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segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24719: Notas de leitura (1621): "Tertúlias da Guerra Colonial"; edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Fica aqui um histórico dado por um elemento da Marinha acerca do Destacamento de Fuzileiros Especiais 8 entre 1971 e 1973, um caso de Marinha no mato, pois estavam instalados num aquartelamento em Ganturé, com missões de patrulhamento no rio Cacheu, seguiram para Gampará, aí em instalações muito precárias, atividade operacional intensa e alimentação mais deficiente, conheceram o castigo, percorreram o rio Corubal e caminharam até Buba, voltaram para Ganturé, a comissão terminou em abril de 1973, assistiram ainda a intensidade da vida operacional do PAIGC e à chegada dos mísseis. Foi esta intervenção e a de Carlos de Matos Gomes que respigámos num conjunto de tertúlias promovidas pela Associação dos Pupilos do Exército.

Um abraço do
Mário.



O modo dos portugueses fazerem a guerra no mato (2)

Mário Beja Santos

Tertúlias da Guerra Colonial é uma edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021, o presidente da associação convidou um conjunto de oficiais das Forças Armadas que ao longo de quatro sessões, sempre através da plataforma Zoom, analisaram as quatro dimensões tidas como mais interessantes para as tertúlias: antecedentes políticos e fundamentos; combater no mato; efeitos colaterais e sentimentos coloniais; do 25 de Abril à descolonização. Estas quatro sessões realizaram-se em outubro e novembro de 2020. É da temática “combater no mato” que vamos aqui resumir as comunicações de Carlos de Matos Gomes sobre a quadrícula do Exército e a Marinha na guerra no mato da Guiné por Alcindo Ferreira da Silva. No número anterior procedeu-se a recensão da comunicação de Carlos Matos Gomes, vejamos agora aspetos principais da intervenção de Alcindo Ferreira da Silva. Começa por nos dizer que no início dos anos 1970 a Marinha tinha na Guiné três Destacamentos de Fuzileiros Especiais de origem metropolitana e dois Destacamentos de Fuzileiros Especiais Africanos. Ele chegara a Bissau em princípios de junho de 1971. Seguiu para o mato, primeiro para Ganturé, situado na margem norte do rio Cacheu, junto de um antigo armazém da CUF, 9 casamatas-abrigos dispostos em círculo, e descreve o ambiente. No rio havia uma ponte cais onde atracavam com frequência a lancha de fiscalização grande que estava em missão na área e as lanchas de desembarque média que patrulhavam o rio. Da ponte cais partia uma picada que atravessava a base e se dirigia em linha quase reta até Bigene, onde estavam outras unidades militares. A missão principal do destacamento consistia em efetuar a interdição da passagem de pessoal e material do Senegal para o interior do território da Guiné através do corredor de Sambuiá, para além de efetuar operações na margem sul com o objetivo de desarticular o dispositivo do PAIGC.

Dois botes com três fuzileiros cada, armados com uma metralhadora e bazucas e outros elementos armados com armas ligeiras fiscalizavam o tarrafo à procura de indícios da presença do inimigo. Por vezes os botes eram emboscados na entrada ou passagem de uma clareira ou deparavam com uma canoa ou bote de borracha atravessar o rio. Uma ou duas vezes por semana, o destacamento realizava uma operação na margem norte do rio Cacheu para tentar intercetar alguma coluna de reabastecimento do PAIGC. Quando as operações se realizavam na margem sul tinham como objetivo assaltar acampamentos, eram recontros normalmente breves.

