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terça-feira, 22 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27043: Notas de leitura (1822): 2ª edição do livro do nosso José Saúde, "Aldeia Nova de São Bento" (Lisboa, Edições Colibri, 2021, 299 pp.)



Foto nº 1 > Aldeia Nova de São Bento, concelho de Serpa,  anos 30 > O Poço do Lobo  (1)... Hoje fica na Rua do Poço do Lobo. A povovoação, cuja origem remonta à guerra da restauração (Séc. XVII) foi elevada à categoria de vila em 1988.


Fotos nºs 2 > Aldeia Nova de São Bento, concelho de Serpa, anos 30 > O Poço do Lobo  (2)


Foto nº 3 > Aldeia Nova de Sáo Bento, concelho de Serpa > s/d > Rapariga com "enfusa" à cabeça


Foto nº 4 >  Aldeia Nova de Sáo Bento > Serpa   > José saúde, o autor quando jovem... Aos 9 meses, em 1951...Vê-se o braço da mãe, que o ampara...

José Saúde > Página do Facebook > Fotos do seu álbum (Com a devida vénia...). Presume-se que as fotos nºs 1,2 e 3 sejam do domínio público. (LG)


Fotos (e legendas): © José Saúde (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O nosso José Saúde,  jornalista e escritor, ex-fur mil OE/Ranger, CCS/BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), antigo desportista, "aldeano", hoje a viver emn Bejam membro da nossa Tabanca Grande, com 255 referências no nosso blogue, publicou em 2021 o seu decimo livro;

José Saúde - "Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes" 2.ª ed. Lisboa: Edições, 2021, 299 (Prefácio de David Monge da Silva) (Preço de capa atual: 14,40 €).

Apraz-nos registar que a obra foi muito bem aceite pelos seus conterrâneos, pelo que já saiu uma 2ª edição. Vão daqui as nossas palmas para ele e os demais "aldeanos".

Aproveiutamos para publicar, editadas, algumas fotos do seu álbum, disponíveis na sua página do Facebook.


Sinopse

Recanto de imensas conversas, a bica, onde o pessoal da nossa aldeia recorria para encher mais uma “enfusa” de água ou para atestar mais uma pipa instalada num carro de animais que se protegiam debaixo de um enorme chorão ali existente, era um local deveras enternecedor.

(…) Mulheres trajando com os xailes pretos, assim como outras com lenços atados à cabeça, outras com “enfusas” já cheias e transportadas irrepreensivelmente sobre a nuca, outras esperando, gentilmente, que chegasse a sua vez para chegarem às bicas de água, que eram duas, uma menina de pé descalço, um burro que bebia na pia localizada a meio. Enfim, pedaços de histórias que ficam aqui retratadas e que visam trazer à opinião pública um passado que merece um inexcedível respeito.

***

(...) "Ao ler estas deliciosas crónicas regresso de imediato à minha infância e adolescência, a um tempo de felicidade em que todos os nossos familiares e amigos estavam connosco para nos ajudar a crescer e descobrir, sem sobressaltos, o mundo e a vida.

(...) Tudo hoje é diferente. O passado apenas subsiste na minha memória, nas minhas recordações. Somos as nossas memórias. Somos quem fomos. É a nossa história que nos caracteriza e define.

(...) Eu e o Zé Saúde vivemos a nossa infância e juventude nas décadas de 50 e 60, conhecemos a nossa aldeia com a sua população máxima, e acompanhámos o seu progressivo decréscimo.

(...) As memórias que nos são trazidas nesta obra situam-se, sobretudo, nestas duas décadas, trazem-nos personagens, profissões, modos de vida, relações sociais e formas de convívio que não voltarão mais. Há que ler atentamente para que os mais idosos recordem as suas vivências e os mais novos conheçam um pouco do que foi a vida dos seus pais e avós. Este livro é serviço público." (...)


David Monge da Silva | Fonte. Edições Colibri, página do Facebook, 19de dezembro de 2021 


Sobre o autor, José Saúde:

(i) nasceu em Aldeia Nova de São Bento no dia 23 de novembro de 1950, todavia, o seu registo oficial de nascimento reporta-se a 23 de janeiro de 1951;

(ii) desportivamente, iniciou a sua carreira futebolística no Despertar Sporting Clube e aos 16 anos ingressou no Sporting Clube de Portugal;

(iii) como jogador sénior representou o Desportivo de Beja, o FC Serpa e em 1974 foi um dos grandes impulsionadores do futebol de competição na Aldeia Nova de São Bento ao reativar a atividade no Clube Atlético Aldenovense;

(iv) tem colaborado ativamente na Imprensa Regional e Nacional como comentador desportivo.e como cronista do que foi a vida dos seus pais e avós;

(v) tem uma dezena de livros publicados, sobre a sua história de vida,  incluindo  a sua experiència omo militar na Guiné, durante a guerra colonial.


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Nota do editor LG:

Último poste da série > 18 de julho de 202 > Guiné 61/74 - P27030: Notas de leitura (1820): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) - 3 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27039: Agenda Cultural (897): Programa "Linha da Frente", reportagem "Marcados pela Guerra": RTP 1, quinta-feira, dia 24, às 21h00... Um dos participantes é o nosso camarada José Saúde (ex-fur mil OE/Ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74; vive em Beja)



O nosso camarada José Saúde (ex-fur mil OE / Ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74; vive em Beja; tem 254 referências no nosso blogue) é um dos participantes  no programa “Linha da Frente": esta semana, dia 24 de julho, quinta-feira, às 21h, na RTP1. A não perder.

Imagens: O Zé Saúde, fotrograma do "trailer" do documentário, e página do Facebook do programa "Linha da Frente" (  com a devida vénia...


Sinopse

“Marcados Pela Guerra” é uma reportagem da jornalista Sandra Claudino, com imagem de Emanuel Prezado, e edição de Nuno Castro,  para ver no “Linha da Frente, esta semana, dia 24 de julho, quinta-feira, às 21h, na RTP1.

Entre 1961 e 1974 cerca de 800 mil jovens portugueses partiram para combater nas colónias africanas. 

Hoje, 60 anos depois, a guerra mantém-se viva na memória dos que estiveram nas três frentes de batalha: Angola, Guiné e Moçambique.

“Marcados Pela Guerra” mostra a profundidade e persistência do impacto psicológico da Guerra Colonial nos ex-combatentes.

O stress pós-traumático, frequentemente não diagnosticado e silenciado ao longo de décadas,  moldou vidas e deixou marcas invisíveis na saúde mental de milhares de homens.
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 20 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27037: Agenda cultural (896): 9ª edição da Recriação Histórica da Batalha do Vimeiro 1808: Lourinhã e Vimeiro, 18, 19 e 20 de julho de 2025 - II ( e última) Parte

sábado, 12 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27008: S(C)em Comentários (75): "Filhos de tuga" ?!... Muito bem, "serão centenas, serão milhares", diz a Catarina Gomes... "Restos de tuga", diria a "Maria Turra", com sarcasmo, crueldade, desumanidade e racismo... E então os "filhos da guerra" de pais cabo-verdianos, guineenses, angolanos, moçambicanos, e quiçá goeses, macaenses e timorenses ? E os "filhos de Amílcar Cabral" ? E os filhos dos "combatentes da liberdade da Pátria" ? E os "filhos dos cubanos" ?... São "restos... de quê" ? ...Parece aqui haver também alguma ingenuidade...





