeza e energia para com os desobedientes.
As obras feitas foram: construção e reconstrução do posto de Basserel; construção do posto de Caió; construção da casa do comando e habitação do sargento em Canchungo; melhoramentos no posto de Xuruberique; rede de estradas em toda a região ligando o Jol e Brames; construção de pontes em Basserel, Jata e Caió, aonde podem atracar lanchas e pequenos vapores; pontes pelo interior e canoas nos rios aonde se não puderam fazer pontes para não impedir a navegação, etc. etc.”


Dá conta da cobrança de imposto de palhota, da receita administrativa, das despesas e o saldo que entregou ao seu sucessor. Julga ter servido a contento, se não de todos, pelo menos da maior parte.

Criou alguns inimigos, fundamentalmente irregulares, teve bons e maus auxiliares nos seus subordinados e indica o nome de alguns em que se pode depositar a máxima confiança, pelo que os recomenda ao governador.

Já estamos em guerra, vamos agora conhecer as medidas restritivas, os bens alemães estão arrestados, há proibições de exportação de géneros e de mercadorias, a Guiné vai conhecer as suas provações decorrentes da guerra.


O automóvel Ford chegou à Guiné, 1910
Uma montanha de amendoim, 1910

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 23 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26718: Historiografia da presença portuguesa em África (478): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1914 e 1915 (32) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26718: Historiografia da presença portuguesa em África (478): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1914 e 1915 (32) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Começou em agosto a Primeira Guerra Mundial, houve que acautelar os abastecimentos; estamos ainda no rescaldo da campanha no Oio, em 1915 Teixeira Pinto e Abdul Indjai recebem instruções de Josué Oliveira Duque para submeter Papéis e Grumetes de Bissau, Teixeira Pinto à frente de um pelotão de 30 praças indígenas e Abdul Indjai com 1500 irregulares; é dissolvida a Liga Guineense, acusada de estar ao lado da permanente hostilidade dos indígenas de Bissau e de não satisfazer os fins para que fora fundada, matéria que tem feito correr muita água, não esquecer a defesa feita pelo advogado Loff de Vasconcelos, que escreveu a denúncia de que os irregulares de Abdul Indjai saqueavam as empresas, uma devastação que deixou profundas marcas na ilha de Bissau. Às vezes interrogo-me se alguma vez iremos saber a verdade do que foi o procedimento da Liga Guineense e se não foi nestas operações da ilha de Bissau que Abdul Indjai se passou a considerar inatacável na prática das suas rapinas, que irá repetir no Oio, onde será preso e depois exilado em Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1914 e 1915 (32)

Mário Beja Santos

O governador é Josué de Oliveira Duque, manda transcrever no Boletim Oficial n.º 34, de 22 de agosto, o acervo de louvores pelas operações contra os Balantas insubmissos, organizara-se em 14 de abril uma coluna de comando do capitão João Teixeira Pinto. Ele agora é louvado nos seguintes termos: “Pelo inexcedível zelo e proficiência com que se houve na organização da coluna constituída com os pequenos recursos da província, e pela extraordinária coragem, patriotismo e abnegação, que revelou em todas as fases das operações, que constituíram, por assim dizer, um ininterrupto combate, sem tréguas, contra um inimigo valente e traiçoeiro, sempre com notável desproporção de forças, tanto mais notável que a coluna era composta, na sua quase totalidade, de elementos indígenas irregulares.” São também louvados os 2.ºs Tenentes da Armada Artur Arnaldo do Nascimento Gomes e Raúl Queimado de Sousa, respetivamente comandantes das lanchas canhoneiras Zagaia e Flecha; mas também vários sargentos e, curiosamente, é também louvado o administrador de Bissau, Vergílio Acácio Cardoso, pela muita coragem que mostrou durante o ataque ao posto militar de Bula, onde acidentalmente se encontrava; e não deixa de ser significativo a extensão do louvor a Abdul Indjai, “pela extrema ousadia e coragem que revelou durante as operações, coadjuvando, com os auxiliares sob a sua direção, o comando da coluna tão eficazmente que, segundo opinião do mesmo comandante, lhe deve, em grande parte, o bom êxito das operações”; em portaria complementar são louvados um primeiro artilheiro e um segundo fogueiro.