Ao fim de uns meses, o destacamento saiu de Ganturé e foi enviado para Gampará onde decorria, desde há cerca de dois meses uma operação de reocupação do território e ali se preparava a construção de reordenamento. Ali se encontraram com o Destacamento de Fuzileiros Especiais 21 de fuzileiros africanos e uma companhia do Exército. O acantonamento era constituído por um quadrado desenhado por covas de lobo, cobertas por ramagem, à sua volta construíram-se mesas e bancos, enfim uma vida muitíssima rudimentar. Nas redondezas do acantonamento encontravam-se alguns grupos dispersos de população que tinha sido desalojada das suas tabancas quando estas foram destruídas no início da ocupação. As restantes populações e os guerrilheiros do PAIGC tinham retirado alguns quilómetros para a margem sul do rio Pedra Agulha, junto de Ganquelé. Foi intensa a atividade operacional, nas atividades de proteção, patrulhando a região afim de contrariar a penetração dos guerrilheiros para norte do rio Pedra Agulha. Operações que exigiam um esforço físico violento, em percurso em corta-mato, em zonas em que se respiravam impregnado de pó da terra e do capim queimado. Dois meses e meio que levaram a um pleno cansaço, foram depois rendidos por uma companhia de paraquedistas. Depois de uns dias de descanso em Bissau partiram para operação conjunta Pato Azul, na região do Quínara, em que participaram forças especiais. Após Gampará foram enviados para Cacheu, com a missão de patrulhar o rio e afluentes e de realizar semanalmente uma ou duas operações nas proximidades da Caboiana, um santuário do PAIGC. Com alguma regularidade, também efetuavam operações conjuntas. Ao fim de três meses, foram novamente enviados para Gampará, aqui houve um incidente entre um fuzileiro e um elemento do Exército, Spínola determinou que o destacamento, por castigo, realizasse uma operação, subiram em botes o rio Corubal e percorreram cerca de 40 quilómetros uma região controlada pelo PAIGC, até Buba.

Meses depois, seguiram novamente para Ganturé, aqui terminou a comissão em finais de abril de 1973. Foi em Ganturé que se começou a percecionar a intensificação da atividade da guerrilha, viveram os últimos dias em Ganturé com o aparecimento de dois mísseis. Esta foi a vida no mato do Destacamento de Fuzileiros Especiais 8. E concluiu assim a sua intervenção:
“O estar no mato significou, para todos os que por lá andaram, o possível e o próximo contato de fogo quando saiam para operações no mato ou no decorrer dos ataques ao aquartelamento nas suas horas de serviço ou descanso e, por isso, a necessidade permanente de manter a disciplina e a segurança, a coesão e o espírito de unidade, o treino e as armas sempre prontas, mas o que marcava este decorrer dos dias era, sobretudo, a rotina, a espera de que qualquer coisa acontecesse, a contagem do tempo que não passava, o isolamento, a solidão mesmo que rodeado de camaradas, ausência de informação, a saudade e para muitos a participação numa guerra imposta, ou injusta, ou sem sentido”.


Render fuzileiros na Guiné, imagem da RTP, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24712: Notas de leitura (1620): "Tertúlias da Guerra Colonial"; edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24712: Notas de leitura (1620): "Tertúlias da Guerra Colonial"; edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Do conjunto de intervenções que deram origem à publicação da responsabilidade da Associação dos Pupilos do Exército, optei por aquelas que são assinadas por Carlos de Matos Gomes e Alcindo Ferreira da Silva, a primeira sem a ver com as observações sobre a quadrícula, a presença da Companhia do mato, os seus méritos e deméritos, a lógica do Regime em fazer suprir as ausências da administração por um contingente militar a quem se multiplicavam as missões e as obrigações, acabando por implicar essa unidade, em zonas de média e alta intensidade bélica, a um recuo nos patrulhamentos e operações, delegando-se nas Forças Especiais, a realização de grandes atos ofensivos. E veremos seguidamente o testemunho de quem foi fuzileiro especial e combateu em pleno mato, em Ganturé e Gampará.

Um abraço do
Mário



O modo dos portugueses fazerem a guerra no mato (1)

Mário Beja Santos

Tertúlias da Guerra Colonial é uma edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021, o presidente da associação convidou um conjunto de oficiais das Forças Armadas que ao longo de quatro sessões, sempre através da plataforma Zoom, analisaram as quatro dimensões tidas como mais interessantes para as tertúlias: Antecedentes políticos e fundamentos; Combater no mato; Efeitos colaterais e entimentos coloniais; Do 25 de Abril à descolonização. Estas quatro sessões realizaram-se em outubro e novembro de 2020. É da temática combater no mato que vamos aqui resumir as comunicações de Carlos de Matos Gomes sobre a quadrícula do Exército e a Marinha na guerra no mato da Guiné por Alcindo Ferreira da Silva.

