sábado, 24 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23642: Os nossos seres, saberes e lazeres (527): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (69): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 7 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Já houve o deslumbramento com todo o traço arquitetónico do arquiteto Michel Polak, esta visita inclui 2 exposições, pela sua elevada qualidade, é com muita satisfação que aqui as referencio, designadamente a intitulada "Portrait of a Lady", dedicada à representação da mulher ao longo dos milénios, com algumas obras primas da pintura e do desenho, esculturas provenientes de vários museus, assim se chega ao presente, Joana Vasconcelos foi convocada. E desceu-se à cave para saudar Michel Polak e o seu traço arrojado, ainda hoje um bom número dos seus edifícios são admirados pelas diferentes gerações em Bruxelas. Vamos agora mudar de agulha e falar um pouco da conceção das cidades-jardim, os belgas de há um século acolhiam com entusiasmo conceções de construção envolvidas por espaços verdes, as cidades-jardim que vos vou mostrar ficam muito próximo de uma grande floresta que os habitantes da capital frequentam designadamente nos dias amenos, Soignes, uma enorme extensão para sorver a paz e admirar o esplendor da Natureza.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (69):
Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia – 7


Mário Beja Santos

Prossegue a visita à Villa Empain, uma construção modernista fora de série, situada numa zona luxuosa de Bruxelas, na avenida Franklin Roosevelt, obra sonhada por um jovem barão endinheirado que encontrou um talento à altura, o arquiteto Michel Polak, já então um autor de numerosos edifícios emblemáticos de Bruxelas, um entusiasta da riqueza decorativa, projetando na arquitetura o que na época havia de melhor em conforto. Da visita propriamente dita já se adiantou bastante, subimos ao primeiro andar onde no passado havia os quartos dos donos da casa, quarto de hóspedes e sala de esgrima. Não há mobiliário para ver mas sim uma exposição interessantíssima intitulada “Portrait of a Lady”, uma síntese da representação da mulher omnipresente na História da arte, rosto ou corpo, aqui se reúnem 85 obras de artistas de renome, as exposição abarca a criação artística da era paleolítica à arte contemporânea, o público é induzido a explorar os sentimentos e as representações universais que inspira o retrato feminino, apresentam-se secções sobre o chamado período pré-histórico, as mulheres no interior, o nu como modelo ou musa, retratos e autorretratos e a exposição reflete no final a questão de género. Registei o que se escrevia na apresentação: “Durante séculos, a ausência de mulheres na cena artística teve por consequência que a História da arte foi pensada e executada por homens. Apesar de algumas exceções como Berthe Morisot e Mary Cassatt, que aparecem na exposição, as mulheres artistas ficaram por um tempo muito longo marginais. O que quer dizer que o retrato é maioritariamente o produto do olhar masculino. Todavia, o século XX é o século da emancipação das mulheres no Ocidente. A partir de 1900, e de um modo mais generalizado nos anos 1960, as mulheres acedem ao ensino artístico e serão doravante mais numerosas que os homens nas escolas de arte. Respondendo às correntes estéticas e aos ideais e critérios de beleza evolutivos, o retrato interroga a medida pela qual o indivíduo permanece um ser único e insubstituível. A exposição apresenta sobretudo um diálogo entre os retratos realizados por artistas modernos belgas e outros europeus como Matisse, Picasso ou Degas.” Joana Vasconcelos está presente na exposição com uma estátua em cimento, pintura acrílica e crochet de algodão, são impressionantes as estatuetas com mais de 20 mil anos, e estrangeiros e belgas entram na competição, caso de Mary Cassatt, Paul Delvaux, James Ensor, Berthe Morisot, Degas, entre outros.

Mary Cassatt
Degas
Aqui parei convencido que estava a ver um desenho de Ofélia Marques, não era mas podia ser, os anos passam e estou cada vez mais convencido que só os artistas que andaram por fora, como Leal da Câmara, Emmerico Nunes, Amadeo Souza-Cardoso, Almada Negreiros, Vieira da Silva ou Paula Rego, é que têm honras de figurar como grandes referências, os outros não existem, tivemos uma plêiade de artistas modernistas e pós-modernistas de grande gabarito, lembro a Lourdes Castro, acabaram por ficar confinados ao mercado e à cultura nacionais.
James Ensor

Finda a visita à exposição “Portrait of a Lady”, desci à cave para ver um pouco da exposição de homenagem a Michel Polak, não devo cansar o leitor com as obras deste inovador que questionou sempre o viver em conjunto, que muito fez contra a poluição sonora e que integrava nos seus trabalhos os espaços verdes, deixo somente a imagem da piscina num espaço que continuam a ser de referência, a Résidence Palace, vê-se e não há nenhuma dificuldade em dizer que o seu risco só se dimensionava para o que não passava de época, que ultrapassava as modas.
A visita está prestes a findar, volta-se a bisbilhotar o arrojo de Polak, percorre-se a piscina e a pérgula, não se pode ficar insensível à beleza das esculturas que a envolvem, para-se demoradamente na bela fachada concebida por Polak, fecha-se os olhos e promete-se voltar logo que seja possível regressar à sempre muito querida Bruxelas.
E, de seguida, vou passear com o leitor por uma cidade-jardim, concebida acerca de um século, quando havia civilização e cultura que ultrapassava a dimensão da arquitetura como um dormitório ou aqueles espaços que agora aparecem entaipados, quando os seres humanos julgam que estão mais seguros quando não são vistos pelos outros.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23624: Os nossos seres, saberes e lazeres (526): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (68): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 6 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23641: Companhias e outras subunidades sem representantes na Tabanca Grande (4): CCAÇ 2637, mobilizada pelo BII 18, Ponta Delgada, Açores (Teixeira Pinto, 1969/71), e a que pertenceu o fur mil enf Fernando Almeida Serrano, natural de Penamacor e futuro novo membro da Tabanca Grande




Guião e crachá da CCAÇ 2637 (Teixeira Pinto, 1969/71). 