No Boletim Oficial n.º 36, de 5 de setembro, o governador impões restrições à venda de pólvora e armas, refere que fora proibida a sua venda por ponderosos motivos de ordem pública, atendendo que era de justiça que as casas comerciais não deviam manter por mais tempo tal proibição ou tal restrição, mas que se impunha cuidado e parcimónia nas suas vendas, e com restrições, determinava: até nova ordem era proibida no território da província a importação de armas e pólvora de comércio; mantida a proibição de venda de armas de comércio; a pólvora só podia se vendida nas localidades sede de administrações de circunscrições civis ou de comandos militares; a venda só podia ser feita em indivíduos munidos de uma licença de compra passada e assinada pelo administrador de circunscrição ou comandante militar.

O ministro das Colónias, Alfredo Augusto Lisboa de Lima entendeu publicar um louvor envolvendo o antigo governador, 1.º Tenente, Carlos de Almeida Pereira, nos seguintes termos: “Tendo sido levada a efeito na província da Guiné, em 1913, a ocupação da região do Oio, de longa data e submissa, apenas com os diminutos recursos militares da província, empresa esta que a muito se afigurava de impossível realização, pela resistência a opor pelo gentio, e sendo certo que para se atingir tal objetivo muito contribuiu a boa orientação que à administração da referida província soube imprimir o ex-Governador Carlos Pereira, porquanto, sem descurar os outros ramos da administração lhe mereceu especiais cuidados a ocupação militar da província, de que resultou, não só o alargamento da nossa soberania, mas ainda o aumento considerável das respetivas receitas, que a seu turno lhe permite o mais largo progredimento da mesma colónia: manda o Governo da República Portuguesa louvar o referido oficial pelos serviços que prestou pelo governador daquela colónia, demonstrados na inteligente, perseverante e dedicada atenção que prestou aos diferentes ramos da administração, tendo tido especial relevo, pelos brilhantes resultados obtidos, a ação que exerceu promovendo o alargamento da nossa autoridade em regiões, até então hostis, por uma cuidada e eficaz operação militar.”

O início da Primeira Guerra Mundial exigiu a tomada de medidas que zelassem pelo abastecimento de cada uma das províncias. No suplemento ao Boletim Oficial n.º 43, de 30 de outubro, o Governo publica a Portaria n.º 323, nos seguintes termos:
“Usando as atribuições conferidas pelo decreto de 3 de agosto último;
Hei por conveniente determinar:
1ª – Fica proibida a exportação da província da Guiné para países estrangeiros de géneros alimentícios, gados e combustíveis;
2º - Fica igualmente proibida e reexportação de açúcar importado das províncias de Angola, Moçambique e Cabo Verde.”


E assim chegámos a 1915, depois de uma longa monotonia de preceitos administrativos, encontra-se no Boletim n.º 34, de 21 de agosto, referência a nova insubmissão, desta feia em Bissau. Manda publicar Oliveira Duque a seguinte portaria:
“Tendo-se tentado, por meios suasórios, chamar ao convívio da civilização e à subordinação ao Governo os indígenas da ilha de Bissau, impondo-se-lhes apenas a entrega de armas em seu poder e o pagamento do imposto de palhota e até mesmo só esta última condição;
Tendo-se ultimamente tentado fazer o arrolamento, o que não permitiram em grande parte da ilha;
Não tendo pago a maior parte das povoações arroladas pagando apenas uma parte do imposto três dessas povoações;
Sendo frequentes os desacatos feitos na povoação a soldados da guarnição, e cada vez mais acentuadas as provas de desrespeito para com a nossa soberania, o que constitui uma situação que sem risco da nossa dignidade e até do sucesso público, não pode nem deve continuar;
Hei por conveniente determinar:
1.º Que seja organizada uma coluna de operações para submeter os indígenas rebeldes da ilha de Bissau com a seguinte designação: ‘Coluna de operações contra os Papéis e Grumetes revoltados da ilha de Bissau’, sob o comando do chefe do Estado-Maior, capitão João Teixeira Pinto;
2.º Que a constituição da coluna seja a seguinte: comandante, um pelotão de 30 praças indígenas da 2ª companhia indígena, um corneteiro e dois segundos sargentos, sob o comando do tenente de Infantaria Henrique Alberto de Sousa Guerra; uma metralhadora Hotckiss 6mm com dois soldados europeus e dois indígenas; serviço de saúde tendo à frente o capitão-médico Francisco Regala; 1500 irregulares compreendendo 200 cavaleiros sob as ordens do chefe de guerra Abdul Indjai, tenente de 2ª linha, tendo como imediato o alferes de 2.ª linha Mamadu Sissé.”