Carlos de Matos Gomes observa que a quadrícula constituía a base do dispositivo militar português nesta guerra: malha de unidades, organicamente e hierarquizadas, cobrindo o território de acordo com a intensidade da atividade dos guerrilheiros, da densidade populacional, da importância económica ou tática.

 Lembra também que desde 1959 existiam estudos no Ministério do Exército para a criação de um novo tipo de unidades e de novas táticas para fazer face à evolução da situação em África. Esta quadrícula foi o dispositivo territorial exclusivo do Exército, gozou de várias designações: Regiões Militares, Comando Territorial, Zonas de Intervenção Operacionais (estas comandadas por oficiais generais e coronéis, delas dependiam os setores que por sua vez integravam batalhões e na base da quadrícula situava-se a Companhia).

A opção por este dispositivo respondia a uma dupla necessidade: a de reconquistar e manter os locais onde haviam ocorrido ações violentas de sublevação; e a de instalar órgãos de soberania e de administração até aí inexistentes.

 Era a dupla necessidade de ocupar militar e administrativamente parcelas do território onde, até ao início das ações violentas não havia presença de órgãos do Estado, nem de administração, nem serviços públicos. O autor recorda que em 1961, no norte de Angola, não existia um só quilómetro de estrada alcatroada, não existia uma rede de telecomunicações com o mínimo de eficácia e não existia uma só unidade militar. Pode mesmo tomar-se os acontecimentos da Baixa do Cassanje, janeiro de 1961, prelúdio da violentíssima sublevação dos Dembos, como prova de ausência do Estado, não assegurando as funções elementares de garantia da justiça e segurança das populações. “Não foi por acaso que as ações violentas da guerra ocorreram em zonas onde a administração do Estado estava pouco presente, ou era quase inexistente, como acontecia no norte de Angola e no norte de Moçambique”.

A Companhia de quadrícula tinha demasiado tarefas, sobre ela recaía: administrar pessoal e equipamento, incluindo a defesa e o abastecimento da tropa; órgão de soberania e de administração do território, por ausência de outro, providenciando serviços mínimos de saúde, de educação e até de justiça, agindo segundo as normas da ação psicológica; e, acima de tudo, realizar operações militares, nomadizar, fazer patrulhamentos ofensivos. “Desde cedo foi percebido pelos comandantes dos teatros de operações que só era possível cobrir todas estas tarefas em zonas de baixa intensidade operacional, onde não fosse provável a ocorrência de situações de envergadura por parte do inimigo. Onde o pelotão/grupo de combate não era suficiente, e em boa parte dos teatros de operações deixou de ser nos primeiros anos da guerra, a atividade operacional ficava circunscrita às imediações do aquartelamento e quase se reduzia às colunas logísticas de reabastecimento, era uma atividade que se limitava à presença e à ação psicológica”.

Esta implantação territorial na quadrícula de companhia, observa o autor, teve o mérito de aproximar os seus militares das populações africanas, a quem proporcionaram significativas melhorias das condições de vida, mas desviavam o Exército da função principal de combater, o que fez com que as ações militares de alguma envergadura tivessem de ser assumidas pelas forças de intervenção, maioritariamente constituídas pelas tropas especiais. E há os efeitos perversos: “A reduzida capacidade operacional das companhias da quadrícula provocou o aumento de efetivos de unidades de intervenção, quase sempre especiais, mais caras e mais difíceis de obter. A quadrícula de companhia tornou ainda o Exército, no seu todo, como uma força defensiva, fixa ao território, sem mobilidade, com as suas unidades vulneráveis, e exigiu um esforço excessivo e pouco remunerador para manter este dispositivo. No final da guerra, em especial na Guiné e em Moçambique, a quadrícula de companhias consumia-se em boa parte para manter uma ocupação ineficaz do território, os seus quartéis constituam alvos fixos e remuneradores para os guerrilheiros”.

