Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Mostrar mensagens com a etiqueta Missão do Sono. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Missão do Sono. Mostrar todas as mensagens
quarta-feira, 14 de setembro de 2022
Guiné 61/74 - P23616: Historiografia da presença portuguesa em África (334): Personalidades e olhares sobre a Guiné que poucos recordam ou conhecem (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Novembro de 2021:
Queridos amigos,
É um trabalho de paciência que dá os seus frutos, minguados ou curiosos. Não vejo referências ao trabalho científico de Cardoso Júnior, e no entanto ele procedeu a estudos em Cabo Verde e na Guiné que eram admirados pela comunidade científica de então - não valeria a pena recuperar tais trabalhos? Encontrou-se uma comunicação dirigida a dirigentes da comunidade portuguesa, terá sido proferida no ano da publicação do Boletim Geral das Colónias, 1950, deteta-se que havia uma noção do abandono a que fora votada a colónia, o autor disse expressamente que foi preciso esperar pela Restauração para se começar a cuidar daquele território e curiosamente emite opinião de que o desenvolvimento da Guiné se deve inserir no contexto alargado da África Ocidental. Sabe-se como tudo vai mudar, não será preciso um década, mas há opiniões que vale a pena conhecer no ar do tempo em que foram produzidas.
Um abraço do
Mário
Personalidades e olhares sobre a Guiné que poucos recordam ou conhecem
Mário Beja Santos
Uma das dimensões mais fascinantes da pesquisa de materiais a que, de um modo geral, a investigação e a historiografia deixam no silêncio, a encontrar personalidades ou pontos de vista que revelam a injustiça em esquecer cientistas ou trabalhos que acabam por validar o que vem nos documentos factuais. Este preâmbulo vem a propósito de dois textos que encontrei e convosco quero partilhar.
A Coleção pelo Império desempenhou um papel altamente divulgador no tempo da Agência Geral das Colónias, e neste vasta servo monográfico encontramos uma publicação dedicada a João António Cardoso Júnior (1857-1936) [foto à direita], documento escrito por Joaquim Duarte Silva e publicado em 1941. Este distinto cientista e coronel, diplomou-se em Coimbra como Farmacêutico de 1ª Classe e ingressou pouco depois nos Serviços de Saúde de Cabo Verde. Foi encontrar em Cabo Verde e na Guiné campo propicio para estudo e investigações. Estudou a fauna e a flora das duas províncias. O professor Luís Wittnich Carrisso referindo-se aos estudos de Cardoso Júnior na Guiné fá-lo nos seguintes termos: “Tenho conhecimento das colheitas de João Cardoso Júnior, cujo resultados foram publicados na Revista da Sociedade Broteriana. O seu catálogo de peixes colhidos nos mares do arquipélago de Cabo Verde foi classificado como o mais completo que se conhece”.
Teve importantes trabalhos traduzidos em Revistas Científicas estrangeiras, concorreu ao prémio anual D. Luís, da Academia Real das Ciências de Lisboa com o trabalho intitulado Subsídios para a Matéria Médica e Terapêutica das Possessões Ultramarinas Portuguesas, competiu com o sábio Barbosa du Bocage, foi-lhe atribuído um segundo prémio com o parecer da Academia considerando a obra premiada de Cardoso Júnior era valiosa e digna de publicação, como veio acontecer. Os dois primeiros capítulos desta obra prendem-se com terapêutica indígena entre os naturais de Cabo Verde e da Senegâmbia Portuguesa. Com paciência beneditina, elaborou Cardoso Júnior relações nominais de cronistas, historiadores e navegadores que tinham referido às espécies e drogas existentes no Império Português. Em lista longa, refiro André Álvares de Almada que refere o poilão, a cola, a tinta, a laranjeira, o tamarindo, o amendoim, a mangueira, no seu Tratado Breve de 1594. E também o Padre Francisco Álvares que fala do tamarino e das frutas da Guiné na verdadeira informação das Terras do Preste João ou Luís Cadamosto que alude do vinho de palmeira e ao algodão nas Suas Notícias Ultramarinas.
Refiro agora a lição proferida pelo Dr. Fernando Simões da Cruz Ferreira no primeiro Curso de Formação Imperial para dirigentes da Mocidade Portuguesa, vem no Boletim Geral das Colónias, 1950.
Começa por aludir que até 1640 não existiu praticamente ocupação territorial da Guiné, esta não passava de uma dependência de Cabo Verde. Em 1834, a administração da colónia foi centralizada em Bissau, mas só em 1879 é que se constituiu o Governo Autónomo da Guiné, e a primeira capital foi Bolama. Descreve aspetos geográficos por demais conhecidos, mas não deixa de nos surpreender dizendo que a fauna marítima é abundante, o mar é pouco profundo, tem fundos ricos e uma variada fauna marinha, o mesmo se verifica para as rias de água salgada ou salobra e os rios. E diz mais adiante que a assistência médica ao indígena é uma tarefa ingente e dispendiosa para os governos que a empreendem. As afeções dos trópicos tomam frequentemente o caráter endémico ou epidémico, pelo que a profilaxia é da maior importância. A Missão do Combate à doença do Sono ocupa todo o território da Colónia. Falando da instrução diz existir ao tempo doze estabelecimentos ensino oficial e trinta e cinco missionários, com uma frequência de 3000 alunos. Fora recentemente oficializado o ensino oficial.
A Guiné possui 8 associações desportivas. Sublinha que em 1946 tinha sido criado um centro de estudos da Guiné Portuguesa e o seu Boletim Cultural. A Guiné dispunha de 3 aviões que durante a estação seca podiam circular até às sedes de todas as circunscrições. Não havia voos diretos de Lisboa para Bissau, era obrigatório tomar avião de ou para Dacar.
Não deixa de ser interessante ver o que o orador refere sobre o futuro da Guiné, ele fica dependente da qualidade e intensidade de quatro tipo de empreendimentos: defesa das populações contra a doença; desenvolvimento da agricultura, pecuária e indústria; facilidade e regularidade de publicações internas e com o exterior; aproveitamento comercial adequado. Especifica que é preciso melhorar as condições de higiene da população, aumentar a produção de arroz e produtos de exportação com amendoim e o coconote. E usa da maior prudência falando das riquezas florestais: “A percentagem de essências florestais aproveitadas para exploração de madeiras é elevada, acima dos limites estabelecidos pela Convenção Internacional de Proteção Natureza. É uma indústria a desenvolver, desde que se tomem medidas adequadas para um racional repovoamento florestal e se evitem as devastações causadas pelas queimadas”. Não deixa de referir a necessidade de intensificar o tráfego marítimo entre Portugal e a Colónia e a criação de um aeroporto. Por último apela a que as transformações económicas e sociais devam ser resolvidas por técnicos e no contexto geral da África Ocidental.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 7 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23596: Historiografia da presença portuguesa em África (333): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (5) (Mário Beja Santos)
Marcadores:
Beja Santos,
Bolama,
Cabo Verde,
doença do sono,
Guiné,
historiografia da presença portuguesa em África,
Missão do Sono,
Mocidade Portuguesa,
Senegâmbia,
serviços de saúde
segunda-feira, 29 de junho de 2015
Guiné 63/74 - P14806: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte III: O grave acidente com arma de fogo que vitimou o Uam Sambu, do Pel Caç Nat 52, na manhã de 1/1/1970
Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > 1 de janeiro de 1970 > Uma enfermeira paraquedista prepara o moribundo Uam Sambu para a evacuação para o HM 241... O camarada, de costas, com o camuflado todo ensanguentado é o Mário Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52, de acordo com a identificação feita pelo fotógrafo, o Jaime Machado. À saída da Missão do Sono, em Bambadincazinho, o Sambu foi vítima de um grave acidente com arma de fogo que lhe custou a vida. Esta foto, no meu entender, só pode ter sido tirada neste dia, trágico, para todos nós. Em todo o caso, estas legendas são "por nossa conta e risco".
Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > 1 de janeiro de 1970 > Não conseguimos identificar a enfermeira paraquedista que, nessa manhã, a do primeiro dia do novo ano de 1970, veio de DO 27 para tentar salvar o Sambu,,, Em vão, ele irá morrer na viagem... Vamos tentar saber quem era a enfermeira...
Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > 1 de janeiro de 1970 > A DO 27 que no primeiro dia do novo ano de 1970, logo de manhã cedo, veio fazer evacuação do Sambu. Do lado esquerdo, de perfil, vê-se o piloto, com "cara de puto", alferes...
Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > 1 de janeiro de 1970 > Outro pormenor dos primeiros socorros que foram prestados ao Sambu antes de ser evacuado. Era médico do batalhão o Vidal Saraiva. À esquerda do Beja Santos, sob a asa do DO 27, com a mão direita à cintura, em pose expectante, parece-se ser o fur mil enf da CCAÇ 12, o meu amigo João Carreiro Martins, de quem não tenho notícias há uns anos.
Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > 1 de janeiro de 1970 > Um DO 27 a levantar voo, de regresso a Bissau... Pode ser a mesma da foto anterior, como pode ser outra... Tudo indica que esta foto tenha sido tirada noutra altura e noutro lugar. Parece-me ser a pista de Bafatá, avaliar pelo casario ao fundo... (O Jaime Machado diz-me que que é Bambadinca e vem na sequência das fotos anteriores,,,). (LG)
1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) (*), que vive em Senhora da Hora, Matosinhos [, foto atual à direita], e é contemporâneo do Mário Beja Santos.
Ao ver estas fotos, tive um arrepio, quando o Jaime Machado me disse que o camarada com o camuflado ensanguentado era o Beja Santos, o nosso "Tigre de Missirá"...
Lembrei-me imediatamente deste trágico acidente que ceifou a vida ao Uam Sambú. Fui pesquisar os escritos do Mário Beja Santos. Aqui vai um excerto do poste P2540, de 15/2/2008 (**)
(...) O Setúbal já nos tinha avisado que viria o Xabregas [, condutor,] ao amanhecer, eu que não estivesse preocupado. Assim que clareou, todos de pé, arrumadas as mantas, satisfeitas as necessidades mais prementes nas redondezas, esperámos a tiritar a aproximação dos faróis do Unimog, procurando desentorpecer os músculos. Assim foi naquele amanhecer de 1 de Janeiro de 1970. O Xabregas trouxe um burrinho, o que significava dez militares sentados, 20 a pé. Dez não, um outro saltava para o lado do condutor, mais um outro encavalitava-se junto do alferes. Uam Sambu senta-se ao pé de mim e diz a Quebá Sissé:
- Sobe, Doutor, dá cá a mão!
Vejo o riso feliz e sempre aberto de Quebá Sissé, segue-se o estrondo inusitado de uma rajada de G3, procuro levantar-me, oiço gritos de aflição, imprecações, um coro desorientado de protestos, e é nisto que Uam me cai nos braços, enterrando-me no assento:
- Alferes, estou morto!
Com Uam no meu colo, vejo o seu peito esburacado, os lábios num esgar de dor, o olhar a esmorecer, o sangue passa para a minha farda em abundância. O burrinho corre em poucos minutos nas mãos expeditas do Xabregas até à enfermaria. Vou a correr tirar da cama o [alf mil médico] Vidal Saraiva que se debruça atarantado sobre Uam com o peito tracejado por diferentes perfurações.
Cá fora, desenrola-se uma outra tragédia, há quem ameace o Doutor, ouve-se a palavra assassino, ouvem-se as expressões impensadas do costume. Ora, tinha sido o mais estúpido dos acidentes, o malogrado Doutor ao subir metera o dedo no gatilho e fulminara Uam, o Doutor era a alma mais pacífica do 52, ninguém lhe conhecia azedume, aguentara estoicamente todos os comentários ao seu trabalho de cozinheiro. Percebendo que era necessário pôr termo àquela ira dementada, disse ao Domingos:
- Não quero aqui ninguém, tudo para a tabanca, tu desces imediatamente com eles e explicas que foi um acidente, quem tocar no Doutor tramo-lhe a vida.
Dita a bazófia, acerquei-me da marquesa onde o Vidal Saraiva me avisou:
- Só por milagre se salva, tem os órgãos vitais atingidos, veja o sangue aos cantos da boca, pulmões e rins têm lesões que presumo serem irreversíveis. Vamos ver como é que ele se aguenta até Bissau.
O DO [27] chegou rapidamente e lá fomos todos a acompanhar o moribundo até à pista de aviação, Binta, a mulher do Uam, gritava o seu desespero, o Pel Caç Nat 52 assistia ao transporte de Uam num silêncio total, estarrecido. Dispersámos, o Vidal Saraiva era o mais acabrunhado entre nós. (...)
2. Comentário do editor:
Não sei se o Beja Santos alguma vez chegou a ver estas fotos. São imagens obtidas a partir de "slides". O Jaime e o seu pessoal sairiam de Bambadinca um mês e picos depois, sendo rendidos pelo J. L, Vacas de Carvalho, e o seu Pel Rec Daimler 2206. Os "slides" eram revelados no norte da Europa (Suécia, por ex.). E o correio era moroso. De qualquer modo, gostaríamos de ter um "feedback" do nosso querido amigo e camarada Beja Santos, além de incansável e generoso grã-tabanqueiro, para quem mandamos um alfabravo fraterno, extensivo ao autor das fotos. O Mário e o Jaime foram contemporâneos de Bambadinca, com uma pequena de diferenças de meses. Eu também estive com eles, lá, na mesma altura, desde julho de 1969... O Jaime saiu em fevereiro de 1970, e o Mário, dois meses depois, em abril de 1970, se não erro.
