
Queridos amigos,
Só lamento que tenham sido publicadas três "radiografias" aos quesitos apresentados pelo governador Carlos Pereira ainda em 1910, ele pretendia que em todos os lugares da administração lhe fornecessem elementos para ele conhecer não só aos povos da Guiné, a sua economia, as vias de comunicação, ter alguns dados precisos sobre a etnografia e a etnologia, por exemplo. Cacheu, Buba e Bissorã, de modo diferenciado, responderam. O tenente Ramos da Silva de Bissorã, vê-se que procurou oferecer ao governador mais do que era pedido. E publica-se também uma nota de louvor de uma expedição para castigar Balantas e Baiotes de que não há qualquer referência no Boletim Official, é por isso que acho que fiz bem em conjugar referências ao Boletim Official com o vastíssimo acervo documental recolhido por Armando Tavares da Silva no Arquivo Histórico Ultramarino.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 e 1912 (30)
Mário Beja Santos
A singular iniciativa do governador Carlos Pereira, pouco tempo depois de chegar a Bolama, em enviar às autoridades da administração então existente um conjunto de requisitos que, todos conjugados, lhe poderiam oferecer a gravura real da colónia vista do lado do colonizador, não teve, infelizmente, a sequência desejada. Vimos anteriormente que responderam Cacheu e Buba, só detetei no suplemento n.º 3 ao Boletim Official n.º 21, de 27 de maio de 1911, o relatório sobre a região de Bissorã, escrito pelo tenente de Infantaria Viriato Ramos da Silva, que abaixo se sintetiza.
Começa por dizer que os habituais habitantes de Bissorã eram descendentes de Balantas cruzados com gente do Oio, onde outrora estivera estabelecida a tabanca Bissorã. Não podendo resistir às constantes correrias dos Oincas, viram-se os de Bissorã na necessidade de fugir para a margem esquerda do rio Armada, em território de Balantas. O espírito irrequieto dos Soninqués do Oio e o ódio profundo que estes votavam aos Balantas seria a causa primária de frequentes desaguisados por suporem que os de Bissorã acolhiam os que iam roubar ao Oio. E dentro desta apreciação sobre a ancestralidade de Bissorã, o tenente Ramos da Silva observava que das três primitivas famílias que se estabeleceram na região descendiam dos atuais habitantes.
E mais comentava o relator que dias antes do estabelecimento do posto de que ele era comandante tinham os de Bissorã sido atacados duas vezes consecutivas, mas infligido grande derrota aos inimigos que eram representantes de quase todas as tabancas do baixo Oio. Insiste-se que se pode dizer que todos descendem de Balantas cruzados com gente do Oio. Mouros e Soninqués falam a língua Mandiga, os primeiros não bebem, os segundos são bebedores. Mandigas e Soninqués vivem juntos na mesma tabanca separadamente.
E vai dissertar sobre nascimentos, funerais, crenças e superstições. Dirá que durante o tempo que dura a aleitação o homem não faz vida comum com a mulher, compete ao pai pôr o nome às crianças. Nos funerais, os Balantas e os Soniqués costumam dar tiros para o ano consoante a grandeza do morto. É usual os Soninqués rapar o cabelo em sinal de luto. A viúva entre os Mandigas veste-se de branco durante três meses. No que respeita a crenças e superstições, os habitantes de Bissorã, como em geral todo o preto, é extremamente supersticioso. E observa que os mouros têm um verdadeiro horror ao Inferno, e faz uma apreciação cultural dizendo que os mouros conhecem algumas constelações.