O regime de Salazar viu nesta solução de administração militar uma série de vantagens: era barata, pois os recursos das Forças Armadas substituíam o que competia com uma administração civil; solução que também agradava os militares, pois era moralmente mais recompensador dedicarem-se a tarefas de apoio social do que à guerra. “Em Angola, onde os efetivos em 1960 eram de cerca de 70 mil homens, o general Fraser, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas sul-africanas, numa reunião com as autoridades portuguesas, calculava que um máximo de 30 mil homens seria suficiente, desde que empregues naquilo que as Forças Armadas poderiam fazer, combater o inimigo, e desde que existisse um bom governo civil”.

E há o chamado sentimento de dever, a razão por que se luta, que o autor assim resume: “Na guerra colonial, curiosamente de forma muito semelhante ao que aconteceu com a participação de Portugal na Grande Guerra, as tropas nunca souberam com clareza por que combatiam. As respostas que davam nos inquéritos referem o cumprimento de um dever (resignação); defender o que é nosso (a adoção de um discurso vazio, que era contrariado por parte dos militares quando reconheciam que a guerra aproveitava a uns poucos que com ela enriqueciam à custa do sacrifício dos soldados). Mas as tropas, também como na Grande Guerra, foram, no geral, mal instruídas, e o seu nível quer de motivação quer de instrução sofreu uma contínua degradação ao longo dos anos de guerra”. O autor explana ainda a opinião dos Aliados, a situação em Moçambique e conclui assim: “A guerra colonial era, por motivos históricos e de conjuntura nacional, uma guerra perdida à partida, no sentido em que a vitória seria manter no último quarto do século XX uma entidade política com uma pequena cabeça na Europa, espalhado por três continentes e pelos três oceanos do planeta. Mas a guerra travada no mato, nas florestas, nas chanas, nas bolanhas de Angola, de Moçambique e da Guiné sofreu dos condicionamentos gerais da participação de Portugal na Grande Guerra. O mato de África não foi um lugar de glória nem de boa memória”.

Vamos de seguida ver uma exposição sobre a Marinha na guerra no mato da Guiné.

(continua)
Alferes Marques Vieira, 1971. Imagem carregada por Kai Archer, com a devida vénia
Viagem num rio da Guiné. Imagem retirada de GUINÉ BISSAU - Memórias, com a devida vénia
Fuzileiros a caminho de uma operação na Guiné. Imagem retirada de fuzileiros especiais 12 - 1970 / 1971 - guiné, com a devida vénia
Parte do armamento apreendido na Operação - Cocha, na base do PAIGC zona de Cumbamory, pelo destacamento de Fuzileiros Especiais. Imagem retirada de fuzileiros especiais 12 - 1970 / 1971 - guiné, com a devida vénia


Fixação do texto e edição de imagens: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24697: Notas de leitura (1619): "PAIGC A Face do Monopartidarismo na Guiné-Bissau", por Rui Jorge Semedo; Nimba edições, 2021 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23811: Notas de leitura (1521): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte III: Salazar, Caetano e as Forças Armadas... (Considerar os capitães milicianos como "voluntários" e "mercenários", raia o insulto, não?!..)

1. Estivémos a ler o livro de João Céu e Silva (ribatejano de Alpiarça, nascido em 1959, escritor e jornalista), "Uma longa viagem com Pulido Valente" (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp.).

A pensar nos leitores do blogue, já fizemos duas notas de leitura (*), onde ficou patente a nossa opinião posiva sobre a obra. É um trabalho de grande fôlego e meritório, que resulta de uma verdadeira  maratona de entrevistas (42 ao todo, realizada ao longo de 2 anos, quase até ao fim da vida do entrevistado).