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Dauda "Viegas", "filho do vento" e "mascote da companhia"... Cresceu, casou, teve duas filhas, vivia  em Bissau, morreu por volta de 2009, com cerca de 45 anos... Em miúdo, em 1967/68,  vivia em Guileje praticamente com os militares, que o alimentavam e cuidavam dele... Dizia-se, na caserna, que era a cara chapada do pai.

Foto do album do nosso saudoso capitão José Neto, ex-cap SGE (1929-2007).

Foto (e legenda): © José Neto (2005). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Quantos filhos, de mulheres angolanas, guineenses e moçambicanos, e de soldados portugueses, "ficaram para trás" ? É uma pergunta dolorosa, mas tem que ser feita... Ou noutros termos: quantos "filhos de tuga" ficaram sem pai ?

Não gosto da expressão "filhos de tuga"... Nem muito menos da expressão profundamente cruel, desumana, racista, usada pelo PAIGC, "restos de tuga"...

Também não gosto da expressão "filhos do vento", da autoria do meu amigo e camarada José Saúde... 

Vejamos: Portugal mobilizou cerca de 800 mil homens para os teatros de operações da guerra colonial. Mas desses 30% eram soldados do recrutamento local, que também deixaram filhos nos sítios por onde passaram... Todos eles, brancos e negros, tinham capacidade de procriar...

Sendo africanos, mas deslocados, os eventuais filhos dos nossos camaradas oriundos de Angola, Guiné e Moçambique também seriam "mestiços" (termo genérico e mais "neutro"  para designar pessoas com ascendência de duas ou mais etnias diferentes) ... 

Mas não  teriam, tal como os filhos de portugueses da metrópole, traços do fenótipo caucasiano... Logo, seriam mais fáceis de passar "despercebidos" nas suas comunidades...  E não seriam tão facilmente vítimas de discriminação, perseguição e "bullying", com base na "cor da pele", tal como os "filhos de tuga"...

Enfim, é bom não esquecer esta realidade, complexa e sensível, da mestiçagem (filhos de um branco e de uma negra, filhos de negros de diferentes territórios e etnias, filhos de brancos e de mestiços filhos de mestiços e mestiços)...que vem complicar as nossas contas, a nossa abordagem do problema e sobretudo a procura de soluções para este "drama social" criado pela guerra...

Mas também serve para "desmistificar" muita coisa... Há filhos da guerra de pais portugueses, cabo-verdianos, guineenses, angolanos, moçambicanos, goeses, macaenses, timorenses...

Por que razão  é que falamos "apenas" dos "fidju di tuga" ?

Os americanos também tiveram esse problema... Chamaram a esses filhos bastardos da guerra "amerasians", amerasianos, "G.I. Babies" e outros "mimos", filhos de soldados americanos, brancos e agro-americanos,  e de mulheres vietnamitas, mas também cambojanas, laocianas, coreanas, tailandesas... Parte desses soldados eram de origem afro-americana (sobrerrepresentados no seio dos G.I., a "tropa-macaca" norte-americana) ... Os seus filhos teriam um fenótipo diferente...

Cabo Verde, que não conheceu a guerra, também deu homens para a guerra. Tal como Macau. E provavelmente São Tomé e Príncipe. Sem esquecer Goa, Damão e Diu, que só foi ocupada pela Índia, em finais de 1961.

Com toda a certeza, ou com base na lei das probabilidades, os 30 % de militares que integraram o "exército colonial", os guineenses, os angolanos e os moçambicanos , também espalharam alegremente o seu ADN por aquelas terras. Muitas das relações com mulheres locais, mesmo consentidas ( o que provavelmente terá sido o caso, mesmo que "assimétricas", do ponto de vista do poder) eram desprotegidas... Ainda não havia o HIV / SIDA e pensava-se que a "bala mágica", a penicilina, curava tudo (as doenças sexualmente transmissíveis).

E os cubanos que fizeram a a guerra da Guiné ? E combateram, a partir de 1975, em Angola ? E os "combatentes da liberdade da Pátria" ? Enfim, os " filhos de Amílcar Cabral"... são restos de quê...? A pergunta não ofende...Todos tinham, afinal, uma moral, "revolucionária", uns , "reacionária", outros...


2. Em Portugal (mas também em Angola, Guiné e Moçambique) nunca saberemos responder à questão: " Quantos foram, ou ainda são, os filhos dos militares portugueses, metropolitanos e do recrutamento local, que ficaram para trás ?"...

Catarina Gomes, que tem feito jornalismo de investigação nesta área (tem livros e um documentário, a passar na RTP, "Filhos de Tuga"), diz que não sabe: fala numas centenas, que podem ser uns milhares... 

A associação guineense "Fidju di Tuga" tem 50 membros

A Embaixada Portuguesa em Bissau nunca fez, ao que saibamos, nenhum levantamento de pessoas (hoje na casa dos 50/60 anos) com eventual origem portuguesa, filhos de militares portugueses, que passaram pela Guiné, entre 1961 e 1974... Tem nunca saberemos os que já morreram, como o Dauda, ou  foram vítimas de infanticídio.

Acho que temos que voltar à "guerra do Vietname", revisitar o drama dos "children of the dust", os "amerasians", cujo númeo se estima em 25 mil / 50 mil... 

(Continua)

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 Nota do editor LG. : 

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26981: Diálogos com a IA (Inteligència Artificial) (5) : a origem da expressão "Filhos do Vento" (="Filhos de Tuga") e a "paternidade" do José Saúde




21 "filhos do vento" ou "fidju di tuga" (10 homens, 11 mulheres), membros da associação "Fidju di Tuga", criada em 2013 (com a ajuda da jornalista e escritora Catarina Gomes)

Fotogramas: Filhos de Tuga > Ao Pai Desconhecido | Episódio 1 de 3 | Duração: 52 min | RTP 1 | Episódio 1 | 02 Jul 2025 (realização: João Gomes e Catarina Gomes, 2025) (*)

 (Cortesia de  RTP > Programas TV)

Edição de imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


(...) A Associação Fidju di Tuga/Filho de Tuga-Associação da Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes na Guiné-Bissau foi criada em 2013 para representar os chamados Fidju di Tuga, expressão que traduzida do crioulo significa Filho de Tuga, e que durante todas as nossas vidas foi usada para nos designar/ insultar na Guiné-Bissau.

Somos filhos de ex-combatentes portugueses que estiveram na Guiné-Bissau durante a guerra colonial/guerra da libertação e que tiveram filhos com mulheres guineenses e os deixaram para trás. Muitos de nós até hoje apenas sabem os apelidos e patentes dos nossos pais, dados incompletos que não nos permitiram saber quem é nosso pai português e tentar entrar em contacto com ele.

