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quinta-feira, 9 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17119: (De) Caras (60): Buruntuma, 1961: o enfermeiro Cirilo e o professor primário Timóteo Costa... (Jorge Ferreira / Mário Magalhães)


Guiné- Bissau > Bissau > 2000 > O Hospital Nacional Simão Mendes (, antigo enfermeiro da época colonial, militante do PAIGC, morto em combate no Morés, e sobre o qual se sabe muito pouco).


Foto: © Albano Costa (2000). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Jorge Ferreira (ex-alf mil da 3ª CCAÇ,  Bolama, Nova Lamego,  Buruntuma e Bolama, 1961/63), autor do livro "Buruntuma: algum dia serás grande!... Guiné. Gabu, 1961-63" (ed. autor, Oeiras, 2016).

Data: 8 de março de 2017 às 17:04
Assunto: Buruntuma


Caro Luís:


Estou neste momento reunido com Mário Magalhães,  puxando pelos "neurónios", uma vez que a questão que levantas nos obriga a recuar mais de 50 anos. (*)

Quanto ao enfermeiro  Cirilo (???) o único facto a relatar é que (anteriormente à minha deslocação para Buruntuma), estando à frente do destacamento o Furriel Mário Magalhães [MM]. houve um acidente com arma de fogo casual e,  ao ser requisitado os serviços do Cirilo,  o seu comportamento
foi verdadeiramente exemplar (MM dixit).

O poderoso régulo de Canquelifá, que morava
 em Buruntuma, Sene: c. 1961/62.
 Cortesia de Jorge Ferreira (2016)
Não se deve ignorar que os enfermeiros [civis] tinham uma actividade extremamente nómada pois
diariamente visitavam as nabancas com enfermarias onde permaneciam os doentes com "doença do sono" ou "lepra". Convirá referir que a Missão do Sono da Guiné era uma estrutura sanitária altamente prestigiada cuja acção era relevada pela OMS [Organização Mundial de Saúde]..

Não há registo de qualquer acção "suspeita" do enfermeiro. quer durante a permanência em Buruntuma do MM ou de mim próprio.

Quanto ao dito professor Timóteo [Costa]  (???) não se pode ignorar que as nossas instalações eram frontais à escola, junto a ela funcionavam as nossas instalações sanitárias, e existia uma morança habitada por um português que tinha sido deportado por "razões políticas" e que se tinha "cafrealizado", vivendo com uma mulher nativa e vários filhos.

Por outro lado, não se deve ignorar que a Escola era frequentada diariamente pelos militares que não estavam envolvidos em "operações de nomadização" ou "escalas de serviço",  na sua função de apoio escolar.

Por tudo isto parece-nos que o professor  não tinha condições para se dedicar a actividades subversivas. Não se deve ignorar que o próprio Corpo de Guardas do Régulo  [Sene Sané] exercia uma importante acção de vigilância que muitas vezes pôs em causa a "lealdade" dos informadores do
responsável pelo posto da PIDE.

Já após o regresso do MM a Portugal, talvez por volta de 1966 (???), este foi abordado em
Lisboa pelo professor de modo muito cordial ...

E é tudo quanto se nos oferece dizer (MM / JF) sobre as questões que levantas no teu / nosso Blogue.

Saudações-

JF / MM


ET -  O MM manifestou todo o interesse em aderir à Tabanca Grande !!!


2. Comentário do editor LG:

Caros Jorge Ferreira e Mário Magalhães:

Como eu já tinha dito em comentário ao poste P17108 (*),  o resumo do teor do documento em causa, feito pelos técnicos da Fundação Mário Soares,  parece-me "ambíguo" ou "confuso": (...) "Assunto: Transmite um recado do enfermeiro Cirilo, que se encontra em Buruntuma como professor, sobre o trabalho em prol da luta de libertação."

Timóteo Costa, que é o remetente, transmite a Marcelo Ramos de Almeida ("Marcel", para a família e amigos mais íntimos...), representante do PAIGC em Koundara, Guiné-Conacri, um recado do Cirilo, enfermeiro, que está em Buruntuma, a fazer trabalho político para o PAIGC, ao mesmo
tempo que é enfermeiro pago pela administração portuguesa...

Sem dúvida que, e à falta de médicos, os enfermeiros da administração colonial tiveram um papel importantíssimo na luta contra a doença do sono, a lepra e outras doenças tropicais, bem como no apoio sanitário às populações, antes da guerra. Também é verdade que houve, de resto, vários enfermeiros aliciados pelo PAIGC (ou melhor, PAI) nesta época (1961)... O Simão Mendes é um deles. (Morreu em combate, e deu o nome ao antigo hospital central da época colonial, em Bissau)

Conclui-se, do vosso depoimento que o tal Cirilo, enfermeiro, era conhecido das NT e fez inclusive tratamentos a um militar ferido, num acidente com arma de fogo, da CCAV 252,  quando o  fur mil cav Mário Magalhães comandava o destacamento de Buruntuma, ainda antes da chegada do Jorge Ferreira (em outubro de 1961).

O Timóteo Costa é que é o professor que acaba de chegar a Buruntuma (em 1961, não sabemos em que dia e mês)... O Mário Magalhães tê-lo-á conhecido em Buruntuma, em 1961, e reconhecido em Lisboa, por volta de meados dos anos 60. Devia ser cabo-verdiano, (**)

Ficamos gratos a ambos pelo vosso depoimento e felizes pelo facto de o veterano Mário Magalhães (mais antigo que o Jorge Ferreira em Buruntuma, talvez dois ou três meses!...) aceitar o convite para integrar a nossa Tabanca Grande...

De facto, é uma "preciosidade" encontrar camaradas de 1961 (!) com "cabeças ainda frescas" como vocês, Jorge Ferreira e o Mário Magalhães!.. E mais do que isso: prontos a partilhar com os seus camaradas as memórias (boas e más) de há 50 e tal anos atrás!

Recorde-se que a CCAV 252 foi a primeira companhia de cavalaria a ser mobilizada para a Guiné (agosto de 1961 / outubro de 1963), tendo como unidade mobilizadora o RC 3. O Jorge Ferreira, por sua vez, foi mobilizado para o TO da Guiné em maio de 1961, estebve a dar instrução no CIM de Bolama, foi para Nocva Lamega, para a 3ª CCAÇ, e ao fim de 3 meses, é colocado no destacamento de Buruntuma, onde esteve 11 meses.  Antes de acabaer a comissão, em junho de 1963, ainda voltou ao CIM de Bolama.

________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17108: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral e outros / Casa Comum (21): O professor primário e o enfermeiro de Buruntuma, em 1961... Trabalhavam para o PAICG na cara da PIDE ?!...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15778: Historiografia da presença portuguesa em África (69): evocação, na Assembleia Nacional, do 60.º aniversário da eliminação da doença do sono e erradicação das glossinas na ilha do Príncipe; intervenção, antes da ordem do dia, dos deputados Castro Salazar, Cancella de Abreu e Gardette Correia, em 16 de março de 1974



1. Portugal > Estado Novo > Assembleia Nacional > XI Legislatura > Sessão nº 40 > 15 de março de 1974 >

O sr. deputado [por São Tomé e Príncipe, José Maria de] Castro Salazar, médico,  do quadro comum médico do ultramar, com carreira em São Tomé e Príncipe e em Angola, n. 1922, em Guimarães], referiu.-se ao 60.º aniversário da eliminação da doença do sono e erradicação das glossinas na ilha do Príncipe. (*)


851 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42

O Sr. Castro Salazar:

- Sr. Presidente, Srs Deputados. A doença do sono foi no século passado e no primeiro quartel do actual o flagelo que mais duramente atingiu as populações da África tropical e a responsável pelo despovoamento de extensas regiões e decadência de muitas outras, até então florescentes e prósperas
A tripanossomíase humana, vulgarmente conhecida por doença do sono, fez o seu aparecimento em África nos fins do século XVIII, sendo em 1803 assinalada pela primeira vez por Winterboton entre os escravos oriundos de Benin.  Em 1840 Clarke detectou a existência da doença na Costa do Ouro e na Serra Leoa, e em 1864 Kral e Bellay observaram-na entre os indígenas do Congo.

Supõe-se que só a partir de 1871 a afecção atingiu a província de Angola, tendo-se registado os primeiros casos nas margens do Cuanza, na região de Muxima e Quissama, foco inicial donde irradiou para outras regiões de Angola.

