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sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26399: Notas de leitura (1765): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Se pretendermos sintetizar os acontecimentos deste período, é imperioso lançar um olhar sobre a política da I República que é pautada por movimentos revolucionários, uma sucessão de ministérios, enfim, instabilidade, que se repercute com as nomeações para Bolama; a nomeação de Andrade Sequeira é coincidente com o rol de queixas quanto a Teixeira Pinto e Abdul Indjai, sobretudo este é acusado de barbaridades, roubos, raptos e intimidações em série; Andrade Sequeira informa o Ministério de que Teixeira Pinto tinha como braço direito este torcionário; irão suceder-se os governadores, haverá mesmo um inquérito a Andrade Sequeira, cresce a instabilidade nos Bijagós, houvera um grave incidente em Bor, Portugal já está em guerra com a Alemanha, irão não só acentuar-se as dificuldades económicas e financeiras , os negociantes alemães têm os seus bens apresados, vem aí um tempo de grandes dificuldades.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10)

Mário Beja Santos

1915, o ano que é dado como o da pacificação da Guiné continental, conhece a polvorosa em Portugal. O general Pimenta de Castro é encarregado de organizar um Ministério, entretanto redobra a agitação republicana, há um movimento revolucionário que provoca largas centenas de mortos, o presidente Manuel de Arriaga é obrigado a demitir-se; virá João Chagas, que era embaixador em Paris, convidado para formar Governo, mal entra em Portugal sofre um atentado, fica gravemente ferido; em junho, Norton de Matos é o novo ministro das Colónias, irá nomear Andrade Sequeira para governador da Guiné (como o leitor estará recordado a sua primeira nomeação fora recusada pelo Senado).

Chega a Bolama numa altura em que já tinham terminado as operações de Bissau, é no rescaldo destas que se irão viver na Guiné conturbados e complexos tempos. Ao considerar que estavam detidos vários Grumetes sem razão fundada, Andrade Sequeira não via razão para eles serem julgados em tribunal de guerra, e os acusados foram enviados para Bolama, medida que deu contestação; os Grumetes, segundo uma petição que chegou ao governador, dizendo que este queria amnistiar gente que se juntara aos Papéis para atacar os europeus e os seus haveres. O protesto era subscrito também por vários funcionários da colónia; o governador irá demiti-los ou suspendê-los. Mas, entretanto, houve uma chacina de Papéis em Bor, praticada por Abdul Indjai e a sua gente, o régulo de Intim terá sido barbaramente assassinado, bem como membros da sua comitiva. Os comerciantes de Bissau pediam ao governador que tomasse providências para salvar os Papéis que eram barbaramente assassinados por estes auxiliares de Abdul. Em novembro, o governador informa o ministro da situação na província, resultante das operações que tinham sido realizadas em Bissau, sob o comando de Teixeira Pinto. Os comerciantes e residentes em Bissau tinham pedido a manutenção deste capitão e escrito ao ministro nesse sentido.

Andrade Sequeira escreve que “a designação de Grumete é dada na Guiné a todos os indígenas cristãos que são, na sua grande maioria, oriundos da raça Papel. São os Grumetes os indígenas que mais têm assimilado a nossa civilização, e são eles também que exercem todas as artes e ofícios, e ocupam vários empregos públicos. Muitos dedicam-se ao pequeno comércio, e pequena cabotagem, e alguns há que são abastados de proprietários, importantes e acreditados comerciantes”. E o governador informa o ministro que era público e notório, terminada a guerra de Bissau, que os auxiliares de Abdul continuavam a praticar toda a casta de violências, extorsões, roubos, assassinatos, saqueavam tudo. Os Grumetes estavam impedidos de se deslocar a Bissau. E mais informava o governador que iria fazer a ocupação militar do território, dá instruções rigorosas aos auxiliares que só poderiam afastar-se dos postos com ordem do comandante, os Papéis poderiam construir as suas tabancas.

Na mesma carta ao ministro dava-lhe conta do que tinha pretendido fazer na ilha de Bissau em 1914; que os Grumetes, representados pela Liga Guineense, haviam pedido insistentemente que não houvesse guerra, considerava que tinha sido péssimo e desastroso esta guerra de 1915, ainda por cima com uma composição de três oficiais, dos quais um era médico, seis praças europeias e 35 soldados indígenas, apoiados por 2 mil irregulares de Abdul Indjai, considerava que com esta proporção de irregulares era materialmente impossível disciplinar e fazer obedecer os auxiliares. “Foi o Abdul que bateu Bissau e que nós fomos, apenas, os seus modestos auxiliares. O governador lamentava ter sido um francês de nascimento e bandido de profissão a prestar serviços à província ‘por seu próprio interesse’”. E juntava documentos que atestavam as irregularidades e as arbitrariedades que Abdul praticara ao longo do tempo. Nesta mesma carta ao ministro, Andrade Sequeira está ciente das dificuldades em apear Abdul, ele ainda goza de popularidade e escreve: “É indispensável tolerá-lo, mas é forçoso desarmá-lo, restringir-lhe a supremacia e não lhe permitir que, impunemente, pratique toda a série de crimes, barbaridades e vandalismos.”
Seguiria esta política desde que obtivesse a anuência do ministro.

Armando Tavares da Silva cita uma informação do administrador de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, enviada a Andrade Sequeira, em síntese: Abdul era oriundo do Senegal, antigo negociante ambulante, tinha exercido comércio de permuta com os indígenas da Costa de Baixo, tinha sido preso pelo régulo dos Manjacos por abusos cometidos, dele se vingou em 1914; um dia desgostou-se das suas ocupações e armou-se em guerreiro, veio viver para a região de Geba, onde cometeu abusos, coadjuvado pela gente que o acompanhava, o que obrigou o comandante militar de Geba a prendê-lo e depois enviado para S. Tomé, de onde regressou em 1908 amnistiado pelo príncipe Luís Filipe, o governador Muzanty não o queria deixar entrar, cedeu ao pedido do régulo Abdulai do Xime; Abdul esteve ao lado de Oliveira Muzanty na guerra com Badora e Cuor, continuaram os abusos, chegou a apresentar-se em Bafatá com mais de oitenta homens armados; trata-se de um esclarecimento longo, cheio de referências a roubos e humilhações de toda a ordem, Calvet Magalhães confessa mesmo que tinha reprovado a decisão do governador Oliveira Duque para a nomeação de Abdul como régulo do Oio, a carta também refere a escravatura que Abdul exercia sobre os desgraçados que apanhava nas guerras.

Vão seguir-se audições de Teixeira Pinto, inumeradas as acusações e é o próprio Andrade Sequeira que incrimina o capitão; há uma participação judicial sobre Teixeira Pinto e Abdul Indjai, Andrade Sequeira manda abrir inquérito sobre o desaparecimento de um processo que implicava Teixeira Pinto, segue-se nova inquirição, Teixeira Pinto vai respondendo aos quesitos, quem coordena o processo é o vice-almirante Brito Capello que concluirá não haver nenhum facto concreto que determinasse procedimento contra o capitão.

Em 1916, temos novo ministro das Colónia, António José de Almeida, Andrade Sequeira abandona a Guiné, em 10 de março Portugal está em guerra com a Alemanha. Surgem problemas nos Bijagós relacionados com a cobrança de impostos, reconheceu-se a impossibilidade de cobrar imposto. Regressado a Lisboa, Andrade Sequeira pede ao ministro um rigoroso inquérito a fim de se averiguarem vários abusos praticados na colónia e que ele documentara nos seus relatórios. O inquérito é entregue a Manuel Maria Coelho, um oficial que foi o primeiro governador-geral de Angola no regime republicano. O relatório deste é absolutamente demolidor quanto ao comportamento do governador Andrade Sequeira, e conclui mesmo que a obra do capitão Teixeira Pinto na Guiné tinha sido tão fecunda em benefícios para a colónia e em glória para Portugal como nefasta foi a obra do governador Andrade Sequeira.

