Mostrar mensagens com a etiqueta Roel Coutinho. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Roel Coutinho. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24280: Memórias de Luís Cabral (Bissau, 1931 - Torres Vedras, 2009): Factos & mitos - Parte VI: Sexo, álcool e amuletos... A maldição ou a premonição do Amílcar Cabral ?..."Só nós somos capazes de destruir o Partido" (Boké, Guiné-Conacri, finais de 1970)


Guiné-Bissau (sic) > PAIGC > s/l > Março-abril de 1974 > Mulher com criança /Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 29 - Life in the Liberated Areas, Guinea-Bissau - Woman with child - 1974.tif

Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)






1. A seguir à invasão de Conacri por tropas portuguesas e forças da oposição ao governo de Sékou Touré, em 22 de novembro de 1970 (Op Mar Verde), Amílcar Cabral (AC) reuniu as cúpulas do PAIGC em Boké, na Guiné-Conacri, próximo da fronteira sul com o território da então Guiné Portuguesa, em data que não podemos precisar mas sabemos, pelo testemunho de Luís Cabral (LC) ("Crónica da Libertação", Lisboa, O Jornal, 1984, 464 pp.), que foi ainda em 1970, por volta do final desse  ano. (*)

AC aproveitou para fazer o balanço da "bárbara agressão do inimigo contra a capital da República da Guiné", segundo o relato do seu mano, LC (pág. 373).

Difícil para ambos  era compreender "a traição de muitos dos principais colaboradores do presidente Sékou Touré" (sic) (pág. 374). Naturalmente o AC não revelou,  aos seus  colaboradores mais próximos,  as tremendas dificuldades  (económicas, politicas,  sociais, etc.) por que estava a passar a Guiné-Conacri nem ele alguma vez denunciou a natureza ditatorial do regime de Sékou Touré. Obviamente, não iria cuspir na sopa nem dizer mal dos seus hóspedes.... e aliados. Amílcar Cabral (e o seu estado-maior) estava nas mãos do "camarada" Sékou Touré (em relação ao qual, de resto, havia um temor reverencial, visível na maneira como o LC se  referiu a ele da primeira vez que o conheceu, à distância, chegando na sua viatura presidencial ao aeroporto da capital).

Mas não deixou, o AC,  de avançar com a sua própria teoria espontânea  sobre os riscos que estava a correr o próprio PAIGC, cujas sementes de destruição não eram exógenas (ou seja, vindas do exterior) mas endógenas (geradas a partir de dentro), insistindo repetidas vezes que "só nós" (sic) (...) "estávamos em condições de destruir o Partido" (pág, 375). Uma premonição, quiçá, do seu próporio assassinato dois anos mais tarde, em Conacri, a 20 de janeiro de 1973, e onde a participação do Sékou Touré, como autor moral,  está  ainda por esclarecer, bem como a de dirigentes do PAIGC como o Osvaldo Vieira, primo do 'Nino'.

E contou, o AC, para gáudio geral da audiência,   a história ou a fábula do bode que, numa pequena terra se havia celebrizado pela sua extraordinária capacidade de procriação, até ao dia em que o presidente do município local se apressou a comprá-lo e instalá-lo num estábulo-modelo, promovendo-o a "bode municipal"...

A partir daí, bem comido e melhor dormido, o bode desinteressou-se totalmente das cabras. Quando o seu antigo proprietário, indignado, lhe pediu explicações, face às reclamações do seu novo dono ( o presidente do município). o bode limitou-se a responder, cinicamente: "Agora sou funcionário público." (pág. 376).

A mensagem que o AC quis transmitir  aos seus "generais", depois da prova de fogos  que fora, para todos aqueles que  lá estavam, a invasão de Conacri e a tentativa de derrube do regime, era clara: ninguém nos destrói,  a partir de fora, a começar pelos "tugas", se continuarmos de mãos dadas a certar fileiras... Mas nós podemos destruir-nos uns aos outros...

Foi nesta reunião de Boké que apareceu, pela primeira vez, a figura do Partido-Estado. Foi criado o Conselho Superior de Luta no seio do qual era eleito o Conselho Executivo da Luta (pág. 377). Foi também nesta reunião que passaram a fazer parte das Forças Armadas, "as forças regulares - o Exército Popular, a Marinha Nacional e, mais tarde, a Aviação Militar" (pág. 378). Por seu lado, "a Guerrilha e a Milícia foram juntas numa única organização, as Forças Armadas Locais (FAL)", cabendo a sua direção ao Comité Nacional das Regiões Libertadas (sic).

E chegamos ao ponto que nos interessa. No final da reunião, o AC punha mais uma vez o dedo na ferida, manifestando as suas reiteradas preocupações com a "vida pessoal dos quadros e dirigentes do Partido" (pág. 378).