Criámos esta associação para representar todos estes filhos que ficaram. Somos actualmente cerca de meia centena de membros, apenas em Bissau. Estimamos que existam pelo menos meio milhar de "filhos de tuga" espalhados pelo país, todos nascidos durante os anos da guerra ou no ano imediatamente a seguir ao regresso definitivo das tropas portuguesas.

Os nossos pais estiveram na Guiné-Bissau ao serviço do Estado Português. Os abaixo-assinados vêm por este meio pedir o reconhecimento do seu legítimo direito à nacionalidade portuguesa como filhos de pais portugueses, solicitando que a sua causa seja debatida no Parlamento português. (...)

 

I. Perguntámos à IA (Inteligêrncia Artificial) qual a origem da Expressão "Filhos do Vento" ? (**)

(i) Resposta do ChatGPT:

A expressão "filhos do vento" tem origens e significados variados, dependendo do contexto cultural, histórico e simbólico em que é usada. Aqui estão algumas das principais origens e interpretações:

1. Origem Poética e Simbólica

A expressão "filhos do vento" é frequentemente usada de forma metafórica ou poética para descrever pessoas ou seres associados à liberdade, velocidade, evasão, natureza ou espiritualidade.

"Vento" simboliza o que é invisível, livre, incontrolável e poderoso, e "filhos do vento" seriam aqueles que compartilham essas qualidades. Pode referir-se a espíritos livres, nómadas, viajantes, povos indígenas, ou mesmo animais velozes.

2. Ciganos e Povos Nómadas

Em algumas culturas, "filhos do vento" é uma expressão associada ao povo cigano, por causa de sua vida nômade e da forma como se movem livremente pelo mundo.

O termo expressa tanto a admiração pela liberdade do estilo de vida quanto, por vezes, um olhar romântico ou exótico sobre esses povos.


II. E no contexto da guerra colonial na África Portuguesa, nos anos 60/70 ?

(ii) Geminia IA / Google:

A expressão "filhos do vento" em blogues sobre a Guerra Colonial Portuguesa em África refere-se às crianças nascidas de pais militares portugueses e mães africanas durante o conflito.

O termo evoca a ideia de que essas crianças eram, de certa forma, "levadas pelo vento", ou seja, deixadas para trás, muitas vezes sem o reconhecimento paterno ou o suporte dos seus pais biológicos após o fim da guerra e o regresso dos militares a Portugal.

É uma expressão que sublinha o abandono, a falta de raízes e a identidade complexa que muitas dessas crianças enfrentaram, sendo muitas vezes estigmatizadas ou tendo dificuldades em serem integradas tanto na sociedade africana quanto na portuguesa.

Essa expressão tornou-se mais conhecida, por exemplo, com a obra "Furriel Não É Nome de Pai",  de Catarina Gomes, que explora precisamente as histórias e o destino dessas crianças.

É importante notar que, em outros contextos, "filhos do vento" também é uma expressão usada para se referir ao povo cigano, devido ao seu estilo de vida tradicionalmente nómada e livre. No entanto, no contexto da Guerra Colonial, o significado é específico e está ligado ao legado humano do conflito.


III. O que quer dizer a expressão "filhos do vento", ou também "fidju di tuga", usada por exemplo em blogues como "Luís Graça & Camaradas da Guiné" ?


(iii) ChatGPT:

A expressão "filhos do vento" ou "fidju di tuga" (em crioulo guineense, literalmente "filho do português") tem um significado simbólico e histórico profundo, especialmente em contextos relacionados com a Guerra Colonial Portuguesa e os seus desdobramentos sociais, culturais e identitários.

1. "Filhos do vento"

Esta expressão é usada para se referir a indivíduos, muitas vezes mestiços ou filhos de soldados portugueses com mulheres locais (guineenses, angolanas, moçambicanas, etc.), nascidos durante ou após o período da Guerra Colonial (1961–1974). 

O termo "vento" sugere algo efémero, transitório ou invisível — como se essas pessoas fossem o resultado de encontros passageiros ou relações informais durante o tempo da guerra.

Conotações:
  • Pessoas sem paternidade reconhecida oficialmente.
  • Crianças deixadas para trás por soldados portugueses ao regressarem a Portugal.
  • Vidas marcadas por um certo abandono ou ausência de raízes claras.

2. "Fidju di tuga"

Em crioulo guineense: "Fidju" = filho | "di" = de | "Tuga" = português (forma informal, muitas vezes usada para referir-se ao colonizador)

Este termo pode ser usado de forma neutra ou afetiva para designar:

  • Filhos de portugueses com mulheres guineenses;
  • Pessoas mestiças, vistas como pertencentes a dois mundos (o africano e o europeu);
  • Às vezes também tem uma carga crítica ou irónica, dependendo do contexto.

No contexto do blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné":

Este blogue é mantido por ex-combatentes da Guiné e muitos dos textos são memórias pessoais, reflexões sobre a guerra, e histórias humanas. Nesses textos, "filhos do vento" são frequentemente mencionados com um tom nostálgico ou reflexivo, abordando o legado humano da presença portuguesa em África, sobretudo as ligações afetivas que deixaram marcas profundas, tanto nos soldados como nas populações locais. (...
)
 

IV.  O escritor e antigo combatente José Saúde ("Um ranger na guerra colonial", Edições Colibri, Lisboa, 2020) reivindica a "paternidade" da expressão. Certo ?

(iv) ChatGPT:

Sim, está certo: o próprio José Saúde — ex‑furriel na Guiné e autor de Um ranger na guerra colonial — reivindica a paternidade da expressão “filhos do vento”. 

Foi ele quem, num post no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, pela primeira vez, em 2011,  utilizou essa metáfora para designar os filhos nascidos de relações fugazes entre militares portugueses e mulheres guineenses, e que ficaram na Guiné sem pai identificado após o regresso dos soldados a Portugal (...)

Nesse post, Saúde lançou o tema ao desafiar os camaradas a partilharem relatos:

“Camaradas: quantas crianças mestiças, cuja paternidade era imputada a militares, 'tugas'… vocês conheceram…?” (...) 

Outros ex‑combatentes começaram a usar a expressão “filhos do vento” e reconheceram que ela surgira exatamente da iniciativa de Saúde .

Assim, de facto, José Saúde é considerado o criador do termo, e não apenas um dos que o popularizou.



(v) Gemini IA / Google:

É um facto que José Saúde, autor do livro "Um ranger na guerra colonial", é uma figura proeminente na discussão sobre os "filhos do vento" e reivindica ter sido o primeiro a utilizar e divulgar essa expressão para se referir às crianças nascidas durante a Guerra Colonial Portuguesa, fruto das relações entre militares portugueses e mulheres africanas.

Em vários blogues e publicações sobre o tema (...),  é possível encontrar referências onde se agradece a José Saúde por ter cunhado ou popularizado a expressão "filhos do vento", reconhecendo o seu papel na visibilidade desta questão. A sua contribuição foi fundamental para trazer à tona este aspeto sensível e muitas vezes silenciado do legado da Guerra Colonial.