Iremos ver agora o período de 1917 a 1919 marcada por desacatos em Canhabaque, a governação interina de Manuel Maria Coelho, haverá novo governador interino, Ivo Ferreira, e a segunda presença de Josué de Oliveira Duque à frente dos destinos da Guiné, e, no tropel dos acontecimentos, Sousa Guerra também será nomeado governador da Guiné.


Armando Tavares da Silva
Régulo Mamadu Sissé, colaborador de Teixeira Pinto nas operações de Bissau, fotografia de Domingos Alvão, tirada durante a I Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934
Aldeia Mancanha, 1910
Terra Ardente (1960, documentário realizado por Augusto Fraga, pertence à Cinemateca Portuguesa, com a devida vénia

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 10 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26385: Notas de leitura (1764): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Achei por bem fazer uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos na Guiné entre 1910 (chegada de Carlos Pereira, 1.º governador da República) até ao fim das operações de Teixeira Pinto, depois dos seus êxitos na ilha de Bissau. É um dos momentos mais controversos da história desta colónia, não aparecem documentos que explicitamente culpabilizem dirigentes da Liga Guineense em termos de agitarem os Grumetes e os Papéis contra a política do governador; o defensor dos acusados, o Dr. Loff de Vasconcelos, irá escrever um opúsculo arrasador, dando Teixeira Pinto como conivente com os crimes e pilhagens praticados pelos irregulares de Abdul Indjai em toda a ilha; como sabemos, governadores irão, a partir da década de 1920, procurar a glorificação do capitão Teixeira Pinto, e há qualquer coisa de escandaloso em não dar voz aos argumentos expostos por Loff de Vasconcelos. E como acontece nestas cenas de comédia à portuguesa, os acusados, resolvido a contento do Governo o problema da ilha de Bissau, foram libertos, embora silenciados pela História. Somos verdadeiramente peritos nestas lavagens, deixamos a verdade a bom recato.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Oficial, até ao virar do século e depois (9)

Mário Beja Santos

Convém proceder a uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos entre 1910 e 1913. Carlos Pereira é o 1.º Governador da República, envia um relatório de extrema importância o Ministro da Marinha e Ultramar, surgiu a Liga Guineense que mostra propósitos de fazer propaganda de instrução e promete trabalhar para o progresso e desenvolvimento da Guiné Portuguesa; há desacatos em Cacheu, a organização militar e a Marinha sofreram alterações, foram demolidas as muralhas de Bissau e chega um novo Chefe do Estado-Maior, o Capitão João Teixeira Pinto, depois de observar o terreno lança-se em operações no Oio; a circunscrição de Geba, então qualquer coisa como um sexto do território da Guiné, o administrador Vasco Calvet de Magalhães, que também apoiou as operações de Teixeira Pinto, procede a um conjunto de obras, com destaque para a estrada de Bafatá para Bambadinca; é tempo de concessões, surgiu o entusiasmo pela agricultura, mesmo gente da classe média aboletada em Bissau ou Bolama quer ter a sua propriedade no campo; começam as acusações a um colaborador direito de Teixeira Pinto, Abdul Indjai; segue-se o estranho caso da nomeação de Andrade Sequeira para governador para substituir Carlos Pereira e a sua rejeição pelo Senado; entretanto, Teixeira Pinto é enviado a Cacine, onde houvera sublevação, faz-se acompanhar por centenas de auxiliares de Abdul Indjai; parecendo que ficara pacificado o território da Costa de Baixo, ocorre em fevereiro de 1914 um acontecimento de extrema gravidade, que irá originar novas operações militares. O alferes Manuel Pedro tinha saído de Porto Mansoa com o pelotão de polícia rural do seu comando, foi atacado por Balantas, o alferes morre bem como três cabos. Teixeira Pinto segue para Bissorã e Mansoa, teve que alterar os seus planos, volta à circunscrição de Cacheu a vim de submeter aqueles povos. Conhecedor da morte do alferes Pedro avança em direção a Basserel, é apoiado pela lancha canhoneira Flecha, depois de atravessar uma mata serradíssima, a coluna encontra a paliçada que defendia a tabanca, a coluna foi atacada pelos Manjacos, segue-se um fogo intensíssimo, os Manjacos têm bastantes mortos, e a coluna sofreu também seis mortos.

Tem bastante importância o relatório que Teixeira Pinto enviou a Andrade Sequeira, chama a atenção para a insuficiência das guarnições, estas careciam, todas somadas de 760 soldados. Teixeira Pinto escolhe novos régulos para a Costa de Baixo, e diz ao governador que o problema fulcral era a educação do gentio. Antes de parir, Andrade Sequeira nomeara Abdul Indjai tenente de 2.ª linha. Em maio de 1914, chega novo governador, Josué de Oliveira Duque, que prontamente decide uma operação para castigar os Balantas, de novo o comando da coluna é confiado a Teixeira Pinto. Este tece um plano de seguir para Bula, aí concentraria as forças, passaria até Bissorã e daí para Porto Mansoa; numa segunda fase, pensa passar para a margem esquerda do rio Mansoa e bater todos os Balantas entre este rio e o de Geba, até ao Impernal, ocupando Nhacra onde ficaria estabelecido o posto militar.

Teixeira Pinto para com 600 irregulares, chega a Binar, marcha em direção a Paxe, é, entretanto, atacado, mas o inimigo repelido, destrói depois várias povoações e regressa a Binar. Os rebeldes não desarmam, mas são repelidos pelas forças de Abdul. A força obtém a ajuda de Mancanhas como carregadores. E chegam notícias de que os Balantas estão a fazer uma grande reunião, o que se revela verdade. Teixeira Pinto vai agindo em três frentes, o inimigo vê-se forçado a retirar, irá sofrer muito com o fogo das canhoneiras. Encurtando razões, nos dias seguintes os Balantas atacam, sem êxito. Chegou a hora das negociações. Mas vai começar a segunda fase das operações na margem esquerda do rio Mansoa. Teixeira Pinto regressa a Bolama, havia que tratar da ocupação militar dos territórios batidos, faltava apenas bater a região dos Papéis de Bissau, Teixeira Pinto mantém-se na Guiné até outubro e depois segue para Lisboa, mas logo em novembro é determinado que regressa à Guiné para servir numa nova comissão. Abdul Indjai dá que falar, veio de Lisboa em missão de inspeção extraordinária como inspetor da fazenda das colónias, pede informações ao governador Oliveira Duque e a Teixeira Pinto, este parece tomar partido a favor de Abdul, o governador Josué Duque parte e chega Andrade Sequeira. A missão que viera de Lisboa emitiu o parecer de que o Oio devia ser desanexado e ficar como comando militar independente. Teixeira Pinto vai sempre defendendo Abdul, dizendo que este sofria o ódio do administrador da circunscrição de Cacheu.

Regressado de Lisboa, é preparada a operação na ilha de Bissau. O que se passa antes das operações ainda não está devidamente claro, os dirigentes da Liga Guineense tudo fazem para que não se empregue a força das armas, afirmam que os Grumetes e os Papéis se irão submeter e entregar as armas, apela-se mesmo ao ministro das colónias para evitar a campanha, afirma-se que os habitantes da ilha de Bissau se comprometiam a pagar os impostos que legalmente fossem devidos. Desenvolve-se, entretanto, uma campanha de ameaças e de intrigas entre Abdul e outros chefes de guerra, como Mamadu Sissé. O governador está do lado de Teixeira Pinto, é a favor das operações, alega a falta de cumprimento de todas as promessas feitas, competia ao ministro ordenar a cessão dos preparativos ao mandar executar as operações, o ministro limita-se a deixar ao critério do governador a resolução final. O governador reúne o conselho administrativo da província que unanimemente apoia as operações, assim estas se vão desenrolar, estão amplamente documentadas, é, no entretanto, que se dá a prisão de alegados responsáveis pela resistência dos Grumetes e Papéis, gente que fazia parte da Liga Guineense, Oliveira Duque procede à sua dissolução, responsabiliza-a pelo estado de permanente hostilidade por parte dos indígenas de Bissau.