Escreve o irmão, LC:

"Sei bem quanto era doloroso para o Amílcar ter de abordar sempre esta questão delicada cuja origem nascia do comportamento de alguns dos dirigentes da luta" (Negritos nossos)...

E o LC exemplifica, com algum prurido, duas condutas altamente perniciosas para um partido que se pretendia "libertador": 

(i) "o consumo exagerado da bebida alcoólica" (pp. 378/379); 

e (ii) a prostituição, o assédio sexual, a poligamia (pp. 380/383), 

e (iii) implicitamente a cultura do "cabra-macho"... (Claro que ele nunca usa as palavras prostituição, assédio sexual e cabra-macho..).

As questões do álcool e do sexo eram extremamente incómodas e até fracturantes num  "partido revolucionário", de inspiração marxista, como o PAIGC, que se queria frugal, puritano, impoluto. 

Os dirigentes e os quadros sabiam quem eram os visados pelas palavras de AC. Um deles seria o Osvaldo Veira, grande apreciador da "água de Lisboa", acrescentamos nós. 

No caso do álcool, LC conta que havia dirigentes que se davam ao luxo de ter os seus "furadores" privativos (!) para extraírem o vinho de palma, bebida que rareava no mato tal como as bebidas alcoólicas que eram importadas (e disputadas em Conacri).

A questão da "violência sexual" (outra expressão que nunca é usada, por falso moralismo) era outro grave problema que já vinha de trás. Diversos "senhores da guerra" haviam sido denunciados, julgados e condenados à morte, em Cassacá, no I Congresso do PAIGC, em fevereiro de 1964, acusados de brutais abusos sexuais e atrocidades para com a população, e nomeadamente para com as  raparigas e outras mulheres jovens (mas também contra os que os que se opunham a estas práticas horrendas). LC só volta a referir a persistência deste problema por ocasião da reunião de Boké, em finais de 1970.  Isto significa que ele nunca fora resolvido ao longo daqueles anos todos...

"Todos os homens normais gostam de mulheres, dizia ele [ o Amílcar Cabral] (...). No auge do seu desespero em ter de abordar esta questão uma vez mais, o Amílcar acrescentou, elevando ligeiramente a voz: 'Se pensam que são mais machos do que nós, estão enganados, se quiserem podemos ir ao quarto ao lado e fazer a experiência! Temos as nossas mulheres, a nossa família, e sabemos a responsabilidade que nos cabe nesta fase da vida do nosso povo`".(...) (pág. 382).

O que estava em causa era a cultura, então dominante no seio do PAIGC, do "cabra-macho", de peito feito às balas, de "peito vermelho", aguerrido, corajoso, mas também violento, machão, predador sexual...

Umas terceira preocupação do AC (e do LC) era o uso e abuso de amuletos, já abordado nas pp. 166/167. LC revela que os dirigentes do PAIGC, no mato, "tinham sempre um combatente muito jovem, que transportava,  num saco, os variados amuletos a que cada um tinha direito, dada a sua condição de chefia" (pág, 166). 

No caso do 'Nino' Vieira, por exemplo, não se deslocava no mato em situações de combate,  sem o seu arsenal de amuletos, e de pelo menos dois ajudantes (!),  que os carregavam, além de um bigrupo reforçado,  segundo o testemunho (suspeito) do Bobo Queita (que não gostava dele, e ainda mais depois do golpe de Estado de 14 de novembro de 1940).    [ In: Norberto Tavares de Carvalho, "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita". Edição de autor, Porto, 2011. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes. p. 197.)

O AC, de formação católica, filho de ex-padre e professor primário (todavia, sexualmente muito promíscuo, com muitos filhos de várias mulheres), não apreciava também estes "aspectos menos racionais" do comportamento dos seus homens... Mas teve que engolir este e muitos  outros sapos (como, por exemplo,  a "mutilação genital feminina" praticada pelos povos "islamizados" da Guiné: não me lembro de ele alguma vez se ter pronunciado, ou pelo menos escrito, sobre este problema, ele que, de resto,  era pai de duas meninas, filhas de uma portuguesa... que foi alegadamente o "amor da sua vida").

"O amuleto - mezinho, como lhe chamávamos - era uma fraqueza que foi transformada em força pelo Partido" (pág. 166). Quando ainda não havia armas para se defenderem, "o Amílcar entregava-lhe(s) o dinheiro necessário para mandar fazer o mezinho - algumas citações do Corão, escritas em caracteres árabes" (...), amuleto que depois era "cuidadosamente forrado de cabedal, e que tinha a virtude de reforçar no combatente a confiança em si próprio, trazendo-lhe a confiança psíquica indispensável ao bom cumprimento da sua missão (pág. 167).

Umas páginas à frente, LC conta a história caricata de um grupo de estrangeiros, o sociólogo sueco Rolf Gustavson e uma equipa de cineastas e fotógrafos franceses, constituída por Michel Honorim, Giles Caron e Michel Carbeau" (pág. 385). Os franceses vinham do Biafra e queriam ver cenas de guerra e sangue...