3. Há mortos que nunca se enterram
(...) Acerca do tema que agora circula no blogue (..), queria também dizer o seguinte: mortos que ficam são os que matamos com as nossas mãos; mortos dolorosos são os que não podemos enterrar e que nos culpam por um determinado acto precipitado; mortos são aqueles cuja morte não percebemos como Uam Sambu que morreu nos meus braços ao amanhecer de 1 de Janeiro de 1970, num estúpido acidente de G3. O morto que vou falar tem a ver com uma amizade profunda, o insólito da notícia no dia em que me casei pelo civil [, o alf mil art Carlos José Paulo de Sampaio, natural de Anadia, mobilizado para Moçambique, pelo BCAÇ nº 10, em 12 de Abril de 1969, morto em combate no norte de Moçambique em 2/2/1970]. (...) [Excerto de poste do Beja Santos, P1740, de 8/5/2007]
________________
Notas do editor;
(*) Último poste da série > 24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14790: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte II: Ao serviço do BART 1904 (de maio a setembro de 1968) e do BCAÇ 2852 (de outubro de 1968 a fevereiro de 1970)
(**) Vd. poste de 15 de fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2540: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (20): A morte de Uam Sambu, na Missão do Sono, em Bambadincazinho
Cópia do poema escrito por Beja Santos, na morte do Uam Sambu: "O pseudopoema foi escrito logo a seguir à morte de Uam, penso que a 2 de Janeiro [de 1970]. Vim para Bissau a 12, reescrevi-o e enviei-o à Cristina, tal como se pode ver, cheio de dor. Estou doente, mas comecei a dormir melhor. Digo à Cristina que estou ansioso por a ver, Suspeito que será em Fevereiro, não será assim. Saio de Bissau, e com o Pel Caç Nat 52 vamos para a operação Topázio Valioso" (BS).
Foto (e legenda): © Beja Santos (2007). Todos os direitos reservados.
(*) Último poste da série > 24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14790: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte II: Ao serviço do BART 1904 (de maio a setembro de 1968) e do BCAÇ 2852 (de outubro de 1968 a fevereiro de 1970)
(**) Vd. poste de 15 de fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2540: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (20): A morte de Uam Sambu, na Missão do Sono, em Bambadincazinho
Cópia do poema escrito por Beja Santos, na morte do Uam Sambu: "O pseudopoema foi escrito logo a seguir à morte de Uam, penso que a 2 de Janeiro [de 1970]. Vim para Bissau a 12, reescrevi-o e enviei-o à Cristina, tal como se pode ver, cheio de dor. Estou doente, mas comecei a dormir melhor. Digo à Cristina que estou ansioso por a ver, Suspeito que será em Fevereiro, não será assim. Saio de Bissau, e com o Pel Caç Nat 52 vamos para a operação Topázio Valioso" (BS).
Foto (e legenda): © Beja Santos (2007). Todos os direitos reservados.
Marcadores:
acidentes,
Bambadinca,
BCAÇ 2852,
Daimler,
enfermeiras pára-quedistas,
Jaime Machado,
João Carreiro Martins,
Missão do Sono,
Pel Caç Nat 52,
Pel Rec Daimler 2046,
Vidal Saraiva (médico),
Xitole
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Guiné 63/74 - P8492: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (6): A Doença do Sono (Rui Silva)
1. Mensagem de Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 16 de Abril de 2011:
Caros Luís e Vinhal
Envio em anexo o meu último capítulo da série “Doenças e outros problemas de saúde…”, desta feita tratando-se da Doença do sono.
Recebam um grande abraço extensivo ao nosso querido amigo Magalhães Ribeiro e a outros co-editores e colaboradores do Blogue.
Para toda a Tertúlia também.
Rui Silva
2. Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
DOENÇAS E OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE (ou de integridade física) QUE A CCAÇ 816 TEVE DE ENFRENTAR DURANTE A SUA CAMPANHA NA GUINÉ PORTUGUESA (Bissorã – Olossato – Mansoa 1965/67)
(I) Paludismo (P7012)
(II) Matacanha (P7138)
(III) Formiga “baga-baga” (P7342)
(IV) Abelhas (P7674)
(V) Lepra (P8133)
(VI) Doença do sono
Não é minha intenção ao “falar” aqui de doenças e outros problemas de saúde que afligiam os militares da 816 na ex-Guiné Portuguesa imiscuir-me em áreas para as quais não estou habilitado (áreas de Medicina Geral, Medicina Tropical, Biologia, etc.) mas, tão só, contar aquilo, como eu, e enquanto leigo em tais matérias, vi, ajuizei e senti.
Assim:
As 4 primeiras, a Companhia sentiu-as bem na pele (ou no corpo). As 2 últimas (Lepra e Doença do sono), embora as constatássemos - houve mesmo contactos directos de elementos da Companhia com leprosos (foram leprosos transportados às costas, do mato para Olossato nas tais operações de recolha de população acoitada no mato para as povoações com protecção de tropa) –, não houve qualquer caso com o pessoal da Companhia, ou porque estas doenças estavam em fase de erradicação (?), ou porque a higiene e a profilaxia praticadas pela Companhia eram o suficiente para as obstar.
DOENÇA DO SONO - VI
Era uma das doenças mais faladas, sempre que vinham à conversa as doenças na Guiné, quer ainda em Santa Margarida aonde estivemos algumas semanas antes de embarcar, quer durante a viagem no Niassa. Sabíamos também que era a mosca Tsé-Tsé (mosca já ouvida e falada nos bancos da escola) o portador do parasita que provocava a doença.
Pessoalmente não conheci caso algum na Companhia, mas, já na população indígena deparávamo-nos com situações que nos diziam serem portadores daquela doença. Em Olossato apercebemo-nos de um ou outro caso de nativos, alguns já com alguma idade, sentados às portas das suas moranças, muito magros e de cor amarelecenta e quais múmias, e que, pelo menos, e por si só, indiciavam logo doença grave. Dizia-se então por ali que tinham a Doença do Sono. O aspecto…
Sabíamos também que era a mosca Tsé-Tsé que a provocava e, ao princípio, quando víamos uma mosca poisada na nossa pele, principalmente uma que fosse diferente das conhecidas, ficávamos a temer por tal. A fase de “Periquitos” era de receio em tudo quanto mexesse…
Com o tempo só um crocodilo, e tinha que ser grande, é que nos assustava.
Lembro-me em Bissorã e estávamos ali à meia dúzia de dias (JUN65), uma vez sentir uma picada forte no braço e ao olhar ver uma mosca estranha, comprida, a picar-me. Como era uma mosca de fisionomia diferente das comuns fiquei apreensivo (pensei logo ser a Tsé-Tsé), mas ao ver a malta passar com a bola esqueci logo. Que a mosca deixou uma boa marca lembro-me bem!
Mas depressa habituaríamo-nos a ver moscas e outros insectos voadores das mais variadas espécies.
Insectos voadores, terrestres, rastejantes, anfíbeos, passando por aquela formiga grande e avermelhada que numa fase da sua metamorfose ganhava e perdia as asas (eram às milhares à volta de tudo que fizesse luz na escuridão da noite e quando ainda tinham asas), cobras e lagartos e passarada, Santo Deus havia ali de tudo e parecia que tudo estava ali na Guiné.
Quando nos deitávamos no mato e em qualquer sítio e na mais completa escuridão a fazer tempo para o assalto a uma casa-de-mato, que era ao alvorecer, nem nos lembrávamos do que poderia estar por baixo.