Coleção: Carlos Coutinho (com a devida vénia...)


1. Ontem, no 49º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, em Algés, fiquei,  na mesa,  ao lado do camarada Fernando Almeida Serrano. Foi a segnda vez que ele veio a esta tertúlia, onde não conhecia ninguém. Fui eu que o puxei para a minha mesa. E tivémos uma longa, agradável, franca e proveitosa conversa. 

Fiquei a saber que era professor primário, natural de Penamacor,  conterrâneo, amigo, colega e camarada do Libério Lopes (ex-2º srgt mil, CCAÇ 526, Bambadinca e Xime, 1963/65). Falámos também da sua terra, e do seu ilustre conterrâneo, o médico cristão novo António Nunes Ribeiro Sanches (Penamacor, 1699 - Paris, 1783), cujas obras  (as principais, em edição moderna da Universidade da Beira Interior, em formato pdf), lhe fiquei de mandar uma cópia em próxima oportunidade. (É um dos grandes pioneiros da saúde pública, e o nosso maior médico do séc. XVIII, especialista em "males de amores", e figura que eu muito admiro; é o único português que tem uma entrada na famosa enciclopédia de Diderot e D'Alambert, Paris, 1751-1772, justamente sobre "venerologia": "Maladie vénérienne inflamatoire chronique", ou seja, "doença venérea inflamatória crónica").

O Fernando reside desde 1972 em Carnaxide, Oeiras onde deu aulas juntamente com a esposa.  Foi furriel mil enfermeiro da "açoriana" CCAÇ 2637 (Teixeira Pinto, 1969/71), de que, como é frequente, com as unidades moblizadas pelo BII 18, Ponta Delgada (e também BII 17 e BII 19), não temos nenhum representante na Tabanca Grande... A emigraçao, nomeadamente transatlântica, levou para longe muitos dos nossos camaradas açorianos e madeirenses. 

O Fernando Almeida Serrano conhece o nosso blogue e manifestou vontade em juntar-se aos 864 membros da Tabanca Grande. Tem uma forte ligação aos seus "irmãos açorianos", se bem que muitos dos antigos militares da CCAÇ 2637, tenham seguido os caminhos da emigração.  A sua casa é a casa deles, qaundo vêm ao Continente, e a casa deles, nos Açores, é a sua casa, quando ele lá vai.   

Tem uma página na Net, que eu ainda não localizei, "Guiné-Recordações" (julgamos que se trata de uma página no Facebook, de um grupo privado, com 5 mil membros, criado há 2 anos). Tem também página pessoal no Facebook. É amigo (e cunhado) do nosso grã-tabanqueiro, ten cor art ref, José Francisco Robalo Borrego (qye foi fur art,  Grupo de Artilharia n.º 7 de Bissau, e 9.º Pel Art, Bajocunda, 1970/72). Aporesentei-o ao António Graça de Abreu, que esteve em Teixeira Pinto, no CAOP1, em 1972, ao tempo do coronel paraqueista Rafael Durão, mas não chegaram a estar juntos, o Fernando e o António, já que a CCAÇ 2673 terminou a sua comissão em agosto de 1971.

Publicamos, para já a ficha da unidade, referente a esta companhia, mobilizada pelo BII 18.


Ficha de Unidade > Companhia de Caçadores nº 2637

Identificação: CCaç 2637

Unidade Mob: BII 18 - Ponta Delgada

Crndt: Cap Inf José Cândido de Oliveira Bessa Meneses

Divisa: "As armas não deixarão enquanto a vida não os deixar"

Partida: Embarque em 220ut69; desembarque em 280ut69 | Regresso: Embarque em OçSet71


Síntese da Actividade Operacional

Em 300ut69, seguiu para Teixeira Pinto, a fim de efectuar o treino operacional sob orientação do BCaç 2845 e substituir a CCaç 2368 no reforço àquele batalhão e depois ao BCaç 2905, como subunidade de intervenção e reserva do sector, a partir de 17Dez69, tendo realizado diversas acções nas regiões de Pechilal, Bajope e Belenguerez, entre outras.

Em 07Jan70, mantendo o comando em Teixeira Pinto, passou a orientar a sua actividade para a realização dos trabalhos dos reordenamentos de Bassarel, Bajope, Chulame, Blequisse e Batucar, este último até 150ut70, e para a promoção socioeconómica das respectivas populações.

Em 28Jun71, com a instalação da CCaç 3327 em Bassarel, transferiu a sua sede, temporariamente, para o reordenamento de Chulame, permanecendo efectivos da subunidade nos reordenamentos de Bajope e Blequisse.