A expressão "filhos do vento" ("fidju di tuga" é outra designação comum, usada pelos próprios e que carrega o estigma da sua origem) capta a essência da situação dessas crianças: a sua condição de terem sido, muitas vezes, deixadas para trás, sem o reconhecimento do pai e sem um lugar social definido, vivendo num "limbo" identitário.


V. Blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné", queres tu dizer ?!


(vi) Gemini IA / Google

Sim, é precisamente esse blogue!

O blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" é uma referência importante e amplamente reconhecida para a memória da Guerra Colonial Portuguesa, especialmente no que diz respeito à Guiné-Bissau. Ele serve como um vasto arquivo de testemunhos, fotografias e discussões entre ex-combatentes, historiadores e interessados no tema.

Como pode ser visto nos resultados da pesquisa, o blogue tem um histórico de abordar a questão dos "Filhos do Vento" e faz menção a José Saúde, reconhecendo o seu contributo para a visibilidade deste assunto. É um espaço onde se partilham memórias, se promovem debates e se procura reconstituir o "puzzle" da experiência da guerra, incluindo os seus legados humanos e sociais.

É um recurso valioso para quem procura aprofundar o conhecimento sobre a Guerra Colonial e as suas diversas dimensões.



VI. Contrariamente ao que se passou na guerra do Vietname, relativamente às "dust children", em Portual náo existem estimativas sobre o número de crianças nascidas de relações, fora do casamento,  entre militares portugueses e mulheres africanas (angolanas, guineenses, moçambicanas) durante a guerra colonial (1961/75)... Porquè ?


(vii) ChatGPT:

Essa questão é muito pertinente e toca em temas sensíveis da história recente portuguesa. A ausência de estimativas sobre o número de crianças nascidas de relações entre militares portugueses e mulheres africanas durante a guerra colonial (1961–1975) pode ser explicada por vários fatores, tanto políticos como sociais e culturais.

Aqui estão algumas das razões mais relevantes:
 
1. Silêncio e negação pós-colonial

Após o fim da guerra colonial e a descolonização (1975), Portugal passou por um processo de transição política (Revolução dos Cravos) que tentou, em grande parte, “virar a página” da era colonial. Este desejo coletivo de esquecer ou silenciar o passado contribuiu para que muitos temas, como estas relações e as crianças delas resultantes, não fossem alvo de estudo nem debate público.

2. Estigma e discriminação

As crianças mestiças (ou "filhos da guerra") muitas vezes enfrentaram discriminação nas sociedades africanas e portuguesa. Em muitos casos, essas crianças foram marginalizadas ou não reconhecidas pelos pais portugueses, o que contribuiu para o apagamento da sua existência oficial.

3. Falta de registos oficiais

As relações entre militares e mulheres locais, muitas vezes casuais ou não institucionalizadas, raramente eram registadas oficialmente. Mesmo quando havia reconhecimento, este nem sempre se traduzia em registos civis. Sem dados oficiais, torna-se muito difícil fazer estimativas fiáveis.

4. Diferenças de contexto em relação ao Vietname

Nos EUA, o caso das “dust children” ou "Amerasians" foi muito mediatizado, e houve até programas de repatriação. Isso nunca aconteceu em Portugal, onde não houve pressão internacional ou movimentos sociais significativos para o reconhecimento ou proteção destas crianças.

5. Falta de investigação académica

Só mais recentemente a historiografia portuguesa começou a olhar com mais atenção para a dimensão humana e social da guerra colonial. O foco esteve durante décadas mais centrado em aspetos militares, políticos ou estratégicos.

Apesar desta invisibilidade, há um crescente interesse académico e social em Portugal sobre estas memórias silenciadas. A recuperação destas histórias é essencial para compreender o impacto humano da guerra colonial. (..:)


 
VII. Dz-me algumas fontes


(viii) ChatGPT:

 (...) Em síntese

Estima-se que existam centenas — talvez milhares — de crianças nascidas de relações entre militares e mulheres africanas, mas não há dados oficiais nem registos sistemáticos .

O tema foi documentado no jornalismo (como por Catarina Gomes) e em projetos académicos (CES-UC).

A maioria das fontes enfatiza o silêncio institucional, o estigma social e a falta de reconhecimento legal.


(Pesquisa, seleção, revisão / fixação de texto, negritos, título: LG)
_______________

Notas do editor:

(*) ´Vd. poste de 1 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26972: Agenda cultural (892): "Filhos de tuga": documentário em três episódios, com a duração de 52 minutos cada: começa amanhã na RTP1, às 22:29

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26975: (Ex)citações (435): Não tememos vir a público falar sobre os filhos que por lá ficaram nos três teatros de guerra, Angola, Guiné, Moçambique... (José Saúde, escritor, e ex-fur mil OE/Ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74)

1.  Comentário do José Saúde 
ao poste P26972 (*)

Camaradas,

O tema é real. Reconheço que, em princípio, não terei sido bem interpretado por alguns dos camaradas, mas o tema é exatamente verdadeiro. Não é, ou foi, ficção. 

Não tememos falar sobre os filhos que por lá ficaram nos três teatros de guerra Angola, Moçambique e Guiné, cuja vinda ao mundo foi originada por camaradas nossos, e não me excluo, que em certos momentos de amor físico lá deixavam "sementes" que originaram crianças com a patente lusa. 

Por isso, arrisquei trazer a público a questão dos "filhos do vento", algo que se assimilava a um tabu, melhor, a uma caixa hermeticamente fechada no silêncio dos deuses e "ai, Jesus, quem porventura o fizesse", pois logo vinha a misericórdia em que os mais atrevidos, neste caso eu assumo-o com inteira justeza, eram zurzidos com as mais díspares "soberbas" posições, que eu próprio admiti e compreendi, mas jamais me vergando a quem assim o entendia. 

Respeita escrupulosamente opiniões adversas.

Somos, hoje, camaradas que militamos na casa dos 70 ou 80 anos, por conseguinte tudo é passado, mas lembrem-se, e sempre, que nós, "os tugas", éramos "miúdos" na casa dos 20, 21, 22 ou 23 anos, por conseguinte, nunca esqueçam que houve crianças, hoje homens e mulheres, que ao longo da vida se confrontaram com problemas tribais que lhe atribuíram um símbolo de valores na verdade nefastos.


Bem-haja a hora em que aqui no nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné, ou no livro "Um Ranger na Guerra Colonial, Guiné-Bissau,  1973/1974" (Edições Colibri, Lisboa)=, trouxe o tema a público e que resvalou para patamares superiores e, quiçá, impensáveis.

Deixo uma troca de mensagem entre este vosso camarada e a jornalista Catarina Gomes, autora dos episódios (que começam a ser exibidos na RTP, na quarta, dia 3) (*)

Abraço, camaradas, Zé Saúde (**)
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Troca de mensagens recentes entre o José Saúde e a Catarina Gomes:

José Saúde:

Catarina, o tema foi tabu ao longo de vários anos, todavia, valeu a minha iniciativa em trazer a público os "filhos do vento" que abriram estradas para que hoje essa temática deixasse de ser um misterioso mundo onde se cruzavam segredos que poucos ousavam, e ousam, admitir. Mas, a humanidade, sim nós seres pensantes que fomos meros protagonistas na guerra colonial, conhecemos essa realidade.