A cada passo surgia um novo e estranho ser vivo, para curiosidade da malta, que se juntava logo ao alerta deste ou daquele. Consoante o porte e as características do animal aproximávamo-nos mais ou menos para ver aquele pequeno monstro. Mexia-se virava-se e… logo também aparecia alguém de máquina fotográfica na mão.
Os nativos sabiam como ninguém se o bicho era de brincar ou se era de pormo-nos à “distância regulamentar de nove metros e quinze, como dizia muitas vezes o Sargento Correia, camarada da 816, o do “Mar Eterno” (passava o tempo a cantar isto), já falecido. Paz à sua alma!
Mas o que mais nos atacava, e logo cedo, eram as alergias, bem denunciadas na pele.
Alergias também para todos os gostos: borbulhas, manchas, rosetas maiores ou menores, com ou sem cor e outras erupções cutâneas; era no peito, nos braços, na cara, ou em todo o corpo.
Lá funcionava a maior parte das vezes o Cálcio-Luvistina em forma de pomada e, julgo, para actuação mais rápida, em injectável também, nas veias. Sei que em situações mais agressivas (naquelas que parecíamos um Cristo era-nos dado um injectável nas veias pareceu-me com o mesmo nome daquele medicamento.
Quando vim da primeira vez de férias com os meus amigos, também Furrieis Milicianos da 816, Coutinho, Piedade e Baião, passamos grande parte da véspera do embarque a esfregar as virilhas de uma irritação assanhada que nos fazia andar de pernas abertas. Diziam que aquela vermelhidão, que a muitos poucos poupava, era da água das bolanhas - não raras vezes andávamos nela e com ela bem acima das virilhas. Molha, seca; molha, seca…, havia quem lhe desse o nome de "flor do congo", e via-se por ali muito militar do mato de perna aberta.
Flor do Congo
Certamente que há em Angola muitas e variadas flores, tudo floresce naquela terra tão fértil. Esta foto com três lindos malmequeres foi tomada em 1972 no Luvo, no jardim da Casa do Administrador de Posto.
Mas hoje quero falar de outra flor, a denominada “flor do congo”, uma flor que dura muito, que porventura só os militares conhecem, porque muitos ainda hoje a possuem passados tantos anos desde que a “colheram”.
Aquilo a que os militares chamam “flor do congo” é uma doença de pele (micose) que ataca as virilhas e partes genitais, fruto do suor acumulado por longas caminhadas e dormidas no mato sem possibilidade de tomar banho.
É mais uma das muitas sequelas que muitos carregam para o resto da vida, e então depois comer umas azeitonas ou beber um digestivo é certo e sabido que a dita clama por “carícias”.
Mário Mendes
In http://cc3413.wordpress.com/ 2009/12/07/flor-do-congo/
Aplicávamos então o Astérol em líquido (o 1214 pouco servia) e aquilo ardia que nos fazia saltar, mas a vontade de chegar à metrópole sem aquele incómodo era grande. Daí, cada um saltava para o seu lado.
Foi assim no princípio e pela noite dentro no Hotel Internacional em Bissau onde estávamos alojados.
Voltando à Doença do Sono esta tinha alguma assistência nas chamadas “Missões de Sono”.
Foto da esquerda - Crianças vítimas da doença do sono. Foto extraída de Jornal de Angola, com a devida vénia.
Foto da direita - O gado (principal hospedeiro do parasita) também era vítima da doença. Foto extraída da página BBC Brasil.com.
Soube mais tarde que havia uma Missão em Bissorã que também dava assistência a leprosos e houve militares que recorreram àquela instituição para resolver algum problema sanitário, não soube se por falta episódica do clínico militar na altura, se o problema que o militar enfrentava era do foro daquele estabelecimento.
Selo de S. Tomé e Príncipe emitido em 1966 por altura também que o Clube Militar Naval comemorava 100 anos da sua existência, referindo a erradicação da Doença do Sono naquela também província ultramarina. Na Guiné não terá sido assim…
Doença do sono
(transcrito, com a devida vénia, do site www.medipedia.pt)
CAUSAS
A doença do sono é provocada pelo Trypanosoma brucei gambiense e pelo Trypanosoma brucei rhodesiense, protozoários presentes no organismo de diversos animais mamíferos e de seres humanos parasitados. Estes protozoários desenvolvem parte do seu ciclo biológico no aparelho digestivo das moscas do género Glossina, conhecidas como moscas tsé-tsé, que vivem em habitats húmidos e nos bosques da África tropical, onde a doença do sono é endémica. O contágio ao ser humano efectua-se através das picadas das moscas tsé-tsé, que actuam como vectores dos agentes causadores.
MANIFESTAÇÕES E EVOLUÇÃO
Uma ou duas semanas após o contágio, começa a evidenciar-se uma lesão característica na zona da pele por onde os tripanossomas se inocularam: uma elevação ou pequeno tumor vermelho, muito doloroso, que desaparece espontaneamente ao fim de alguns dias ou semanas. Todavia, na maioria dos casos, esta lesão inicial cutânea acaba por não se manifestar ou até passar despercebida. De qualquer forma, algumas semanas após a produção do contágio, começa a manifestar-se febre, com uma notória subida da temperatura do corpo acompanhada por intensos arrepios e suores que, embora de início se repitam várias vezes ao longo de cada dia, posteriormente adoptam um padrão mais irregular. Uma outra manifestação muito habitual desta fase inicial do problema é a inflamação dos gânglios linfáticos, particularmente evidente nos que se situam na nuca e na região supraclavicular.
Numa segunda fase, normalmente ao fim de alguns meses, evidenciam-se as típicas manifestações neurológicas que designam a doença: alterações no comportamento e personalidade, indiferença face ao que o rodeia, debilidade, tremores, dificuldade em realizar os movimentos mais comuns, como a locomoção, dificuldades na linguagem, alterações de humor, intensa sonolência e letargia. Caso não se proceda ao devido tratamento, os casos mais graves evoluem para um estado de coma, que muitas vezes provoca a morte do paciente por paralisia respiratória.
TRATAMENTO
O tratamento baseia-se na administração de medicamentos activos contra os protozoários responsáveis pela doença e, caso se proceda ao mesmo na fase inicial, consegue-se obter a eliminação dos protozoários em poucos dias, enquanto que nas fases avançadas é necessário uma terapêutica mais prolongada. Para além disso, deve-se igualmente administrar outros medicamentos que aliviem os eventuais sinais e sintomas e, caso seja necessário, deve-se proceder à hospitalização do paciente para prevenir ou tratar as complicações das fases mais avançadas.
PREVENÇÃO
Dado ainda não existir uma vacina eficaz contra a doença do sono, a prevenção consiste na eliminação da mosca tsé-tsé através da fumigação e em evitar as suas picadas através da utilização de mosquiteiras e repelentes ambientais ou de aplicação local. Por outro lado, as pessoas que habitam nas zonas endémicas e as que planeiam viajar para as mesmas devem proceder à administração de medicamentos antiparasitários específicos. Como é óbvio, a prescrição deve ser efectuada por um médico e rigorosamente cumprida, pois caso não o seja, essas pessoas correm o risco de não estarem devidamente protegidas contra um eventual contágio.