Em 20Ago71, foi substituída nos reordenamentos por efectivos da CCaç 3327 e recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações > Tem História da Unidade (Caixa n.º 86 - 2.ª Div/4ª Sec, do AHM)

Fonte: Excerto de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 384.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P23640: Notas de leitura (1497): "Orgulhosamente Sós - A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira; Publicações D. Quixote, 2022 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Livro de referência, pela organização cuidada, pelo elevado acervo documental diplomático manuseado, releva aspetos essenciais do que se viveu na Guiné, de 1962 a 1974. Referi em texto anterior que o autor repete erros de apreciação quanto à governação de Schultz, não consultou fontes primordiais; é o primeiro investigador a ignorar o argumentário do PAIGC, muito apreciado na época de que Spínola e a PIDE estavam envolvidos no assassinato de Cabral, não havia coragem para denunciar o segredo de polichinelo de que os guineenses não tolelariam ser governados sob alçada cabo-verdiana, durante anos vendeu-se uma conspiração montada pela PIDE para infetar as consciências em Conacri e chegou-se ao desplante de pôr à frente da intentona Momo Touré, um guerrilheiro libertado em 1969 e que fora criado de mesa no restaurante Pelicano, isto sem questionar como é que este senhor iria mobilizar pelo menos largas dezenas de sediciosos, muitos deles altos quadros do PAIGC. Mas esta mitologia fez voga, era um excelente pretexto para esconder a realidade. Futscher Pereira foi bastante cuidadoso a tratar as relações diplomáticas com o Senegal e revela as diferentes tentativas de Marcello Caetano de chegar às negociações com o PAIGC, a partir de fevereiro de 1974. Obra de leitura obrigatória.

Um abraço do
Mário


A Guiné no importante livro de Bernardo Futscher Pereira, Orgulhosamente Sós (2)

Mário Beja Santos

Orgulhosamente Sós, A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira [foto à direita], Publicações Dom Quixote, 2022, asseguro-vos, é uma obra de referência, muito bem sistematizada, o ponto focal, em diacronia, é uma área que o investigador domina. Trata-se de um trabalho de pesquisa e organização de grande solidez e onde um olhar sobre as relações internacionais correspondentes à guerra que travámos em África regista os dados fundamentais da luta de libertação e a permanente resposta portuguesa. O autor trata este livro como uma crónica, onde se “procura apresentar uma narrativa coerente deste período centrada na história diplomática, mas abarcando os principais aspetos políticos e militares que a enquadram”. Considera que uma visão completa deste período carece ainda de uma história militar pormenorizada das guerras coloniais. Adverte-se o leitor que quer neste texto como no anterior circunscrevemos a análise aos comentários do investigador exclusivamente no teatro da Guiné.

Estamos agora em 1971, as relações com o Senegal deterioram-se com as incursões de forças portuguesas em Casamansa, o PAIGC não abranda a onda de hostilidade. É neste contexto que Rui Patrício, o ministro dos Negócios Estrangeiros recebe uma carta de Spínola propondo um virar de página na politica portuguesa para a Guiné, escrevendo mesmo “a ninguém restam dúvidas de que o problema da Guiné não é passível de solução exclusivamente limitar” e que, “numa guerra deste tipo, as operações militares apenas se destinam a criar as condições à solução de fundo”, e “essas condições estão criadas, pelo que, do ponto de vista militar, se me afigura impossível ir mais além”. Spínola preconizava uma consulta ao povo da Guiné. “Spínola considerava que a sua ação apenas serviria para ganhar o tempo necessário para encontrar uma solução política e diplomática do conflito”. Irá expor essa tese a 7 de maio no Conselho Superior de Defesa Nacional, incomodará muita gente, o Governo não estava disposto a ir tão longe. Lúcido quanto à impossibilidade de uma vitória militar, Spínola empenha-se numa tentativa de negociação com o PAIGC, recorre a um colaborador de confiança, o chefe da PIDE em Bissau, Fragoso Alas, e a um intermediário como Mário Rodrigues Soares, considerado capaz de passar recados. É assim que é aprazado o encontro com Senghor, 18 de maio de 1972. Não há documentação que comprove que Amílcar Cabral desse o beneplácito a tais negociações. Depois das conversações com Senghor Spínola vem a Lisboa, Marcello Caetano contrariou todos os seus propósitos, alegando que a sociedade portuguesa não estava preparada para esse passo. É o início da rotura das relações entre os dois, Spínola irá escrever a Caetano dizendo que só existem duas alternativas, “ou uma viragem de ordem política ou uma prolongada e inútil agonia”.

Spínola irá ainda encontrar um alto dirigente senegalês, escreverá no seu livro de memórias País Sem Rumo que em outubro de 1972 Amílcar Cabral sugeriu um encontro com ele em território português. E o autor refere que a ausência de documentos não permitem esclarecer a consistência desta proposta. É exemplar a correspondência trocada entre Spínola e Marcello Caetano, e ficará para a história o seguinte comentário de Caetano: “para a defesa global do Ultramar, é preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra, do que por um acordo negociado pelos terroristas, abrindo o caminho a outras negociações”. Caetano supunha que iria haver uma derrota militar na Guiné que manteria intactas todas as possibilidades de defender o resto dos territórios. Falhadas as negociações, também Senghor tirou as suas ilações, passou a dar todo o apoio às atividades do PAIGC no Senegal. Importa referir que entre 2 e 8 de abril, três diplomatas ao serviço da ONU, acompanhados por dois funcionários do secretariado da mesma organização, percorreram a zona de Catió e Quitafine, confraternizado com as populações.