Na ilha do Príncipe a tripanossomíase fez o seu aparecimento em 1895, calculando-se que a mosca tsé-tsé, seu vector biológico, se tivesse introduzido na ilha trinta anos antes, proveniente da costa do Gabão, e por esse motivo é conhecida entre os seus habitantes como «mosca do Gabão». Foi contudo a partir de 1877, a seguir à chegada de serviçais oriundos da região de Cazengo e das margens do Cuanza, que a doença do sono começou a manifestar-se na ilha de forma epidémica, sendo já assustadora em 1885 a mortalidade por ela causada entre os serviçais das propriedades agrícolas, convertendo-se a breve prazo em autêntico flagelo para todos os habitantes da pequena ilha.

A população nativa, que em 1885 era constituída por 3000 pessoas, foi duramente atingida pela doença, ficando reduzida a 800 habitantes em 1900 e não contando em 1907 mais do que 350, pelo que se chegou a admitir a hipótese de um abandono total da ilha.

Entretanto, várias missões médicas se deslocaram ao Príncipe a fim de estudar e combater a doença Saliento a primeira dessas missões, constituída em 1901, na qual participaram, entre outros, dois eminentes médicos, os Drs Aníbal Bettencourt e Ayres Kopke, a qual desenvolveu obra meritória tanto nesta ilha como em Angola, onde se deslocou também. As investigações que os seus cientistas efectuaram no campo da etiopatogenia da doença do sono, muito embora não culminassem com a descoberta do agente infeccioso - este viria a ser descoberto um ano mais tarde por Castellani no sangue e líquido cefalo-raquidiano de indivíduos portadores da moléstia -, revestiram-se contudo de inegável valor científico

O Sr. Cancella de Abreu [, Lopo Cancela de Abreu, 1913-1990, médico, antigo ministro da saúde e assistência, set 1968 / jan 1970, no I Governo de Marcelo Caetano]: 

- Muito bem!

O Orador: 

- Foi, no entanto, para me referir, em breves palavras, à última missão enviada ao Príncipe para combater o terrível flagelo que tantas vítimas causou que eu pedi a palavra. Chefiada pelo Dr. [Bernardo Francisco] Bruto da Costa (**), actuou no Príncipe entre 1911 e 1914 e dela fizeram parte, além deste ilustre médico, os Drs Correia dos Santos, Firmino Santana e Araújo Álvares. 

A missão realizou uma notável, difícil e muitas vezes incompreendida campanha, cujo êxito foi absoluto, não só porque conseguiu debelar uma doença que por pouco não conduziu ao extermínio total da população, como levou à erradicação do insecto vector da doença - a mosca tsé-tsé ou glossina -, eliminando-se o perigo latente de futuras epidemias da terrível afecção Pela primeira vez no Mundo se conseguiu eliminar uma população glossínica no seu próprio habitat, facto verdadeiramente notável que muito prestigiou os nossos serviços médico-sanitários e honrou o País. 

Tal acontecimento teve lugar justamente há sessenta anos, e eu não queria deixar de o lembrar perante VV. Ex.ªs e, ao mesmo tempo, prestar justa homenagem a quem, com invulgar inteligência, saber e determinação, tornou possível o perfeito êxito da campanha - o médico dos serviços de saúde do ultramar Dr Bruto da Costa.

O Sr Gardette Correia [ , Manuel Gardette Correia, natural de Bissorã, deputado pela Guiné, médico]: 

- Muito bem!

O Orador: 

- Há dias, na Academia das Ciências, o Prof [João] Fraga de Azevedo, em oportuna comunicação, louvou a actividade enérgica e modelar do Dr Bruto da Costa e seus colaboradores, que levou com a maior originalidade a uma das mais brilhantes campanhas sanitárias em África, realizada por Portugal no campo da medicina tropical.  Também em livro recentemente publicado, Man Against Tse Tse - Strugle for África  , Cornell University Press; First Edition edition, December 1973], o seu autor, John J McKelvey Jr, presta homenagem ao esforço desenvolvido pelos cientistas portugueses no estudo e combate às tripanossomíases, pondo em realce o trabalho levado a cabo pelo Dr. Bruto da Costa na eliminação da doença do sono e erradicação das glossinas na ilha do Príncipe.

O Sr Cancella de Abreu: 

- V Ex.ª dá-me licença?

O Orador: 

- Com muito gosto.

O Sr Cancella de Abreu: 

- Associo-me plenamente à homenagem que V. Ex.ª está prestando aos cientistas nacionais que deram um contributo tão válido para o combate à doença do sono. Essa homenagem é não só devida por nós, nacionais, mas teve também uma repercussão internacional, que não é demasiado aqui referir neste momento

O interruptor não reviu

Vozes: 

- Muito bem!

O Orador: 

- Muito obrigado, Sr. Deputado Cancella de Abreu, pela sua achega, que veio, de certa maneira, valorizar esta minha comunicação.

A propósito, seja-me permitido dizer que o autor se refere larga e elogiosamente à segunda campanha de erradicação da mosca do sono na mesma ilha - reintroduzida muito provavelmente a partir da Guiné Equatorial, quarenta anos após ter sido capturada a última glossina no Príncipe, em 1914 -, realizada pela Missão de Combate às Glossinas da Ilha do Príncipe no curto espaço de dois anos (1956-1958) e utilizando métodos que não coincidiram com os da campanha anterior.


852 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42

O Sr. Gardette Correia: 

- V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: 

- Com certeza.

O Sr. Gardette Correia: 

- Eu, como guineense e chefe da Missão de Combate às Tripanossomíases da Guiné, não poderia de forma alguma ficar insensível ao seu discurso e sobretudo às grandes referências que vem fazendo acerca da erradicação da doença do sono na ilha do Príncipe.

No que diz respeito a esta afecção, gostaria de esclarecer a Câmara de que não conheço em toda a África uma campanha semelhante à que Portugal vem fazendo em todo o território ultramarino.

Vozes: 

- Muito bem!

O Sr Gardette Correia: 

- Na realidade, e eu posso dar números, na Guiné, em 1945 foram apanhados dois mil quinhentos e tal doentes e em 1973 apenas encontrámos quinze doentes, dos quais cinco da República da Guiné, do Senegal e da Zâmbia.

Isto quer dizer que apenas temos dez doentes, os quais não foram tratados ou não se submeteram ao tratamento que nós temos vindo a fazer. Essa é a grande vitória de Portugal no ultramar, precisamente no campo da doença do sono, que conseguiu dominar na ilha do Príncipe e em S. Tomé. Contudo, na Guiné é impossível falarmos na erradicação, temos de falar antes num controle, e podemos dizer que a doença hoje está absolutamente controlada, absolutamente dominada.

Quanto aos cientistas que realmente contribuíram para a erradicação desta doença, V. Ex.ª falou no nome de Fraga de Azevedo, mas não nos podemos esquecer dos nomes do Sr. Prof. Cruz Ferreira, do Sr. Prof. Salazar Leite, Profs. [Janz ] [e não Ians, Guilherme Jorge Janz] e [Francisco] Cambournac, que realmente muita contribuição deram para a erradicação e controle desta doença em África.

O interruptor não reviu.

Vozes: 

- Muito bem!

O Orador:

 - Muito obrigado, Sr Deputado. Eu associo-me à homenagem que está a prestar aos cientistas que enumerou. Eles estavam realmente no meu pensamento, mas a índole do trabalho não permitia que a eles me referisse.



A mosca Glossina palpalis (conhecida como "mosca tsé-tsé"), vector da doença-do-sono. Por Mr. Tam Nguyen - American Museum of Natural History, in New York City, USA., CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=215445 [in Wikipédia > Doença do sono]


A Missão limitou os seus trabalhos ao estudo da biologia das glossinas e sua erradicação do território,
já que o exame clínico e laboratorial de toda a população levara à conclusão da não existência de tripanossomíase humana. No entanto, a permanência na ilha do vector biológico da doença do sono constituía indubitavelmente uma séria ameaça que tinha de ser eliminada. Não cabe aqui descrever os trabalhos que conduziram pela segunda vez à erradicação das glossinas no território, mas sim lembrar que o êxito da missão se ficou devendo ao eminente professor do Instituto de Medicina Tropical Fraga de Azevedo (***), que chefiou, e ao Dr. Manuel da Costa Mourão, seu mais directo colaborador, nomes que, com o do Dr. Bruto da Costa, são credores da gratidão do povo, que nesta Câmara represento, e da admiração de todos nós.

Vozes: 

- Muito bem!