Isto passa-se entre Farim e Jumbembem, quase nas barbas das NT. Face ao risco de serem apanhados por uma emboscada das tropas portuguesas, LC deu ordem à escolta, comandada por Bobo Queita, para fazer uma "retirada forçada" até à fronteira... Não tendo nada de interessante para filmar (nem sequer umas tabancas em ruínas, carbonizadas pelo napalm dos colonialistas... ), "o chefe da equipa francesa disse em voz alta que éramos um bando de mentirosos" (sic).

Apesar da desculpa do cansaço físico e da tensão acumulada, o LC é obrigado a ameaçar confiscar-lhe as películas há utilizadas. Resultado: 

"Do documentário que devia ser feito das filmagens de Michel Carbeau, pelo realizador Michel Honorim, chefe da equipa, nunca tivemos notícias" (pág. 387). 

Restou o fotógrafo Gilles Caron que terá feito, mesmo assim, algumas belas imagens dos sítios por onde passou...

Destes (e doutros nomes que andaram pelas "áreas libertadas" a documentar a luta do PAIGC) há escassíssimas referências na Net: vd. Journal of Film Preservation, 77/78, october 2008.

sábado, 11 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24137: Memórias cruzadas: Heremakono ou Hermancono, topónimo de origem mandinga, que quer dizer "à espera da felicidade" (Here=felicidade + makono=esperando) (ler Herêmakonó) (Cherno Baldé)


Senegal > Fronteira com a Guiné-Bissau > PAIGC > Base de Hermancono (antiga Sinchã Djassi, Roel Coutinho chama-lhe "Hermangono") > 1974 >  Mulher 



Senegal > Fronteira com a Guiné-Bissau > PAIGC > Base de Hermancono   > 1974 >  Três jovens estudantes, do sexo feminino.

Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 33 - Hermangono, Guinea-Bissau - Pupils at the northern front - 1974.tif


Senegal > Fronteira com a Guiné-Bissau > PAIGC > Base de Hermancono   > 1974 >  Milícia(s) (assim, de repente, o da esquerda parece levar ao ombro  uma G3). 


Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Comentários ao poste P24124 (*) 

Cherno Baldé,
Bissau
(i) Cherno Baldé:

Caros amigos,

Enquanto a gente tenta encontrar o local preciso onde estaria situada a base logística de Hermancono, navegando na Net encontrei um facto muito interessante sobre a origem e significado do termo.

Heremakono, termo ou nome original que vem do grande 
grupo etnolinguístico mandinga, um dos maiores da região ocidental do continente, designa uma localidade ou área habitacional e, pasme-se, significa "esperando a felicidade" - Here = felicidade + makono = esperando (ler Herêmakonó)  ~topónimo muito frequente e que se pode encontrar em vários países da região que contam com 
a presença deste grupo: Mali, Guiné-Conacri, Costa do 
Marfim, Serra-Leoa, Senegal,  entre outros. 

Mas, no nosso caso, tudo indica que teria sido adoptado pelos elementos da guerrilha filiados no PAIGC que, na verdade, eram das mais diversas origens e credos.

Assim, Heremakono ou Hermancono (a corruptela guineense) seria uma espécie de estação de passagem simbolicamente bem pensada e geograficamente bem situada, enquanto esperavam a felicidade suprema da libertação da sua Guiné-Bissau, onde jorraria leite e mel para a eternidade.

Afinal, os homens do Paigc, para além de bons guerrilheiros, também eram poetas e grandes sonhadores.


(ii) Cherno Baldé:

Em 2002 um cineasta mauritano, Adheramane Sissako, realizou um filme centrado no irrestível sonho e vontade dos jovens africanos para a emigração e deu-lhe o sugestivo nome de Heremakono. E qualquer pesquisa na Net será a primeira informação a aparecer.

7 de março de 2023 às 23:55 

(iii) Tabanca Grande Luís Graça

Eureca!... Cherno, a tua intuição, a tua cultura, a tua santa paciência e sobretudo os teus conhecimentos etno-linguísticos são um "valor acrescentado" para o nosso blogue...

Estou inclinado também a seguir o teu raciocínio... Numa pesquisa na Net também encontrei o topónimo Heremakono, em vários países cujos territórios fizeram parte do antigo Império do Mali... Mas o melhor é citar-te, porque tu é que és o nosso mestre:

(...) Heremakono, termo ou nome original que vem do grande grupo etnolinguístico mandinga, um dos maiores da região ocidental do continente, designa uma localidade ou área habitacional e, pasmem-se, significa "esperando a felicidade" -Here = felicidade  +  makono=esperando- (ler Herêmakonó)...

