
Queridos amigos,
Dir-se-á que o acontecimento dominante de 1913 foi a campanha do Oio envolvendo o comando do capitão João Teixeira Pinto, teve os seus êxitos, digamos que temporários, mas a presença portuguesa em Mansoa, Mansabá e Bissorã tornou-se mais visível, reduziram-se os ataques. Oliveira Duque, à semelhança de outros governadores, lançará quesitos aos administradores coloniais e comandantes militares, pretende ter para seu uso uma radiografia de pendor etnológico e etnográfico, mas também como suporte económico. Um seu antecessor, Carlos Pereira, tivera procedimento semelhante, irá produzir um livro sobre a Guiné, redigido em francês, apresentado numa reunião internacional, quando se lê tal obra, sente-se prontamente que ele soube ler a documentação que lhe foi enviada. O busílis, para quem investiga, é que a generalidade destes relatórios não foi publicado no Boletim Official, no caso do meu trabalho, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, tenho tido o acesso a relatórios que estão na secção dos Reservados, mas são pouquíssimos, e grande parte deles chegaram por via dos descendentes; posso admitir que há outro acervo documental até maior no Arquivo Histórico Ultramarino. O sucessor de Carlos Pereira viu a sua nomeação anulada pelo Senado, está para se perceber porquê.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1913 e 1914 (31)
Mário Beja Santos
É só no mês de agosto que dá conhecimento público da atividade do capitão João Teixeira Pinto. No Boletim Official n.º 33, de 16 de agosto, publica-se uma portaria do seguinte teor:
“Tendo-me hoje sido presente pelo chefe de Estado-Maior, comandante da coluna móvel da polícia às regiões do Alto Mansoa e Oio, o relatório dessas operações;
Considerando que dos feitos realizados, já muitos do domínio público e constatados agora em toda a sua evidência pelo referido relatório, se mostra que a heroica ocupação das mencionadas regiões foi levada a cabo pelo esforço, valentia e pertinácia do seu comandante, João Teixeira Pinto, secundado brilhantemente por alguns dos seus colaboradores e subordinados;
Considerando que as recompensas, a que os julgo com direito, não são da minha competência;
Considerando, porém, desde já pública e oficialmente, devo deixar consignado preito da minha homenagem pelos serviços prestados à província e ao país; serviços que estou certo foram tomados na consideração que merecem por sua excelência o ministro das colónias, a quem vou propor as recompensas que julgo de justiça;
Hei por conveniente:
Louvar o capitão de Infantaria, João Teixeira Pinto, pelo atos heroico praticados como comandante de uma diminuta força de tropas regulares, apoiada por uma pequena força de auxiliares, que operou nas regiões de Mansoa e Oio, conseguindo estabelecer, apesar da grande resistência do inimigo, um posto militar, repelindo com toda a energia os diferentes ataques que lhe foram feitos, e obrigando-o a aceitar a nossa autoridade, entregando o seu armamento e fazendo o pagamento do imposto e, bem assim, pela valentia, valor e coragem inexcedíveis e atos de verdadeiro heroísmo com que levou a cabo o estabelecimento de um posto militar em Mansabá (capital do Oio), submetendo à obediência aqueles povos considerados invencíveis e tendo para isso de tomar debaixo de fogo violentíssimo dezasseis tabancas de guerra, onde o gentio bem armado e municiado se defendeu corajosamente devido à sua enorme superioridade numérica, considerando, depois de inúmeros trabalho e perigos, quebrar o valor guerreiro do já lendário Oio.”
Segue-se uma lista de louvores a outros intervenientes, tenentes de Infantaria e da Marinha, Vasco Calvet de Magalhães, um 2.º sargento da 1.ª companhia indígena de Infantaria e o 1.º cabo das secções de Artilharia; os louvores estendem-se ao comandante da canhoneira Flecha e seus colaboradores.