É aqui que Armando Tavares da Silva abre um parenteses para recordar o movimento de 14 de maio de 1915, um conflito ocorrera entre o Governo e boa parte das Forças Armadas, mas as causas reais residiam na oposição do Exército na entrada de Portugal na guerra. Na madrugada de 19 para 20 de janeiro de 1915, um grupo de oficiais revolta-se reclamando o regresso dos oficiais transferidos às suas unidades de origem. Dirigem-se para a Presidência da República, são travados no caminho, protestam entregando as suas espadas, sendo seguidamente presos. Segue-se o movimento revolucionário de 14 de maio, que se irá estender por todo o país. João Chagas, que era embaixador em Paris, é chamado para formar Governo, mas pouco depois de entrar em Portugal sofre um atentado, ficando gravemente ferido. Peripécias atrás de peripécias, em junho Norton de Matos é ministro das Colónias, nomeia-se novamente Andrade Sequeira para governador da Guiné, toma posse em 25 de agosto de 1915. Vão agora aparecer as acusações contra Teixeira Pinto.


Armando Tavares da Silva
Vista das instalações fabris da Sociedade Comercial Ultramarina, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Navio Alger carregado de madeira, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Em Bissorã, festa com dança pela captura de armamento ao PAIG, pela CART 1525, na Operação RUA, no dia 01/02/1967, e no dia 3, nos arredores de Bissorã. Apreensão importante que motivou a deslocação àquela Vila do Governador, General Arnaldo Schulz. Imagem retirada do historial da CART 1525, com a devida vénia

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 3 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26342: Notas de leitura (1760): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (8) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 9 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26365 Notas de leitura (1762): "Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação": apresentação do prof Joop de Song, Simpósio Internacional "Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal", Praia, Cabo Verde, 9 de setembro de 2024

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26364: S(C)em comentários (55): O fantasma do "capitão-diabo" (João Teixeira Pinto) e o "djubi" que, na fortaleza do Cacheu, de costas voltadas, não está a pensar no futuro-mais-que-perfeito, mas no presente mais comesinho e mais premente: o que é que eu vou comer hoje ao almoço… (Luís Graça)

 



Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > Estátua desmantelada do cap inf João Teixeira Pinto (o "capitão-diabo"), agora na fortaleza do Cacheu. Fotograma do vídeo do Carlos Silva, "Guiné-Bisssau, Estatuária" (2020) (7' 01") 


 
1. O nosso camarada Carlos Silva, que conhece bem o território, de antes e depois da independência, pôs, em 2020, à nossa disposição um vídeo sobre a estatuária colonial portuguesa na Guiné e as suas "andanças" desde 1974 (vd. a sua página, Jumbembem, no You Tube).

A estátua do Teixeira Pinto fora erguido em Bissau,  no Alto do Crim, parque municipal (atual Largo da Assembleia Municipal). É da autoria de Euclides Vaz (Ílhavo, 1916 - Lisboa, 1991) e deve ter sido executada emf inais dos anos 50/princípios dos anos 60.

A estátua, em bronze, desmantelada, encontra-se há muitos anos, ao ar livre, no forte do Cacheu, que funciona, infeliz e vergonhosamente, como uma espécie de caixote do lixo da presença histórica dos portugueses na Guiné.

É pena, porque, quer queiramos ou não, temos uma história comum, e só podemos ganhar, uns e outros, os portugueses e os guineenses, se soubermos construir pontes ligando o passado, o presente e o futuro, Está na altura de fazermos as pazes com o passado... E o passado deve ser explicado aos nossos filhos e netos. Essa pedagogia histórica está por fazer.

2. Ao jovem guineense que, na imagem acima, aparece de costas para a estátua, desmantelada, do "Capitão-Diabo", eu diria o seguinte:

"Que adianta, 'djubi', virares as costas ao passado, ou seja,  à História ?...Não terás futuro se não souberes aprender as lições do passado e do presente... Percebo a tua postura: não tens direito ao sonho,  estás a pensar,  não no futuro-mais-que-perfeito,  mas no presente mais comesinho e mais premente: o que é que eu vou comer hoje ao almoço… 

Que Deus, Alá e os bons irãs te protejam!"...  Luís Graça
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Nota doo editor:

Último poste da série > 7 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26358: S(C)em Comentários (54): "Fui saneada em 17 de abril de 1975 do Hospital da Força Aérea que ia abrir em janeiro de 1976" (Maria Ivone Reis, ex-maj enfermeira paraquedista, 1929-2022)

Guiné 61/74 - P26361: O nosso livro de visitas (226): João Maria da Cruz Teixeira Pinto, bisneto do João Teixeira Pinto (1876-1917): o único descendente masculino vivo, em linha reta, do antigo aluno, nº 144/1888, do Colégio Militar, "o Pinto dos Bigodes"




Guiné > Bissau > c. 1943 > Busto do cap Teixeira
Pinto (1876 - 1917). Fonte: "Guiné Portuguesa. Album Fotográfico", 1943. Coleção de fotografias de Amândio Lopes. Cortesia de Armando Tavares da Silva (*).



João Teixeira Pinto, maj inf (1876 - 1917)

Foi aluno, nº 144/1888, do Colégio Militar, onde era conhecido pelo "Pinto dos Bigodes", antes de ingressar na Escola do Exército em 1897, cujo curso de infantaria irá concluir em 1899, (**)



1. Mensagem do nosso leitor, João Maria da Cruz Teixeira Pinto, investigor e professor do Instituto Superior Técnico / Universidade de Lisboa:


Data - 7 jan 2025 13:35

Assunto - Pequena correção


Caro Luis Graça


Quero começar por felicitá-lo e à sua equipa pelo excelente trabalho de recolha de testemunhos e informações sobre experiências vividas durante
a  guerra colonial na Guiné no blog "Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Apesar da minha ascendência e do ambiente familiar da minha juventude, onde me lembro que estes assuntos eram frequentemente falados, estou muito afastado destes temas (sou Matemático, professor e investigador do Instituto Superior Técnico), tendo chegado ao vosso blog através do meu querido primo Pedro Lauret com quem tenho uma relação próxima desde criança.

Ao explorar o vosso blog deparei-me com um artigo antigo, já de 2007, incluindo a contribuição do meu primo afastado A. Teixeira Pinto na página

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/03/guin-6374-p1614-o-capito-diabo-heri-do.html

Além de manifestar o meu apreço pelo vosso trabalho,  gostaria apenas de, e apesar da antiguidade do referido artigo, fazer uma observação relativa a referir-se ao Capitão João Teixeira Pinto como antepassado de A. Teixeira Pinto. 

Na realidade, no sentido mais estrito do termo "antepassado",  trata-se de uma incorrecção que eu passo a detalhar. 

De facto, descendentes vivos do referido militar só há dois, eu próprio e a minha prima Maria Margarida Teixeira Restani Pinto. 

O Capitão João Teixeira Pinto apenas teve um filho, também ele chamado João Teixeira Pinto, tal como o meu pai e eu próprio, o qual foi também oficial mas em artilharia, tendo chegado ao posto de coronel. 

Por curiosidade, refira-se que, na 1ª Guerra Munidal o meu avô lutava na Flandres ao mesmo tempo que o meu bisavô lutava em Moçambique onde encontrou a morte em 1917. 