Lança-se seguidamente numa descrição sobre a fauna e a flora. Quanto a animais ferozes apenas regista o lobo e a hiena. Refere depois antílopes, o gato bravo, a lebre, o porco espinho, os javalis, os ratos de palmeira, macacos de diversas qualidades. Não esquece obviamente as cobras. E quanto à variedade de insetos elenca a formiga cadáver, a bagabaga, moscas e mosquitos, abelhas e libélulas. Na lista de aves inclui: o jagudi, o milhafre, o falcão, grande variedade de rolas, pombos verdes, galinha do mato, chocas, melros, periquitos, papagaios, andorinhas, mas diz também que a lista é mais extensa. Na fauna aquática a sua lista é composta pelo cavalo-marinho e pelo jacaré-lagarto. Mais ampla é a listagem dos peixes, começando pelo bagre, a ventana e a tainha.
Passando para a flora, elenca: bissilão, pau-carvão, sibe-palmeira, farroba e as árvores da borracha. Não esquece as árvores de fruto, logo a laranjeiro, o limoeiro e a papaeira. Lembra que uma parte da riqueza guineense assenta na palmeira e na mancarra. Passando para os cereais, logo as diferentes qualidades de arroz, o milho, inclui nos tubérculos a batata-doce, a mandioca e o inhame. Disserta sobre as plantas tintureiras e as plantas medicinais. Falando da horta que se fez no seu posto, alega se semearam: couve, nabiça, chicória, feijão, batata, rabanetes, tomate e alface; o observa que talvez por serem velhas as sementes, as couves não deram resultado. Dá informações sobre as vias de comunicação: não há estradas na região, a principal via de comunicação é o rio da Armada ou de Bissorã. Quando é necessário levar correspondência ou mensagens por portador esclarece que a pé são três horas até Mansoa e para Bissau são precisos dois dias.
Estamos chegados a 1912 e no suplemento ao Boletim Official n.º 7, com data de 17 de fevereiro, a União Colonial Portuguesa anuncia a realização de um congresso colonial e para o efeito envia um questionário abrangendo os diversos aspetos que a moderna ciência colonial aconselha a debater, apelando à colaboração e participação e ao envio de memórias, comunicações ou teses. E estabelece oito secções para estes trabalhos. A primeira abrange a geografia física e económica, a geografia médica (quais as localidades das nossas colónias que oferecem condições para o estabelecimento de sanatórios), etnologia e etnografia; a segunda secção prende-se com o comércio e indústria, agricultura, vias de comunicação, pautas aduaneiras e navegação; na 3.ª secção temos a sociologia colonial (esclarece-se a definição da condição jurídica dos indígenas não civilizados, quais as melhores soluções para a política indígena na Guiné, quais as vantagens das missões científicas na cultura da raça negra); a 4.ª secção abarca a instrução pública, missões, colonização, regime penal. Trabalho e regime das terras; a 5.ª secção é referente às questões militares (há a possibilidade de ocupar pacificamente a colónia da Guiné?); a 6.ª secção é referente a finanças, banca, crédito predial e agrícola e regime tributário; a 7.ª secção compreende a administração geral, questões jurídicas e questões constitucionais; e por último a 8.ª secção tem a ver com a história da colonização. Procurei até agora sem sucesso a documentação alusiva a este congresso colonial que a União Colonial Portuguesa pretendia empreender.
O Boletim Official n.º 12, de 23 de março de 1912, informa que o encarregado do Governo achou por conveniente louvar os oficiais e as praças constantes de uma relação que vem em anexo pelo valor e disciplina manifestados durante as operações levadas a cabo para castigar os Balantas de Binhone e Baiotes de Jobel e Elia. Lista extensa que começa pelos capitães José Carlos Botelho Moniz e Joaquim Simões da Costa, vem depois uma relação de militares europeus e uma extensa lista de soldados da 1.ª e 2.ª Companhia Indígena.
Mandigas de Farim, 1910
Uma rua de Bafatá, 1910
Duas imagens retiradas do site Coleccionar com História, com a devida vénia
Farol da Ponta do Biombo, em 1910
Bissau do antigamente, imagem retirada de Casa Comum/Fundação Mário Soares, com a devida vénia
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 2 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26642: Historiografia da presença portuguesa em África (473): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 (29) (Mário Beja Santos)
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