quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23616: Historiografia da presença portuguesa em África (334): Personalidades e olhares sobre a Guiné que poucos recordam ou conhecem (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
É um trabalho de paciência que dá os seus frutos, minguados ou curiosos. Não vejo referências ao trabalho científico de Cardoso Júnior, e no entanto ele procedeu a estudos em Cabo Verde e na Guiné que eram admirados pela comunidade científica de então - não valeria a pena recuperar tais trabalhos? Encontrou-se uma comunicação dirigida a dirigentes da comunidade portuguesa, terá sido proferida no ano da publicação do Boletim Geral das Colónias, 1950, deteta-se que havia uma noção do abandono a que fora votada a colónia, o autor disse expressamente que foi preciso esperar pela Restauração para se começar a cuidar daquele território e curiosamente emite opinião de que o desenvolvimento da Guiné se deve inserir no contexto alargado da África Ocidental. Sabe-se como tudo vai mudar, não será preciso um década, mas há opiniões que vale a pena conhecer no ar do tempo em que foram produzidas.

Um abraço do
Mário



Personalidades e olhares sobre a Guiné que poucos recordam ou conhecem

Mário Beja Santos

Uma das dimensões mais fascinantes da pesquisa de materiais a que, de um modo geral, a investigação e a historiografia deixam no silêncio, a encontrar personalidades ou pontos de vista que revelam a injustiça em esquecer cientistas ou trabalhos que acabam por validar o que vem nos documentos factuais. Este preâmbulo vem a propósito de dois textos que encontrei e convosco quero partilhar.

A Coleção pelo Império desempenhou um papel altamente divulgador no tempo da Agência Geral das Colónias, e neste vasta servo monográfico encontramos uma publicação dedicada a João António Cardoso Júnior (1857-1936) [foto à direita], documento escrito por Joaquim Duarte Silva e publicado em 1941. Este distinto cientista e coronel, diplomou-se em Coimbra como Farmacêutico de 1ª Classe e ingressou pouco depois nos Serviços de Saúde de Cabo Verde. Foi encontrar em Cabo Verde e na Guiné campo propicio para estudo e investigações. Estudou a fauna e a flora das duas províncias. O professor Luís Wittnich Carrisso referindo-se aos estudos de Cardoso Júnior na Guiné fá-lo nos seguintes termos: “Tenho conhecimento das colheitas de João Cardoso Júnior, cujo resultados foram publicados na Revista da Sociedade Broteriana. O seu catálogo de peixes colhidos nos mares do arquipélago de Cabo Verde foi classificado como o mais completo que se conhece”.

Teve importantes trabalhos traduzidos em Revistas Científicas estrangeiras, concorreu ao prémio anual D. Luís, da Academia Real das Ciências de Lisboa com o trabalho intitulado Subsídios para a Matéria Médica e Terapêutica das Possessões Ultramarinas Portuguesas, competiu com o sábio Barbosa du Bocage, foi-lhe atribuído um segundo prémio com o parecer da Academia considerando a obra premiada de Cardoso Júnior era valiosa e digna de publicação, como veio acontecer. Os dois primeiros capítulos desta obra prendem-se com terapêutica indígena entre os naturais de Cabo Verde e da Senegâmbia Portuguesa. Com paciência beneditina, elaborou Cardoso Júnior relações nominais de cronistas, historiadores e navegadores que tinham referido às espécies e drogas existentes no Império Português. Em lista longa, refiro André Álvares de Almada que refere o poilão, a cola, a tinta, a laranjeira, o tamarindo, o amendoim, a mangueira, no seu Tratado Breve de 1594. E também o Padre Francisco Álvares que fala do tamarino e das frutas da Guiné na verdadeira informação das Terras do Preste João ou Luís Cadamosto que alude do vinho de palmeira e ao algodão nas Suas Notícias Ultramarinas.

Refiro agora a lição proferida pelo Dr. Fernando Simões da Cruz Ferreira no primeiro Curso de Formação Imperial para dirigentes da Mocidade Portuguesa, vem no Boletim Geral das Colónias, 1950.

Começa por aludir que até 1640 não existiu praticamente ocupação territorial da Guiné, esta não passava de uma dependência de Cabo Verde. Em 1834, a administração da colónia foi centralizada em Bissau, mas só em 1879 é que se constituiu o Governo Autónomo da Guiné, e a primeira capital foi Bolama. Descreve aspetos geográficos por demais conhecidos, mas não deixa de nos surpreender dizendo que a fauna marítima é abundante, o mar é pouco profundo, tem fundos ricos e uma variada fauna marinha, o mesmo se verifica para as rias de água salgada ou salobra e os rios. E diz mais adiante que a assistência médica ao indígena é uma tarefa ingente e dispendiosa para os governos que a empreendem. As afeções dos trópicos tomam frequentemente o caráter endémico ou epidémico, pelo que a profilaxia é da maior importância. A Missão do Combate à doença do Sono ocupa todo o território da Colónia. Falando da instrução diz existir ao tempo doze estabelecimentos ensino oficial e trinta e cinco missionários, com uma frequência de 3000 alunos. Fora recentemente oficializado o ensino oficial.

A Guiné possui 8 associações desportivas. Sublinha que em 1946 tinha sido criado um centro de estudos da Guiné Portuguesa e o seu Boletim Cultural. A Guiné dispunha de 3 aviões que durante a estação seca podiam circular até às sedes de todas as circunscrições. Não havia voos diretos de Lisboa para Bissau, era obrigatório tomar avião de ou para Dacar.

Não deixa de ser interessante ver o que o orador refere sobre o futuro da Guiné, ele fica dependente da qualidade e intensidade de quatro tipo de empreendimentos: defesa das populações contra a doença; desenvolvimento da agricultura, pecuária e indústria; facilidade e regularidade de publicações internas e com o exterior; aproveitamento comercial adequado. Especifica que é preciso melhorar as condições de higiene da população, aumentar a produção de arroz e produtos de exportação com amendoim e o coconote. E usa da maior prudência falando das riquezas florestais: “A percentagem de essências florestais aproveitadas para exploração de madeiras é elevada, acima dos limites estabelecidos pela Convenção Internacional de Proteção Natureza. É uma indústria a desenvolver, desde que se tomem medidas adequadas para um racional repovoamento florestal e se evitem as devastações causadas pelas queimadas”. Não deixa de referir a necessidade de intensificar o tráfego marítimo entre Portugal e a Colónia e a criação de um aeroporto. Por último apela a que as transformações económicas e sociais devam ser resolvidas por técnicos e no contexto geral da África Ocidental.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23596: Historiografia da presença portuguesa em África (333): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (5) (Mário Beja Santos)

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