Aquele, por sua vez, teve dois filhos, a minha tia Maria Judite Teixeira Restani Pinto, mãe da minha prima atrás referida, e o meu pai, João Teixeira Pinto, também atrás referido. 

Refira-se que este último foi o meu único ascendente masculino em pelo menos 6 gerações que não abraçou a carreira militar, tendo sido médico veterinário. Por sua vez este teve dois filhos, a minha irmã Maria João Teixeira Pinto que
faleceu ainda criança, e eu próprio.

Disponho de alguma documentação e, principalmente, muitas chapas fotográficas, já que o meu bisavô era entusiasta da fotografia levando
sempre atrás de si nas campanhas um volume considerável de material fotográfico.

Termino com os meus desejos de que prossigam o vosso bom trabalho.

Com os meus cumprimentos,

João Maria da Cruz Teixeira Pinto

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, prof João Teixeira Pinto,  pelo seu apreço  pelo trabalho da nossa equipa na partilha de informações, conhecimentos, memórias, vivências, afetos, etc., relacionados com a guerra da descolonização da Guiné (1961/74)... E onde, naturalmente, cabem o passado, o presente e o futuro da presença histórica lusófona nesta parte de África.

É, justamente, nessa medida, que falamos aqui também de ilustres militares como o seu bisavô, o major inf João Teixeira Pinto (Moçâmedes, Angola, 1876 — Negomano, Moçambique, 1917). Sobre ele temos mais de 80 referências no nosso blogue (capitão Teixeira Pinto).

De facto, e em rigor, no sentido estrito do vocábulo, o meu amigo (e ilustre colega que  se irá jubilar, presumo eu, em 2028) é o único descendente, masculino, em linha reta, do 
"nosso" João Teixeira Pinto, filho de outro "africanista" do mesmo nome João Teixeira Pinto ("Kurica", leão, em língua cuamata), pai do seu pai... Todos eles de nome João Teixeira Pinto. 

Fica aqui feita a "pequena coreção" que nos pede, "por mor da verdade" e para os demais efeitos que forem devidos.

Fica, desde já convidado, a utilizar este espaço para divulgar alguma da,  julgo que inédita,  documentação fotográfica do seu ilustre bisavô. Aproveito também para saudar o seu primo Pedro Lauret, que é um membro histórico da nossa Tabanca Grande, e que em hora lhe falou do nosso blogue.  (***)

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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 8 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21747: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (80): busto do capitão Teixeira Pinto, em Bissau, c. 1943 (Armando Tavares da Silva)

(**) Vd. "João Teixeira Pinto, antigo aluno, 144/1888, o Pinto dos Bigodes". Zacatraz - Revista da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, nº 192, jul / set 2013, pp. 23-26.

(***) Último poste da série > 10 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26137: O nosso livro de visitas (225): Jaime Portugal, ex-alf mil, CART 6251/72 (Catió e Cabedu, 1972/74)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26342: Notas de leitura (1760): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Permitam-me que insista neste aspeto: ler o Boletim Official da Província da Guiné nesta época tem extrema utilidade para se entender que a Guiné passou a ter atrativos comerciais, a sua legislação harmoniza-se tendencialmente com a da metrópole,os conteúdos são marcadamente burocrático-administrativos, só episodicamente se plasma no documento oficial que há conflitos interétnicos, que o Oio/Morés continua inexpugnável, etc. Chega Carlos Pereira, ele irá confessar ao ministro que encontrou a administração num caos e que a causa republicana tinha na Guiné um peso modestíssimo. Escreve isto um mês depois de lá chegar, em novembro de 1911. O seu tempo de governação, inevitavelmente, conheceu hostilidades entre indígenas, uma epidemia de febre amarela, vai aparecer o Capitão Teixeira Pinto nomeado como chefe do Estado-Maior, empreenderá uma campanha no Oio com sucesso, foi criada a Liga Guineense, que muito dará que falar por se ter oposto às tropelias e roubos praticados pela trupe de Abdul Indjai, sobretudo na Península de Bissau. A muralha de Bissau irá desaparecer, Teixeira Pinto terá sucesso no Oio e será condecorado. A colonização da Guiné parece avançar, Carlos Pereira virá a ser substituído por José António de Andrade Sequeira, que não aquecerá o lugar. Nesta altura já há inúmeras queixas contra Abdul Indjai.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século e depois (8)

Mário Beja Santos

Carlos Pereira, o 1.º governador do regime republicano, toma posse a 23 de outubro e a 17 de novembro envia o seu primeiro ofício confidencial sobre a situação administrativa e política da província ao ministro da Marinha e das Colónias.

É um relatório bem desassombrado, diz ter encontrado a administração da província num verdadeiro caos, está a procurar obstar a abusos e ilegalidades, tem como objetivo o saneamento moral e todos os problemas vitais da economia. Diz ter encontrado muito poucos republicanos e muitos vira-casacas. Falando do problema orçamental da Guiné, classifica-o como ingovernável, o orçamento fora organizado no estertor da monarquia, promete apresentar soluções positivas e práticas para a província. Visita depois Bissau, ouve as queixas dos republicanos, e mais tarde viaja para Cacheu e Farim. É logo confrontado no regresso a Bolama com um processo levantado pelas autoridades judiciais contra o ex-governador Oliveira Muzanty, queixa apresentada por Graça Falcão, homem que Carlos Pereira classifica “sem escrúpulos e sem moral”. Em fevereiro de 1911, têm lugar episódios de hostilidade entre os indígenas, os Baiotes tinham atacado os Mancanhas junto do posto fiscal de S. Domingos, o novo governador não quis envolver-se em campanhas militares.

Havia um problema crónico de mão de obra para S. Tomé que passava por pedidos insistentes à Guiné. Carlos Pereira logo apurou que era enorme a relutância dos naturais da Guiné em se expatriar, quer evitar perturbações e descontentamentos, não deu seguimento aos pedidos de Lisboa.

Entretanto, a Guiné é abalada por uma grave epidemia de febre amarela, virão médicos de Cabo Verde, a Guiné só será considerada limpa em agosto, mas a epidemia voltou no final do ano, permanecerá até 12 de janeiro. Em julho de 1911, o governador aprova os estatutos da Liga Guineense, foi criada numa assembleia de nativos da Guiné e entre as suas finalidades tem a de fazer propaganda da instrução de estabelecer escolas em toda a província, e de trabalhar na medida das suas forças para o progresso e desenvolvimento da Guiné. Nesse mesmo ano iriam realizar-se eleições para a Câmara dos Deputados e Conselho Colonial, nos quais a Guiné tinha um representante. O nome mais estimado vindo de Lisboa era o de António da Silva Gouveia. Algo Carlos Pereira terá feito para lhe assegurar a eleição, pois foi enviada ao ministro uma exposição apresentando várias queixas contra Carlos Pereira, exposição apresentada por 92 nativos da Guiné, incluindo na exposição havia a queixa da transferência do capitão médico Francisco Regalla, chefe do serviço de saúde, era o único médico na capital, não se entendia a sua transferência para fora da capital. A queixa será arquivada em janeiro de 1912.

Em setembro de 1911, um violento temporal meteu ao fundo em Bissau a canhoneira Flecha, morreram quatro praças de marinhagem e dez indígenas, o comandante, José Francisco Monteiro, acabou por ser salvo exausto de forças. O tenente Monteiro conseguiu um verdadeiro milagre de pôr a Flecha a flutuar. Nos inícios de 1912, aquando da cobrança do imposto de palhota, deram-se vários desacatos da circunscrição de Cacheu, os indígenas da povoação de Jobel envolveram-se em tiroteio com a canhoneira Zagaia e o vapor Capitania. O Residente de Cacheu, contrariando a opinião geral dos habitantes, atacou Jobel e foi forçado a retirar-se, abandonando cinco mortos, mas incendiaram cem casas. Em meados de fevereiro, os Balantas de Binhone tinham assassinado um comerciante francês. O governador reconheceu a necessidade de ir pessoalmente à região. Há tiroteio, o governador regressa a Bissau e organiza uma forte coluna de Grumetes, retorna-se a Binhone que é destruída e queimada.