Fonte: Excerto, com a devida vénia > República Portuguesa > Secretaria-Geral da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa > Diário das Sessões > Nº 42 > 16 de março de 1974, pp. 851-852

[ Seleção / revisão / fixação de texto / notas: LG]
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15569: Historiografia da presença portuguesa em África (68): As colónias portuguesas: a província da Guiné, vista em 1884, em livro da biblioteca do povo e das escolas (Lisboa, David Corazzi, Lisboa, 2ª ed.) - II (e última) parte (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

(**)  Vd. COSTA, Bernardo Francisco Bruto daVinte e três anos ao serviço do país no combate às doenças em África / Bernardo Francisco Bruto da Costa. - Lisboa, 1939. - XIV, 208 p.

(***) Vd.  AZEVEDO, João Fraga deA erradicação da Glossina palpalis palpalis da Ilha do Príncipe (1956-1958) / J. Fraga de Azevedo, M. da Costa Mourão, J. M. de Castro Salazar. - Lisboa : Junta de Investigações do Ultramar, 1962. - 181 p. : il. ; 23 cm. - Estudos ensaios e documentos. 91)

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15329: (Ex)citações (299): A tripla vacinação que tínhamos de fazer, antes de embarcar para o CTIG: febre-amarela, cólera e varíola (António M. Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74)













Cópias dos certificados internacionais de vacinação contra a febre-amarela, cólera e varíola, emitidos pela Direção do Serviço de Saúde do Ministério do Exército. 


Fotos: © Sousa de Castro (2015). Todos os direitos reservados. (Edição: LG]




1. Mensagem, de 1 do corrente, do [António M. ] Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), na sequência do poste P15307 (*):


Caros amigos,

Não foi só a vacinação contra a febre-amarela (*), foi também contra a varíola e a cólera, conforme se pode constatar no meu certificado de vacinas internacional, passada na Província da Guiné.

Este certificado foi pedido por mim, creio que em Bissau antes de vir embora,  no sentido de poder emigrar. 

Para além disso, tenho os três certificados individuais aquando da vacinação obrigatória antes de embarcar, passado pela Direcção do Serviço de Saúde do Ministério do Exército. (**)

Ao dispor,

A. Castro




2. Comentário do editor:

Segundo o Portal da Saúde  [, Consulta da Saúde do Viajante],  "o Regulamento Sanitário Internacional em vigor estipula que a única vacina que poderá ser exigida aos viajantes na travessia das fronteiras é a vacina contra a febre amarela. Nesse sentido, todos os Centros de Vacinação Internacional devem administrar a vacina contra a febre amarela a todos os utentes que a eles se dirijam, desde que portadores de prescrição médica."

Há, no entanto,  alguns países não autorizam a entrada no seu território sem o comprovativo de vacinação contra outras doenças. "É o que acontece com a vacina contra a doença meningocócica, imposta pela Arábia Saudita aos peregrinos que se dirigem a Meca. A Arábia Saudita exige ainda, como outros países, a vacina contra a poliomielite, a quem é proveniente de um dos quatro países onde o vírus é endémico (Afeganistão, Nigéria, Paquistão e Índia)."

Na época da guerra colonial, havia ainda o risco de cólera e varíola em territórios como a Guiné. O último caso de varíola ocorreu em 1977, na Somália. Foi uma das mais devastadoras doenças infetocontagiosas que os seres humanos conheceram, Foi considerada erradicad pela OMS em 1980. A cólera é uma doença endémica, havendo de tempos a tempos surtos epidémicos em países onde a saúde pública ainda é defiociente (como é o caso da Guiné-Bissau, Angola ou Brasil). A doença é de notificação obrigatória mas a vacinação já não o é, de acordo com o  Regulamento Sanitário Interncional (RSI).

A vacina contra a cólera é recomendada pela OMS para aplicação em viajantes com destino às áreas onde ocorrem casos de cólera, e possa haver contacto com doentes,  mas não é disponibilizada pelo  nosso Programa Nacional Vacinaçãom, não garantindo de resto imunidade duradoura. As únicas vacinas obrigatórias em Portyfgal, hoje em dia, é a do tétano e difteria. Em, setembro de 1971 houve surto de cólera na área metropolitana de Lisboa. Em 1969, o pessoal militar era apenas vacinado contra a febre-amarela, a crer no depoimento do nosso camarada António Tavares.

O atual Regulamento Sanitário Interncional (RSI) está em vigor nos 193 Estados membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 15 de Junho de 2007. É um acordo internacional juridicamente vinculativo. Tem por objectivo a prevenção e o combate às ameaças de saúde pública mundial. (Ver versão em português do RSI, disponível no sítio do INSA).




"Uma caderneta que todo o militar teve no dia da vacinação [contra a febre-amarela]. É de notar que a vacina era dada quase no fim da recruta talvez por hipotéticas reacções negativas do organismo dos militares. Recruta dispendiosa para a Fazenda Pública e a necessidade, maior ou menor, consoante a época do ano, do 'despacho' dos Homens para a guerra. Assim, uma recruta não podia ser perdida nem repetida. Seria tempo perdido para os militares. Os governantes da época pensavam nos 'Prós e Contras' "... Repare-se que o certificado é emitido, em 1969, pela Escola Nacional de Saúde Pública de de Medicina Tropical, criada em 1966.

Foto (e legenda) : © António Tavares  (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: LG]

_______________



(...) Cumpridos os procedimentos administrativos que antecederam o embarque para o CTIG, como seja a vacinação obrigatória efectuada no Hospital do Ultramar, sito na Junqueira, Freguesia de Alcântara [Lisboa], uma unidade de saúde que, a par do Instituto de Medicina Tropical [IMT], funcionavam na dependência do Ministério da Marinha e Ultramar e que se destinavam a dar assistência médica aos funcionários civis e militares em trânsito, de e para o Ultramar Português, incluindo os casos com doenças tropicais e infecciosas. (,,,) 

(...) Concluído o processo de vacinação sem efeitos secundários e expirados os dias de férias atribuídos no processo de mobilização, eis que é chegado o dia «D» – o da despedida – e, concomitantemente, o da partida aprazada para 23 de Março de 1972, uma 5.ª feira. (...)


(**) Último poste da série > 3 de novembro de 2015 >  Guiné 63/74 - P15319: (Ex)citações (298): Um peso era manga de patacão... para a bajuda de Mansoa (César Dias, ex-fur mil sapador, CCS/BCAÇ 2885, 1969/71)

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15316: Historiografia da presença portuguesa em África (65): Do Hospital colonial (1902) ao Hospital do Ultramar (1958) e ao Hospital Egas Moniz (1974)

1. Temos aqui falado pouco (ou quase nada) da história dos serviços de saúde militares, na metrópole e "além-mar"...

Há na "Revista Militar" uma resenha cronológica com a sua evolução desde há 200 anos (1801-2012). Para os interessados, merece uma leitura o artigo de Rui Pires de Carvalho, ten cor - Factos relevantes da saúde militar nos últimos 200 anos" (Revista Militar, nº 2544, janeiro de 2014). Curiosamente, e certamente por lapso, não há uma referência à criação do Hospital Colonial de Lisboa, em 1902. O facto relevante desse ano é a criação a “Escola de Medicina Tropical”, instalado na Cordoaria, precursora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical.

Provavelmente para o autor o "Hospital Colonial de Lisboa" era considerado um hospital civil. E, no entanto, as duas instituições estão ligadas, pelo seu nascimento comum em 1902, por lei de 24 de abril. O Hospital Colonial de Lisboa destinava-se expressamente ao "tratamento dos oficiais militares e praças de pré que regressa(vam) do ultramar". Junto a este estabelecimento, provisoriamente instalado na (Real) Cordoaria, é "criado o ensino teórico e prático da medicina tropical" (base 7ª). Também podiam ser tratados neste hospital os empregados civis e eclesiásticos das províncias ultramarinas (como então se dizia, e não colónias...).

A direção e o serviço clínico eram assegurados por "pessoal técnico" da Repartição de Saúde da Direção Geral do Ultramar. Entretanto, por decreto de 28 de fevereiro de 1903 (Ministerio da Marinha e Ultramar — Diario do Governo, n.° 85, de 20 de abril) é  aprovado o regulamento do Hospital Colonial de Lisboa.