A composição da coluna incluía ainda duas lanchas canhoneiras, lanchas da capitania, etc.

Segue-se o teor da portaria n.º 296, ainda do Boletim Oficial n.º 34, de 21 de agosto:
“Pelas averiguações a que se tem procedido sobre as circunstâncias que motivaram o estado da permanente hostilidade por parte dos indígenas de Bissau, e que determinaram as operações acabadas de efetuar, vê-se que nesse estado teve uma principal, quase única influência, a Liga Guineense, com sede na vila de Bissau e estatutos aprovados em 24 de julho de 1911.
Considerando que a mesma associação não satisfez a nenhum dos fins para que se tinha fundado, pois que não fez propaganda de instrução, e se fundou uma escola, de há muito tempo que se acha fechada; não trabalhou nunca para o progresso da província, antes por todas as formas o entravou, e nem se coaduna esse desejo de progresso com o estado de guerra, que poderia ter evitado, e até ao contrário instigou:
Hei por conveniente dissolver a mencionada Liga Guineense, cuja existência tem sido inconveniente para o progresso da província, talvez por ter determinado os seus atos apenas a intenção de ser útil aos seus consócios, pondo de parte por completo os interesses da província.”

Composição da coluna de operações no Oio, comanda João Teixeira Pinto e regista-se a presença do tenente de 2.ª linha Abdul Indjai
Relação do oficial e praças que prestaram serviço no posto militar de Mansoa de 5 de fevereiro a 2 de julho de 1914
A compra de ratos vivos ou mortos
A clara predisposição, em novembro de 1914, de intervir, dá-se como pretexto os deveres com Inglaterra

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 16 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26694: Historiografia da presença portuguesa em África (477): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1913 e 1914 (31) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26694: Historiografia da presença portuguesa em África (477): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1913 e 1914 (31) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Dir-se-á que o acontecimento dominante de 1913 foi a campanha do Oio envolvendo o comando do capitão João Teixeira Pinto, teve os seus êxitos, digamos que temporários, mas a presença portuguesa em Mansoa, Mansabá e Bissorã tornou-se mais visível, reduziram-se os ataques. Oliveira Duque, à semelhança de outros governadores, lançará quesitos aos administradores coloniais e comandantes militares, pretende ter para seu uso uma radiografia de pendor etnológico e etnográfico, mas também como suporte económico. Um seu antecessor, Carlos Pereira, tivera procedimento semelhante, irá produzir um livro sobre a Guiné, redigido em francês, apresentado numa reunião internacional, quando se lê tal obra, sente-se prontamente que ele soube ler a documentação que lhe foi enviada. O busílis, para quem investiga, é que a generalidade destes relatórios não foi publicado no Boletim Official, no caso do meu trabalho, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, tenho tido o acesso a relatórios que estão na secção dos Reservados, mas são pouquíssimos, e grande parte deles chegaram por via dos descendentes; posso admitir que há outro acervo documental até maior no Arquivo Histórico Ultramarino. O sucessor de Carlos Pereira viu a sua nomeação anulada pelo Senado, está para se perceber porquê.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1913 e 1914 (31)