Aproveitando esta onda de resultados, o governador decidiu seguir para Cacheu para pôr na ordem os Felupes que tinham atacado a Zagaia, obrigando-os a fugir.

Mas os desacatos prosseguiram na região Felupe, voltam a ser batidos e incendiadas as povoações. A paz provisória será estabelecida em finais de maio. É durante a governação de Carlos Pereira que teve lugar a demolição da muralha de Bissau do lado confinante com a antiga povoação dos Grumetes, ligando o baluarte da Balança ao fortim de Pidjiquiti. A demolição desta muralha, que tinha três metros de altura, veio a originar alguns protestos no comércio e receio da população por temerem o ataque dos Papéis. A demolição decorreu sem qualquer incidente.

Em setembro de 1912, chega um novo Chefe do Estado-maior à Guiné, o capitão João Teixeira Pinto, que traz aura do serviço prestado em Angola. Vai dedicar-se ao estudo da ocupação e pacificação da província; cedo conclui que este processo se deveria iniciar pela ocupação das regiões de Mansoa e Oio, isto devido aos efeitos sob a economia da província e até prestígio das forças militares. Conversa com o chefe de guerra Abdul Injai e fica com a convicção que os subordinados era gente arrojada que poderia empregar como auxiliares. O administrado de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, pôs-se à disposição de Teixeira Pinto para o acompanhar com toda a gente que pudesse levantar da região. Fica acordado com o governador em que se estabelecesse um posto em Porto Mansoa, elemento-chave para fazer o cerco à região do Oio. Teixeira Pinto disfarça-se de inspetor da Casa Soller e atravessa o Oio de Mansoa a Farim e de Farim a Mansoa, observando toda a região. Conclui então que, sendo o ataque pelo lado de Farim impossível, ele só podia ser feito pelo lado de Geba-Gussará ou Mansoa-Bissorã. Como se ia estabelecer um posto em Mansoa, e ao norte de Morés todas as tabancas eram Soninqués, opta por este percurso. Mas estava gravemente doente, teve de se recolhera Bolama.

Carlos Pereira apercebeu-se que os Grumetes não queriam fazer parte da coluna que seria comandada por João Teixeira Pinto, a Liga Guineense também não mostrou disponibilidade. Teixeira Pinto aproveitou os irregulares de Abdul Indjai e pediu apoio ao administrador de Geba. Os ataques ao Oio começam no dia 1 de abril, haverá episódios de hostilidade até maio, sentir-se-ão muitas dificuldades: Ao chegar ao território do Oio os carregadores fugiram, caiu uma chuvada torrencial, atacou-se a tabanca de Cambaiu, ficou destruída, entrou-se no Morés, gente de Mansabá apresentou-se a pedir paz, procedeu-se à construção do posto em Porto Mansoa, prendem-se rebeldes, estava feita a submissão dos Balantas do Oio, Teixeira Pinto contou não só com o apoio de Vasco Calvet Magalhães como da lancha-canhoneira Flecha. Carlos Pereira saldou o acontecimento, foi criado o comando militar de Bissorã, Carlos Pereira pede a concessão a Teixeira Pinto da medalha de ouro de valor militar, ele será galardoado com a medalha de ouro da classe de serviços distintos pelos atos heroicos praticados como comandantes das forças que operaram nas regiões de Mansoa e Oio. Adiante, dar-se-á a exoneração de Carlos Pereira, virão seguidamente dois governadores que se irão suceder em tropel, José António de Andrade Sequeira e José de Oliveira Duque.


Armando Tavares da Silva
Governador Carlos de Almeida Pereira (o primeiro governador da República), 1910-1913
Demolição das muralhas de Bissau, em 1913

(continua)
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Notas do editor

Post anterior de 27 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26319: Notas de leitura (1758): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (7) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 30 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26327: Notas de leitura (1759): "Lavar dos Cestos, Liturgia de Vinhas e de Guerra", por José Brás; Chiado Books, 2024 (3) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26087: O nosso livro de visitas (224): Gonçalo Silva, bisneto do Comandante Jerónimo, que comandou a Canhoeira Salvador, gostaria de obter ainda mais informações acerca do seu bisavô, que combateu na batalha de Negomano onde Teixeira Pinto perdeu a vida



A canhoeira "Pátria", em 1903, no Tejo (Fonte; Museu da Marinha). Cortesia de Wikipedia


1. Mensagem de Gonçalo Silva, bisneto do Comandante Jerónimo, que comandou a Canhoeira Salvador, com data de 9 de Outubro de 2024:

Caro Professor,

Sou bisneto do meu Bisavô Jerónimo e sei que foi comandante da canhoneira Salvador, e combateu no Rovumo onde o Capitão Teireira Pinto perdeu a vida.[1] [2]
Ainda comandou a Canhoneira Pátria, no Chinde e Macau.

Infelizmente a pouca documentação e a sua morte prematura, julga-se alzeimer ou efeitos da malaria.

Tenho recolhido com dificuldade alguma documentação, a sua espada e outras e uma fotografia da Canhoneira Salvador que julgo única!

Fica aqui o meu contacto muito gostariamos de juntar ainda mais informação, destes verdadeiros herois pois combateram Paul Emile Lettow, um dos mais astutos militares alemães.[3]

O meu bisavô só teve um filho Manuel Bivar (Eng. António Manuel Vahia Neves Weinholtz de Bivar) primeiro engenheiro electrotécnico do IST, fundador da Rádio e TV em Portugal.
Anedota curiosa: em Março de 1937 esteve em Berlim com a minha Avó para discutir as ondas rádio União Europeia de Radiodifusão, a minha Avó muito alta e dura (ao contrário do avô engenhocas mais baixo), ficou no jantar ao lado do Goring (filho do governador alemão africano) contava que disse que os portugueses e o sogro combateram as tropas alemãs do Lettow até ao final da guerra.

Cumprimentos,
Gonçalo Silva
gcorneliodasilva@hotmail.com

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Notas do editor

[1] - Vd. Wikipédia: João Teixeira Pinto

[2] - Vd. Academia Militar - In Memoriam João Teixeira Pinto

[3] - Vd. Wikipédia: Paul Emil von Lettow-Vorbeck

Último post da série de 1 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P25997: O nosso livro de visitas (223): Nelson Quintino Lage, Soldado Condutor Auto da CPM 2537, através do Formulário de Contactos

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26077: Notas de leitura (1737): Notícia de um conflito interétnico sangrento na ilha de Bissau, em 1931 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Feitas as contas ao quadro de hostilidades que o Governador Soares Zilhão vai punir, temos uma guerra sangrenta na Península de Bissau que vitimou sobretudo Mancanhas, e das averiguações feitas apurara-se que os Grumetes tinham extravasado competências, procedimento inaceitável para a potência colonial soberana, e daí a dureza dos castigos, para serem exemplares. Estávamos em 1931, a pacificação de Canhabaque chegará em 1936, tudo leva a crer que há uma mudança radical de atitudes e já com a governação de Ricardo Vaz Monteiro e fundamentalmente com a política do desenvolvimento aplicada pelo comandante Sarmento Rodrigues, tirando a ilha de Bissau do seu isolamento.