Estamos chegados ao assassinato de Amílcar Cabral e é bom que se diga que Bernardo Futscher Pereira é o primeiro investigador a justificar os acontecimentos fugindo à propaganda do PAIGC pôs a correr, estabelecendo ligações diretas com Spínola e a PIDE, e que teria havido até uma operação tenebrosa envolvendo a Marinha portuguesa. O autor faz avultar o ressentimento secular dos guinéus contra os cabo-verdianos, os cabo-verdianos eram oriundos da pequena burguesia ao passo que os guinéus eram essencialmente camponeses sem instrução. “O PAIGC contava com cerca de 6000 guerrilheiros, quase todos guineenses. Cabo-verdianos seriam talvez uma centena, quase todos dirigentes”. Fala nos indícios de comprometimentos de figuras como de Nino Vieira e Osvaldo Vieira, é sabido que toda a documentação decorrente dos inquéritos desapareceu sem rasto. A liderança do PAIGC preparou a resposta, ela virá, com toda a sua brutalidade, graças ao míssil terra-ar Strella, o ataque a Guileje e a Guidaje. Costa Gomes visita a Guiné no rescaldo destes empates, apresenta como única alternativa “a adoção de uma manobra visando o encurtamento da área efetivamente ocupada, evitando-se, desse modo, a contingência de aniquilamento das guarnições de fronteira”. Como o autor observa, Spínola concordou com o diagnóstico, mas recusou pura e simplesmente aplicá-lo.

Há agora o esforço frenético para encontrar armas compatíveis com a escalada do armamento, pretende-se comprar uma bateria antiaérea para a eventualidade de haver ataques com MiG-17. Para agradecer a cedência das Lajes na guerra do Yom Kippur, Kissinguer, não podendo fornecer diretamente os mísseis Red Eye encontrou um intermediário israelita. “Portugal acabou por encomendar 500 mísseis a Israel que, no 25 de Abril, esteavam na Alemanha Ocidental à espera de serem expedidos para Lisboa. Costa Gomes e Spínola cancelaram a encomenda.”

Futscher Pereira desvela igualmente as negociações tentadas à última hora por Marcello Caetano: negociar com o PAIGC a independência da Guiné. Alude aos acontecimentos de janeiro de 1974, a ofensiva sobre Copá e Canquelifá, a ida do diplomata José Manuel Villas-Boas a Londres, foi o MI6 que serviu de intermediário, o chefe da delegação guineense era o ministro dos Negócios Estrangeiros Vítor Saúde Maria. “Os guineenses exigiam negociações Estado a Estado e o reconhecimento de Portugal do Governo do PAIGC no exílio. Villas-Boas não estava obviamente habilitado a responder. Ficou agendado novo encontro, mas não antes de maio. Marcello Caetano procurava também outros canais. A 5 de abril, Pedro Feytor Pinto foi enviado a Paris, onde se encontrou com Jacques Foccart, o todo-poderoso monsieur Afrique do Eliseu, a quem pediu ajuda para mobilizar Senghor e Houphouët-Boigny para esta tentativa de última hora de negociar com o PAIGC. Iniciaram-se também preparativos para um encontro entre Bethencourt Rodrigues e Senghor.”

Aqui findam todas as considerações sobre a Guiné, insiste-se que se trata de um documento altamente probatório, indiscutivelmente um olhar refrescado sobre o que foi a diplomacia portuguesa que demonstra inequivocamente que não estávamos “orgulhosamente sós”.

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23628: Notas de leitura (1496): "Orgulhosamente Sós - A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira; Publicações D. Quixote, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23639: Parabéns a você (2102): Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto do CMD AGR 16 (Mansoa, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23632: Parabéns a você (2101): Coronel Art Ref Alexandre Coutinho e Lima, ex-CMDT da CART 494 / COM-CHEFE do CTIG / CMDT do COP 5 (Ganjola, Gadamael, Bissau e Guileje, 1963/73) e José Macedo, ex-2.º Tenente Fuzileiro Especial do DFE 21 (Bissau, 1973/74)

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23638: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte I: Não fomos todos criminosos de guerra: Deus e a História nos julgarão


Lisboa > 2009 > O Amadu Djaló no Cais do Sodré


Guiné > Bolama > 1962 > O Amadu Djaló na escola de recutas


Fotos (e legendas): © Virgínio Briote  (2015). Todos os direitos reservados.
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Leiria  > Monte Real > Ortigosa > Quinta do Paul > IV Encontro Nacional da Tabanca Grande > 20 de Junho de 2009 > Em primeiro plano,  os antigos 'comandos' Virgínio Briote e  Amadu Djaló, um e outro muito acarinhados por todos. Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu,  estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente,  levantada pelo Amadau, outro homem sábio, africano: "Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados.
.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Temos reproduzido, aqui no blogue,  alguns excertos do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp.).  O livro está esquecido, a edição está há muito esgotada, mas o Amadu Djaló continua nos nossos corações.

É um documento autobiográfico, único, sem paralelo,  indispensável para quem quiser conhecer a guerra e a Guiné dos anos de 1961/74, sob o olhar de um grande combatente luso-guineense, que teve de fugir da Guiné depois da independência e que em Portugal se sentiu tratado como um português de 2ª classe. 

Membro da Tabanca Grande, tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue (onde foi sempre muito estimado e acarinhado). 