 Quando lancei o tema, quer no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, ou num dos meus livros já editados (11) - "Um Ranger na Guerra Colonial, Guiné-Bissau,  1973/1974" (Edições Colibri, Lisboa), fui sujeito aos mais fúteis comentários, porém, nada me incomodou e segui em frente, dado que eu, afinal, tinha razão e sabia daquilo que falava. 

Para esses homens e mulheres, outrora crianças, deixo expresso o meu singelo sentimento de solidariedade. Sejam felizes, porque são gentes com sangue de tuga. Eu testemunhei e afirmei-o conscientemente.

Catarina Gomes:

José Saúde: Foste tu quem abriu esta caixa, que continua a reservar surpresas. Muito obrigada. Beijinhos




Capa do livro do José Saúde, que foi apresentado na Casa do Alentejo, Lisboa, em 8 de fevereiro de 2020, pelo major general Raul Cunha e por Luís Graça.


(...) Era linda! Por ironia do destino não consigo lembrar-me do seu nome. Sei, e afirmava o povo com certezas absolutas, que era filha de um camarada, furriel miliciano, que anteriormente esteve em Nova Lamego. Era uma criança dócil. Meiga. Recordo que a sua mãe era uma negra, muito negra, com um rosto lindo e um corpo divinal. Conheci-a e verguei-me perante a sua sensibilidade feminina. Da menina, agora feita senhora, nunca mais soube.(...) A menina foi, afinal, mais um dos “filhos do vento” que marcaram os conflitos em África. (***)


O Zé Saúde, alentejano de Aldeia Nova de São Bento, a viover em Beja,  "ranger", jornalista e escritor, foi o primeiro a levantar aqui, entre nós, a dolorosa e delicada questão dos "filhos do vento"...

A expressão "filhos do vento" foi usada pela primeira vez em 19/9/2011 (***).

 Temos uma centena de referências a esta temática ("filhos do vento" e "fidju di tuga"). 
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26972: Agenda cultural (892): "Filhos de tuga": documentário em três episódios, com a duração de 52 minutos cada: começa amanhã na RTP1, às 22:29

(**) Último pposte da série > 2 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26974: (Ex)citações (434): Uma questão de "falso pudor"... (José Teixeria, régulo da Tabanca de Matosinhos; ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)

(***) Vd. poste de 19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo: “Filhos do vento”

terça-feira, 1 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26972: Agenda cultural (892): "Filhos de tuga": documentário em três episódios, com a duração de 52 minutos cada: começa amanhã na RTP1, às 22:29



Filhos de Tuga > Ao Pai Desconhecido | Episódio 1 de 3 | Duração: 52 min | RTP 1 | Episódio 1 | 02 Jul 2025

Houve um tempo em que Fernando Hedgar da Silva pensou que o pai português se chamava Furriel. Só em adulto percebeu que, afinal, furriel não era nome e sim o posto do militar que esteve com a mãe durante a guerra. Pensou que era caso único. Acabou por descobrir que havia muitos como ele na Guiné-Bissau: chamam-lhes «filhos de tuga» ou, se os querem magoar mais, «restos de tuga». 

Fernando criou uma associação para os defender ("Fidju di Tuga"). Todos os anos organizam uma «Homenagem ao pai desconhecido», uma cerimónia em que depositam coroas de flores em campas de militares portugueses mortos na Guerra Colonial. Dizem que só vão parar quando os pais os reconhecerem ou, pelo menos, Portugal.




A Procura








José Saúde


terça, 24/06, 16:45 (há 7 dias)



Luís, interessante este tema. Repara onde os "Filhos 


Filhos de Tuga > A Procura | Episódio 2 de 3 ! Duração: 52 min | RTP >  07 jul 2025 | 22: 29

A mãe da moçambicana Rosa Monteiro nunca lhe escondeu que o pai era um marinheiro português. No tempo da guerra, o militar esteve colocado na terra delas, junto ao Lago Niassa, no Norte de Moçambique. A filha sabia pouco sobre o pai, além do apelido Monteiro, o posto militar que ocupava e o modelo da lancha onde navegava. Rosa andou uma vida inteira a tentar ir a Portugal descobrir o pai. Acabou por ser um ex-combatente português, marinheiro como o pai, a dar-lhe a mão.

Fonte: RTP > Programas TV

 

1. Amanhã. quarta, dia 2 de julho de 2025, estreia, na RTP1,  a série documental "Filhos de Tuga", da autoria de João Gomes e Catarina Gomes. Produção: RTP. São 3 episódios, cada um com a duração de 52 minutos.

Sinopse: Conheça a história de milhares de filhos que os militares portugueses tiveram de mulheres africanas durante a Guerra Colonial em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique

Uma série documental que aborda um problema desde sempre abafado pela História: a existência de milhares de filhos que os militares portugueses tiveram de mulheres africanas durante os 13 anos de Guerra Colonial - em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique - e que deixaram para trás, não os reconhecendo e, muitas vezes, ignorando até a sua própria existência.

Os autores percorreram os territórios das três antigas frentes de combate para trazer à luz do dia o drama silencioso destes herdeiros perdidos do império lusitano, esquecidos por Portugal e desprezados nos seus países, onde são depreciativamente tratados por "filhos de tuga" ou mesmo "restos de tuga". 

Mais de meio século depois, a sua ambição continua a ser apenas uma: conhecerem os pais, ou mesmo a família que têm do outro lado do mar. Mas é um desejo que sempre lhes foi negado, deixando uma dor que, por muito tempo que passe, não desaparece.

Como pano de fundo, permanece uma questão: terão os "filhos de tuga" direito a um reconhecimento do Estado português, que lhes deverá prestar toda a informação possível quanto aos seus laços de sangue paterno?

Fonte: RTP > Programas TV

Próximas emissões deste programa

02 Jul 2025 | 22:29 | RTP1

10 Jul 2025 | 22:30 | RTP Internacional


Ficha Técnica:

Título Original : Filhos de Tuga | Realização: João Gomes, Catarina Gomes | Produção; RTP e Nanook |  Autoria: Catarina Gomes | Ano2024 | Duração: 52 minutos

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Nota  do editor

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26960: In Memoriam (553): O Fernando Calado (1945 - 2025) que eu conheci e com quem convivi na Casa do Alentejo (José Saúde, Beja)




Fernando Calado (1945 - 2025). Foto: LG (2013)



Lisboa > Casa do Alentejo > 8 de fevereiro de 2020 > Lançamento do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: Memórias de Gabu" (Lisboa, Colibri, 2019, 220 pp.)