Mário Beja Santos

É só no mês de agosto que dá conhecimento público da atividade do capitão João Teixeira Pinto. No Boletim Oficial n.º 33, de 16 de agosto, publica-se uma portaria do seguinte teor:
“Tendo-me hoje sido presente pelo chefe de Estado-Maior, comandante da coluna móvel da polícia às regiões do Alto Mansoa e Oio, o relatório dessas operações;
Considerando que dos feitos realizados, já muitos do domínio público e constatados agora em toda a sua evidência pelo referido relatório, se mostra que a heroica ocupação das mencionadas regiões foi levada a cabo pelo esforço, valentia e pertinácia do seu comandante, João Teixeira Pinto, secundado brilhantemente por alguns dos seus colaboradores e subordinados;
Considerando que as recompensas, a que os julgo com direito, não são da minha competência;
Considerando, porém, desde já pública e oficialmente, devo deixar consignado preito da minha homenagem pelos serviços prestados à província e ao país; serviços que estou certo foram tomados na consideração que merecem por sua excelência o ministro das colónias, a quem vou propor as recompensas que julgo de justiça;
Hei por conveniente:
Louvar o capitão de Infantaria, João Teixeira Pinto, pelo atos heroico praticados como comandante de uma diminuta força de tropas regulares, apoiada por uma pequena força de auxiliares, que operou nas regiões de Mansoa e Oio, conseguindo estabelecer, apesar da grande resistência do inimigo, um posto militar, repelindo com toda a energia os diferentes ataques que lhe foram feitos, e obrigando-o a aceitar a nossa autoridade, entregando o seu armamento e fazendo o pagamento do imposto e, bem assim, pela valentia, valor e coragem inexcedíveis e atos de verdadeiro heroísmo com que levou a cabo o estabelecimento de um posto militar em Mansabá (capital do Oio), submetendo à obediência aqueles povos considerados invencíveis e tendo para isso de tomar debaixo de fogo violentíssimo dezasseis tabancas de guerra, onde o gentio bem armado e municiado se defendeu corajosamente devido à sua enorme superioridade numérica, considerando, depois de inúmeros trabalho e perigos, quebrar o valor guerreiro do já lendário Oio.”


Segue-se uma lista de louvores a outros intervenientes, tenentes de Infantaria e da Marinha, Vasco Calvet de Magalhães, um 2.º sargento da 1.ª companhia indígena de Infantaria e o 1.º cabo das secções de Artilharia; os louvores estendem-se ao comandante da canhoneira Flecha e seus colaboradores.

Estamos em 1914 e no Boletim Oficial n.º 28, de 11 de julho, outro governador, José de Oliveira Duque, que sucedeu a Andrade Sequeira, promulga uma portaria onde se diz o seguinte:
“Hei por conveniente, atendendo à conveniência de ter as regiões ultimamente batidas pela coluna de operações a Cacheu submetidas a um regime militar, determinar que essas regiões constituam o comando militar de Basserel, com os limites: ao Norte, o rio Cacheu; a Oeste, o rio Cacheu; a linha que passa por Capó, Pacau e Mata de Cacheu (que ficam pertencendo a Cacheu), rio de Cacheu e Oceano; a Sul pelo canal de Caió, canal entre as ilhas de Jata e Pecixe, canal entre a ilha de Pecixe e canal continental de Mantambua, rio de Mansoa até rio Baboe; a Leste, pela região dos Brames de Gó, Brame Grande e Naga, compreendendo as regiões de Churo, Biange, Cubiane, Jol, Pantufa, Pelundo, Costa de Baixo, Canhoba, Tame, Bugulha, Cajegut, Caió, Jata, Basserel e povos Felupes com três postos militares, um em Basserel, sede do comando, um em Churo e outro em Caió e que o comandante militar fique com todas as atribuições de administrador da circunscrição, ficando as regiões que compõem este comando militar desanexadas das circunscrições de Cacheu e Bissau.”

Em portaria seguinte, é também constituído o comando militar de Nhacra.