Um abraço do
Mário



Notícia de um conflito interétnico sangrento na ilha de Bissau, em 1931

Mário Beja Santos


Continua ativa uma certa historiografia que responsabiliza integralmente a potência colonial pelo acirramento dos conflitos interétnicos, fazendo tábua rasa de que antes da chegada dos portugueses toda a região tinha os seus reinos com as suas permanentes hostilidades, agressões, rapinas e arrebanhamento de escravos; simultâneo à chegada da presença portuguesa nessa difusa região a que se chamou Senegâmbia, assistia-se à desagregação do Império do Cabo, que foi acelerada por esses mercadores portugueses (mais tarde vieram concorrentes espanhóis, holandeses, franceses e britânicos); as regras do mercado foram completamente alteradas, os mercadores evitavam envolver-se em conflitos interétnicos. Há também outra acusação de que, com a consolidação da ocupação e pacificação, os portugueses dividiam para reinar, estavam do lado dos Fulas e antagonizavam os Balantas, por exemplo.

Nada disto em termos históricos pode ser visto a preto ou branco. E nada como pegar num acontecimento, tirar a prova dos nove de que os conflitos interétnicos existiram ao arrepio da estratégia colonial.

No suplemento ao Boletim Oficial n.º 39, de 1931, o Governador João José Soares Zilhão, com a data de 20 de outubro faz publicar a seguinte portaria:

“É do conhecimento público que esta colónia foi sobressaltada pelo desencadear em Bissau de uma desordem gravíssima entre as tribos Papel e Mancanha, cujas povoações se aglomeram nos subúrbios da cidade de Bissau e seus arredores até ao sítio de Bissauzinho, cobrindo assim aproximadamente a metade Este da ilha de Bissau, que agricultam em conjuntos com algumas povoações Balantas, que não intervieram diretamente nos acontecimentos.

É igualmente sabido que parte da ilha de Bissau a Oeste do Bissauzinho, incluindo esta povoação, se conservou perfeitamente submissa e ordeira, respeitando deste modo, como devia, as autoridades. Do domínio público é também que, a seguir às desordens sangrentas de 27, 28 e 29 de setembro, os estado de sítio da ilha de Bissau organizou no mesmo dia uma repressão sistemática da grave perturbação da desordem que rebentou em 27, atingiu o ponto agudo em 29 que, apesar das medidas de coação tomadas pelo corpo de Polícia de Bissau, causou a morte a numerosos indígenas, sobretudo da tribo Mancanha, entre os quais inocentes mulheres e inocentíssimas crianças, que foram vítimas de única circunstância de pertencerem a uma tribo, com a qual andava, havia muito tempo, de rixa a tribo dos Papéis.

Não pode ignorar-se nem desconhecer-se a perturbação política e económica, que tal alteração de ordem veio causar, fazendo gastar os serviços das colunas de polícias e auxiliares Fulas, dinheiros deveriam ser aplicados a fins úteis do fomento da colónia e à assistência do indigenato, assistência que este Governo sempre manteve cuidadosamente, pelo organismo de curadoria, que é chefiado pelo Diretor dos Serviços e Negócios Indígenas.

Do conhecimento público é ainda que nos motins e assassínios de setembro intervieram vários indígenas assimilados, conhecidos pela designação de Grumetes, já instigando direta ou indiretamente os Papéis já agindo pessoalmente nos ataques à arma branca contra os Mancanhas.

Ora, o facto de indígenas há muito sujeitos ao domínio português resolverem dirimir entre eles estas questões para cuja resolução existem os Tribunais Indígenas de 1.ª Instância, presididos pelos administradores e o Tribunal Superior funciona na direção dos Serviços e Negócios Indígenas, representa um desrespeito gravíssimo das leis nacionais e um atentado contra a ordem interna da colónia. E os indígenas sabem-nos muito bem porque à administração soberana recorrem – e têm recorrido sempre, para a resolução de casos graves e até de outros fúteis.

Mas, se a ignorância de indígenas num estado ainda bárbaro pode perceber-se, a intromissão numa rixa gravíssima (como foi a que se produziu em setembro) de elementos assimilados, os Grumetes, que tudo devem à nação dominadora, desde o vestuário europeu que aprenderam a usar, até à instrução que recebem das várias escolas desta colónia, representa a mais formidável deslealdade e a mais descaroável ingratidão possíveis para com a Mãe Pátria.

E tais Grumetes administravam justiças em indígenas em suas propriedades ou concessões, intrometiam-se em questões indígenas, exercitando atos de procuradoria e advocacia, que só competem naturalmente, ao diretor dos Serviços e Negócios Indígenas e respetivos agentes. Assim, pois, cometiam atos de clara indisciplina contra a leis e regulamentos nacionais, como se prova das averiguações agora levadas a efeito.”

E postos um conjunto de considerandos o Governador expulsa da Guiné e deporta para a colónia de S. Tomé e Príncipe por uma certa quantidade de anos régulos e chefes de povoação e assimilados, de acordo com a listagem que aqui se publica.

Escusam de me perguntar se tão dura sentença foi por diante, ou até se houve comutação das penas; o que prova esta decisão do Governador Zilhão é que diferentes tribos na ilha de Bissau pretendiam um claro espaço de autodeterminação que a potência colonial jamais podia tolerar E escusado é lembrar que a Península de Bissau tem um longo histórico de hostilidades a quem vivia dentro da fortaleza e das muralhas da vila. O que nos leva a perguntar o que foi efetivamente a pacificação da Península de Bissau feita pelo capitão João Teixeira Pinto, em 1915.


Uma imagem muito antiga
Outra imagem muito antiga de Bissau
Aviação do antigamente na Guiné, imagem restaurada, Casa Comum/Fundação Mário Soares
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Nota do editor

Último post da série de 21 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26065: Notas de leitura (1736): Regresso a um clássico da historiografia guineense: A questão do Casamansa e a delimitação das fronteiras da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25659: Historiografia da presença portuguesa em África (428): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (7) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Deu-me grande satisfação reler esta obra, a primeira e única História da Guiné, isto a despeito de algumas sínteses que lamentavelmente não têm merecido a devida ênfase, como as de Alberto Banha de Andrade e José da Silva Horta e Eduardo Costa Dias, por exemplo, isto para já não falar no trabalho de Teixeira da Mota, no âmbito de uma monografia de 1954, que continua a ser um trabalho de referência. João Barreto era um médico tropicalista, com o posto de capitão, trabalhava nos serviços de saúde em Bolama, ao fim de 12 anos de Guiné veio para Lisboa, aqui escreve a sua História da Guiné. Revela dedicação e esforço documental. É evidente que aos olhos de hoje são facilmente detetáveis as lacunas e imprecisões, ainda não havia no seu tempo o vasto reportório das literaturas de viagens, nomeadamente dos séculos XVI e XVII, veio depois ao de cima a documentação constante no Arquivo Histórico Ultramarino sobre o período de Cacheu, mas vê-se que trabalhou afincadamente para nos dar uma imagem diacrónica da nossa presença, nunca escondendo que foi ténue até ao século XIX, que a metrópole para ali mandava o rebotalho social para as praças e presídios, que demorou tempo demais a adaptar a economia findo o comércio negreiro. E mais do que a título de curiosidade, vamos agora conhecer a sua obra de médico em Bolama.

Um abraço do
Mário



João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (7)

Mário Beja Santos

Data de 1938 a História da Guiné, 1418-1918, com prefácio do Coronel Leite Magalhães, antigo governador da Guiné. Barreto foi médico do quadro e durante 12 anos fez serviço na Guiné, fizeram dele cidadão honorário bolamense. Médico, com interesses na Antropologia e obras publicadas sobre doenças tropicais, como adiante se falará.