 Em homenagem à  memória do nosso  camarada Amadu Djaló (nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o seu  livro de memórias, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" (editor literário) e grande amigo do autor e coeditor jubilado do nosso blogue,  nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui a notável introdução em que este antigo sargento 'comando' graduado, do Batalhão dos Comandos da Guiné (e depois alferes graduado da CCAÇ 21) faz um apelo ao paficismo e à reconciliação, ele que a seguir à independência teve de trilhar os dolorosos caminhos da fuga e do exílio, ele que escolheu um dos lados da guerra, o lado português, mas também podia ter andado a lutar contra os portugueses, nas fileiras do PAIGC. 

É ele próprio quem nos conta, sem alarde mas também sem autocensura de qualquer espécie, como chegou a ser aliciado, em Catió, aos 21 anos, para aderir ao PAIGC, acabando por ir para a nossa tropa: em 9 de janeiro de 1962, começaria ele, embora contrariado,  a recruta no CIM de Bolama. Serviu a bandeira verde-rubra até agosto de 1974. 


(...) A minha incorporação em 1962 (pp. 30/31)

(...) Quando estava em Catió, em jlho de 1961, toda a gente falava de um tal 'Nino' Vieira que tinha fugido da prisão da administração de Catió e que tinha sido ajudado por um cabo cipaio, o Adulai Duca Djaló, casado com uma irmã do João Bacar Jaló.

Nessa altura encontrava-se em Catió, um colega meu de Bissau, o Adulai Djá, que enquanto fazia 'consultas' 
[como vidente, presumo eu, LG] ,  tentava mobilizar pessoal para o PAIGC. 

Eram os tempos em que o PAIGC, ainda pouco conhecido, estava a começar a emitir um programa pela rádio de Conakry.

Uma tarde, convidado pelo Adulai Djá[1], fui ouvir a emissão a casa do cipaio. Depois voltámos mais vezes, fechávamos a porta, para o João Bacar não saber, e ouvíamos o programa quase todo. Nessa altura, o Adulai Djá estava a tentar aliciar-me e eu estive hesitante. Um dia disse-me que o pai dele lhe tinha mandado de Bissau a mulher e que esse momento não era oportuno para partir. 

Ele, que tinha muita arte para fazer 'consultas', disse-me, dias depois, que eu não contasse mais com o PAIGC, que ia ter um amigo, militar português, que me ia meter na tropa. Não liguei nenhuma importância ao que ele contara.

Quando regressei de Catió, tomei a decisão de trabalhar para mim, já há muito que alimentava o desejo de abrir uma banca no mercado de Bafatá, onde pudesse vender cigarros, contas[2], colas, tecidos da Gâmbia, panos e outros artigos. (...)


(...) Introdução (pp. 13/16)

Esta história [,este livro, ]  fala das circunstâncias da guerra em que participei. Tratou-se de uma guerra que dividiu e pôs frente a frente filhos da mesma terra.

Eu acho que participar em qualquer uma dessas partes não era crime. O crime é uma actuação que depende da pessoa que o pratica. Sem dúvida que houve criminosos em ambos os lados, que mataram barbaramente, mas cada um tem o seu processo individual para ser julgado, neste mundo e no outro.

No final da guerra não podiam nem deviam condenar todos. Primeiro deviam julgar os processos de cada um e só depois poderiam condenar aqueles que cometeram actos criminosos, tanto no Exército Português como no PAIGC.

Eu tenho a certeza que, entre aqueles que cometeram crimes nesta guerra, poucos sobreviveram e se, até agora, não foram presos e julgados pelo Estado, Deus já os terá julgado com grandes desastres e doenças incuráveis.

Em 25 de Abril de 1974 havia muita gente que considerava criminosos todos os militares guineenses do Exército Português e havia também outros que consideravam todos os combatentes do PAIGC como criminosos. 

É mal pensado. Devemos respeitar o sexto e o nono mandamentos. O sexto, guardar castidade nos pensamentos e nas palavras; o nono, guardar castidade nos desejos e nas obras. Se respeitarmos estes dois mandamentos, entre os dez, não pecaremos contra a humanidade.

Foi uma era de sofrimento, muito dura que passámos. Perante os vestígios da guerra, ainda frescos e bem visíveis, a quem foi cobrado o pagamento da dívida? A nós, aos militares guineenses que lutámos nas Forças Armadas Portuguesas, bem como às nossas famílias. Fomos os únicos a quem foi cobrada esta divida e nós e as nossas famílias pagámos muito caro. A minha mãe, muito idosa, e os meus filhos, ainda crianças, passaram fome.

Ninguém é culpado disto, é tudo fruto do destino de Deus. Tudo passou e fica para a história.

Quando Nino Vieira deu o golpe de 14 de Novembro de 1980, as perseguições, as pressões e as calúnias acabaram. Ficámos livres, tirou o fecho de segurança da boca de todos os ex-militares guineenses do Exército Português que ainda viviam.

Eu não sou político, apenas um ex-militar, oriundo da Guiné, com treze anos de serviço militar. E o que me levou a escrever este livro é, para além de contar as peripécias que vivi, revelar as minhas dúvidas e os meus sentimentos, durante esses anos, em situação de guerra. Era difícil ser bom português, e os bons patriotas são sempre patriotas, sejam quais forem as ocasiões.

A minha maior dúvida foi a integração no Exército Português. Não era crime, nem erro cometido por qualquer dos lados, quer pelas entidades portuguesas, quer pelos soldados guineenses, porque, naqueles tempos, ir à tropa era uma obrigação.

Os momentos de guerra foram muito difíceis, e é por isso que temos que dar tudo por tudo, para que a guerra seja a última solução do homem.