No Boletim Oficial n.º 33, de 15 de agosto, e na sequência de procedimentos anteriores de governadores que pretenderam saber por meio de inquéritos os usos e costumes dos indígenas guineenses, o governador Oliveira Duque envia uma circular aos administradores das circunscrições e comandantes militares justificando que é conveniente, para difundir o mais possível o conhecimento desses usos e costumes, que podem ser muito diferentes de região para região, reuni-los num só diploma, determinando a todos a quem dirige a circular que procedam no prazo máximo de dois meses a conscienciosa investigação desses usos e costumes, tendo em vista especialmente estes pontos concretos: a raça ou raças que habitam a área da sua jurisdição, se tais raças são aborígenes ou imigrantes, qual a sua organização social e política, se existe respeito pelos velhos, como se procede com os delinquentes, qual o valor dos contratos que celebram, quais as relações destes povos com a vizinhança, se são guerreiros ou pacíficos, como se constitui a família, que formalidade e festas precedem o nascimento, se praticam as cerimónias do fanado, como se considera a mulher em geral, se há cuidados especiais com a mulher grávida, quais as formalidades que precedem ao casamento, se o adultério é frequente, quais as cerimónias que se têm com os mortos, quem administra a propriedade da família, qual a religião que professam; e este rol de quesitos estende-se ao vestuário, a possíveis indústrias à construção de habitação, à dança, canto e música, à existência de instituições escolares, à natureza da alimentação, as práticas agrícolas, quais os géneros coloniais existentes, quem se dedica à agricultura, quais os principais utensílios de uso doméstico…

E termina assim a portaria:
“Além destes quesitos deverá cada um, segundo o seu bom critério, ocupar-se de quaisquer outros não mencionados, que julguem dignos de menção especial, tendo em vista que nenhum, por insignificante que pareça, pode considerar-se sem valor para o fim que se tem em vista, o conhecimento mais completo possível da vida, usos e costumes, enfim do modo de ser especial dos indígenas da província.”

Pede-se às autoridades que obtenham exemplares autênticos de todos os artigos (armas, utensílios, instrumentos diversos, vestimentas e outros quaisquer) fabricados pelos indígenas da região, bem como amostras dos diferentes produtos da mesma região, a fim de, em Bolama, poder organizar-se um mostruário, ou museu provincial, que muito pode contribuir para difundir o conhecimento das aptidões especiais dos mesmos indígenas.
Acontecimento insólito: o nomeado governador interino José António de Andrade Sequeira vê a sua nomeação anulada no senado, anulação ratificada pelo presidente Manuel de Arriaga
A vida dos governos da I República era cada vez mais precária
Mandingas, Guiné, 1910
A cabeleireira, Guiné, 1910
Porto de Bafatá, 1910
(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 9 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26668: Historiografia da presença portuguesa em África (476): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 e 1912 (30) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 7 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26561: Notas de leitura (1778): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Negros e brancos na Guiné Portuguesa (1915-1935) (4) – 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Este importante ensaio de Philip Havik abre luz quanto à história do conhecimento do colonizador face ao colono, um percurso que se inicia fundamentalmente no fim do século XIX que ganhará dimensões com caráter científico a partir da governação de Sarmento Rodrigues, data deste tempo um inquérito etnográfico preparado por Teixeira da Mota. A grande motivação inicial sobre os dados estatísticos do imposto de palhota, a pressão do ministro das colónias não abrandou, era preciso conhecer quem habitava os lugares, e nascem então os inquéritos etnográficos, de que aqui temos feito referência, isto a par dos relatórios anuais enviados por algumas residências. É todo este histórico que Philip Havik analisa com o seu habitual espero, e que aqui se procurará fazer a súmula.

Um abraço do
Mário



Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné:
Negros e brancos na Guiné Portuguesa (1915-1935) (4) – 1

Mário Beja Santos

Philip Havik publicou na revista Lusotopie XII, em 2005, o artigo com o título Les Noirs et les ‘Blancs’ de l’Ethnographie Coloniale: Discours sur le genre en Guinée Portugaise, (1915-1935), uma esclarecedora incursão sobre o relacionamento entre colonizadores e colonos no período posterior à chamada pacificação, obra do capitão Teixeira Pinto, e 1935, o ano que precede a denominada pacificação de toda a Guiné.