As preocupações com a saúde súplica e a medicina tropical fazem parte do discursos dos dirigentes (e da elite médica) das potências  coloniais de então. Em 1899, são criadas as Escolas de Medicina Tropical de Liverpool e de Londres. E, na Alemanha, surge no ano seguinte a escola de Hamburgo. Em 1906 é fundada em Bruxelas a "École de Médecine Tropicale”, com a missão de preparar os médicos e enfermeiros  destinados às colónias belgas. Patrick Manson, fundador da London School of Tropical Medicine, em 1899, tinha sido nomeado dois anos antes como conselheiro médico do "Colonial Office" pelo primeiro ministro Joseph Chamberlain.

Um dos grandes nomes da medicina portuguesa do virar do século, Miguel Bombarda, proferia as seguintes palavras,  em 26 de outubro de 1901, numa comunicação à Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa:

"(....) A colonialização não é somente uma questão social e económica, mas ainda uma questão de higiene e uma questão de patologia. A prosperidade e a riqueza de uma colónia dependem primeiro que tudo das facilidades de vida que lá podem encontrar os elementos colonizadores. Desgraçado povo aquele que das sua colónias só pode arrancar ouro à custa de sangue! Desgraçadas riquezas aquelas que se conquistarem à custa do depauperamento da metrópole pelas vidas ceifadas e pelas existências mutiladas! Todos os dispêndios empregados em salvar vidas não podem senão redundar em riqueza e prosperidade nacionais. O remédio para os graves riscos que importa uma colonialização empreendida às cegas está na intervenção da medicina, com os altamente poderosos recursos de que dispõe na actualidade. A Inglaterra, a Alemanha e a França acabam de o reconhecer pela criação de centros de estudo e de ensino que hão-de simplesmente converter-se em facilidades colonizadoras e em prosperidade colonial" (...).

No entanto, Portugal tem pergaminhos a defender nesta como noutras áreas do saber. O  nosso Garcia da Orta (Castelo de Vide, c.1501-Goa, 1568) é considerado um precursor da medicina tropical, bem como da botânica e da farmacopeia orientaism enquanto autor do tratado "Colóquio dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia", editado em Goa em 1563.

Mas já em meados do se´c. XIX tinha sido apresentado um  projecto de lei, em 1855,  sobre o ensino da medicina tropical, da autoria  de Pinheiro Chagas. Mas foi a Escola Naval que seria pioneira no ensino da medicina tropical, em 1887, promovida por lei de 25 de agosto desse ano, de Henrique Barros Gomes, filho do capitão de fragata médico naval Bernardino Barros Gomes. Quatro anos depois, em 1901, é de destacar, pelo seu pioneirismo, a missão do sono a Angola, chefiada por  Aníbal Bettencourt, director do então Real Instituto Bacteriológico.

Não se pode falar do Hospital Colonial sem, antes, evocar o grande Hospital Real de Todos os Santos, inaugurado em 1504 por D. Manuel I, e que, de acordo com o seu regulamento, tinha também por missão acolher todos os "doentes do mar" (!), ou seja, todos os nossos marinheiros, soldados e exploradores  que chegavam de viagem a Lisboa (Vd. aqui artigo de Luís Graça, na sua página pessoal, Saúde e Trabalho: refira-se  também aqui a existência de mão de obra-escrava, de origem africana, exercendo funções de ajudante de lavadeira e  com direito apenas a pagamento em géneros: alimentação, alojamento e vestuário).
















Fonte: Portugal > Assembleia da República > Legislação régia > Lei, 24 de abril de 1902 > "Lei (Ministerio da Marinha e Ultramar — Diario do Governo, n.° 98, de 3 de maio) auctorizando o Governo a criar um hospital colonial e o ensino da medicina especial dos climas tropicaes, segundo certas bases (Erratas no Diario do Governo, n.º 100)".


2. Este hospital (1902) vai estar na origem do Hospital do Ultramar (1957), mais tarde Hospital Eghas Moniz, hoje integrado no CHLO - Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE. Do sítio oficial, na Net, do CHLO, tomamos a liberdade de reproduzir o seguinte excerto,  com a devida vénia;


 História do Hospital Egas Moniz

(...) "A independência do Brasil, em 1822, veio desferir um rude golpe no Império Colonial Português, que até à data, e passado o período dos descobrimentos, fizera Portugal alicerçar a sua economia na riqueza daquela colónia. Havia pois que encontrar 'novos Brasis'.

"O que restava do Império não eram territórios desprezíveis na sua dimensão. Mas do ponto de vista económico e do seu desenvolvimento não tinham qualquer expressão. Os 'Domínios Asiáticos' constavam das parcelas de Salsete, Bardês, Goa, Damão, Diu, dos estabelecimentos de Macau e das ilhas de Solor e Timor, constituindo, no seu todo, um único governo geral. Os 'Domínios Africanos' consistiam num conjunto de territórios espalhados pelas áreas Africano-Atlântica e Índica, constituindo, no seu todo, três governos gerais o de Cabo Verde e Guiné, o de Angola e o de Moçambique e um governo particular o de São Tomé e Príncipe e São João Baptista de Ajudá.

"A viragem a África, já que do Oriente pouco havia a esperar, toma corpo com o projecto global de fomento ultramarino impulsionado por Sá da Bandeira. Nessa linha, iniciam-se as viagens de exploração, como as de Capello e Ivens, e tomam-se medidas conducentes à efectiva exploração e desenvolvimento desses territórios. Para tal, e dada a resistência oferecida pelas tribos locais, iniciam-se campanhas militares com vista à sua pacificação e que vão progressivamente envolver contingentes militares significativos.

"A nível internacional a Europa 'acorda' para África, passando a repartir o continente entre as grandes potências de então: Inglaterra, Alemanha, França, Bélgica e Itália.

"Um movimento que se cristaliza na Conferência de Berlim, na qual se abandona o argumento histórico, em que Portugal sempre alicerçara os seus direitos, e se adopta o princípio da ocupação efectiva. Doravante, toda a nação europeia que tomasse posse de uma zona da costa africana ou nela estabelecesse um 'protectorado', teria que notificar esse facto aos restantes signatários, para que as suas pretensões fossem ratificadas. Além disso, o ocupante deveria provar que dispunha de 'autoridade' suficiente para fazer respeitar os direitos vigentes e, se fosse o caso, a liberdade de comércio e de trânsito. Por outro lado, o Tratado Anglo-Alemão de 1886 introduziu a noção de 'esferas de influência', à qual se acrescentava a de 'hinterland', que permitia a ocupação de áreas interiores ilimitadas às nações possuidoras das correspondentes áreas costeiras.

"A este contexto internacional, Portugal via a sua acção dificultada por uma crise interna, de natureza política, social e económica. Tendo visto negado o seu projecto do 'Mapa Cor de Rosa', unindo as duas costas africanas entre Angola e Moçambique, concentrou-se então na efectiva ocupação e desenvolvimento dos territórios que lhe foram reconhecidos internacionalmente.


"O Hospital Colonial de Lisboa sob a égide do Ministério das Colónias foi criado por Carta de Lei de 24 de Abril de 1902 e inicialmente ficou instalado no Edifício da Cordoaria, onde também funcionava o Instituto de Medicina Tropical.



"Tinha como objectivo dar assistência médica funcionários civis e militares, que regressavam do Ultramar em condições físicas deploráveis com doenças infecciosas.

"Em 1919 o Estado adquire a Quinta do Saldanha à Junqueira para aí construir um Pavilhão de Internamento, que foi inaugurado em 1925 e que, por ter sido construído a expensas de Macau recebeu o seu nome.

"Nos edifícios existentes da quinta funcionava a enfermaria tropical que se destinava a tratar indigentes vindos do Ultramar.

"Em 1948, por despacho do Sr. Ministro do ultramar (tinha-se entretanto mudado o nome do Ministério, o que consequentemente mudou também o nome do Hospital), decidiu-se aumentar o Hospital do Ultramar com serviço de cirurgia, pavilhão de doenças infecto-contagiosas, radiologia e análises clínicas.

"Em 1953 concluiu-se o Pavilhão de Doenças Infecto- Contagiosas que ficou separado do edifício principal. Actualmente está ligado ao restante Hospital por um corredor de acesso que designamos por 'manga'.

"Em 1957 é inaugurado o Hospital do Ultramar com a conclusão das obras do edifício de Medicina e Cirurgia e restantes serviços. A sua construção aproveitou o então pavilhão de Macau que actualmente não é visível.

"O Hospital ficou organizado por serviços de 1.ª, 2.ª e 3.ª Classe, por um Pavilhão de Doenças infecto-contagiosas e pela Enfermaria Tropical (Tropical Homens e Tropical Mulheres). O Hospital tinha como objectivo não só o tratamento dos doentes, mas também, em colaboração com o Instituto de Medicina Tropical dedicava-se à investigação e ao ensino pós- graduado em doenças tropicais e infecciosas, para os médicos que se deslocavam para o Ultramar.