Com o fim da guerra e o início das perseguições que sofremos, a integração no Exército Português parecia ter sido um passo errado. Ficámos a pagar uma dívida que não devíamos e da qual nem éramos fiadores. Fomos apenas militares da nação portuguesa.

Aqueles momentos foram muito duros e inesquecíveis. Não havia julgamentos. Só condenações à morte e fuzilamentos, sem processos individuais, sem averiguações sobre os actos praticados por cada um.

O que me leva, então, a pôr em dúvida se a integração no Exército Português foi um passo certo, é porque, quando estávamos a pagar os vestígios da guerra, não havia nenhuma entidade portuguesa, patronal, governamental, nem tão pouco diplomática, que pudesse, ao menos, exigir que nos fosse feita justiça.

Na altura, não se falava de direitos humanos, nem em democracia em África. Este contexto originou um silêncio completo em todo o mundo e, assim, foi correndo até ao dia 14 de Novembro de 1980, data em que acabaram com essa injustiça. Porque tudo acaba por ter um fim.

E, como disse atrás, a guerra é a última solução para o homem, porque ninguém sabe as consequências que ela vem trazer, para além dos mortos, dos feridos e dos prejuízos, que são sempre as primeiras a aparecerem.

Mas também, quando não há outra saída, só a guerra, então temos de a fazer. A guerra é indesejável, mas quando vamos para ela, é nossa obrigação enfrentá-la com seriedade, porque na guerra não há graça. A guerra também é uma arte, aumenta o conhecimento do homem, traz novas experiências, novos conhecimentos, novas aventuras, novas amizades, novas relações, novas culturas.

Nós, Povo da Guiné, antes da guerra, mal conhecíamos o Povo Português. Nunca nos juntávamos nas festas com os europeus, durante a presença portuguesa. Só quando se iniciou o conflito começámos a ver os militares das companhias e dos batalhões, que nos acompanhavam como irmãos e como amigos. Festejávamos juntos, repartíamos o pão na mesma mesa, juntávamo-nos em todas as ocasiões, boas e más.

Este povo pacífico, que agora vinha de Portugal e convivia connosco nos momentos de guerra, ficou a conhecer-nos melhor, trocávamos conhecimentos de vida diferentes, tratávamo-nos como irmãos.

Antes, só os comerciantes e os funcionários do Estado vinham com as famílias para a Guiné. Nós éramos servidores, eles, patrões e chefes. E a convivência entre nós, nesses anos, não era muita.

Os jovens da minha etnia, na então Guiné Francesa[3] andavam todos em escolas europeias. Na Guiné Portuguesa, as portas das escolas só se abriram para nós, muçulmanos, com a vinda dos padres italianos.

Os portugueses tiraram algum povo do mato, deram-lhes nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisáv
amos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está lá tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos.

Depois que a guerra teve início, começaram a desembarcar companhias e batalhões de militares vindos de Lisboa. Passámos a ter amigos europeus, quase todos militares simpáticos, tanto oficiais como sargentos e praças. Poucos eram os que não tinham amigos. 

Antes de ser incorporado, o meu único amigo branco era um oficial do Exército, o tenente Carrasquinha, em finais de 1961. Ia a minha casa, foi o meu primeiro amigo. Depois, a tropa continuou a desembarcar e fui tendo mais amigos. Convivíamos em festas, comíamos e bebíamos, cantávamos, dançávamos juntos e ficavam também a conhecer o Povo pacífico da Guiné.

Todos os europeus que regressaram deixaram lá pelo menos um amigo que pensa neles. E todos os que regressaram, trouxeram consigo um ou mais amigos, no fundo do seu coração, que ainda hoje pensa neles.


O Povo da Guiné também é diferente dos outros povos da África. Desde o início da guerra foram muito raros os casos em que o PAIGC matou civis brancos.

A guerra destrói um lado e constrói outro. Mas a destruição é sempre maior. Por isso é melhor evitá-la, o máximo que pudermos. Mas, se não fosse a guerra nós também nunca viríamos a conhecer este Povo pacífico, que é o português, e que nunca deixámos de recordar.

Vivemos com estas recordações e vamos morrer com elas.

Até agora, se Portugal for invadido, nós vamos defendê-lo com tudo o que estiver ao nosso alcance. Se a Guiné for invadida, faremos o mesmo. Eu acho que devemos estar cada vez mais unidos e mais fortes, Guiné e Portugal.

Quero apelar a todos os antigos combatentes guineenses, tanto os que lutaram pelo PAIGC como os que foram incorporados no Exército Português, que façam um esforço de reconciliação com o que se passou.

Naqueles anos, ao serviço do Exército português, nunca deixei de ter amor pela Guiné, a terra que me viu nascer. O facto de eu e muitos companheiros nos termos alistado não fez de nós menos guineenses do que qualquer outro e não nos fez querer menos a nossa Pátria.

Foi a luta pela independência que nos levou a pegar em armas e trocar tiros com os nossos irmãos dentro da nossa terra.

Por tudo isto, eu peço, de uma forma humilde, a todos os guineenses para, hoje, mais do que nunca, ultrapassarem as diferenças, sejam quais forem, para o bem da nossa Pátria. (...)

[Seleção / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]
_____________

Notas do autor ou do "copydesk" (editor literário) Virgínio Briote:

[1]
Adulai Djá militou no PAIGC, vindo a ser 2º comandante da base principal de Morés. Foi morto aquando de um ataque de Comandos helitransportados e soube-se que era ele, por causa do nome inscrito no anel que trazia num dedo.