...topónimo muito frequente e que se pode encontrar em vários países da região que contam com a presença deste grupo: Mali, Guiné-Conacri, Costa do Marfim, Serra-Leoa entre outros .
...Mas, no nosso caso, tudo indica que teria sido adoptado pelos elementos da guerrilha filiados no PAIGC que, na verdade, eram das mais diversas origens e credos.

Assim, Heremakono ou Hermancono (a corruptela guineense) seria uma espécie de estação de passagem simbolicamente bem pensada e geograficamente bem situada, enquanto esperavam a felicidade suprema da libertação da sua Guiné-Bissau, onde jorraria leite e mel para a eternidade.


Teria sido algum "djidiu" que se lembrou de "rebatizar" Sinchã Jassi" (leia-se Sintchã Djassi) com o nome Hermancono ou Hermacono ?

Não há dúvida, Cherno, a guerra também se faz com o "simbólico", a força (imaterial) das ideias, das crenças, da poesia, das palavras, da ideologia, e não só com a força (material) das armas... 

Nisso, o Amílcar Cabral foi mestre... num terreno onde os seus rivais (a FLING) e os seus adversários (os Governos de Salazar e Caetano) falharam...

(iv) Tabanca Grande Luís Graça:

O filme passou em Portugal. 

Sinopse: O filme acompanha o dia-a-dia de Nouhadhibou (Mauritânia), cidade portuária, marcado pelo trânsito de emigrantes para a Europa, onde todos espera encontrar "a sua felicidade". Vencedor do FESPACO 2003

"Heremakono / À espera da felicidade"

Realizador: Abderrahmane Sissako  | Ano: 2002 | Documentário | Duração  95 m  | M/12 | França


Aqui está também uma entrada na Wikipedia (em inglês) sobre o filme do realizador mauritano, Adheramane Sissako, "Waiting for Happiness" (título original: Heremakono) (em francês: "Em attendant le bonheur"; em português: "À espera da felicidade") (*)
 

Tradução rápida, para os nossos leitores:

(...) "Waiting for Happiness" (título original: Heremakono; árabe: في انتظار السعادة, romanizado: fīl-intiẓār as-saʿāda) é um filme de drama mauritano de 2002,  escrito e dirigido por Abderrahmane Sissako. 

Os personagens principais são um estudante que voltou para sua casa em Nouadhibou, um eletricista e seu filho aprendiz e as mulheres locais. O filme é caracterizado por uma sucessão de cenas da vida quotidiana dos personagens que são específicas das suas culturas africanas e árabes, figuras que parecem arrancadas às páginas do livro Temporada de Migração para o Norte,  do romancista Tayeb Saleh (موسم الهجرة إلى الشمال). 

O espectador deve interpretar as cenas sem muita ajuda do narrador ou do enredo, enquanto a estrutura do filme se baseia nuuma série de momentos mundanos, mas visualmente atraentes, muitos dos quais se repetem em outras obras da obra de Abderrahmane Sissako, incluindo cenas numa barbearia. e numa cabine de fotos, também presente no seu anterior filme La Vie Sur Terre e posteriormente em Timbuktu. 

O filme apresenta momentos típicos mauritanos de beleza, luta, alienação e humor, vividos por grupos socialmente divididos entre si, como as mulheres Bidhan bebendo chá e fofocando, migrantes da África Ocidental passando pela Mauritânia para chegar à Europa (e encontrando uma camarada mal sucedido que deu à costa). 

O jovem protagonista que voltou, interage com todos esses grupos como um estranho, enquanto luta para se lembrar até mesmo de seu próprio dialeto árabe Hassaniya, mas prefere o francês. Muitos dos temas e personagens pressagiam o filme de Sissako de 2014, Timbuktu, e ambos exploram identidades liminares do Sahel autenticamente situadas na vida quotidiana. Esperando a Felicidade estreou-se no Festival de Cannes 2002 na seção Un Certain Regard.(...)

Sobre o realizador, ver também aqui uma entrada na Wikipedia (em português):

https://pt.wikipedia.org/wiki/Abderrahmane_Sissako

8 de março de 2023 às 15:45 
 
(v) Cherno Baldé:

De salientar que o apelido do realizador mauritano "Sissako" é o mesmo que em outros países, nomeadamente Mali (o grande centro difusor da cultura e de expansão populacional), a República da  Guiné e a nossa Guiné- 
Bissau é Sissoco ou Sissokó.

Ainda, na época colonial havia quem respondesse por Sisseco ou Sisseko, como o caso do ex-alf 'comand0' do Batalhão de Comandos (primeira companhia?). Família de "Djidius" e artistas de longa tradição africana que se espalharam por toda a região Oeste do Oeste e hoje na diáspora.