Interessante o ciclo Tsé-Tsé-homem, homem Tsé-Tsé, com o parasita pelo meio, e há semelhança do que acontece com o mosquito Anopheles causador do Paludismo, observado na figura seguinte:
Com a devida vénia, figura transcrita do site www.dpd.cdc.gov/dpdx
Depois de tudo isto e como já aconteceu com o Anopheles (o tal que provoca o Paludismo) constata-se que o insecto infecta o homem mas também pode ser o homem a infectar (?) o insecto. Afinal quem infecta quem? Ressalvando, no entanto, alguma ingenuidade no assunto, isto faz-me lembrar a história do ovo e da galinha.
Rui Silva
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 – P8354: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (12): Baile de Fim de Ano na Associação Comercial, mesmo ao lado do Palácio do Governador
Vd. postes da série de:
20 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7012: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (1): Paludismo (Rui Silva)
17 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7138: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (2): Matacanha (Rui Silva)
26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)
26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7674: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (4): As abelhas (Rui Silva)
19 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8133: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (5): A lepra (Rui Silva)
Caros Luís e Vinhal
Envio em anexo o meu último capítulo da série “Doenças e outros problemas de saúde…”, desta feita tratando-se da Doença do sono.
Recebam um grande abraço extensivo ao nosso querido amigo Magalhães Ribeiro e a outros co-editores e colaboradores do Blogue.
Para toda a Tertúlia também.
Rui Silva
2. Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
DOENÇAS E OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE (ou de integridade física) QUE A CCAÇ 816 TEVE DE ENFRENTAR DURANTE A SUA CAMPANHA NA GUINÉ PORTUGUESA (Bissorã – Olossato – Mansoa 1965/67)
(I) Paludismo (P7012)
(II) Matacanha (P7138)
(III) Formiga “baga-baga” (P7342)
(IV) Abelhas (P7674)
(V) Lepra (P8133)
(VI) Doença do sono
Não é minha intenção ao “falar” aqui de doenças e outros problemas de saúde que afligiam os militares da 816 na ex-Guiné Portuguesa imiscuir-me em áreas para as quais não estou habilitado (áreas de Medicina Geral, Medicina Tropical, Biologia, etc.) mas, tão só, contar aquilo, como eu, e enquanto leigo em tais matérias, vi, ajuizei e senti.
Assim:
As 4 primeiras, a Companhia sentiu-as bem na pele (ou no corpo). As 2 últimas (Lepra e Doença do sono), embora as constatássemos - houve mesmo contactos directos de elementos da Companhia com leprosos (foram leprosos transportados às costas, do mato para Olossato nas tais operações de recolha de população acoitada no mato para as povoações com protecção de tropa) –, não houve qualquer caso com o pessoal da Companhia, ou porque estas doenças estavam em fase de erradicação (?), ou porque a higiene e a profilaxia praticadas pela Companhia eram o suficiente para as obstar.
DOENÇA DO SONO - VI
Era uma das doenças mais faladas, sempre que vinham à conversa as doenças na Guiné, quer ainda em Santa Margarida aonde estivemos algumas semanas antes de embarcar, quer durante a viagem no Niassa. Sabíamos também que era a mosca Tsé-Tsé (mosca já ouvida e falada nos bancos da escola) o portador do parasita que provocava a doença.
Pessoalmente não conheci caso algum na Companhia, mas, já na população indígena deparávamo-nos com situações que nos diziam serem portadores daquela doença. Em Olossato apercebemo-nos de um ou outro caso de nativos, alguns já com alguma idade, sentados às portas das suas moranças, muito magros e de cor amarelecenta e quais múmias, e que, pelo menos, e por si só, indiciavam logo doença grave. Dizia-se então por ali que tinham a Doença do Sono. O aspecto…
Sabíamos também que era a mosca Tsé-Tsé que a provocava e, ao princípio, quando víamos uma mosca poisada na nossa pele, principalmente uma que fosse diferente das conhecidas, ficávamos a temer por tal. A fase de “Periquitos” era de receio em tudo quanto mexesse…
Com o tempo só um crocodilo, e tinha que ser grande, é que nos assustava.
Lembro-me em Bissorã e estávamos ali à meia dúzia de dias (JUN65), uma vez sentir uma picada forte no braço e ao olhar ver uma mosca estranha, comprida, a picar-me. Como era uma mosca de fisionomia diferente das comuns fiquei apreensivo (pensei logo ser a Tsé-Tsé), mas ao ver a malta passar com a bola esqueci logo. Que a mosca deixou uma boa marca lembro-me bem!
Mas depressa habituaríamo-nos a ver moscas e outros insectos voadores das mais variadas espécies.
Insectos voadores, terrestres, rastejantes, anfíbeos, passando por aquela formiga grande e avermelhada que numa fase da sua metamorfose ganhava e perdia as asas (eram às milhares à volta de tudo que fizesse luz na escuridão da noite e quando ainda tinham asas), cobras e lagartos e passarada, Santo Deus havia ali de tudo e parecia que tudo estava ali na Guiné.
Quando nos deitávamos no mato e em qualquer sítio e na mais completa escuridão a fazer tempo para o assalto a uma casa-de-mato, que era ao alvorecer, nem nos lembrávamos do que poderia estar por baixo.
A cada passo surgia um novo e estranho ser vivo, para curiosidade da malta, que se juntava logo ao alerta deste ou daquele. Consoante o porte e as características do animal aproximávamo-nos mais ou menos para ver aquele pequeno monstro. Mexia-se virava-se e… logo também aparecia alguém de máquina fotográfica na mão.
Os nativos sabiam como ninguém se o bicho era de brincar ou se era de pormo-nos à “distância regulamentar de nove metros e quinze, como dizia muitas vezes o Sargento Correia, camarada da 816, o do “Mar Eterno” (passava o tempo a cantar isto), já falecido. Paz à sua alma!
Mas o que mais nos atacava, e logo cedo, eram as alergias, bem denunciadas na pele.
Alergias também para todos os gostos: borbulhas, manchas, rosetas maiores ou menores, com ou sem cor e outras erupções cutâneas; era no peito, nos braços, na cara, ou em todo o corpo.
Lá funcionava a maior parte das vezes o Cálcio-Luvistina em forma de pomada e, julgo, para actuação mais rápida, em injectável também, nas veias. Sei que em situações mais agressivas (naquelas que parecíamos um Cristo era-nos dado um injectável nas veias pareceu-me com o mesmo nome daquele medicamento.
Quando vim da primeira vez de férias com os meus amigos, também Furrieis Milicianos da 816, Coutinho, Piedade e Baião, passamos grande parte da véspera do embarque a esfregar as virilhas de uma irritação assanhada que nos fazia andar de pernas abertas. Diziam que aquela vermelhidão, que a muitos poucos poupava, era da água das bolanhas - não raras vezes andávamos nela e com ela bem acima das virilhas. Molha, seca; molha, seca…, havia quem lhe desse o nome de "flor do congo", e via-se por ali muito militar do mato de perna aberta.