[2] Colares.

[3] República da Guiné-Conakry, desde 2 de outubro de 1958.

Guiné 61/74 - P23637: (In)citações (222): Reflexão (complexo caminho da simplicidade da Evidência) (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

© ADÃO CRUZ


REFLEXÃO (complexo caminho da simplicidade da Evidência)

adão cruz

Não é fácil percorrer o complexo caminho da simplicidade da Evidência que anda por aí, em muita coisa. O medo da Evidência apavora as mentes que, de uma forma ou de outra, perderam a liberdade ou rejeitam a liberdade, sobretudo a liberdade de pensar. Interiorizam mecanismos fortemente redutores que são aceites acriticamente, porque não existe ou foi tacticamente anulada a capacidade crítica, ou são impostos por uma espécie de fé ou crença consuetudinária, impiedosamente dogmática, que cristaliza toda a forma de pensar, mesmo em pessoas familiarizadas com a Cultura Científica da Evidência. Estas as pessoas, ainda assim, de boa fé. Porque as há, e não são poucas, que fazem da má fé o antídoto da Evidência que não conseguem negar. O mundo é muito claro, até onde nos permite que o seja.

O sobrenatural continua a ser um grande problema, com a maioria das pessoas a serem incapazes de o resolver, incapazes de rever a equação cujo resultado estabeleceram como certo sem conhecerem os dados que a compõem.

Há muito tempo que deixei de discutir fé e religião com gente crente, gente que indiscutivelmente respeito, mesmo não respeitando as crenças. Dogmas e argumentos condicionados, não sendo permeáveis à razão, só podem levar a conclusões sempre frustrantes. Sou ateu, mas há muitos anos fui crente. O sobrenatural, tantas vezes aterrorizador, entrou na minha cabeça à força da destruição da minha razão e do meu entendimento, perpetrada por mentes ignorantes que assaltaram a minha infância e adolescência. Essa parte negativa da minha vida teve um lado positivo. Permite-me, hoje, à luz da Evidência possível, fazer a comparação entre a falsa liberdade da aleatória felicidade do obscurantismo e a aliciante liberdade da real felicidade de uma razão não mais miscível com qualquer grande ou pequena crendice. É muito difícil quebrar as grilhetas de um pensamento fortemente colonizado, mas a força projectiva da curiosidade humana que leva ao complexo caminho da simplicidade da Evidência é a única força capaz de nos libertar de todas as constritoras angústias metafísicas. Foi essa libertação que me trouxe a paz e a serenidade de uma total descrença mística, uma das melhores prendas que a vida me deu.

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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23630: (In)citações (221): Reflexão (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P23636: Efemérides (373): O Núcleo dos ex-Combatentes de Mar, do concelho de Esposende, enriqueceu o seu Memorial com a inauguração e bênção das placas com os nomes, local e período de participação de todos os Combatentes (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art)

Memorial aos ex-Combatentes, sito no Largo 25 de Abril, em Mar, Esposende


Mensagem do nosso camarada Fernando Cepa, (ex-Fur Mil Art da CART 1689/BART 1913, Catió, Cabedú, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) com data de 20 de Setembro de 2022:

Caro Carlos Vinhal
Boa Noite.
Junto remeto uma notícia sobre os Ex-Combatentes de S. Bartolomeu do Mar – Esposende, para publicares, se entenderes oportuno.

Um abraço do
Fernando Cepa
Ex-Furriel Miliciano
Cart 1689/Bart 1913



EX-COMBATENTES DO ULTRAMAR ENRIQUECEM MEMORIAL

O Núcleo dos ex-Combatentes de Mar, do concelho de Esposende, enriqueceu o Memorial aos ex-Combatentes, sito no Largo 25 de Abril, com a inauguração e bênção das placas com os nomes, local e período de participação de todos os ex-Combatentes, ato que decorreu no dia 11 de setembro e foi presidido pelo presidente da Câmara Municipal de Esposende Benjamim Pereira.

Presentes na cerimónia, o executivo da Junta de Freguesia da União de Freguesias de Belinho e Mar e a presidente da Assembleia de Freguesia da mesma União, Adelaide Carmo, para além de cerca de setenta convivas.

A colocação das duas placas com os nomes gravados de todos os ex-Combatentes do Núcleo de Mar encerra o processo do Memorial aos ex-Combatentes, sito no Largo 25 de Abril, em Mar, Esposende, o que deixou os responsáveis “muito satisfeitos”. Num trabalho “aturado e complexo, mas exaustivo” para além dos nomes dos Combatentes, ficou registado o posto de cada elemento, além do local onde prestou serviço no Ultramar, assim como o período temporal em que o mesmo ocorreu. De referir que há ex-Combatentes que serviram a Pátria em mais do que um local ou província. Jorge Costa e Jorge Sampaio, para além do Fernando Cepa, foram os homens timoneiros deste árduo trabalho, o que lhes valeu uma forte salva de palmas, “pelo seu trabalho incansável”.

Ilídio Saleiro, elemento mais graduado do Núcleo, referiu-se a esta “grande cerimónia de reconhecimento público e de justa homenagem aos ex-Combatentes, de enorme significado e simbolismo”. Por outro lado, manifestou “um profundo agradecimento ao Fernando e a todos os que com ele trabalharam, em particular, o Jorge Costa e o Jorge Sampaio, para chegarmos até aqui, com uma série de iniciativas e convívios realizados, muito em especial, a concretização e a construção dos símbolos, que ficarão para a história. Que farão a nossa história!”