Aspeto inicial (e parcial) da assistência: na fila da frente, da metade direita do salão: da esquerda para a direita, reconheço o Fernando Calado (1945-2025) (assinalado com retânmgulo a amarelo),  a esposa do maj gen Raul Luís Cunha, a Alice Carneiro, a esposa do Manuel Joaquim... e claro, o Manuel Joaquim, que tem pena de não ser alentejano.. A seu lado, um dos genros do Zé Saúde.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Texto acabado de enviar pelo José Saúde (escritor, vive em Beja, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CCS/BART 6523, Nova Lamego, 1973/74):

Data - sexta, 27 de junho de 2025, 10:34  
Assunto - O Fernando Calado que eu conheci 


Camaradas e amigos,

As nossas vidas, ou seja, a nossa intemporal existência ao cimo deste planeta chamado Terra, são precisamente efémeras. Mas, ao longo das nossas presenças humanas, cruzámos azimutes que nos enviaram para a presença factual na guerrilha da Guiné. 

Uns antes, outros depois. Todavia, restou uma amizade que ousou reforçar laços de companheirismo e de proximidade. Não importou, nem tão-pouco importa, o tempo que por lá andámos pisando terrenos em que o momento seguinte era de uma pura incerteza.
 
Conheci o Fernando Calado, bem como a sua esposa Rosa Calado, um casal que me atrevo apontá-lo como cinco estrelas, e que me proporcionaram momentos inolvidáveis. Ambos são gentes humildes e oriundas do meu Alentejo, concretamente vizinhos de Ferreira do Alentejo. Aqui nasceram, sendo que mais tarde se radicaram em Lisboa.

O Fernando sempre marcou presença nos vários livros que lancei na Casa do Alentejo, em Lisboa, onde a sua esposa, Rosa Calado, dirigente, se apresentou, e sempre, disponível, para me receber. Foram tardes de plenas cavaqueiras, tardes infindáveis onde o público se encantou com o cante alentejano e dos grupos musicais que elevaram as nossas vozes aos píncaros do seu melodioso cantar.

E se é verdade que a vida é, tão-só, uma pequena gota de orvalho que desfalece num abrir e fechar de olhos, não deixa também de se apresentar como um mar de prazeres enquanto por cá andamos. 

Fernando, camarada e amigo, sei que os teus últimos instantes de vida foram marcados pelo sofrimento, resististe, terás negado o bilhete para tal viagem sem regresso, mas, ela, a morte, fez-te uma “emboscada” e levou-te deste planeta terrestre.

Até logo, Fernando. Descansa em paz. A Rosa, o teu doce amor, ficará a rezar por ti e eu espero reencontrar-te no reino do além.

Adeus, Zé Saúde
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Guiné 61/74 - P26959: In Memoriam (552): Fernando de Carvalho Taco Calado (Ferreira do Alentejo, 1945 - Lisboa, 2025), ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968-1970): foi gestor de recursos humanos e docente universitário





Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde, "Guiné-Bissau, as minhas memórias de Gabu, 1973/74" (Beja: CCA - Cooperativa Editorial Alentejana, 170 pp. + c. 50 fotos) > Dois alentejanos e camaradas do nosso blogue, amigos do peito, o Fernando Calado (de camisola vermelha) e o Ismael Augusto. (Ambos foram alf mil da CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70). E ambos partilharam o mesmo quarto...Um terceiro elemento era o João Rocha (1944-2018).


Foto (e legendas): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]-




Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de Maio de 2007 > Encontro do pessoal de Bambadinca 1968/71 > A organização coube ao Fernando Calado (na foto, à esquerda), coadjuvado pelo Ismael Augusto, ambos da CCS/BCAÇ 2852 (1968/71).


O grupo (mais de 60 convivas) teve na dra. Rosa Calado (na foto, ao centro), elemento da direcção da Casa do Alentejo, uma simpatiquíssima anfitriã. O editor do blogue e fotógrafo, à direita, chegou tarde, mas ainda a tempo de constatar que a organização esteve impecável e o que o sítio não podia ser melhor, em pleno coração de Lisboa. O fotógrafo de circunstância foi o Ismael. A Rosa, na altura, era professora de história no ensino secundário. O casal vivia em Lisboa. Durante anos e anos dedicou-se de alma e coração à animação da Casa do Alentejo (um amor que também era partilhado pelo Fernando, de resto um bom executante do cante alentejano que, em 2007, estava longe  do palco do mundo).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Lisboa > Casa do Alentejo> 8 de fevereiro de 2020 > Apresentação do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: Memórias de Gabu" (Lisboa, Colibri, 2019, 220 pp.)... Em primeior plano, a Rosa Calado. que foi sempre, para nós, antigos combabentes, uma inexcedível e magnànima anfitriã.

 dra. Rosa Calado, então  diretora cultural da Casa do Alentejo,  eu chamava-lhe por graça "a ministra da cultura do Alentejo"...    (A  Casa do Alentejo tinha, nesa altura,  um restaurante e uma taberna com cerca de 500 lugares; dava trabalho a 40 pessoas; e  organizava eventos: tinha a agenda cheia até maio de 2020; infelizmente, veio a pandemia.)



Lisboa > Casa do Alentejo> 8 de fevereiro de 2020 > Apresentação do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: Memórias de Gabu" (Lisboa, Colibri, 2019, 220 pp.)

Da esquerda para a direita: Fernando Calado (que pertencia então aos corpos sociais da Casa do Alentejo) mais o Humberto Reis, dois camaradas de Bambadinca: alf mil trms (CCS/ BCAÇ 2852, 1968/70), e fur mil op esp / ranger, CCAÇ 12 (1969/71)...


Fotos (e legendas: © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné




Esposende > Fão > 1994 > A primeira vez que a malta de Bambadinca (1968/71), camaradas da CCAÇ 12, e outras subunidades, como o Pel Caç Nat 52, adidas ao comando do BCAÇ 2852, se encontrou depois do regresso a casa... Este primeiro encontro foi organizado pelo António Carlão (Mirandela, 1947- Esposende, 2018)

Mostra-se aqui um pormenor da foto de grupo. Na primeira fila, da esquerda para a direita:

(i) fur mil MAR Joaquim Moreira Gomes, da CCAÇ 12 [, vivia no Porto, na altura ];

(ii) sold cond auto Dinis Giblot Dalot [empresário, vivia em Aljubarrota, Prazeres].

Na segunda fila de pé, da esquerda para a direita:

(iii) Fernando [Carvalho Taco] Calado (1945-2025), ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 [vivi em Lisboa];

(iv) ex-alf mil manutenção material, Ismael Quitério Augusto, CCS/BCAÇ 2852 [ vive em Lisboa];

(v) ex-fur mil at inf António Eugénio Silva Levezinho [, Tony para os amigos, reformado da Petrogal, vive em Martingal, Sagres, Vila do Bispo];

(vi) ex-capitão inf Carlos Alberto Machado Brito, cmdt da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 [cor inf ref, vivia em Braga, tendo passado pela GNR];

(vii) Pinto dos Santos, já falecido, ex-furriel mil de Operações e Informações, CCS / BCAÇ 2852, [vivia em Resende].