Flor do Congo
Certamente que há em Angola muitas e variadas flores, tudo floresce naquela terra tão fértil. Esta foto com três lindos malmequeres foi tomada em 1972 no Luvo, no jardim da Casa do Administrador de Posto.
Mas hoje quero falar de outra flor, a denominada “flor do congo”, uma flor que dura muito, que porventura só os militares conhecem, porque muitos ainda hoje a possuem passados tantos anos desde que a “colheram”.
Aquilo a que os militares chamam “flor do congo” é uma doença de pele (micose) que ataca as virilhas e partes genitais, fruto do suor acumulado por longas caminhadas e dormidas no mato sem possibilidade de tomar banho.
É mais uma das muitas sequelas que muitos carregam para o resto da vida, e então depois comer umas azeitonas ou beber um digestivo é certo e sabido que a dita clama por “carícias”.
Mário Mendes
In http://cc3413.wordpress.com/
Aplicávamos então o Astérol em líquido (o 1214 pouco servia) e aquilo ardia que nos fazia saltar, mas a vontade de chegar à metrópole sem aquele incómodo era grande. Daí, cada um saltava para o seu lado.
Foi assim no princípio e pela noite dentro no Hotel Internacional em Bissau onde estávamos alojados.
Voltando à Doença do Sono esta tinha alguma assistência nas chamadas “Missões de Sono”.
Foto da esquerda - Crianças vítimas da doença do sono. Foto extraída de Jornal de Angola, com a devida vénia.
Foto da direita - O gado (principal hospedeiro do parasita) também era vítima da doença. Foto extraída da página BBC Brasil.com.
Soube mais tarde que havia uma Missão em Bissorã que também dava assistência a leprosos e houve militares que recorreram àquela instituição para resolver algum problema sanitário, não soube se por falta episódica do clínico militar na altura, se o problema que o militar enfrentava era do foro daquele estabelecimento.
Selo de S. Tomé e Príncipe emitido em 1966 por altura também que o Clube Militar Naval comemorava 100 anos da sua existência, referindo a erradicação da Doença do Sono naquela também província ultramarina. Na Guiné não terá sido assim…
Doença do sono
(transcrito, com a devida vénia, do site www.medipedia.pt)
CAUSAS
A doença do sono é provocada pelo Trypanosoma brucei gambiense e pelo Trypanosoma brucei rhodesiense, protozoários presentes no organismo de diversos animais mamíferos e de seres humanos parasitados. Estes protozoários desenvolvem parte do seu ciclo biológico no aparelho digestivo das moscas do género Glossina, conhecidas como moscas tsé-tsé, que vivem em habitats húmidos e nos bosques da África tropical, onde a doença do sono é endémica. O contágio ao ser humano efectua-se através das picadas das moscas tsé-tsé, que actuam como vectores dos agentes causadores.
MANIFESTAÇÕES E EVOLUÇÃO
Uma ou duas semanas após o contágio, começa a evidenciar-se uma lesão característica na zona da pele por onde os tripanossomas se inocularam: uma elevação ou pequeno tumor vermelho, muito doloroso, que desaparece espontaneamente ao fim de alguns dias ou semanas. Todavia, na maioria dos casos, esta lesão inicial cutânea acaba por não se manifestar ou até passar despercebida. De qualquer forma, algumas semanas após a produção do contágio, começa a manifestar-se febre, com uma notória subida da temperatura do corpo acompanhada por intensos arrepios e suores que, embora de início se repitam várias vezes ao longo de cada dia, posteriormente adoptam um padrão mais irregular. Uma outra manifestação muito habitual desta fase inicial do problema é a inflamação dos gânglios linfáticos, particularmente evidente nos que se situam na nuca e na região supraclavicular.
Numa segunda fase, normalmente ao fim de alguns meses, evidenciam-se as típicas manifestações neurológicas que designam a doença: alterações no comportamento e personalidade, indiferença face ao que o rodeia, debilidade, tremores, dificuldade em realizar os movimentos mais comuns, como a locomoção, dificuldades na linguagem, alterações de humor, intensa sonolência e letargia. Caso não se proceda ao devido tratamento, os casos mais graves evoluem para um estado de coma, que muitas vezes provoca a morte do paciente por paralisia respiratória.
TRATAMENTO
O tratamento baseia-se na administração de medicamentos activos contra os protozoários responsáveis pela doença e, caso se proceda ao mesmo na fase inicial, consegue-se obter a eliminação dos protozoários em poucos dias, enquanto que nas fases avançadas é necessário uma terapêutica mais prolongada. Para além disso, deve-se igualmente administrar outros medicamentos que aliviem os eventuais sinais e sintomas e, caso seja necessário, deve-se proceder à hospitalização do paciente para prevenir ou tratar as complicações das fases mais avançadas.
PREVENÇÃO
Dado ainda não existir uma vacina eficaz contra a doença do sono, a prevenção consiste na eliminação da mosca tsé-tsé através da fumigação e em evitar as suas picadas através da utilização de mosquiteiras e repelentes ambientais ou de aplicação local. Por outro lado, as pessoas que habitam nas zonas endémicas e as que planeiam viajar para as mesmas devem proceder à administração de medicamentos antiparasitários específicos. Como é óbvio, a prescrição deve ser efectuada por um médico e rigorosamente cumprida, pois caso não o seja, essas pessoas correm o risco de não estarem devidamente protegidas contra um eventual contágio.
Interessante o ciclo Tsé-Tsé-homem, homem Tsé-Tsé, com o parasita pelo meio, e há semelhança do que acontece com o mosquito Anopheles causador do Paludismo, observado na figura seguinte:
Com a devida vénia, figura transcrita do site www.dpd.cdc.gov/dpdx
Depois de tudo isto e como já aconteceu com o Anopheles (o tal que provoca o Paludismo) constata-se que o insecto infecta o homem mas também pode ser o homem a infectar (?) o insecto. Afinal quem infecta quem? Ressalvando, no entanto, alguma ingenuidade no assunto, isto faz-me lembrar a história do ovo e da galinha.
Rui Silva
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 – P8354: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (12): Baile de Fim de Ano na Associação Comercial, mesmo ao lado do Palácio do Governador
Vd. postes da série de:
20 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7012: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (1): Paludismo (Rui Silva)
17 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7138: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (2): Matacanha (Rui Silva)
26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)
26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7674: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (4): As abelhas (Rui Silva)
19 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8133: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (5): A lepra (Rui Silva)
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
Guiné 63/74 - P7852: A minha CCAÇ 12 (12): Dezembro de 1969, tiritando de frio, à noite, na zona de Biro/Galoiel, subsector de Mansambo (Luís Graça / Humberto Reis)
Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > CART 2520 (1969/71) > s/d > O Fur Mil At Inf Arlindo Roda (CCAÇ 12, Bambdaionca, 1969/71) junto ao um dos obuses 10.5 que defendiam o aquartelamento e tabanca do Xime... A CCAÇ 12 fez inúmeras operações no sector do Xime (bem como no de Mansambo, a sul, entre Bambadinca e o Xitole).
Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > s/d > CCAÇ 12 (1969/71) > Algures numa nas numerosas tabancas fulas em autodefesa, o Fur Mil At Armas Pesadas Inf, Henriques, posando para a fotografia com um RPG2, que estava distribuído à milícia local, reforçada (temporiaramente com uma secção da CCAÇ 12).
Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > s/d > CCAÇ 12 (1969/71) > Algures numa nas numerosas tabancas fulas em autodefesa, o Fur Mil At Inf Mil Luciano Severo de Almeida, posando para a fotografia com um RPG2... O Luciano de Almeida, que era natural de (ou residia em) um dos concelhos ribeirinhos da margem sul do Tejo (Montijo ?), morreu (em circunstâncias violentas, ao que me disseram), anos depois do regresso à Metrópole. Fiquei chocado com a sua morte.
Fotos: © Arlindo T. Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > s/d > CCAÇ 12 (1969/71) > Destacamento da Ponte sobre o Rio Udunduma (dinamitada pelo PAIGC em 28 de Maio de 1969). A partir de Dezembro de 1969, a sua defesa (até então a cargo da unidade de quadrícula do Xime, a CART 2520) passou a ser da CCAÇ 12, do Pel Caç Nat 52 e da CCS/BCAÇ 2852 e mais tarde do BART 2917.
Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > s/d > CCS/BART 2917 (1970/72) O Fur Mil Op Esp, Pel Rec Inf, CCS/BART 2917 (1970/72), no alto da ponte, na "prancha de saltos"... O rio (afluente do Geba) ajudava a matar o tédio dos dias, já que as noites eram infernais (por causa do calor e dos mosquitos, no tempo das chuvas)... Só havia valas, protegidas por bidões de areia e chapas de zinco... No nosso tempo, nunca chegou haver nenhum ataque ou flagelação do PAIGC...
Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > s/d > CCAÇ 12 (1969/71) (?) > Um militar africano, com a famigerada bazuca 8,9 cm, M20, de origem americana...
Fotos: © Benjamim Durães (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
A. Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graça
(6) Bamdabinca, Dezembro de 1969: Tiritando de frio, à noite, na zona de Biro/Galoiel, subsector de Mansambo
(6.1) Op Estrela Grandiosa
A 5 de Dezembro de 1969, 2 Gr Comb da CCAÇ 12, juntamente com forças da CART 2520 [, unidade de quadrícula do Xime,] e do Pel Caç Nat 63 (, Fá Mandinga, comandada pelo Alf Mil Art Jorge Cabral, o nosso querido Alfero Cabral,) efectuam a Op Estrela Grandiosa em repetição da Op Tigre Valente (patrulhamento ofensivo na região de Ponta Varela /Poindon, passando pelo antigo acampamento IN destruído em Setembro passado). Não houve contacto nem se detectaram vestígios do IN.
(6.2) Acção Hindu
A 7, o 1º Gr Comb da CCAÇ 12, comandado pelo Alf Mil Op Esp, Francisco Moreira, e o Pel Caç Nat 52 (Missirá, comandado pelo Alf Mil Beja Santos) levam a efeito a Acção Hindu, patrulhando as tabancas a sueste de Bambadinca (Sinchã Dembel, Iero Nhapa, Aliu Jai, Queroane, Queca e Sare Nhado).
(6.3) Op Lua Nova
A 13, realizava-se uma operação a nível de Batalhão no subsector de Mansambo, a fim de bater a área de Sangué-Bemba (Danejo), Galoiel e Biro (Op Lua Nova).
Desde há muito que estavam referenciados trilhos do IN, vindos de Mina e dirigindo-se para a área de Mansambo, com passagem por Biro e Galoiel. O IN tinha-se aqui instalado montando destacamentos avançados e/ acampamentos temporários. Ainda recentemente, em Agosto, forças heli-transportadas haviam destruído as instalações de Biro, capturando diverso material, na exploração imediata de informações dadas por uma prisioneiro, o Malan Mané, roqueteiro do bigrupo comandado por Mamadu Indjai.
Depois disso, esta era a primeira operação que as NT realizavam a Biro. Admitia-se que o IN voltasse mais cedo ou mais tarde a esta região a fim de levar a cabo acções no subsector de Mansambo, com especial incidência sobre a estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole.
A progressão e batida foi executada por 2 Dest apoiando-se mutuamente. Participaram na operação forças da CCAÇ 2404 (a nova unidade de quadrícula de Mansambo que viera substituir a CART 2339, dos nossos camarigos Carlos Marques dos Santos e Torcato Mendonça; tinha passado por Teixeira Pinto e Binar, pertencendo ao BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), Pel Caç Nat 52 (Missirá) e Pel Caç Nat 63 (Fá), além de 2 Gr Comb da CCAÇ 12.
Como se estava na altura do ano em que a humidade atmosférica é mais elevada, atingindo a temperatura à noite valores mínimos de 15º, as NT foram duramente afectadas pelo frio no decurso desta operação, enquanto ficaram emboscadas em Galoiel. (Pessoalmente, não me lembro de ter rapado tanto frio em toda a minha vida!)
A tabanca de Biro foi assaltada ao amanhecer, verificando-se que estava abandonada há meses. Todos os vestígios do IN eram antigos. Constatou-se que Galoiel e Biro eram uma zona que reunia condições ideais para refúgio e instalação do IN devido ao relevo e arborização do terreno. Os Dest regressaramn a Mansambo ao longo da margem esquerda do Rio Bissari.
(6.4) Destacamento da Ponte do Rio Udunduma
A partir de 16, a segurança da ponte do Rio Udunduma deixa de ser da responsabilidade da CART 2520 (1que tinha ali 2 secções destacadas desde Junho), passando a ser feita pelos Gr Com da CCAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras subunidades afectas ao comando de Bambadinca (como o Pel Caç Nat 63). A importância estratégica deste ponto sensível justificava que houvesse ali um destacamento permanente. No primeiro ataque a Bambadinca, em 28 de Maio de 1969, o IN tentara dinamitar a ponte, a fim de cortar a estrada Bambadinca-Xime.
(6.5) Op Punhal Resistente
A 21, tem lugar outra operação a nível de Batalhão com forças da CART 2520 (Xime), CCAÇ 2404 (Mansambo), Pel Caç Nat 52, além do 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (que deixou de ter a comandandá-lo o Alf Mil At Inf António Manuel Carlão , destacado para o reordenamento de Nhabijões, em Novembro de 1969) para uma batida à região de Baio/Buruntoni, onde do antecendente estava referenciado 1 bigrupo. O facto do IN, durante o tempo seco, não ter uma acampamento certo nesta região, pernoitando na mata sempre em sítios diferentes, tornava a missão das NT mais difícil e perigos (Op Punhal Resistente).