No preâmbulo, o investigador recorda que este enclave foi muito pouco depois da “pacificação” de 1915. Os administradores coloniais, obrigados ao protocolo de fornecer com regularidade postas em inquéritos ou o envio ao governador de relatórios anuais, muitas vezes pondo-se no papel do etnógrafo, deixaram pouca informação até meados dos anos 1930. A questão para eles dominante era o imposto palhota, centravam-se no registo das palhotas, os homens eram importantes enquanto chefes de tabanca, as mulheres eram totalmente ignoradas enquanto sujeitos autónomos.

No entanto, com o aparecimento dos primeiros dados etnográficos, os relatórios oficiais entrelaçaram considerações de género com os conceitos de cor, revelando a hierarquização interna ao género em que eles operavam. Acresce que a ausência de mulheres europeias ocasionou uma viragem das medidas de política colonial, projetando a imagem na mulher africana como guardiã da pureza racial. A ajuda médica era apresentada como símbolo de modernidade e acabou por reconhecer às mulheres indígenas um lugar de mães. Este artigo abrange a produção etnográfica num período de duas décadas e procura preencher as lacunas desta literatura, explorando ao mesmo tempo novas pistas para análise do discurso colonial sobre as relações de género.

A Guiné Portuguesa foi sempre objeto de um interesse marginal. Numa perspetiva “luso-africana” os antropólogos portugueses começaram a partir dos meados dos anos 1980 a examinar mais de perto os dados etnográficos elaborados na época colonial. Há ainda fontes documentais relativamente intactas que carecem de estudo, aguardam na poeira dos arquivos os investigadores. É igualmente urgente questionar os paradigmas coloniais relativos às políticas e às populações destes territórios. Este texto aborda um corpo de conhecimentos, que se considera apaixonante, proveniente de fontes escritas e orais e das atitudes dos funcionários coloniais face aos africanos, do ponto de vista das relações de género e parentesco. Espera-se assim contribuir para o debate quanto às tensões que se produziram entre colonizadores e colonizados, bem como quais os modelos de papel que o colonizador aplicou ao colonizado.

Alguns antropólogos defenderam o ponto de vista que era necessário “pluralizar o conceito de situação colonial”, tendo em conta “o leque de interações entre indivíduos e grupos extremamente diferentes”. No caso português, para além da grande diversidade étnica das populações e dos atores coloniais, é preciso ter em conta a falta de diretivas claras sobre a política indígena a implementar no terreno, sobretudo durante as primeiras décadas da administração colonial. Na maioria dos casos, as medidas eram tomadas uma a uma, de forma aleatória, ou após negociação, uma noção que não parece coincidir com a ideia que se faz numa colónia dirigida pela metrópole. A ausência de políticas coerentes face à família alargada indígena e aos seus membros, bem como o conhecimento limitado das sociedades africanas por parte dos funcionários e dos responsáveis políticos, certamente contribuíram para este estado de coisas.

Iremos comparar os dados etnográficos recolhidos até ao fim dos anos 1930, partindo da I República em 1910 até ao período do Estado Novo. Aborda-se, em primeiro lugar, o estado de conhecimentos demográficos e etnográficos no enclave, isto no contexto da implantação da administração colonial a partir de 1915. Procura-se ilustrar seguidamente, através da análise sucinta de um certo número de fontes publicadas de artigos, como o discurso oficial ou a sua ausência que estruturaram representações dos indígenas. Para concluir, extrapola-se a pertinência destes dados, abordando de modo mais amplo as metáforas coloniais e a sua semântica, tais como elas se desenvolveram na Guiné neste período.