Estamos em 1914 e no Boletim Official n.º 28, de 11 de julho, outro governador, José de Oliveira Duque, que sucedeu a Andrade Sequeira, promulga uma portaria onde se diz o seguinte:
“Hei por conveniente, atendendo à conveniência de ter as regiões ultimamente batidas pela coluna de operações a Cacheu submetidas a um regime militar, determinar que essas regiões constituam o comando militar de Basserel, com os limites: ao Norte, o rio Cacheu; a Oeste, o rio Cacheu; a linha que passa por Capó, Pacau e Mata de Cacheu (que ficam pertencendo a Cacheu), rio de Cacheu e Oceano; a Sul pelo canal de Caió, canal entre as ilhas de Jata e Pecixe, canal entre a ilha de Pecixe e canal continental de Mantambua, rio de Mansoa até rio Baboe; a Leste, pela região dos Brames de Gó, Brame Grande e Naga, compreendendo as regiões de Churo, Biange, Cubiane, Jol, Pantufa, Pelundo, Costa de Baixo, Canhoba, Tame, Bugulha, Cajegut, Caió, Jata, Basserel e povos Felupes com três postos militares, um em Basserel, sede do comando, um em Churo e outro em Caió e que o comandante militar fique com todas as atribuições de administrador da circunscrição, ficando as regiões que compõem este comando militar desanexadas das circunscrições de Cacheu e Bissau.”
Em portaria seguinte, é também constituído o comando militar de Nhacra.
No Boletim Official n.º 33, de 15 de agosto, e na sequência de procedimentos anteriores de governadores que pretenderam saber por meio de inquéritos os usos e costumes dos indígenas guineenses, o governador Oliveira Duque envia uma circular aos administradores das circunscrições e comandantes militares justificando que é conveniente, para difundir o mais possível o conhecimento desses usos e costumes, que podem ser muito diferentes de região para região, reuni-los num só diploma, determinando a todos a quem dirige a circular que procedam no prazo máximo de dois meses a conscienciosa investigação desses usos e costumes, tendo em vista especialmente estes pontos concretos: a raça ou raças que habitam a área da sua jurisdição, se tais raças são aborígenes ou imigrantes, qual a sua organização social e política, se existe respeito pelos velhos, como se procede com os delinquentes, qual o valor dos contratos que celebram, quais as relações destes povos com a vizinhança, se são guerreiros ou pacíficos, como se constitui a família, que formalidade e festas precedem o nascimento, se praticam as cerimónias do fanado, como se considera a mulher em geral, se há cuidados especiais com a mulher grávida, quais as formalidades que precedem ao casamento, se o adultério é frequente, quais as cerimónias que se têm com os mortos, quem administra a propriedade da família, qual a religião que professam; e este rol de quesitos estende-se ao vestuário, a possíveis indústrias à construção de habitação, à dança, canto e música, à existência de instituições escolares, à natureza da alimentação, as práticas agrícolas, quais os géneros coloniais existentes, quem se dedica à agricultura, quais os principais utensílios de uso doméstico…
E termina assim a portaria:
“Além destes quesitos deverá cada um, segundo o seu bom critério, ocupar-se de quaisquer outros não mencionados, que julguem dignos de menção especial, tendo em vista que nenhum, por insignificante que pareça, pode considerar-se sem valor para o fim que se tem em vista, o conhecimento mais completo possível da vida, usos e costumes, enfim do modo de ser especial dos indígenas da província.”
Pede-se às autoridades que obtenham exemplares autênticos de todos os artigos (armas, utensílios, instrumentos diversos, vestimentas e outros quaisquer) fabricados pelos indígenas da região, bem como amostras dos diferentes produtos da mesma região, a fim de, em Bolama, poder organizar-se um mostruário, ou museu provincial, que muito pode contribuir para difundir o conhecimento das aptidões especiais dos mesmos indígenas.
Acontecimento insólito: o nomeado governador interino José António de Andrade Sequeira vê a sua nomeação anulada no senado, anulação ratificada pelo presidente Manuel de Arriaga
A vida dos governos da I República era cada vez mais precária
Mandingas, Guiné, 1910
A cabeleireira, Guiné, 1910
Porto de Bafatá, 1910
(continua)_____________
Nota do editor
Último post da série de 9 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26668: Historiografia da presença portuguesa em África (474): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 e 1912 (30) (Mário Beja Santos)