O protagonista desta "longa viagem" é o historiador, ensaísta, cronista, jornalista, analista político e também efémero político Vasco Pulido Valente (VPV), pseudónimo literário de Vasco Valente Correia Guedes (1941-2020).

Independemente dos aspetos mais polémicos da vida e obra do entrevistado (que, no campo do jornalismo quis, de certo, certo reeditar, um século depois,  As Farpas, do Ramalho Ortigão e do Eça de Queirós),  interessa-nos destacar algumas das ideias que ele gostava de explanar sobre a história do nosso país, e nomeadamente a do período que vai dos anos 30 até ao 25 de Abril de 1974, período esse onde cabe, por inteiro,  a nossa geração, justamente a que fez  "a guerra e a paz"...

Deste livro, aos nossos leitores deverá interessar,  sobretudo, o que diz respeito, direta ou indiretamemente à guerra colonial e às forças armadas, incluindo o 25 de Abril e a descolonização. 

Vamos reproduzir e analisar mais alguns excertos, com a devida vénia: (i) Salazar e as Forças Armadas; e (ii) Marcello Caetano e o Exército. (Em itálico, as declarações do VPV. Seleção, revisão, fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue, bem como notas complementares dentro de parêntes retos: LG) (**)

 Salazar 

e as Forças Armadas


(...) O Exército tinha duas coisas na sua mão: a sua força material e o poder. Foi assim durante muito tempo com o Carmona na Presidência da República e com ele ficou a tradição de ser sempre um militar no cargo.

Seguiu-se Craveiro Lopes, que indispôs Salazar, pelo que este não lhe renovou o mandato e, depois, Thomaz. (….)

Essa autonomia [uma certa independência do Exército dentro do regime] fez com que Marcello Caetano chamasse ao regime uma ditadura bicéfala: quando uma componente falhasse, a outra não falhava.

(…) Salazar (…) sabia que a ditadura só era eficaz se fosse bicéfala e se o Exército tivesse uma certa autonomia.

Ia-lhe custando caro durante a guerra colonial, mas sempre insistiu que era presidente do Conselho e que não queria ser presidente da República (…).

Exagerou-se muito sobre o que Santos Costa fazia e não fazia, porque o Exército chegou à guerra colonial com uma enorme independência em relação ao presidente do Conselho. (pp. 188/189). (…)

O Santos Costa (Mangualde, 1899 - Mangualde, 1892), aqui citado por VPV, foi o oficial do exército que, merecendo a inteira confiança do Salazar (mesmo sendo monárquico), desempenharia um papel fundamental na ligaçao dos sectores militares mais conservadores ao Estado Novo. Exerceu funções no Governo de Salazar durane mais de duas dezenas de anos, entre 1944 e 1958, como subsecretário de Estado da Guerra e depois ministro da Guerra,

Diz a Wikipédia: "Principal factor da reestruturação das Forças Armadas Portuguesas sob o Estado Novo e da sua subordinação ao poder político, Santos Costa participou ao lado de Salazar, de modo decisivo, na formulação da política de defesa de Portugal desde o deflagrar da Guerra Civil de Espanha até ao início da Guerra Fria, incluindo o período conturbado da Segunda Guerra Mundial. Nessas funções desempenhou um relevante papel nacional e internacional, em particular nas relações com os Aliados e na entrada de Portugal na NATO."

Segundo VPV, terá favorecido os amigos nas promoções de carreira, gerando com isso mal-estar nas Forças Armadas.


Marcello Caetano, o Exército 
e os milicianos... "mercenários"

(...) [Marcello Caetano] tinha um problema com o Exército em África: os que comandavam as tropas subiam muito rapidamente até tenente, mas depois ficavam nessa patente por muitos anos. [ Ignorância do "paisano" VPM: queria dizer capitão...]

Além de que o combate era rudimentar: a tiro de espingarda, com bazuca ou metralhadora pesada, longe da imagem que tinham do exército à americana, de onde se saía para as empresas privadas com um bom salário.