Antes da ocupação militar na maior parte do território da Guiné, as relações dos governantes e dos seus representantes não forneceram informações sobre a população a não ser sobre o perímetro das zonas costeiras. Mas os responsáveis não escondiam que era vergonhoso após seculos de presença portuguesa a sua influência não ultrapassava os muros que envolviam Bissau. As estimativas da população eram feitas ao acaso, o que justificava a impossibilidade de implementar uma política social. Os dados disponíveis sobre as populações do interior limitavam-se aos relatórios dos missionários e dos oficiais de saúde. No início do século XX, a situação no terreno tinha-se deteriorado a tal ponto que um observador estrangeiro observara que “o governo colonial português exercia pouco ou nenhum controlo sobre os indígenas, isto devido aos falhanços da administração”. Os governadores tinham que admitir que eram incapazes de fazer o recenseamento da população pedido por Lisboa. Com a introdução do imposto de palhota em 1903, a administração começara a juntar a informação sobre as “tribos indígenas” com fins fiscais. Esta abordagem iria ser determinante em todo o período colonial (1915-1974). A partir de 1909, o gabinete do governador em Bolama emitiu circulares confidenciais a fim de obrigar as residências (postos administrativos coloniais) a fornecer regularmente informações detalhadas sobre os aspetos demográficos e políticos da sua zona de jurisdição.

A reforma administrativa de 1912, que introduziu o sistema de régulos, na base da hierarquia, comportava a organização de processos burocráticos entre os quais o estabelecimento de relações sobre os futuros sujeitos do regime. Entre eles, o "intérprete oficial de diligências” encarregado de contactos com a população exterior ao posto, sobre autoridade direta do administrador, devia informá-lo sobre todas as relações relativas à vida política e social dos indígenas que podiam ter interesse à administração. Foi uma prática do período da administração militar (1892-1918), quando a comunicação entre os escalões central e local do governo se focavam essencialmente à volta das questões de segurança e o lançamento de impostos. O estabelecimento simultâneo de uma força de polícia indígena, conhecida por cipaios, fora pensada como um estrato intermédio entre a administração colonial e os indígenas, não só com a finalidade de coerção, mas igualmente para filtrar as informações pertinentes provenientes da base.

Os primeiros relatórios provenientes das residências, apresentados em 1911, na sequência da divulgação de um questionário, constituem alguns dos primeiros dados provenientes do interior do país coligidos pelos funcionários e seus intérpretes. A partir deste momento, a divisão da população num certo número de “raças”, termo que vai aparecer pela primeira vez na correspondência oficial da Guiné em meados dos anos de 1800 – e de subgrupos, bem assim como a descrição do seu habitat, costumes, línguas e modos de subsistência, seguirá um esquema reproduzido na documentação oficial ao longo do período colonial.

Imagens de campanhas de pacificação, Nhacra, 1915
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Nota do editor

Vd. post de 28 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26538: Notas de leitura (1776): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Quando escreveu em parceria com António Estácio sobre os chineses na Guiné (3) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 3 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26547: Notas de leitura (1777): Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné em "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (3) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26506: Historiografia da presença portuguesa em África (467): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte II ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 514, 27 de dezembro 1915, páqg. 806)

 

Foto nº 1 > Guiné > Bissau >  1915 > "Salva de artilharia dada na fortaleza da Amura. O edifício ao fundo é o do comando militar".



Foto nº 2 > Guiné > Bissau >  1915 >  "Os oficiais que fizeram parte da coluna. Da esquerda para a direita: os srs. segundo tenente da marinha Queimado de Sousa, capitão médico R. Augusto Regala, capitão de infantaria Teixeira Pinto, segundo tenente da marinha José Francisco Monteiro, tenente de infantaria Henrique de Sousa Guerra" (há um erro no nome do capitão médico, Francisco Augusto da Fonseca Regala)


Foto nº 3 > Guiné > s/l (Bissau ) > s/d  (c.1915) > "O tenente de segunda linha,  régulo Madoul-N'djou" (erro no nome, era mais conhecido por Abdul Injai ou Indjai, ou Abdoul Ndaiye, de etnia uolofe, nascido em Ziguinchor, hoje Senegal).


Foto nº 2 > Bissau > 1915 > "O senhor cpitão Teixeira Pinto que comandou a coluna de operações contra os papéis e  grumetes e mais revoltados da ilha de Bissau" (referência aos portugueses reunidos na Liga da Guiné, mas também comerciantes estrangeiros)

1. Notícia da "Ilustração Portuguesa", Lisboa,  27/12/1915:

A Campanha de Bissau

Foi um triunfo para as armas portuguesas a vitória alcançada na África contra os 'papéis0, que desde longa data vinham causando graves prejuízos à nossa soberania.