Foto (e legenda): © Fernando Calado (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Montemor-O-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > I Encontro Nacional da Tabanca Grande > 14 de Outubro de 2006 > Um momento de fraternidade, pensa (e sente) o "alfero Cabral", o nosso sempre querido Jorge Cabral (1943-2021), em primeiro plano, tendo à sua direita o nosso baladeiro de Bambadinca (1969/71), e hoje fadista amador, o Zé Luís Vacas de Carvalho, comandante do Pel Rec Daimler 2206. 

De pé, afinando as gargantas ou cantando ao desafio, outras duas grandes aves canoras: o Fernando Calado e o Manuel Lema Santos, o exército e a marinha de braço dado... O fotógrafo que estava de serviço apanhou o flagrante, era o David Guimarães, radiante, felicíssimo...

Foto: © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados.Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Bissau > 30 de julho de 1968 > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > Um grupo de oficiais milicianos, na Av da República (vendo-se ao fundo a Praça do Império e o Palácio do Governador), no dia seguinte ao desembarque (29 de julho de 1968).  Da esquerrda para a direita, o João Rocha (1944-2018), de camisola escura,  o Fernando Calado  (1945-2025) em 4.º lugar  e o Ismael Augusto em 5º.



Guiné > Bissau > Brá > 1968 > CCS/BCVAÇ 2852 (1968/70) >  Encostados ao jipe do comandante [ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos, de alcunhas o "Pimbas"]: da esquerda para a direita, o João Rocha (194~4-2018)  e o Fernando Calado (1945-2025).

Fotos (e legendas): © Fernando Calado (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá _ Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O alf mil trms Fernando Calado(1945-2025) , de braço ao peito, junto à parede, crivada de estilhaços de granada de morteiro, das instalações do comando, messe e dormitórios de oficiais e sargentos, na sequência do ataque de 28 de maio de 1969.

Esta era a parte exterior dos quartos dos oficiais que dava para as valas, o arame farpado e a bolanha, nas traseiras do edifício do comando... Era uma parte mais exposta, uma vez que o ataque partiu do lado da pista de aviação.

Pelo menos aqui, caíram duas morteiradas:

(i) uma das morteiradas atingiu o quarto onde dormia, com outros camaradas, o fur mil amanuense José Carlos Lopes; tinha acabado de sair; ainda hoje conserva um lençol crivado de estilhaços;  e4stá vivo por uma fração de segundos (bancário reformado do BNU, vive em Linda a Velha e é membro da nossa Tabanca Grande.);

(ii) outra morteirada atingiu o quarto onde dormia o Fernando Calado e o Ismael Augusto ( o Fernando ainda apanhou o efeito de sopro, tendo sido menos lesto que o Ismael, a sair logo que rebentou a "trovoada")

Também podia ter "lerpado", como a gente dizia na época... Apesar de tudo, a sorte (ou a má pontaria dos artilheiros da força atacante, estimada em 100 homens, o que equivalente a 3 bigrupos) protegeu os nossos camaradas da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas (entre elas, o Pel Caç Nat 63 cujos soldados, guineenses, dormiam a essa hora, com as suas "bajudas", nas duas tabancas de Bambadinca, e que portanto estavam fora do arame farpado)...

Na foto acima , o Fernando Calado, membro da nossa Tabanca Grande (tal como o Ismael Augusto), trazia o braço ao peito, não por se ter ferido no ataque mas sim por o ter partido antes, num desafio de... futebol. Infelizmente temos poucas fotos dos efeitos (de resto, pouco visíveis) deste ataque.

Foto: © Fernando Calado (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Fernando Calado (em 2013)


1. Foi ontem cremado, no cemitério de Carnaxide, o corpo do nosso camarada e grão-tabanqueiro Fernando Calado. Morreu no passado dia 24, sem completar os 80 anos (ia fazê-los em 9 setembro).

A triste otícia chegou-nos â Lourinhã, transmitida pelo Humberto Reis e pelo Mário Beja Santos, seus contemporâneros de Bambadinca.

O Humberto e o António F. Marques, ex-fur mil da CCAÇ 12 (Bambadinca, mai 69/mar 71) e o Ismael Augusto, seu amigo do peito, representaram-nos a todos na sua despedida da Terra da Alegria.

O Fernando era muito estimado pela malta de Bambadinca desse tempo. Costumava aparecer, tal como o Ismael, nos nossos encontros anuais. A este último, em Ponte de Lima, faltou, embora inscrito: o coração pregou-lhe uma partida, esteve em estado de coma. Na quarta feira passado, chegou o seu dia. Deixa viúva a Rosa, e órfãos dois filhos, a Elsa e o Fernando bem como um neto, o Daniel.

Recordo-o, desde Bambadinca,  como um homem afável e discreto, que adorava o seu Alentejo, o cante alentejano, a tertúlia, o convívio com os amigos.

Natural de Ferreira do Alentejo, vivia em Lisboa há muito; era casado com a dra. Rosa Calado, professora do ensino secundário, que integrou sucessivas direções da Casa do Alentejo, exercendo, com muita competência e empenhamento, o pelouro da cultura

O Fernando era um histórico do nosso blogue, tendo participado no nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-O-Novo (em 2006)... Tem 26 referências no nosso blogue. Foi alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70); trabalhou na Petrogal e na RTP; foi docente universitário; tinha página no Facebook

Para Rosa, filhos e neto vai a nossa solidariedade na dor. A memória do Fernando, essa, continua connosco, guardada e cultivada à sombra do poilão da Tabanca Grande.

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor: 

sábado, 21 de junho de 2025

Guiné 61/74 – P26945: Memórias de Gabú (José Saúde) (431): Pássaros que esvoaçavam os céus da Guiné (José Saúde)

1.   O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego -Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem rebuscada nas suas memórias.

Pássaros que esvoaçavam os céus da Guiné 

Guiné/Bissau e as suas histórias 

O passageiro de além

Rapazes simples, fardados com um camuflado em pleno palco de guerra, mas, sendo que na partida para terras de além-mar as vestes que envergavam eram as de primeira propriedade. O momento passava por uma cerimónia “vil” por parte dos senhores da Nação. As famílias na Cais de Alcântara, ou no Conde de Óbitos, ou no aeroporto do Figo Maduro, em Lisboa, fechavam-se em rosto que transmitiam dor. Aliás, uma dor que lhes vinha do interior das entranhas, ou não fosse o momento deveras doloroso.

Os “miúdos” lá seguiam em grandes barcos que enfrentavam ventos e marés rumo ao seu destino. As viagens, algumas mais extensas, beneficiavam uma aproximação a um camarada que, entretanto, aparentava desespero. Entretinham-se, nesses longos instantes, ao jogo da lepra, ou, ainda, a outros passatempos ocasionais. Por vezes, a noiva, o seu grande amor, já guardava no ventre um pequeno ser humano fecundado com afeto. A mãe, sim aquela que o pariu, ficava desfeita e começa um “luto” com a ida do seu filho para a guerra.