"Em finais da década de 60 o Hospital do Ultramar já não conseguia corresponder às muitas solicitações, pelo que se decidiu construir um novo edifício de 8 pisos, que ligado ao edifício velho fez desaparecer a sua entrada.

"Este edifício entrou em actividade em 06/03/1975 e por força da extinção do Ministério do Ultramar passou para a dependência do Ministério dos Assuntos Sociais - DL 506- B/75- tendo passado a designar-se por Hospital de Egas Moniz (portaria 623/74) uma vez que, nesse ano, ocorria o centenário do Prof. Egas Moniz.

"Em 2002 através do decreto-lei n.º 278/2002 de 9 de Dezembro o hospital é transformado em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, com a designação de Hospital de Egas Moniz, S.A.
"Em 29 de Dezembro de 2005, o hospital foi integrado no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E., juntamente com os Hospitais de Santa Cruz e de S. Francisco Xavier." (...)

Texto e fotos: Cortesia de CHLO - Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE > História do Hospital Egas Moniz

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15309: Historiografia da presença portuguesa em África (59): Cem pesos era "manga de patacão" para o camponês guineense, produtor de mancarra... Era por quanto venderia um saco de 100kg ao comerciante intermediário... Em finais de 1965 o governo de Lisboa garante a compra pela metrópole da totalidade da produção exportável da mancarra guineense e fixa o preço por quilo em 3$60 FOB (Free On Board)

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13805: A propósito de paludismo... Ou melhor, do sezonismo, que era o termo que tradicionalmente se usava entre nós, na metrópole, até finais dos anos 60 (Parte I) (Luís Graça)


Portugal > Direção-Geral de Saúde > Instituto de Mariologia > Cartaz nº 1

Portugal > Direção-Geral de Saúde > Instituto de Mariologia > Cartaz nº 2


Dois cartazes da Direção  Geral de Saúde, dos anos 40, 
que integravam uma campanha de luta contra o sezonismo (ou malária).

Fonte: Cortesia de  © INSA > Museu da Saúde (2014)  [Edição: LG]



Estação para o Estudo do Sezonismo, Águas de Moura, Palmela, anos 1930

Fonte: Cortesia de © INSA > Museu da Saúde (2014) [Edição de LG]


1. O paludismo, a malária ou o sezonismo eram endémicos em Portugal até aos anos 60, nomeadamente na regiões onde se cultivava o arroz, do Mondego até ao sul ... Não era uma doença estritamente tropical!... Hoje está erradicada em Portugal  (bem como no sul da Europa) mas, com as alterações climáticas a nível mundial, nada nos garante que não venha a ser, outra vez, um problema de saúde pública, daqui a algumas décadas...

Num  artigo meu, de 1999, sobre a História da Saúde e Segurança no Trabalho: 1.2. O Embrionário Desenvolvimento da Saúde Pública no Portugal Oitocentista [, disponível aqui, n aminha página profissional, Saúde e Trabalho, ] escrevi o seguinte:

(...) Menos mortíferas, mas com efeitos igualmente nefastos no nível de saúde das populações, eram as febres intermitentes (ou sezonismo), geralmente associadas à malária ou paludismo, nas regiões onde se praticava a cultura do arroz (bacias hidrográficas do Mondego, do Tejo, do Sado, vale do Sorraia, etc.) bem como ao tráfico de escravos africanos.

Em 1851, J. F. Henriques Nogueira escrevia sobre este mal endémico o seguinte: "Quem há que não conheça os estragos que em mais de metade do nosso país produzem as febres intermitentes ou sezões ? Povoações temos onde na queda do Estio só aparecem rostos magros e macilentos, e pobres doentes, embrulhados em mantas e estirados ao sol (...).

"Dê-se água de boa qualidade às povoações sequiosas, e onde a não houver filtre-se cuidadosamente. Encanem-se os rios; sangrem-se os charcos e pauis: cubra-se de arvoredo o terreno, que se enxugar - e por este modo, com que bastante lucra a agricultura, ter-se-á convertido em salubre, ou incomparavelmente menos doentia uma localidade sezonática" (In: Estudos sobre a Reforma em Portugal, 1851) (...)


Em conclusão: o termo sezonático já era usado, em 1851. E em 1903 há uma referência explícita ao "sezonismo" como matéria ensinada no curso de medicina sanitária, criado em 1903, no ãmbito da reforma da saúde pública em Portugal (1899-1901), liderada por Ricardo Jorge.(1858-1939).

2. Vejamos o que dizem os dicionários:
sezonismo | s. m.

s e·zo·nis·mo (sezão + -ismo) > substantivo masculino  > Doença infecciosa causada por parasitas do sangue do género Plasmodium, transmitida ao homem pelo mosquito anófele, que se manifesta geralmente por sezões. = IMPALUDISMO, MALÁRIA, PALUDISMO

"sezonismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/sezonismo [consultado em 26-10-2014].


Sezão | s. f.

se·zão  > substantivo feminino > Acesso de febre, intermitente ou periódica, precedido de frio e de calafrios.Confrontar: sazão.

"sezão", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/sez%C3%A3o [consultado em 26-10-2014].



Capa de um precioso folheto da DGS - Direção Geral de Saúide, do ínício dos anos 70, guardado pelo nosso camarada António Tavares [ex-fur mil, CCS/BCAÇ 2912,Galomaro, 1970/72]... O seu processo na subdelegação de saúde de Gondomar, nos Serviços de Higiene Rural e Defesa Anti-Sezonática (sic) era o nº 155/4/72.  Em março de 1972,  o Tavares regressou da Guiné e em abril teve paludismo, o que o levou a consultar aqueles serviços de saúde (*).

3. O termo sezonismo  é usado pelo legislador, em vez de malária ou paludismo, até aos anos 60:

Portaria n.º 18143 

[ Reproduzido, com a devida vénia, do sítio Legislação.org]

Diário da República > Ministério da Saúde e Assistência
Quarta-feira 21 de Dezembro de 1960
294/60 SÉRIE I ( páginas 2798 a 2798 )

TEXTO :

Portaria n.º 18143
Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro da Saúde e Assistência, aprovar, em seguimento da proposta da Direcção-Geral de Saúde, nos termos do n.º 1 da base IX da Lei n.º 2036, de 9 de Agosto de 1949, e depois de ouvido o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social, a seguinte tabela das doenças contagiosas de declaração obrigatória:

1 - Ancilostomíase.
2 - Bilharzíase.
3 - Brucelose (febre ondulante).
4 - Carbúnculo.
5 - Cólera.
6 - Difteria.
7 - Disenterias bacilar e amebiana.
8 - Encefalite infecciosa aguda.
9 - Escarlatina.
10 - Espiroquetose ictero-hemorrágica.
11 - Febre-amarela.
12 - Febres recorrentes.
13 - Febres tifóides e paratifóides.
14 - Hepatite epidémica.
15 - Kala-azar.
16 - Lepra.
17 - Meningite cerebrospinal.
18 - Peste.
19 - Poliomielite.
20 - Psitacose humana.
21 - Raiva.
22 - Sezonismo.
23 - Sodoku.
24 - Tétano.
25 - Tifo exantemático e outras ricketsioses.
26 - Tosse convulsa.
27 - Tracoma.
28 - Tuberculose do aparelho respiratório e outras formas de tuberculose.
29 - Varíola (ou variolóide) e alastrim.
30 - Doenças venéreas em período de contágio: sífilis, blenorragia, cancro mole, linfogranuloma (doenças de Nicolas-Favre).

A presente tabela entrará em vigor em 1 de Janeiro de 1961 e substitui a que foi publicada pela Portaria n.º 16523, de 27 de Dezembro de 1957. A declaração é obrigatória tanto em casos de doença como nos casos de óbito.

Ministério da Saúde e Assistência, 21 de Dezembro de 1960. - O Ministro da Saúde e Assistência, Henrique de Miranda Vasconcelos Martins de Carvalho.

4. Cartazes da Direção-Geral da Saúde [, DGS,] , início da década de 1940

Dimensões: A. 80,50 cm x L. 60,50 [Vd., as duas primeiras imagens acima]

O Instituto de Malariologia [. criado em 1938, em Águas de Moura, a que ficará para sempre ligado o nome do prof Francisco Cambournac, 1903-1998]  empreendeu várias estratégias para proteção das populações, entre as quais se destacam o tratamento e a profilaxia medicamentosa, o combate ao mosquito Anopheles e as campanhas de sensibilização para prevenção da doença.