O vocábulo "makonó", muito utilizado no folclore local, não era muito estranho aos meus ouvidos, grande consumidor, desde a infância, da chamada hoje música Afro-mandinga, mas a corruptela guineense "Hermancono" fazia muito ruído sensorial que impedia a sua compreensão imediata.
___________

Nota do editor:

(*) Vd. poste e 7 de março de 2023 > Guiné 61/74 - 24124: Memórias cruzadas: A base (logística) de Sinchã Djassi / Hermancono, na fronteira com o Senegal (contributos de Carlos Silva, Leopoldo Amado e A. Marques Lopes)

quarta-feira, 1 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24110: Memórias cruzadas: onde ficava a base (logística e operacional), do PAIGC, de Hermacono? Segundo informação recolhida por Cherno Baldé, junto de um antigo guerrilheiro, ficava na linha de fronteira com o Senegal, no vértice de um triângulo que tinha como base as tabancas (abandonadas) de Farincó e Fambantã, a oeste da estrada Farim-Jumbembem


Guiné > Região do Oio > Mapa geral da província da Guiné (1961)  / Escala 17500 mil > O possível triângulo Farincó - Fambatã - Hermacono (na linha de fronteira com o Senegal)


Guiné > Região do Oio > Carta de Jumbembem (1953))  / Escala 1/50 mil > O possível triângulo Farincó - Fambatã - Hermacono (na linha de fronteira com o Senegal)

Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. C
omentário do nosso colaborador permanente Cherno Baldé (Bissau, mais de 270 referências no nosso blogue) ao poste P24107 (*)


Caro amigo Luis Graça,

A informação que consegui obter junto de um antigo guerrilheiro, é que a base de Ermancono ou Hermacono ficava situada perto da fronteira e nas proximidades de 3 aldeias abandonadas (Fambanta-Farinco fula e Farinco mandinga) formando um triângulo quase perfeito se tomarmos como base a estrada Farim-Jumbembem com as duas localidades a servirem de ângulos ou vértices A e C. Visto desta forma, o ângulo de cima (Vértice B) estaria próximo das localidades citadas acima (Fambanta e as duas Farinco).

Esta informação trouxe-me de volta ao livro de Amadu Bailo Djalo no depoimento sobre a sua primeira missão em Farim com o Capitão de uma das companhias sediadas em Farim num camião cujo o motor aquecia e ao qual era preciso pôr água para arrefecer (**). A missão, segundo ele, estava relacionada com a recuperação da populaçao fula da aldeia de Lambã situada mesmo na linha da fronteira e que não se sentia segura devido a infiltração frequente dos guerrilheiros. Estou em crer que o objectivo daquelas manobras na altura estaria ligado à necessidade de conseguir espaços de futuras infiltrações para o interior do território.

De notar que este corredor (de Sambuia ou Lamel?) estava ligado às bases situadas no Oio (Canjambari-Samba-Culo entre outros).

Todavia, o homem grande (antigo combatente) não conseguiu decifrar-me o significado do termo Ermancono / Hermacono) utilizado para designar a base do PAIGC.

Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
28 de fevereiro de 2023 às 12:57


2. Excerto de relatório da 2.ª Repartição/CCFAG relativo ao período de 01jan73 a 15out74,  pág. 18 (***)

(...) Dispositivo geral do PAIGC e objectivos

Algumas das Bases ao longo da fronteira tinham simultaneamente carácter operacional e logístico, constituindo pontos de apoio à entrada de grupos armados e de colunas de reabastecimento. Assim:

Na Zona Oeste, dispunha fundamentalmente das Bases de M'Pack, Campada, Sikoum, Cumbamory e Hermacono, sediadas na faixa fronteiriça da Rep Senegal, a partir das quais actuava contra as guarnições de S. Domingos, Ingoré, Guidaje, Farim e Cuntima e infiltrando-se pelos "corredores" da Sambuiá e Lamel irradiava para o interior do TO, respectivamente em direcção às áreas fulcrais de:

- Tiligi, Naga-Biambe e Caboiana-Churo, donde ameaçava directamente o "Chão" Manjaco e as povoações e Aquartelamentos ao longo do eixo Có - Bula - Binar - Biambe - Bissorã;

- Bricama, Morés e Sara, donde ameaçava as povoações e aquartelamentso ao longo do eixo Mansoa - Mansabá - Farim, a península de Nhacra e, indirectamente a ilha de Bissau; 

(Itálicos e negritos nossos: LG)



Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 > Organizando um coluna logística que vai levar armas até à base de Hermacono, na fronteira... Na imagem, um camião russo, de marca Gaz (segundo nos parece)... Para ir até à fronteira, devia haver uma estrada entre Ziguinchr e Hermacono (o fotógrafo chama-lhe Hermangono).

Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 23 - Life in Ziguinchor, Senegal - Carrying weapons to Hermangono, Guinea-Bissau - 1973 (Com a devia venia... )

Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
___________


(**) Vd. poste de 12 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23777: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VII: Em Farim, com o BCAV 490, do ten-cor Fernando Cavaleiro, até meados de 1964... Abatises e emboscadas no itinerário Farim-Jumbembem-Cuntima

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24107: "Una rivoluzione...fotogenica" (8): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte VII: A vida em Ziguinchor, Senegal

Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 >  Organizando um coluna logística que vai kevar armas até à base de Hermacono, na fronteira / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 23 - Life in Ziguinchor, Senegal - Carrying weapons to Hermangono, Guinea-Bissau - 1973


Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 >  Kalashnikovs AK-47 para Hermacono / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 24 - Life in Ziguinchor, Senegal - Carrying weapons to Hermangono, Guinea-Bissau - 1973



Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 >   Vacinação contra o cólera. O dr. Roel Coutinh segurador um injetor de jato  / Foto: 
ASC Leiden - Coutinho Collection - G 02 - Ziguinchor, Senegal - Vaccinations - 1973


Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > Primavera de 1973 >  Uma enfermeira / Foto:  ASC Leiden - Coutinho Collection - 2 25 - Ziguinchor hospital - Senegal - Nurse - 1973



Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > 1973 > Enfermeira > ASC Leiden - Coutinho Collection - 8 05 - Nurse in Ziguinchor hospital - 1973


Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > 1973 > A enfermeira francesa Nicole Dicop,   administradora do hospital do PAIGC  em Ziguinchor, desde 1971 até a primavera 1973; aqui com  o enfermeiro da Guiné-Conacri, Sekou Touré  / Foto: ASC  Leiden - Coutinho Collection - G 19 - Life in Ziguinchor, Senegal - French nurse Nicole with PAIGC male nurse Sekou Touré (in Ziguinchor) - 1973


Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > 1973 > Anneke Coutinho-Wiggelendam no Hospital do PAIGC de Ziguinchor / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 11 04 - Ziguinchor hospital, Senegal - 1973




Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)

1. Da coleção fotográfica de Roel Coutinho, relativa à sua estadia junto do  PAIGC na Guiné e no Senegal, entre março de 1973 e abril de 1974, apresentamos hoje mais uma seleção de imagens, editadas por nós, relativas  à base logística de Ziguinchor, Senegal. 

Aqui funcionava um hospital (onde durate muito tempo o único médico residente era o português, nascido em Angola, o dr. Mário Moutinho de Pádua) e daqui seguiam também, no final da guerra, colunas logísticas com armamento que era descarregado e levado para a base de Hermangono (ou Hermacono, segundo as autoridades militares portuguesas da época), na linha de fronteira.

Ainda não conseguimos localizar onde ficava Hermacono, talvez no corredor de Sambuiá (?). Segundo a instituição a quem foi doada a coleção de mais de um milhar de fotos e "slides", o African Studies Centre (ASC), Leiden, Hermangono (ou Hermacono)  seria "uma pequena aldeia na Guiné-Bissau, a um dia de distância da fronteira senegalesa", mas não se indica a sua exata localização...(Temos dúvidas se era dentro do território português, se era já no Senegal.)

Também não encontrámos este topónimo, nem na "Crónica da Libertação", do Luís Cabral (Lisboa, O Jornal, 1984) (que, cronologicamente, termina na data do assassinato de Amílcar Cabral, ou seja, em janeiro de 1972), nem no Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum, nem muito menos nas nossas antigas cartas militares.

Como fotógrafo (amador), Coutinho não se deixou deslumbrar pelas armas nem pela guerra... Não são muitas as fotos dos combatentes e do seu armamento, privilegiou antes outros aspectos da vida no "mato" (para usar um termo caro às NT): a prestação de cuidados de saúde, a educação, a população, as crianças, o quotidiano,  etc.

Com a esposa, Anneke Coutinho, escreveu um artigo, Report from Guinea-Bissau, publicado nº 2 da revista Kroniek van Africa, 1974, pp. 210-219.

Resumo do artigo (originalmente em inglês): 

"Os autores em 1973/74 integraram as actividades do Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde na Guiné-Bissau (ex-Guiné Portuguesa). Nestas impressões de observadores participantes,  descrevem, a partir de um esboço da criação do PAIGC (em 1956 sob a direção de Amílcar Cabral) e da sua luta armada pela libertação do país do regime colonial português, vários aspectos da política do PAIGC nas áreas liberadas, por ex. assistência médica (postos médicos, hospitais, instalações, fornecimento de medicamentos), solução democrática de conflitos, organização da educação escolar, provisão de necessidades essenciais através de lojas populares, mobilização da consciência política e motivação da população, da elite política e seu futuro. A conclusão dos autores é que as perspectivas futuras da Guiné-Bissau são mais promissoras do que naqueles outros países do Terceiro Mundo que não conheceram nenhuma luta armada".