O exemplo de carreira dos nossos oficiais era esse: uns anos de escola do Exército, uns anos de alferes e dos postos mais baixos e o comando de uma companhia. Estavam preparados para fazer uma ou duas comissões, mas naquela altura já iam na quarta.

Além de que o recrutamento não dava para preencher os quadros e era preciso ocupar esses postos. Ou seja, o Marcello não tinha capitães que chegassem para liderar as companhias e havia duas soluções:

(i) uma, aumentar por meio da PIDE o número de oficiais que eram retidos para comandar companhias, o que era impossível com quem estava na terceira ou quarta comissão;

(ii) outra, ainda mais perigosa, usar voluntários milicianos (que secundavam os comandos das companhias). 

 [ Ignorância do "paisano" VPM: os capitães milicianos eram "voluntários à força"... e considerá-los "mercenários" raia o insulto... perguntemos aos nossos camaradas que por lá andaram, comandantes operacionais... A menos que VPV se esteja a referir aos "capitães do fim" ou "capitães-proveta", como tabém eram co hecidos na gíria da tropa...(***)]

Essa promoção dos milicianos foi fatal para Marcello, porque criava uma reação nos militares de carreira que estavam à espera de promoção após várias comissões de serviço.

Esse foi um dos grandes argumentos para o 25 de Abril, porque não há pior para os oficiais de carreira do que ver a tropa comandada pelos que consideravam ser mercenários. (…) (pp. 177/178)
 



quinta-feira, 25 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21110: Armamento (10): As novas Armas Ligeiras para o Exército (Conclusão) (Luís Dias, ex-Alf Mil Inf)

1. Lembrando a mensagem de 22 de Junho de 2020 do nosso camarada Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74):

Caríssimo Luís Graça 
Junto remeto um trabalho de informação sobre as armas que irão substituir a velha pistola Walther P38, as velhas HK G3 e as ML MG42 e HK 21. 
Também uma referência para o novo tipo de camuflado. 
Se achares que é de interesse para a nossa "Tabanca Grande" podes publicar. 

Obrigado e um grande abraço. 
Luís Dias

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Nota do editor

Postes anteriores de:

23 de Junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21103: Armamento (8): As novas Armas Ligeiras para o Exército (1) (Luís Dias, ex-Alf Mil Inf)
e
24 de Junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21106: Armamento (9): As novas Armas Ligeiras para o Exército (2) (Luís Dias, ex-Alf Mil Inf)

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21106: Armamento (9): As novas Armas Ligeiras para o Exército (2) (Luís Dias, ex-Alf Mil Inf)

1. Lembrando a mensagem de 22 de Junho de 2020 do nosso camarada Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74):

Caríssimo Luís Graça 
Junto remeto um trabalho de informação sobre as armas que irão substituir a velha pistola Walther P38, as velhas HK G3 e as ML MG42 e HK 21. 
Também uma referência para o novo tipo de camuflado. 
Se achares que é de interesse para a nossa "Tabanca Grande" podes publicar. 

Obrigado e um grande abraço. 
Luís Dias

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(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 23 de Junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21103: Armamento (8): As novas Armas Ligeiras para o Exército (1) (Luís Dias, ex-Alf Mil Inf)

terça-feira, 23 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21103: Armamento (8): As novas Armas Ligeiras para o Exército (1) (Luís Dias, ex-Alf Mil Inf)

1. Em mensagem de 22 de Junho de 2020, o nosso camarada Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74),  enviou-nos um extenso trabalho sobre as armas que irão substituir algumas das do nosso tempo.

Caríssimo Luís Graça 
Junto remeto um trabalho de informação sobre as armas que irão substituir a velha pistola Walther P38, as velhas HK G3 e as ML MG42 e HK 21. 
Também uma referência para o novo tipo de camuflado. 
Se achares que é de interesse para a nossa "Tabanca Grande" podes publicar. 