Depois, lá vinham os aerogramas onde o militar, algures no mais incomum lugar das então províncias ultramarinas, recomendava calma à família e amigos, dado que tudo seguia à sonoridade de ventos sopravam (des) favoráveis. Nada de alarmismos. O rapaz, alguns com a barba ainda a rebentar no seu jovial rosto, com as borbulhas a indicar jovialidade, mandava fotografias para o pessoal descansar.

Lá longe, em Angola, Moçambique e Guiné, os “putos” lá se iam defendendo, entrementes, de uma guerra que não dava tréguas. Matar para não morrer era o slogan que todos, ou quase todos, partilhavam, todavia, alguns encontravam infelicidade pelo caminho e a morte, ou a incapacidade corporal, fora o fatídico selo que lhes impôs destinos impiedosos.

Em Gabu, o passageiro do além, vislumbrava que aquela guerrilha nefasta era tida como desigual. Não importava o bélico contagiante das nossas tropas, cerca de 40 mil, na altura, que lutava com um inimigo, PAIGC, ao que se comentava que tinham cerca de 10 mil. Outros motivos explicavam tal razão. O contexto generalizado da guerra ditava fatores que impunham ordens para um IN, sempre hábil, que aparentava superioridade nos campos de batalha. Porém, nem sempre assim o era.

            Por outro lado, nos céus da Guiné existia um rol de pássaros que eram imunes aos conflitos no terreno. No mato viam-se diversas espécies de passarada, ou animais, tipo macacos, lebres, de entre outras, que encantava camaradas com os seus lindos chilreares.

            Debruço-me, hoje, sobre a realidade dos abutres.

Abutres

Numa breve reflexão sobre a passarada guineense, que era e é enorme, detenho-me perante uma veracidade que me fora conhecida, ousando trazer à estampa o universo dos abutres, pássaros necrófagos que proliferavam em todo o solo e que amiúde observava com algum interesse. O seu aspeto atirava para um horripilante semblante e o habitat natural passava pela procura sistemática de restos de cadáveres.

Não vacilo, porém, recordar Hitchcock na sua análise psicanalítica sobre um filme onde o tema era, obviamente, “Os Pássaros”. Os conteúdos do emaranhado de imagens remetiam-nos para o ataque dos pássaros aos seres humanos. Um filme que se estreou nas telas cinematográficas mundiais no ano de 1963 e que bom dinheiro rendeu à produção, sobrando as inúmeras interpretações feitas pelos amantes do cinema que assumiam presumíveis traduções que esbarravam em análises científicas. 

Mas demos um passo em frente, ouçamos abstratamente o clarinete e apresentemos armas numa infindável parada, falando nos abutres conhecidos numa Guiné em tempo de guerra e não numa outra espécie de “aves de rapina” que se multiplicavam na metrópole lusitana. Estes rapazes de então, bem ou malvestidos de acordo com as circunstâncias propostas, pareciam “bandos de pardais à solta” que esmiuçavam vidas e citavam, com ênfase, a provável falsificada ideologia de um patriotismo entendido, por eles, como inigualável. 

Simultaneamente ao evoluir das desgraças conhecidas onde a morte de camaradas se amontoavam nas frentes de combate, lá vinham os senhores de gravatas acetinadas e fatos à príncipe de “Gales” que na hora da despedida no cais portuário de Alcântara, incentivarem um contingente de jovens mergulhados em porões de navios cuja etiqueta transportada era, tão-somente, o pregão ao dito popular que a encomenda que seguia a bordo registava “carne para canhão”.

Passemos licitamente à vanguarda porque esses fatídicos tempos foram maus de mais para ser verdade. Com efeito, concentremos atenções no respetivo pássaro e observemos que o abutre é uma ave accipitriforme e originária da família chamada de accipitridae. Refletindo em pormenor sobre estes necrófagos, diz-se que as aves são também conhecidas como abutres do velho mundo. A sua longevidade chega a atingir os 30 anos, sobretudo quando se encontram em cativeiro.

 

A hierarquia dos abutres a devorarem uma carcaça (foto retirada via internet)

Conheci o seu esvoaçar num horizonte interminável e os seus impulsos animalescos na procura de um lugar para pernoitar. Conheci, também, a obstinada azáfama na procura de alimentos. Conheci, ainda, as suas visitas quotidianas às proximidades do barracão do Seidi, “magarefe-dia” onde o nosso quartel angariava carne de vaca fresca para uma pontual refeição mais abastada, sendo que este rapaz, de etnia fula, matava, esfolava e dividia a carcaça do animal de acordo com os pedidos previamente feitos.

Lembro, e foram muitas vezes a que assisti, o Seidi, após a trabalheira da matança lançar para o bando de abutres pequenas dádivas para os pássaros se deliciarem com primor.

Recordo, simultaneamente, as lutas desenfreadas travadas entre eles pelo melhor naco, ou, as guerras para limparem parte das ossadas do animal, ficando a certeza que no grupo havia regras que os mais desenfreados comilões, sempre de bico “afiado”, assumiam por inteiro, tendo em conta o posto hierárquico emanado pelo bando.

Claro que as lutas dos pássaros desenhavam ávidos momentos em que a prioridade era o encher o papo. Noutros lugares existiam sequiosos “abutres”, mas estes literalmente curvados ao faustoso e recheado prato que lhe fora colocado na mesa. A nutritiva refeição era tão-só uma pausa pontual ao arroz com salsichas. 

Para outros, pássaros de rapina imbuídos num minucioso calculismo, a tal vaca morta e desmanchada pelo Seidi tinha os seus dividendos. Restava a certeza que a mão “milagrosa” do Seidi jamais recusou atirar para os abutres as sobras da carcaça que, por razões evidentes, “não iam à mesa do rei”.

Hoje, ao lembrar as memórias de Gabu detenho-me perante as minhas vulgares idas ao matadouro do Seidi. A sua azáfama era de todo interessante. A túnica, veste que usualmente transportava no seu corpo e que aparentava alguma sagacidade, estava normalmente manchada de sangue, tal como as mãos que reproduziam um trabalho que ele próprio assumia com dignidade. Era, aliás, dessa árdua faina constante que o nosso amigo recolhia proveitos monetários para alimentar a família.

Retalhos de vidas que em tempo de guerra abasteciam tabancas de gentes que faziam do momento imponderáveis desejos de uma existência vergada pelos horripilantes sons vindos de outras batalhas campais que ocorriam ali por perto.

Lá longe, muito longe, os arautos do despotismo debitavam discursos, qual abutres esvoaçando sobre negros horizontes, dizendo às massas que os militares portugueses lutavam nos palcos de guerra com honra e dignidade.

Na verdade, nós jovens lutávamos como heróis visando a essencial salvaguarda da nossa “carcaça”, mas numa guerra que não era decididamente nossa. Os defuntos “abutres” que num limiar de cautas razões que na época ostentavam, levantem-se dos sepulcros, escutem o julgamento final e defendam a triste tese que certamente não transitará em julgado.

Histórias avulsas de incautos cenários onde fomos meros “pássaros” andantes de uma imigração obrigatória em território alheio.

Um abraço, camaradas 

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

12 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 – P26146: (Ex)citações (430): Habitações palacianas de Gabu (José Saúde)