A proteção dos núcleos habitacionais foi outra das medidas adotadas, e que se refletiu na aplicação de redes nas portas e janelas bem como na colocação de portais na entrada das casas, com guarda-vento e porta de rede metálica de um milímetro. A estas medidas juntou-se o tratamento dos domicílios com inseticida, verificando-se que eram raros os Anopheles encontrados no interior dessas casas e, consequentemente, o número de casos de malária diminuía.

O cartaz [nº 2]  apresenta uma mulher em primeiro plano, com indumentária rural e, em segundo plano, um berço com criança deitada, protegida por uma rede mosquiteira imprópria, pelo que ambos se mostram doentes.

O cartaz [nº 1]  por seu turno, mostra uma mulher, de perfil, com ar saudável e alegre com junto de um berço com criança deitada, protegida por uma rede mosquiteira em boas condições.

Com estes cartazes, a DGS pretendia transmitir uma mensagem simples, mas eficaz, que alertava para a necessidade de proteção das crianças, neste caso através da aplicação de mosquiteiros nos berços.
Os cartazes foram encomendados pela Direção-Geral da Saúde a um artista plástico no início dos anos de 1940, os quais apresentavam as normas recomendadas de colocação de redes mosquiteiras nos lares e o uso de repelentes.

Estes cartazes integram a coleção da Malária, dedicada ao papel Instituto de Malariologia no estudo, combate e tratamento da Malária.

Fonte: Adaptado com a devida vénia do sítio do  Instituto Nacionald e Saúde Doutor  Ricardo Jorge > Museu da Saúde > (#071) PEÇA DO MÊS - JUNHO 2014

(Continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste relacionado com o tema do paludismo:  26 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13803: A propósito de paludismo... Quando dispensava de saídas difíceis e quando até atacava na metrópole (Abel Santos / António Tavares)


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13454: Ser solidário (162): SOS, Ébola!... Recomendações para viajantes com destino a regiões afetadas por doença por vírus Ébola (Portugal, Diretor-Geral de Saúde)










Portugal > Ministério da Saúde > Direção Geral de Saúde > Doença por vírus Ebola > Recomendações para Viajantes > Comunicado nº C77_01_v1 de 30/07/2014 com recomendações para viajantes com destino a regiões afetadas por doença por vírus Ebola.


1. Com a devida vénia reproduz-se acima, por ser de interesse público, um comunicado recente do Diretor Geral de Saúde, dr. Francisco George que, além de ser meu colega (é professor convidado na Escola Nacional de Saúde Pública da NOVA),  é um grande amigo de África, e em especial da Guiné-Bissau, onde trabalhou há largos anos atrás no âmbito da OMS - África.

Para mais informação, ver sítio da Direção-Geral de Saúde..

Há crescentes e fundados receiso que o atual surto de ébola que está a atingir a África Ocidental possa chegar à Guiné-Bissau cuja situação sanitária é, já de si, muito precária. As recomendações das autoridades sanitárias portuguesas, na pessai do Diretor-Geral de Saúde, são muito úteis para todos, em especial os nossos camaradas e amigos que vivem na Guiné-Bissau ou que viajam, em lazer ou trabalho, para as regiões afetadas.

ATENÇÃO:  Como bem frisa o nosso Diretor-Geral de Saúde, as viagens para os países afetados pelo surto de ébola "não são desaconselhadas", no entanto devem ser observadas as devidas precauções.

2. Para saber mais sobre o ébola, clicar aqui:




OMS [WHO (World Health Organisation)] > Global Alert and Response (GAR) >  Ebola virus disease (EVD) (em inglês)

OMS [WHO (World Health Organisation)] > Ebola virus disease > Fact sheet N°103 > Updated April 2014 (em inglês)

terça-feira, 11 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11694: Da Suécia com saudade (37): Falando com jovens médicos militares, no círculo polar ártico, sobre a preparação dos nossos médicos no tempo da guerra colonial... (José Belo)


1. Mensagem do José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia [, foto à esquerda], com data de 30 de maio


Caro Amigo e Camarada.

Em primeiro lugar, espero que os Melech Mechaya em Estocolmo e Helsínquia tenham tido por parte do público a resposta merecida. As "críticas-musicais" de Estocolmo foram mais do que positivas.(Se fizeres o favor de enviar o e-mail do teu filho, poderei mandar-lhe algumas recordacöes escandinavas). 

Quanto à parte guineense do assunto, relacionada com a medicina tropical e de guerra....Tropas Especiais finlandesas, norueguesas e suecas, estão a realizar manobras dentro do Círculo Polar, depois de acentuado aumento da presença militar russa nesta imensa área. 

Como por aqui não vive muita gente (o meu vizinho mais próximo está a 279 quilómetros da porta da minha casa!), dois jovens médicos militares suecos bateram-me à porta, curiosos por conversar com os "nativos".

À volta de uma fantástica aguardente velha de medronho, guardada para visitantes inesperados, acabámos por conversar sobre as guerras de África, a medicina tropical e a preparação específica dos jovens médicos que acompanhavam as nossas tropas. 

Confesso ignorar dados concretos sobre o assunto, e ter talvez ideias muito erradas sobre ele. Terão surgido depois de conversa com médico, então colocado em Aldeia-Formosa (1969?), segundo a qual ele não estaria preparado para as doenças tropicais locais e iria, a título pessoal, comprar livros sobre o assunto aquando das férias em Portugal...

Para não dar informacäo errada aos visitantes, prometi informar-me o melhor possível e, com melhores respostas, enviar-lhes um e-mail. Por certo,  de entre camaradas médicos (ou não) do Blogue, alguns terão respostas concretas sobre o assunto. 

Um grande abraço do José Belo.


PS - Nova mensagem, com data de hoje, vinda da Tabanca da Lapónia:

Foram-me apresentadas algumas perguntas por jovens médicos militares suecos sobre qual a preparação específica (medicina tropical, e também relacionadas com teatros de guerra) que teriam os médicos portugueses mobilizados para as guerras coloniais.

Não desejando dar respostas fáceis, mas menos concretas (ou correctas), procurei ajuda junto dos amigos disponíveis, e para tal habilitados. Daí vos ter enviado um SOS. Entretanto foram por mim já recebidas respostas detalhadas sobre o assunto, pelo que não se torna necessário incomodar mais camaradas. Sempre ao vosso dispor. José Belo.

2. Comentário de L.G.:

Saudações da Tabanca Grande para a Tabanca da Lapónia!... Camarada lusolapão: Sobre os Melech Mechaya, grupo musical cá da nossa terra (e de que faz parte o nosso tabanqueiro João Graça), e das suas andanças por terras escandinavas, ainda não escrevi mais nada (nem tinha que escrever ) neste espaço... Tenho, no entanto, que te agradecer, publicamente, a tua generosa hospitalidade, de que foi objeto o meu filho e os demais membros da banda...

E,a  propósito, quero deixar aqui registado o mail que me mandaste em 25 de maio último:

 "Caro Amigo. Foi com muito orgulho nos nossos jovens que terminei, alta madrugada, o encontro com o teu filho e companheiros do grupo musical. Muito (e de muito) se falou. Creio ter conseguido dar-lhes uma ideia das realidades que aqui nos rodeiam,e também das perspectivas históricas que levaram ás mesmas. Vivendo totalmente afastado, já há quase quatro décadas, de Portugal, este contacto com as novas geracöes lusitanas foi uma experiência riquíssima. Um encontro, para mim, a registar. Um grande abraço. José Belo".

Quanto ao dossiê "Medicina Militar no Tempo da Guerra Colonial", confesso que não dei, por falta de tempo, a devida atenção ao teu pedido (que era urgente). Temos uma série Os nossos médicos, com mais de 80 referências ou marcadores... Temos, inscritos na Tabanca Grande, vários médicos que conheceram o TO da Guiné como jovens clínicos... Espero que eles possam (e queiram) escrever sobre este tema que me parece não ter ainda sido devidamente abordado e tratado no nosso blogue: afinal, que preparação (clínica) levavam para o teatro de operações ? Que sabiam eles de clínica geral, medicina interna, doenças infetocontagiosas, saúde pública, higiene e medicina tropical, emergência médica pré-hospitalar, politraumatalogia, saúde mental, estomatologia, oftalmologia, otorrino, dermatologia... só para falar de alguns especialidades relevantes num teatro de operações como o da Guiné ?