Já estamos sob o regime republicano, é nomeado o Segundo-Tenente Carlos Almeida Pereira, a Guiné mostra entusiasmo pelo novo regime, irá criar-se a Liga Guineense destinada a promover ideais republicanos. Dar-se-ão alterações, decorrentes do que se modificara nos Códigos Civil e Penal, nas relações da Igreja com o Estado, na reforma ortográfica, até no descanso semanal. Ocorre em maio de 1911 uma epidemia de febre amarela, será considerada extinta no mês de julho seguinte. Carlos Pereira revela-se muito ativo, serão derrubadas as muralhas de Bissau, é feito um contrato com uma empresa britânica para a construção da ponte-cais de Bissau em cimento armado, etc.

Mas as sublevações não dão descanso às autoridades de Bolama. Em 1913, Teixeira Pinto inicia campanhas não só na ilha de Bissau, como em Mansoa, Bissorã e Oio. A última fase acontecerá em 1915, uma coluna de operações contra os Papéis de Bissau, acontecimento que dará imensa controvérsia, serão muitas as queixas de gente lesada com os atos de rapina e destruições perpetradas pelas tropas irregulares de Abdul Indjai, a Liga Guineense critica abertamente Teixeira Pinto, será extinta.

O primeiro conflito mundial abala a economia da colónia, inicialmente, pelo adiante será superada a depressão com o aumento de receitas públicas. Uma nota curiosa deixada na obra de Barreto é esta informação: “Convém acentuar que as operações militares dirigidas por Teixeira Pinto não trouxeram grandes encargos ao tesouro, visto que o emprego dos auxiliares indígenas restringiu consideravelmente as despesas, e estas foram pagas em parte pelos espojos tomados às tribos rebeldes, ao contrário do que aconteceu com as outras campanhas anteriores e posteriores.” E, mais adiante, Barreto observa que o fim da Grande Guerra coincidiu com o fim da ocupação completa de todos os territórios da Guiné, estavam criadas as condições para o seu completo desenvolvimento político, social e económico.

Um ponto curioso desta obra é o capítulo exclusivamente dedicado à atividade militar de João Teixeira Pinto na Guiné. Importa reproduzir o que ele escreve:
“A obra de ocupação completa do território realizada por Teixeira Pinto compreende quatro campanhas: a primeira, de abril a agosto de 1913, contra o gentio de Oio; a segunda, de janeiro a abril de 1914, contra os Papéis e Manjacos de Cacheu; a terceira, de maio a julho, contra os Balantas de Mansoa e finalmente a última, contra os Papéis de Bissau, de maio a agosto de 1915.” Tece comentários acerca do estratagema que ele adotou para conhecer a região de Oio e como se socorreu dos auxiliares de Abdul Indjai e da colaboração de Fulas e Mandingas, caso do régulo Mamadu Sissé, dá-nos conta da pacificação de Cacheu e Costa de Baixo, é minucioso no detalhe, incluindo no relato sobre a derrota dos Papéis de Bissau.

Os três últimos capítulos da obra de Barreto são dedicados à administração da Justiça, às missões religiosas e às finanças. Faz o historial da administração da Justiça a partir do século XV, no final de 1876 começa propriamente a autonomia dos serviços judiciais da Guiné, haverá magistrados em Bolama e em Bissau. Em fevereiro de 1930, o território da Guiné foi desdobrado em duas comarcas, diploma não executado; e em 1933, a sede da comarca da Guiné foi transferida de Bolama para Bissau, “baseado no parecer do Conselho Superior Judiciário, dada a circunstância da quase totalidade do movimento judiciário pertencer à cidade de Bissau e à área da sua influência.”

O capítulo sobre as missões religiosas terá dado seguramente trabalho a João Barreto, ele faz a cronologia dos bispos da Ribeira Grande, da atividade da Companhia de Jesus, como se procurou recuperar o espírito missionário depois da Restauração; os primeiros anos da República foram desfavoráveis ao espírito missionário, mas a partir de 1919 o Governo autorizou a fundação de um estabelecimento católico para a formação de pessoal das missões religiosas. A situação só se inverterá a partir da Ditadura Nacional, a ação dita civilizadora das missões será uma realidade.

Depois de escalpelizar as finanças e a fiscalidade da colónia, entende João Barreto pôr uma nota final onde diz que o presente trabalho é o primeiro livro que pretende abranger todo o passado histórico da província da Guiné, “a nossa terceira colónia em extensão territorial e recursos naturais”. Despede-se do leitor resumindo a história política da Guiné onde ele considera haver cinco períodos. No primeiro, abrangendo cerca de dois séculos, vai de 1446 até à Restauração, 1640 – não houve ocupação territorial nem representantes da Autoridade Real, os Rios da Guiné foram considerados como simples anexo e prolongamento da capitania e Governo de Cabo Verde. O período seguinte compreende também perto de dois séculos que decorrem desde a fundação da capitania de Cacheu até 1834, ano em que a administração da colónia foi centralizada em Bissau. O terceiro período vai de 1834 até à constituição do Governo autónoma da Guiné, em 1879. Começa este período com a ação desenvolvida por Honório Pereira Barreto para a ocupação pacífica do território, e caracteriza-se sobretudo pelas grandes tensões com os franceses no Casamansa e com os ingleses em Bolama. O quarto período decorre de 1879 até 1918, é a fase da ocupação militar, sustenta-se uma luta quase permanente em todos os pontos do território, e quase sempre com falta de recursos. E, por último, a época contemporânea já com a pacificação completa do território.

Finda a apreciação da História da Guiné de João Barreto, vamos agora dedicar atenção à sua obra científica, que incide fundamentalmente nas doenças tropicais e no seu contributo para a antropologia.

Rua de São José, na região da Alfândega, em Bissau, na década de 1890, fotografia da época
Imagem da fortaleza de Cacheu, 2005
Monumento aos heróis da pacificação de Canhabaque, imagem retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, fotografia de Francisco Nogueira, Edições Tinta-de-China, 2016, com a devida vénia
Primeiras instalações do Banco Nacional Ultramarino em Bissau
Ações militares-navais de pacificação realizadas pela Marinha na Guiné
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Nota do editor

Último post da série de 12 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25635: Historiografia da presença portuguesa em África (427): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (6) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25635: Historiografia da presença portuguesa em África (427): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (6) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Interrogo-me amiudadas vezes quais as razões de fundo que levam a que a investigação histórica não tenha produzido, nas últimas décadas, uma História da Guiné, suscetível de suprir as lacunas do trabalho de João Barreto, face a revelações decorrentes de investigações em arquivos nacionais, pelo menos. Sente-se à vista desarmada que a Guiné Portuguesa requer uma investigação multinacional, logo o contexto da Senegâmbia e os impérios e reinos que se depararam ao comércio exercido pelos portugueses entre o Cabo Verde e a Serra Leoa, têm sido sobretudo os historiadores senegaleses quem têm produzido mais investigação, com a qual não convivemos; há, por outro lado, uma história comum entre as ilhas de Cabo Verde e estes pontos da Costa Ocidental Africana não só por causa do tráfico humano mas também pela presença comercial cabo-verdiana e as suas migrações para o que é hoje o Senegal e a sua inserção na administração pública portuguesa, do século XIX até à independência. Continuamos confinados à documentação existente no Arquivo Histórico Ultramarino e em bibliotecas de prestígio, como a da Sociedade de Geografia de Lisboa. Parece-me que chegou o tempo de os lugares universitários que se dedicam a estudos africanos encontrarem um entendimento e a formação de equipas a nível nacional e que daí saiam propostas para investigar em articulação com, pelo menos, Cabo Verde, Senegal e Guiné-Conacri. É neste amplo espaço que ganhará, estou seguro, uma maior clarificação sobre a presença portuguesa na região desde meados do século XV até à independência da Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário



João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (6)

Mário Beja Santos

Data de 1938 a História da Guiné, 1418-1918, com prefácio do Coronel Leite Magalhães, antigo Governador da Guiné. Barreto foi médico do quadro e durante 12 anos fez serviço na Guiné, fizeram dele cidadão honorário bolamense. Médico, com interesses na Antropologia e obras publicadas sobre doenças tropicais, como adiante se falará.