2. São fotos de um  jovem  médico,   Roel Coutinho,  hoje um prestigiado médico, epidemiologista e professor,jubilado, de epidemiologia e prevenção de doenças transmissíveis: esteve no Senegal e na Guiné-Bissau, em missão sanitária que não exluia a simpatia política (não sabemos se durante um ou mais períodos, entre março de 1973 e abril de 1974).

Tinha acabado de se licenciar  em medicina (em 1972). Especializar-se-ia depois em microbiologia médica. Doutorou-se em 1984, em doenças sexualmente transmissíveis. É um especialista mundial em HIV/Sida, com mais de 600 artigos publicados em revistas científicas.

Recorde-se que Roel Coutinhyo nasceu  em 1946, nos Países Baixos, em Laren, perto de Amesterdão, província da Holanda do Norte.  

Tem ascendência luso-judaica, sefardita: os antepassados, marranos ou cristãos-novos, devem ter saído de Portugal para a Holanda no séc. XVII. Os portugueses, cristãos novos, e de novo reconvertidos ao judaísmo, constituíam uma comunidade prestigiada e influente, pela cultura, o dinheiro e o poder. Sempre usaram os seus apelidos portugueses até à II Guerra Mundial. 

Prova da importância da comunidade luso-judaica de Amesterdão (onde nasceu o grande filósofo Espinosa, 1632-1677),   é a "Esnoga", a monumental Sinagoga Portuguesa,   inaugurada em 1675, e chegou a ter 3 a 4 mil fiéis.

Hoje  a comunidade está reduzida a umas escassas centenas de pessoas: espantosamente o edifício da "Esnoga Portuguesa",  minumento nacional, escapou à destruição da II Guerra Mundial e à ocupação nazi; é visita obrigatória para os portugueses que forem a Amesterdão.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24014: "Una rivoluzione...fotogenica" (7): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte VI: O quotidiano dos guerrilheiros na base de Hermacono (Senegal)...


Guiné > Região Norte, fronteira com o Senegal  > Hermangono > PAIGC > 1974 > Comandante militar / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 11 - Hermangono, Guinea-Bissau - Military commander of Hermangono, Northern Guinea-Bissau - 1974


Guiné > Região Norte, fronteira com o Senegal  > Hermangono > PAIGC > 1974 >  Camas dos combatentes escavadas no chão / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 13 - Hermangono, Guinea-Bissau - Military trench beds - 1974


Guiné > PAIGC > Região Norte, fronteira com o Senegal >  Soldado com a sua mulher / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 14 - Hermangono, Guinea-Bissau - Soldier with wife - 1974.tif

Guiné > Região Norte, fronteira com o Senegal  > Hermacono > PAIGC > 1974 > Combatentes em frente a uma palhota /Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 18 - Hermangono, Guinea-Bissau - Soldiers in front of a hut - 1974


Guiné > Região Norte, fronteira com o Senegal > Hermacono > PAIGC > 1974 > Dois combatentes em frente a uma palhota, com uma criança / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 21 - Hermangono, Guinea-Bissau - Soldiers in front of a hut with a child - 1974


 
Guiné > Região Norte, fronteira com o Senegal  > Hermacono > PAIGC > 1974 >  Combatentes e carregadores num momento de descanso./ Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 22 - Hermangono, Guinea-Bissau - Soldiers and carriers relaxing - 1974


Guiné > Região Norte, fronteira com o Senegal  > Hermacono > PAIGC > 1974 > Dois combatentes "à volta do tacho"/ Foto; ASC Leiden - Coutinho Collection - D 17 - Hermangono, Guinea-Bissau - Soldiers cooking - 1974


 Guiné > Região Norte, fronteira com o Senegal  > Hermacono > PAIGC > 1974 >Dois combatentes, no intervalo da guerra, fazendo o seu TOC escolar... / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 15 - Hermangono, Guinea-Bissau - Military learning to read and write - 1974


Guiné > Região Norte, fronteira com o Senegal > Hermacono > PAIGC > 1974 > A formatura da alvorada / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 19 - Hermangono, Guinea-Bissau - Morning roll call in Hermangono - 1974


 Guiné > Região Norte, fronteira com o Senegal  > Hermacono > PAIGC > 1974 > Inspeção às "tropas" (i) ... / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 16 - Hermangono, Guinea-Bissau - Military inspection in Hermangono - 1974


 Guiné > Região Norte, fronteira com o Senegal  > Hermacono > PAIGC > 1974 > Inspeção às "tropas" (ii) ... / Foto: :ASC Leiden - Coutinho Collection - D 20 - Hermangono, Guinea-Bissau - Morning roll-call in Hermangono - 1974


Guiné > Região Norte, fronteira com o Senegal  > Hermacono > PAIGC > 1974 > Uma saída  / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 12 - Hermangono, Guinea-Bissau - Military on the way - 1974



Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
 
1. Roel Coutinho é um prestigiado médico, epidemiologista e professor, hoje jubilado, de epidemiologia e prevenção de doenças transmissíveis,  nascido em 1946, nos Países Baixos, em Laren, perto de Amesterdão, província da Holanda do Norte. Licenciou-se em medicina em 1972, esteve no Senegal e na Guiné-Bissau em 1973/74 em visita ao PAIGC, em missão sanitária. Especializou-se depois em microbiologia médica, doutorou-se em 1984, em doenças sexualmente transmissíveis; é um especialista mundial em HIV/Sida, com mais de 600 artigos publicados em revistas científicas. 