As NT, de resto, não chegariam a cumprir a missão uma vez que se perderam. A região de Baio/Buruntoni é de floresta densa, sendo percorrida por numerosos cursos de água. Pontos há em, que não se vê a luz do sol e só se pode andar de rastos. Não se dispondo de guias conhecedores da região, e tornando-se impossível a orientação pela carta e mês,o pela bússola (porque não existiam pontos de referência no terreno e era necessário muitas vezes ir abrir caminho), este tipo de operações (batida com 2 destacamentos partindo um de Mansambo e outro do Xime para se encontrarem no ponto de coordenação) só são realizáveis nos… transparentes do gabinete do comando de operações
Na Op Punhal resistente, os 2 destacamentos depois de terem pernoitado em locais diferentes, só conseguiram localizar-se um ao outro graças ao PCV, tendo-se feito a sua junção com o auxílio de uma granada cujo rebentamento indicou a direcção a tomar.
Não houve contacto com o IN que, no entanto, fez fogo de morteiro ao anoitecer no dia D (21) para zona imediatamente a norte do Buruntoni, pressupondo porventura que as NT pernoitassem ali…
(6.6) Acção Guilhotina e Op Faca Húmida na quadra natalícia
A 24 a 24, 2 Gr Comb da CCAÇ 12, em cooperação com a autoridade administrativa de Bambadinca, onde estava aquartelada a companhia, levam a efeito uma rusga (com cerco) à tabanca de Mero, aldeia balanta, junto ao Rio Geba. Apesar de alguns indícios suspeitos, não foram detectados elementos IN ou população sob o seu conbtrolo, que vem aqui reabastecer-se, oriunda de Madina/Belel (no extremo noroeste do regulado do Cuor).
Para efeitos de controlo populacional, completou-se e actualizou-se o recenseamento dos habitantes de Mero (Acção Guilotina, nome de código da operação). Nas duas semanas anteriores, o IN tinha desencadeado várias acções de intimidação contra as populações de Canxicame, Nhabijão Bedinca e Bissaque, a última das quais levada a efeito por um grupo enquadrado por brancos (cubanos ?) que retirou para a região de Bucol, atravessando o Rio Geba de canoa, para norte.
Escrevi na altura, no meu diário: "Guardo, na memória, a hostilidade passiva com que a população nos recebe, a nós, tugas, e aos soldados fulas… Que pensará esta pobre gente balanta que não tem outro remédio senão fazer o jogo duplo ? De dia, acatam (mal) a autoridade administrativa de Bambadinca; à noite, recebem os seus parentes que estão no mato"...
Por outro lado, prevendo-se a possibilidade o IN atacar os aquartelamentos das NT durante a quadra festiva do Natal e Ano Novo, foi reforçado o dispositivo de defesa de Bambadinca. Assim, além da emboscada diária até às 1 a 3 horas da noite, a nível de secção reforçada num raio de 3 a 5 km (segurança próxima), passou a ser destacado 1 Gr Comb para Bambadincazinho (ou ...Bambadincazinha, como chamávamos à tabanca, em fase de reordenamento, a sul do quartel), todas as noites, no edifício da antiga Missão do Sono, até às 6h da manhã, constituindo uma força de intervenção com a missão de fazer malograr o eventual ataque ao aquartelamento e/ou às tabancas da periferia, actuando pela manobra e pelo fogo sobre as prováveis linhas de infiltração e locais de instalação das bases de fogo do IN, ou no mínimo detê-lo e repeli-lo pelo fogo .
A 26 de Dezembro de 1969, forças da CART 2520 (Xime), reforçadas por um 1 Gr Comb da CCAÇ 12 realizam um patrulhamento ofensivo na região do Xime, Madina Colhido, Chacali, Colicumbel e Amedalai, sem detectarem vestígios do IN (Op Faca Húmida).
A 30, o Comandante Chefe, General António de Spínola, visita Bambadinca para apresentar cumprimentos de Ano Novo a todos os oficiais, sargentos e praças do Comando e CCS/BCAÇ 2852 e sub-unidades adidas, a CCAÇ 12 incluída.
Luís Graça
B. Comentário do Humberto Reis:
(...) A desgraçada da CCAÇ 12, naqueles sectores L1 e L5 (do Enxalé, na margem Norte do rio Geba, até Galomaro e ao Saltinho), era pau para toda a obra.Tinha, em permanência, um pelotão no destacamento da Ponte (estrada Bambadinca-Xime) e tinha que TODAS AS NOITES colocar um outro pelotão nos arredores de Bambadinca a fazer a segurança ao aquartelamento para que "dentro do arame farpado" se pudesse dormir mais descansado.
De manhã, após uma bela noite a alimentar os mosquitos e depois dos Senhores da Guerra já terem feito o seu soninho mais tranquilo, quando o pelotão regressasse estava sujeito a sair para mais uma operação.
Aquando da abertura do novo itinerário Bambadinca-Xime (quando viemos embora em Março de 71, ainda não estava totalmente asfaltado) era exactamente o pelotão que tinha estado toda a noite emboscado que tinha de ir, com mais outro, fazer a segurança ao pessoal civil (era a empresa TECNIL) que estava a trabalhar nesse empreendimento. Só da parte da tarde estes dois pelotões eram substituídos por pelotões do Xime e regressavam então a Bambadinca.
Houve uma altura em que o comando do Batalhão sediado em Bambadinca (tinha a CCS com um Pel Rec, um Pel Sap, um Pel Morteiros, um Pel Daimler, um Pel Intendência e um Destacamento de Engenharia) ainda queria que o pessoal operacional da CCAÇ 12 fizesse serviços dentro do aquartelamento (oficial de dia, sargento de dia, cabo de dia, reforços, etc.).
Claro que eles pagavam HORAS EXTRAORDINÁRIAS, davam SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO (em vales da Ticket Restaurante), um mês de férias com SUBSÍDIO, um 13º MÊS e uma mama de fora. Reclamei junto do nosso Capitão Brito (arrisquei levar uma porrada mas não levei por duas razões, nem eu fui malcriado ao ponto de ultrapassar os limites e ele é um bom homem) - Ele lá se convenceu e convenceu também o comando, da injustiça de tal situação e isso acabou logo após alguns dias.
Estórias que ajudam a fazer a História do nosso país, daquele país, daquele povo tão massacrado. Merecem melhor sorte. (...)
Fonte: Luis Graça & Camaradas da Guiné, I Série > 16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXIV: Aquelas noites frias de Dezembro (1) (L. Graça; H. Reis)
___________
Fontes consultadas:
História da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71. Bambadinca: CCAÇ 12. 1971. Cap. II. 19-21.
História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)
Diário de um Tuga
_________________
Nota de L.G.:
Último poste da série > 22 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7655: A minha CCAÇ 12 (11): Início do reordenamento de Nhabijões, em Novembro de 1969 (Luís Graça)
Marcadores:
Arlindo Roda,
Benjamim Durães,
Buruntoni,
CART 2520,
CCAÇ 12,
CCAÇ 2404,
Humberto Reis,
Jorge Cabral,
Luciano Severo de Almeida,
Madina/Belel,
Missão do Sono,
Natal,
Xime
Subscrever:
Mensagens (Atom)