Receio bem que os jovens alferes milicianos médicos (em princípio, havia um por batalhão, ou seja, 1 para 600 militares, não contando com os cirurgiões e outros eventuais especialistas do HM 241, de Bissau) tenham ido muito mal preparados para a "guerra do ultramar". Muitos deles eram chamados às fileiras do exército, mal saíam das faculdades de medicina (Lisboa, Porto e Coimbra). Nessa época, ou pelo menos até 1971, não havia "carreiras médicas" (, uma figura criada com a reforma da saúde de 1971), nem verdadeiros internatos médicos.

Uma estimativa grosseira minha  aponta para cerca de 1600 o número de médicos mobilizados para Angola, Guiné e Moçambique, na base do rácio 1 médico / 600 militares (=1 batalhão = 4 companhias)... Estamos a pensar num total de 800 mil militares (metropolitanos) mobilizados para a "guerra do ultramar" entre 1961 e 1975...  Temos ainda que contar com a dotação dos hospitais militares (por ex., HM 241, Bissau, cujo quadro de pessoal médico desconheço). Além disso, não podemos esquecer as missões civis: no meu tempo, o médico do batalhão de Bambadinca tinha ainda à sua responsabilidade uma população de 15 mil habitantes (, estimativa para o setor L1, sem contar com mais 5 a 6 mil almas no "mato", algumas das quais também vinham, nas calmas,  ao nosso posto sanitário)...

Recorde-se, por outro lado, que a demografia médica estava então a passar por uma grande transformação, tanto quantitativa como qualitativa. Em 1960, o número de médicos era já de 7075. Dez anos depois, tinha crescido 15%: era de 8156 em 1970. Na década seguinte, no simples espaço de dez anos (1970-1980), irá ter um crescimento exponencial, chegando quase aos vinte mil (19327, em 1980), em grande parte como resultado da democratização e massificação do ensino universitário a partir do início da década de 1970, com a reforma Veiga Simão e com o 25 de abril.  Hoje (2011) são 42796...

Em 1960 havia um médico para 1256 habitantes... Em 1970, o rácio era de 1/1064, em 1980 de 1/505... Hoje (2011) é de 1/247...

Quanto a especialidades médicas, só temos estatísticas a partir de... 1990! (Fonte: INE, e Pordata)

Enfim, conto que os nossos camaradas médicos aqui atabancados digam da sua justiça e experiência. Estou a pensar em nomes como Amaral Bernardo, José Pardete Ferreira, Mário Bravo, Manuel Valente Fernandes... que foram alferes milicianos médicos no TO da Guiné. Mas também noutros que se formaram depois, como o Ernestino Caniço, o Caria Martins, o Vitor Junqueira... E estou igualmente a pensar nos nossos outros camaradas que pertenciam aos serviços de saúde militar: furriéis enfermeiros, primeiros cabos auxiliares de enfermagem...

Sobre este assunto, queria ainda recordar que Portugal tem um nome ilustre que deu importantes contributos para o desenvolvimento da saúde pública, incluindo a saúde ambiental e militar: o beirão e estrangeirado Sanches Ribeiro, um dos grandes vultos intelectuais da nossa história!


[Imagem à esquerda: Ribeiro Sanches (Penamacor, 1699 - Paris, 1783)]

Português, nascido no seio de uma família de comerciantes cristãos-novos, é o nosso maior médico do séc. XVIII. Grande espírito do século das luzes, foi conselheiro de Marquês Pombal para a a reforma do ensino médico em Coimbra (1772). Médico do exército russo (1735) e do corpo de cadetes de S. Petersburgo, segundo médico da Corte (1740) e Conselheiro de Estado (1744) da Rússia, foi pioneiro saúde ambiental,  da saúde pública e da saúde militar com o seu famoso  Tratado da Conservação da Saúde dos Povos (1756). É autor de muitas outras obras. E o único português com uma entrada na célebre enciclopédia de D’Alembert e Diderot.  Era especialista em doenças venéreas (eufemisticamente chamadas, na época, "males de amores"). Deixou a Rússia em 1847, fixando-se em Paris. Os príncipes russos vinham, de propósito, consultá-lo por causa dos "males de amores"...
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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9883: Da Suécia com saudade (36): Quando os mortos choram os vivos (José Belo)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)

1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 25 de Novembro de 2010:

Caros Luís, Vinhal, Briote e M. Ribeiro:


Recebam um grande abraço, também de amizade e consideração.


Em anexo, e dando continuidade aos postes n.ºs 7012 e 7138, aqui vai o trabalho sobre o 3.º item (a formiga “baga-baga”).


Claro que fica ao vosso critério (sempre por mim bem aceite) o publicar ou não este trabalho.


Rui Silva


2. Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

DOENÇAS E OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE (ou de integridade física) QUE A CCAÇ 816 TEVE DE ENFRENTAR DURANTE A SUA CAMPANHA NA GUINÉ PORTUGUESA (Bissorã – Olossato – Mansoa 1965/67)

(I) Paludismo (P7012)
(II) Matacanha (P7138)
(III) Formiga “baga-baga”
(IV) Abelhas
(V) Lepra
(VI) Doença do sono


Não é minha intenção ao “falar” aqui de doenças e outros problemas de saúde que afligiam os militares da 816 na ex-Guiné Portuguesa, imiscuir-me em áreas para as quais não estou habilitado (áreas de Medicina Geral, Medicina Tropical, Biologia, etc.) mas, tão só, contar aquilo, como eu, e enquanto leigo em tais matérias, vi, ajuizei e senti.

Assim:

As quatro primeiras, a Companhia sentiu-as bem na pele (ou no corpo). As duas últimas (Lepra e Doença do sono), embora as constatássemos – houve mesmo contactos directos de elementos da Companhia com leprosos (foram leprosos transportados às costas, do mato para Olossato nas tais operações de recolha de população acoitada no mato para as povoações com protecção de tropa) –, não houve qualquer caso com o pessoal da Companhia, ou porque estas doenças estavam em fase de erradicação (?), ou porque a higiene e a profilaxia praticadas pela Companhia eram o suficiente para as obstar.


FORMIGA BAGA-BAGA - III

Julgo que a descrição exacta é:

BAGA-BAGA: - Montículo de terra endurecida que abriga uma comunidade de térmitas (Cupim). Pode atingir até cerca de 8 metros de altura.

TÉRMITAS (Cupim): espécie de formiga esbranquiçada e de contornos e cabeça avermelhados que vive numa comunidade, aos milhares, uma comunidade organizada com Rei, Rainha, operárias e soldados, e que constrói o baga-baga com a secreção de saliva misturada principalmente com pó de terra fazendo daquela obra de engenharia (arejamento, climatização e arrumação) o seu habitáculo.

Isto porque havia quem dissesse que a formiga baga-baga é que deu o nome ao montículo e outros que diziam que o baga-baga (montículo daquela formiga) é que deu nome à formiga.

Aconteceu então, numa operação de golpe-de-mão à casa-de-mato inimiga de Biambe, o meu primeiro encontro com estas “más companhias” e quando já tinha algumas semanas de Guiné e de mato.
Dá-se uma emboscada aquando do regresso, o que já se contava e como era habitual, e então valha-nos, mais uma vez, um baga-baga.

“Entretido” aos tiros, só depois me apercebi das alfinetadas que estava a levar nas mãos e braços, e já pelas pernas acima.”Mas o que é isto?” Qual é a minha surpresa, vejo umas formigas avermelhadas a ferrarem-me por todo o lado.

Comecei a sacudi-las sem por a cabeça fora do baga-baga, isto é fora de uma eventual boa pontaria inimiga. À sacudidela elas não saíam e então, verifiquei, para desespero meu, que elas estavam encastradas na minha carne. Com o empenho que elas actuavam parecia que até faziam o pino. Só puxando-as é que elas saíam, sem que no entanto a cabeça deixasse de ficar agarrada através de uns tentáculos enterrados. Lembrei-me das abelhas - nas abelhas o abdómen fica ligado ao ferrão - nestas ficam, não um ferrão, mas umas pinças (ou cornos) com a cabeça agarrada.

Os baga-bagas eram os nossos abrigos predilectos. Ainda bem que existiam. Parecia que tinham sido feitos para aquele tipo de guerra – a guerra de guerrilha. Altos, espessos quanto baste, duros como cimento, e a espaços mais ou menos regulares. Em qualquer operação no mato, principalmente em zona laranjo/vermelha, era constante um olhar prévio em redor para ver onde havia um baga-baga que nos acudisse.