Caminha-se para o final do século XIX, depois do desastre de Bolor determinou-se a criação do Governo autónomo da Guiné, naturalmente acompanhada de autonomia administrativa própria de uma província independente, com efetivos militares autónomos e com uma orgânica de serviços públicos. O primeiro governador, Agostinho Coelho, assina tratados relativos à região do Forreá, mas o clima de lutas interétnicas é de enorme gravidade. O aspeto curioso é que as relações entre os portugueses e os Biafadas, até à segunda metade do século XIX, se tinham pautado por tranquilidade e havia bom acolhimento feito a comerciantes portugueses e estrangeiros. A chegada em força dos Fulas trouxe permanentes confrontos, cresce o número de chefes revoltados. As pontas e os lugares de comércio ao longo do Rio Grande de Buba, que eram em grande número, foram desaparecendo, a presença da Força Armada portuguesa era um mero paliativo. Em 1880, iniciou-se a revolta dos Fulas-Pretos contra os senhores do Forreá, estes Fulas-Pretos pediram auxílio a senhores que viviam na Guiné Francesa e também nas margens do rio Geba. Só em 1882, dadas as hostilidades entre os indígenas e Buba é que foi organizada uma coluna que veio a intimidar o régulo Bacar Guidali, este pediu para fazer as pazes, paz de pouca dura; entretanto, começavam as desavenças entre os chefes locais, como escreve Barreto:
“Mamadu Paté, de Bolola, querendo ser régulo do Forreá, declarou guerra a Guidali, com auxílio do chefe Iaiá, de Kadé. Bacar Guidali fugiu para a praça de Buba, diz-se que faleceu envenenado. A defesa do território do falecido régulo foi confiada a seu irmão, Mamadu Paté Coiada. Não podendo, porém, resistir à superioridade numérica dos seus inimigos, Coiada fugiu para o Cantanhez e dali para Bolama, irá estabelecer-se no Gabu. Com a derrota da família Guidali, o régulo Iaiá reforçou a sua soberania no Forreá. No final do ano de 1886, foi assinado em Buba um tratado entre Iaiá, rei do Forreá, Labé, Gabu e Kadé e o nosso governo. Paz temporária.”

O segundo governador foi Pedro Inácio de Gouveia, é um período de sucessivas operações militares: em Jabadá, Nhacra, tabancas da zona de Ziguinchor, entre outras. Criou-se uma alfândega de direção única em Bolama, com delegações em Bissau e Cacheu. O Boletim Oficial passara a ser uma publicação regular a partir de 1880. O terceiro governador, Francisco de Paula Barbosa, foi confrontado com sublevações na região de Geba, com a revolta dos Fulas-Pretos, houve que proceder a campanhas em Geba e Bissau, a hostilidade dos Papéis só terminou em 1892, também tranquilidade de pouca dura.

Barreto descreve a nova organização administrativa da colónia, a nova revolta dos Papéis, em 1894, as primeiras tentativas para a cobrança do imposto de palhota, o regresso da agitação no Forreá, as guerras de Oio e Caió, a chegada de um governador que deixou marca, Júdice Biker, em 1900. E o autor lembra como não foi fácil a delimitação da fronteira luso-francesa, que se prolongou até 1905, e que ficou definitivamente regularizada já nos anos 1930. Outro nome que deixará marca na governação é Oliveira Muzanty, chegado a Bolama em 1906, tempo em que a província foi dividida em um concelho e seis residências: o concelho de Bolama compreendia, além desta ilha, todo o arquipélago de Bijagós e os territórios de Quínara e Cubisseque; as residências eram Cacheu, Farim, Geba, Cacine, Buba e Bissau. Muzanty é confrontado com a sublevação do régulo Biafada do Cuor, com apoio de outros régulos, procurava-se impedir a navegação do Geba e cortar as relações comerciais com Bissau. Esta sublevação levará à constituição de uma força militar como nunca se vira na Guiné, vieram tropas da metrópole e de Moçambique, depois de uma série de combates o régulo Infali Soncó fugiu e o regulado foi oferecido a um colaborador, Abdul Indjai.

Mas houve mais operações militares, Barreto elenca os locais e as forças que repuseram a ordem. Ainda no tempo da monarquia, em 1909, chega novo governador, o Capitão Francelino Pimentel, o seu governo foi pouco acidentado, passou maior parte do tempo em Lisboa, entretanto Portugal mudou de regime. Curiosamente, Francelino Pimentel, nomeado durante a monarquia, logo que teve conhecimento da implantação do regime republicano em Portugal mandou publicar no Boletim Oficial a seguinte proclamação: “Cidadãos! Está proclamada a República em Portugal e seus domínios e vai ser arvorada neste momento solene a Bandeira Nacional, símbolo da Pátria e da conquista das Liberdades Públicas. Saudemos com entusiasmo tão feliz acontecimento e unamo-nos todos pela sua prosperidade. Viva a Pátria! Viva a República! Viva a Liberdade!” Não obstante a estes protestos de fidelidade, o Governo provisório da República nomeou novo governador, Carlos de Almeida Pereira. Será notória a atividade desenvolvida por este, a legislação colonial iria sofrer profundas alterações, isto a despeito de um acontecimento imprevisto ter flagelado a colónia em maio de 1911, uma epidemia de febre amarela. A maior parte dos funcionários públicos abandonou Bolama, só ficaram alguns corajosos e o governador da colónia. A doença foi considerada extinta no mês de julho.

Dá-se a reorganização dos serviços, que Barreto enuncia meticulosamente: nas Obras Públicas, na Agrimensura, nos Correios e Telégrafos, na Instrução Pública, na Agricultura e Pecuária. Época em que se publicou o Regulamente de Circunscrições Civis. A província foi dividida em dois concelhos (Bolama e Bissau) e sete circunscrições administrativas com sedes em Bafatá, Cacheu, Farim, Buba, Cacine e também em Bolama e Bissau.

Mas outros acontecimentos também foram dignos de nota: a demolição da muralha que cercava a vila de Bissau; o contrato com uma empresa britânica para a construção da ponte-cais de Bissau em cimento armado, como escreve Barreto no seu livro editado em 1938, “ainda hoje representa na Guiné a mais importante obra de engenharia e apetrechamento económico”. É nesta governação que o Capitão João Teixeira Pinto iniciou o seu plano de pacificação da colónia, o governador e chefe de Estado-Maior divergiam sobre a escolha de processos para alcançar o objetivo que ambos procuravam.

E chegamos ao derradeiro capítulo desta obra, em finais de dezembro de 1913 era nomeado governador Andrade Sequeira e seguidamente substituído pelo coronel de artilharia Josué de Oliveira Duque, é tempo de conflitos, a Primeira Guerra Mundial teve os seus impactos na Guiné, dão-se as campanhas de Teixeira Pinto, Barreto desenvolve um amplo capítulo sobre as missões religiosas e os serviços públicos, assim chegaremos a 1918, termo da publicação, será esta a matéria do último texto que dedicaremos à primeira e única História da Guiné que foi há poucos anos alvo de uma edição fac-similada, por vontade de um neto de João Barreto, Aires Barreto, com o apoio do historiador Valentino Viegas.

Trata-se da única fotografia que se conhece do médico João Barreto, imagem que me foi amavelmente concedida pelo historiador Valentino Viegas aquando do lançamento o opúsculo que lhe dedicou o seu neto Aires Barreto

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 5 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25606: Historiografia da presença portuguesa em África (426): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (5) (Mário Beja Santos)