Tem ascendência portuguesa, e judaica: os antepassados, marranos ou cristãos-novos, devem ter saído de Portugal para a Holanda  no séc. XVII.  Os portugueses, cristãos novos, e de novo reconvertidos ao juadaísmo, constituíam uma comunidade prestigiada, pela cultura, o dinheiro e o poder. Sempre uaram os seus apelidos portugueses.  Prova doo seu estatuto, é a "Esnoga", a monumental Sinagoga Portuguesa, em Amsterdão, que chegou a ter 3 a 4  mil fiéis; hoje a comunidade está reduzida a umas escassas centenas de pessoas: espantosamente o edifício da "Esnoga Portuguesa", do séc. XVII, escapou à destruição da II Guerra Mundial e à ocupação nazi; é visita obrigatória para os portugueses que forem a Amesterdão.

Da coleção Coutinho, relativa à sua visita ao PAIGC na Guiné e no Senegal, entre março de 1973 e abril de 1974, apresentamos hoje uma seleção de imagens, editadas por nós, relativas ao quotidiano dos combatentes do PAIGC em Hermangono, na "região Norte,  junto à fronteira do Senegal".  

Como fotógrafo (amador), Coutinho não se deixou deslumbrar pelas armas nem pela guerra... Não são muitas as fotos dos combatentes, privilegiou antes outros aspectos da vida no "mato" (para usar um termo caro às NT):  a prestação de cuidados de saúde, a educação, a população, etc.

2. Não conseguimos, até hoje, localizar este lugar, Hermangono (ou Hermacono, segindo a 2ª Rep QG/CC/FAG.  

Segundo a instituição a quem foi doada a coleção de mais de um milhar de fotos e "slides", o African Studies Centre (ASC), Leiden, Hermangono seria "uma pequena aldeia na Guiné-Bissau, a um dia de distância da fronteira senegalesa", mas não se sabe a sua exata localização... 

Também não encontrámos este topónimo, nem na "Crónica da Libertação", do Luís Cabral (Lisboa, O Jornal, 1984), nem no Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum, nem nas nossas antigas cartas militares.

Pergunta-se a quem sabe: Hermangono (ou Hermacono)  seria no corredor de Sambuíá, que tinha início em Cumbamori?

3. Alguns pormenores interessantes sobre os combatentes do PAIGC aqui fotografados:

(i) não viviam nem dormiam em "resorts" turísticos de "luxo": os nossos, apesar de tudo, sempre eram melhores; 

(ii) não há estruturas edificadas, de alvenaria, nem propriamente abrigos ou trincheiras, e a camuflagem não era "famosa"; 

(iii) quase todos calçam sandálias de plástico, provavelmente "made in China"; 

(iv) o fardamento é de diferentes tipologias e cores;

(v) parte deles estão à civil; 

(vi) alguns tinham família (uma ou mais esposas, filhos); 

(vii) não tinham "rações de combate", tinham que fazer a sua própria "bianda" (não há messe nem cantina...);

(viii) aparentam ser jovens, alguns deviam ter sido recrutados recentemente, apesar das crescentes dificuldades do PAIGC em renovar as suas fileiras; 

(ix) as formaturas têm todo o ar de terem sido feitas para a "fotografia", para o "jovem amigo e médico holandês";

(x) botas, relógios de pulso e rádios portáteis deviam ser um privilégio (isto é, só para alguns, o comandante de bigrupo, o comissário político); 

(xi) não se veem armas pesadas;

(xii) Hermangono parece ser mais um "barraca" do que uma base (como Morés ou Sara) (e, pelo aparente à vontade dos seus  habitantes podia estar já situada em território senegalês, com menos riscos de ser bombardeada pela aviação ou pela artilharia dos "colonialistas"); 

(xiii) estamos, de resto, numa altura, 1.º trimestre de 1974 (as fotos devem ser de março / abril), em que o PAIGC já tinha carta branca do Senghor para poder circular pelo Senegal, com "armas e bagagens" (os primeiros anos não nada foram fáceis, segundo o testemunho do Luís Cabral nas suas memórias).
_________

Nota do editor:

Último poste da série > 13 de janeiro de 2023> Guiné 61/74 - P23977: "Una rivoluzione...fotogenica" (6): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte V: os "hospitais" do mato e o pessoal de saúde cubano