Havia zonas em que existiam mais, julgo que em terrenos mais secos. Nas bolanhas não havia. Certamente que a água das chuvas e das marés que as inundavam, não propiciavam tais obras de engenharia. Ali para os lados de Biambi, Maqué, Iracunda, Morés, Cansambo, etc. aqueles montículos eram mesmo aos montes.

Aquela dor aguda e penetrante em cada ferroada passava no entanto alguns segundos depois. Perguntei-me porquê elas aparecerem naquele baga-baga e não em muitos outros onde me tinha protegido em situações embaraçosas como aquela. Disseram-me, depois, que aquelas formigas constroem o baga-baga mas que depois o abandonam, julga-se quando já não têm condições de habitabilidade, ou acaba aquela geração, ou ainda por predadores e parasitas mais fortes. Seja como for, verifiquei que grande parte dos baga-bagas não tinham aquelas formigas, afinal as legítimas proprietárias, mas sim eram habitados agora por toda a espécie de insectos: grandes, pequenos, com asas, sem asas, aranhas, moscas, moscões, etc., etc. Parasitagem,  afinal.

Apesar das dezenas de ferroadas que se levava, e as marcas eram bem visíveis, o que era certo, pelo que me apercebesse, não havia doença ou alergia subsequente. Afinal aquele Cupim que não gostava que usássemos a sua casa, ainda que para defesa do toutiço, teria uma história bem curiosa do que é uma comunidade, ainda que a nível de pequenos insectos, em que há uma entreajuda impressionante, que constrói com uma preciosa engenharia de habitabilidade e sustentabilidade um território, em que tem as suas operárias, os seus soldados defensores de todo o reino, um rei e uma rainha, esta a fecundar a um ritmo impressionante (cerca de 1000 ovos por dia) aumentando continuamente a prole, qual fábrica de trabalho em série. Afinal aquele torrão de terra, e que jeito dava muitas vezes, tinha muito que contar sobre a mãe natureza. Escondia uma comunidade laboriosa unida e homogénea em que cada um tinha uma missão religiosa a cumprir. Afinal uma lição para muitos…

Havia também por lá umas formigas pretas,  de grande cabeça e com um comprimento de 1 centímetro ou mais, não faltando quem se queixasse delas; embora também as visse por perto não me lembro de ser mordido por elas, já dos Cupins…

Ao clicar no ícone seguinte, pode-se ver um pequeno filme do Youtube  que mostra umas formigas pretas a dominarem os Cupins. No entanto não me parece que sejam as formigas pretas de que a malta se queixava.

Ainda através do ícone se pode ver um outro filme (Cidade das formigas) onde se pode ver que,  ao despejar cimento no estado de líquido pelas aberturas do formigueiro, aquele percorre todo o labirinto e uma vez solidificado mostra todo o habitáculo das formigas. De algum modo, embora ressalvando as proporções, o cupinzeiro (baga-baga) que víamos na Guiné, tem uma arquitectura semelhante.


Numa certa altura do ano, já no Olossato e julgo que tinha a ver com o tempo das chuvas, reparamos a páginas tantas, e já de noite, que as lâmpadas da iluminação à volta do quartel, alimentadas pelo gerador eléctrico, estavam rodeadas de milhares de insectos voadores. Logo também invadiram a nossa messe rodeando as lâmpadas ali acesas. Uma coisa nunca vista. Logo apagamos as luzes e os insectos voadores desapareceram, para num ápice voltarem a rodear as lâmpadas logo estas reacendidas, em voos frenéticos e repetidos em direção à origem da luz.

Chegamos a apagar a iluminação e a incendiar papeis julgando que as formigas se queimavam, desaparecendo assim, mas, qual o nosso espanto, as formigas envolveram as chamas. Aproximavam-se da chama para logo se afastarem ligeiramente (devido ao grande calor, suponho) para logo fazerem nova investida. O calor só era problema quando elas se queimavam (?). Uma coisa impressionante. Mas eles insistiam, insistiam sempre, ao encontro da luz.

Ao ler a história dos Cupins e sabendo que estes numa fase da sua metamorfose possuem asas (ver na figura abaixo, Como funcionam os Cupins-Ciclo de vida) em que o Cupim passa por uma fase da sua vida em que tem asas e a que se dá o nome de Alado) admito que esses vastos enxames em volta de tudo que fosse luz seriam os Cupins na fase de alados. De uma formiga tratava-se certamente. Mas, de tipos de formigas e outros insectos, cobras e passarada na Guiné haviam aos montes.





Fonte: www.mundoestranho.abril.com.br

- Montanha viva

- Ninho é cheio de túneis, tem andares embaixo da terra e pode durar oitenta anos.

CONSTRUÇÃO FIRME
O tamanho do cupinzeiro depende da população da colónia, mas, em média, atinge 60cm de altura. Ele é feito de terra, areia, saliva e excrementos dos próprios cupins. A construção é tão sólida na parte externa que alguns cupinzeiros se mantêm por até 80 anos!


LABIRINTO INTERNO
Por fora, um cupinzeiro do tipo montículo parece um monte de terra ressecada, sem vida. Dentro, porém, ele tem vários túneis e câmaras interligados por onde circulam milhões de cupins. As câmaras têm diversos usos, de depósito de alimento a berçário para ovos.


EM CAMADAS
O cupinzeiro é erguido por compartimentos e ganha “andar por andar”. O ninho cresce tanto para cima como para baixo da terra – cerca de 25% do tamanho total do cupinzeiro pode ser subterrâneo -. Os andares mais novos são mais húmidos e não tão sólidos.


CAMAROTE VIP
Entre as milhares de câmaras, uma se destaca: a câmara real. Nela vivem a rainha e o rei da colónia, responsáveis pela fundação do ninho e pela multiplicação dos cupins. O casal real vive, em média, de 15 a 20 anos e pode ser substituído por outros pares secundários.


ENTRADA VIGIADA
O acesso ao ninho é feito por túneis subterrãneos que desembocam no solo. É por eles que os cupins operários saem para colectar comida. Nessas missões, são protegidos de inimigos, como formigas e vêspas, pelos cupins soldados que fazem uma “escolta”.


Um estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, indica que os verdadeiros reis da savana africana não são os leões, mas sim os cupins. Segundo o pesquisador Robert Pringle, a rede de colónias criadas pelas colónias do insecto influencia mais a população de animais que os grandes predadores ou os gigantes da região, como os elefantes e as girafas. As informações são da Agência Fapesp.

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Segundo a pesquisa, a acção do cupim contribui enormemente para a produtividade do solo, que acaba por estimular a produção vegetal e, por consequência, animal. Os cientistas afirmam que a distribuição dos cupinzeiros por uma área maior maximiza a produtividade de todo o ecossistema.

“Não são os predadores carismáticos – como leões e leopardos – que exercem os maiores controles em populações. Em muitos aspectos, são os pequenos personagens que controlam o cenário. No caso da savana, aparentemente os cupins têm uma tremenda influência e são fundamentais para o funcionamento do ecossistema”, diz Robert Pringle.

Os pesquisadores estudaram cupinzeiros na região do Quénia Central. Eles observaram que essas estruturas tinham cerca de 10m de diâmetro, com distâncias entre 60 e 100m entre eles. Cada um abriga milhões de insectos e muitas vezes são centenários. Os cientistas se surpreenderam ao observar um grande número de lagartos próximos aos cupinzeiros, o que levou à quantificação da produtividade ecológica da área. Eles chegaram à conclusão que cada comunidade de insectos dava suporte a densas agregações de flora e de fauna. As plantas cresciam mais rapidamente quando próximas a essas estruturas e as populações de animais, assim como a taxa de reprodução, eram menores quando ficavam longe dos cupinzeiros.

Imagens feitas por satélite confirmaram as observações. Segundo os pesquisadores, essas imagens mostravam que cada cupinzeiro ficava no meio de uma “explosão de produtividade floral”. Além disso, essas “explosões” parecem divididas organizadamente, com cada uma como se fosse uma casa em um tabuleiro de xadrez.


Os cientistas pretendem agora estudar qual é exactamente a contribuição dos cupins a essa produtividade. Eles acreditam que os insectos – que muitas vezes são vistos como pragas na agricultura – distribuem nutrientes, como fósforo e nitrogênio, que beneficiam a fertilidade do solo.

Segue: Abelhas - IV
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7138: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (2): Matacanha (Rui Silva)