A lenda de que essa raça era invencível está, felizmente, posta de parte, sendo preciso agira fazer ver aos 'grumetes', almas danadas dos 'papéis0, que Portugal quer restabelecer ali a obediência às suas autoridades, o que fará, custe o que custar,



Diretor: J. J. da Silva Graça; Propriedade: J.J. da Silva Graça, Lda; Ed lit. José Joubert Chaves. 

(Cortesia de Hemeroteca Municipal / Càmara Municipal de Lisboa; é de reconhecer publicamente o extraordinário trabalho dã Hemeroteca Municipal de Lisboa, em termos de arquivo, tratamento, digitalização e divulgação destes periódicos centenários, cujo conteúdo merece ser conhecido pelos nossos leitores, antigos combatentes na Guiné, 1961/74).

 
(Seleção, revisão / fixação de texto, edição e legendagem das fotos: LG)



Guiné > Bissau > s/d  [c. 1960] > Monumento a Teixeira Pinto  no Alto do Crim < Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, nº 112. (Edição Foto Serra, C.P. 239,  Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL)... 

(Teixeira Pinto, o "capitão-diabo",. tem 90 referências no nosso blogue; esta estátua foi derrubada a seguir à independência e levada para o forte do Cacheu).

Colecção de postais ilustrados do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria.Selecção dos postais,  digitalização, edição de imagem e legendagam: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)



2. Excerto de Carlos Bessa - Guiné. Das feitorias isoladas ao 'enclave' unificado. In: Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, ed. lit - Nova Históriaa Militar de Portugal. Vol. 3. S/l: Círculo de Leitores. 2004. 257-270.


(...) A Liga Guineense não parou de atacar Teixeira Pinto e o seu auxiliar Abdul Injai, mas o governador Oliveira Duque não lhe retirou o apoio. A 13 de maio de 1915 foi decretado o estado de sítio na ilha de Bissau e iniciou-se a campanha contra os papéis. 

Desta vez Teixeira Pinto aceitou a colaboração de um oficial, o tenente Sousa Guerra. Concentrou em Nhacra forte  coluna que entrou em Bissau a 1 de junho. Nesse dia, porém,  os irregulares foram atacados em Antim, fugindo aos milhares. Mas o ataque dos papéis e grumetes contra a cidade foi detido e evitou-se o massacre.

No dia dia 5, após violenta preparação de artilharia contra Bandim e Antim, Teixeira Pinto ocupou aquelas colinas, mas a 7 os papéis e grumetes refizeram-se e atacaram o acampamento.

Após nova preparação de artilharia, a coluna apoderou-se de Antula,a inexpugnável, sem resistência, a 10 de junho.

Com grandce perícia seguiu-se a  penetração nas aldeias, sendo Teixeira Pinto ferido e substituído por Sousa Guerra. As negociações de rendição com os papéis fracassaram e a conquista de Quinhanel abriu a pista para o Biombo no extremo da ilha, onde terminou a campanha após uma armadilha do régulo Cassande, que simulou uma rendição e disparou, mas veio a ser abatido e a prisão do régulo do Biombo  e a a rendição do de Tor.

Teixeira  Pinto mandou construir quatro postos militares: Bor, Bijemita, Safim e Biombo.

A Guiné estava pacificada e, mais do que isso, ficava unificado o "enclave" que os Franceses sempre esperaram vir um dia a pertencer-lhes, fomentando para isso a hostilidade dos guineenses, como vimos. 

A coluna foi dissolvida em 17 de agosto de 1915. Teixeira Pintio bem mereceu, portanto, a estátua  lhe foi erguida  numa das colinas de Bissau por ele conquistada. Tal só aconteceu pela sua energia excecional, determinação e raro conhecimento do modo de ser dos nativos, que permitiu dominá-los por vias apropriadas e pouco acessíveis  à guerra clássica" (Bessa, 2004, op cit, pp. 269/270),

(Seleção, revisão / fixação de texto, edição: LG)


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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26503: Historiografia da presença portuguesa em África (466): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte I ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 502, 4 de Outubro de 1915, pp. 447/448)