Obrigado e um grande abraço. 
Luís Dias

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(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE ABRIL DE 2019 > Guiné 61/74 - P19715: Armamento (7): Granada de mão e dilagrama (Luís Dias)

terça-feira, 16 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19686: Consultório militar do José Martins (41): As Últimas Campanhas na África Portuguesa (1961-1974): De Dados Oficiais a Dados Oficiosos (Parte I)

 1. Em mensagem de 3 de Abril de 2019, o nosso camarada e "consultor militar", José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70) enviou-nos um trabalho com dados sobre os números da guerra no que ao Exército diz respeito.

Para seguir com atenção neste e nos dois postes que se seguirão. 



(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19643: Consultório militar do José Martins (40): A primeira Unidade de Polícia Militar destacada para o Ultramar

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19023: Os nossos capelães militares (9): segundo os dados disponíveis, serviram no CTIG 113 capelães, 90% pertenciam ao Exército, e eram na sua grande maioria oriundos do clero secular ou diocesano. Houve ainda 7 franciscanos, 3 jesuitas, 2 salesianos e 1 dominicano.









Fonte: Henrique Pinto Rema - "História das Missões Católicas da Guiné": Editorial Franciscana, Braga, 1982, pp. 709-712 (Vd. a extensa recensão bibliográfica feita pelo nosso camarada e colaborador permanente Mário Beja Santos)


1. Vendo a lista,  supra, dos capelães militares (sim, porque também há capelães hospitalares, há ou havia capelães nas prisões, nos navios da marinha mercante, etc.), que seviram no TO da Guiné, entre 1961 e 1974, podemos fazer algumas leituras interessantes, em complemento dos comentários já feitos pelos nossos leitores (*):

O exército é de longe o ramo das forças armadas que mais mobilizou capelães: 102 num total de 113, ou seja, mais de 90%.  A presença de capelães na FAP (n=7) e na Marinha (n=4) é diminuta. Na Marinha, só há registo da presença do 1º capelão a partir de finais de 1965. E na FAP,  logo no início de 1964.




Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


Foram mobilizados, em média, 7 capelões por ano, no período entre o início (1961) e o fim da guerra (1974). Mínimo: 2 (em 1962) e máximo 13 (em 1969 e em 1970) (Gráfico nº 1).

Em dois casos (os nºs 92 e 93 da lista supra) sabe-se que terminaram a comissão em 23/9/1974, mas é omisso o ano de início: presumimos que fosse 1973.

Constata-se  que todos, no geral, cumpriram a comissão de 21/22 meses, que era a norma no TO da Guiné, para o pessoal do Exército. Um ou outro fez "mais do que uma comissão".

Um dos capelães que esteve mais tempo no CTIG é o Joaquim Dias Coelho (nº 16): esteve lá 5 anos, deu-se bem com a Guiné... Percebe-se: era o capelão-chefe (fevereiro de 1964/ março de 1969). E devia viver, em Bissau, no célebre "Vaticano",  a moradia reservada aos capelões-chefe.

O salesiano Serafim Alves Monteiro Gama (nº 15 da lista) também exerceu funções de capelania durante mais de 5 anos (de 1964 a 1969).

Mas deve ter sido o franciscano (OFM) Manuel Pereira Gonçalves (nº 91 da lista ) que deve ter batido o recorde em termos de tempo: 6 anos (maio de 1968 / junho de 1974).

OFM quer dizer Ordem dos Frades Menores, vulgarmente conhecidos como Franciscanos.  É o clero regular mais representado (, são 7 ao todo), nesta amostra de capelães militares. (O  meu parente  Horácio Neto Fernandes, nascido em Ribamar, Lourinhã,  nº 42 da lista, era franciscano, e esteve lá dois anos, primeiro em Catió e depois em Bambadinca e Bissau, de novembro de 1967 a novembro de 1969; pormenor intrigante, nunca nos encontrámos em Bambadinca, nem eu conheci nenhum capelão, entre julho de 1969 e maio de 1970,  em Bambdainca, no primeiro  batalhão, a que esteve adida a minha companhia, a CCAÇ 12: refiro-me ao BCAÇ 2852 (1968/70). É possível que não houvesse número suficiente de capelães militares para as necessidades do exército, no TO da Guiné. E o BART 2917 ficou sem capelão (que era o Arsémio Puim) ao fim de ano...

O restante clero regular está escassamente representado por: (i)  um dominicano (OP= Ordem dos Pregadores); (ii) dois salesianos; e (iii) três jesuitas (SJ=Sociedade de Jesus). O resto (a grande maioria, mais de 80%) é clero secular ou diocesano, dependendo portanto de um bispo...  Há 4 capelões-chefe, que muito provavelmente pertenciam ao quadro permanente do Exército, e que terão feito várias comissões, em diferentes teatros de operações (Guiné, Angola, Moçambique...). Vamos contabilizá-los à parte. Os restantes, terminadas as suas comissões, voltavam às suas dioceses ou casas religiosas.

Há, porém, dois ou três, que foram para casa mais cedo, dois deles, meus conhecidos (e membros da nossa Tabanca Grande), por "razões disciplinares" (, ou seja, "mal com Deus e com César"):

(i) Mário de Oliveira (nº 39 da lista): só cumpriu 3 a 4 meses (de outubro de 1967 a janeiro de 1968);

(ii) Arsénio Chaves Puim (nº 66): só cumpriu 12 meses (de maio de 1970 a maio de 1971). (**)

O Carlos Manuel Valente Borges de Pinho (nº 89) também só cumpriu a sua missão durante uns  escassos seis meses, de março a setembro de 1973. Sabemos, por informação do nosso camarada Fernando Costa, de 4 de setembro de  2014, que o alf mil capelão Carlos Manuel Valente Borges de Pinho pertenceu à CCS/BCAÇ  4513 (Aldeia Formosa, 1973/74).

O nº 1 da lista, António Alberto Alves Machado, também só cumpriu pouco mais de um ano (janeiro de 1961/fevereiro de 1962)... Pode ter adoecido, não sabemos...

Os que estiveram menos tempo (poucos meses) foram naturalmente os que vieram em finais de 1973/ princípios de 1974 ou até pós-25 de abril (há um caso, de um capelão da FAP, Eduardo Raposo do Couto Resende que veio em agosto de 1974 e regressou em outubro, não deu para "aquecer o altar"...).

O Augusto Pereira Baptista  (nº 50) também é membro da nossa Tabanca Grande. Pertenceu à CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70).

Obrigado ao Mário Beja Santos, por ter "recuperado" e disponibilizado esta preciosa lista... que presumimos esteja completa. (***)

Mais contributos precisam-se,  dos leitores do blogue, sobre os nossos capelães. Gostávamos sobretudo de saber a que batalhões pertenceram estes nossos camaradas, supracitados... Na maior parte dos casos, não ainda temos essa informação.

PS - Temos mais de 80 referências no nosso blogue com o descritor "capelães"... E pelos menos a mais os seguintes "nossos capelões":

(i) Abel Gonçalves (Força Aérea, agosto de 1970 / agosto de 1974); tinha passado anteriormente pelo exército: BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69) e pelo BCAV 1905  (Teixeira Pinto, Bissau e Bafatá, 1967/68).

(ii) Libório Tavares [nome completo: Libório Jacinto Cunha Tavares], açoriano, capelão no BCAÇ 2835(Nova Lamego, 17/1/1968 - 4/12/196).

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(...) O Puim considera-se duplamente maltrado pela instituição militar e pela hierarquia religiosa. À data era capelão-mor, no CTIG, o Padre Gamboa [, Pedro Maria da Costa de Sousa Melo de Gamboa Bandeira de Melo, ] que tinha o posto de major, coordenando e supervisionando todo o trabalho de capelania (Vivia, em instalações próprias, em Bissau, conhecidas por Vaticano). Em Fevereiro de 1971, o Puim ainda tinha participado, em Bolama, num retiro espiritual, com os demais capelães da Guiné, dirigido pelo Major Capelão Gamboa. Houve discussão acesa, foi discutido o papel dos capelães na guerra colonial, a posição da Igreja, etc. (...)