Por fim, dirigiu uma “especial saudação e agradecimento aos familiares e amigos dos ex-Combatentes que, ao longo de mais de uma década, nos têm acompanhado e participado nos nossos eventos, com o espírito de solidariedade, que está na sua génese, e bem caracteriza a nossa comunidade”.

O pároco Manuel Viana benzeu as placas e presidiu à celebração da eucaristia em sufrágio dos elementos já falecidos.

Na homilia, o Pároco deu os parabéns ao Núcleo “pelo trabalho que tem desenvolvido ao longo destes anos para fazer a memória deste acontecimento.” Os nomes de todos os elementos nas placas é um trabalho “muito importante e muito significativo, pois é um gesto de memória”, referiu o sacerdote. E baseando-se na liturgia da Palavra em que apelava à Misericórdia, salientou que “os ex-Combatentes precisam de ser misericordiosos porque perdoar é um ato de nobreza”. E continuou: “hoje, é o dia de fazer memória, pois o povo que não tem memória é um povo que não vai longe”.

Numa brevíssima intervenção, Fernando Cepa fez três pedidos ao Presidente da Câmara: Ajuda para custear as despesas com o Memorial, já que “os ex-Combatentes têm pago todas as despesas”; a cedência da Bandeira Nacional para acompanhar o ex-Combatente no caso de falecer[1] e, por fim, construir um monumento concelhio aos ex-Combatentes.

Manuel Abreu, presidente da Junta da União de Freguesias de Belinho e Mar saudou os que “lutaram com a bravura conhecida”, pois “todos foram patriotas e heróis da nação. A vossa juventude não foi fácil pois viveram uma guerra no terreno que tinham de vencer, longe de todos os queridos”. E recordou que a Junta isenta de emolumentos os ex-Combatentes, desde que apresentem o respetivo cartão.

Benjamim Pereira, presidente da Câmara Municipal de Esposende, na sua intervenção começou por referir a necessidade de “honrar os que deram a sua juventude, a sua vida e o seu tempo pela pátria. Devemos honrar essas pessoas até para servir de ensinamento aos jovens”. E deixou uma “homenagem” dedicada a todos os que “trabalharam para que isto acontecesse”.

Quanto aos pedidos de Fernando Cepa, Benjamim garantiu custear as despesas, ceder a Bandeira Nacional e quanto ao monumento anunciou que “vou fazê-lo. Queremos encontrar um espaço condigno no largo por trás do Tribunal e já temos a pessoa que vai desenvolver a peça”. E sem parar, atirou: “estamos aqui para resolver os problemas das pessoas”. E rematou: “tenho uma dívida muito grande para com os que defenderam a Pátria. Não podem ser esquecidos”.

Por outro lado, Benjamim Pereira garantiu que a Câmara vai dar seguimento ao processo de desagregação das freguesias até porque “sempre estivemos contra o processo de agregação. Queremos as quinze freguesias”. E anunciou que irá ser realizada uma reunião da Assembleia Municipal só para tratar deste assunto.

A animação esteve a cargo do ex-Combatente Raul Machado.

Manuel Azevedo

Foto de família
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Notas do editor:

[1] - O direito à cedência da Bandeira Nacional, que deve acompanhar as cerimónias fúnebre dos Antigos Combatentes, está consignada na Lei n.º 46/2020 de 20 de agosto. A Bandeira deverá ser entregue, se solicitada, aos familiares do Combatente falecido.

"ESTATUTO DO ANTIGO COMBATENTE
Artigo 19.º
Honras fúnebres
1 - Os antigos combatentes, aquando do seu falecimento, gozam do direito a ser velados com a bandeira nacional, mediante pedido expresso pelo próprio ou a pedido da viúva ou viúvo, de ascendentes ou descendentes diretos.
2 - Cabe ao Estado português a disponibilização gratuita da bandeira nacional à família".

Último poste da série de 12 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23611: Efemérides (372): No dia 21 de Abril 2021 fez 58 anos que os 1.º e 2.º Pelotões da CCAÇ 414 estiveram em sérios apuros na Ilha do Como (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enf)

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23635: Convívios (941): Um total de 72 inscritos no 49.º almoço-convívio do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha, amanhã, quinta feira, dia 22/9/2022, em Algés, o que é um número muito bom depois do "longo inverno social" que foi a pandemia de Covid-19

Cascais > São Domingos de Rana > Adega Zé Dias > 14 de janeiro de 2010 > Alguns dos 10 históricos que fundaram a Magnífica Tabanca da Linha (sete dos  quais membros da Tabanca Grande): da esquerda para a direita: (i) Zé Dias (dono do restaurante),  (ii) António Fernandes Marques (ex-fur mil at inf, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71); (iii) José Manuel Matos Dinis (1948-2021) (ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71) (foi coorganiador de muitos dos convívios posteriores, juunatmente com o Jorge Rosales); (iv) Manuel Domingos ( falecido logo a seguir, nesse ano, era  do Batalhão do Rogério Cardoso, era fadista amador com prémios); (v) Rogério Cardoso (ex-fur mil art, CART 643 / BART 645, Bissorã, 1964/66); (vi) António Graça de Abreu (ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74);  (vii) José Carioca (ex-fur mil trms e cripto, CCAÇ 3477, Gringos de Guileje, Guileje, 1971/72); (viii) Jorge Rosales (1939-2019 (ex-alf mil da 1.ª CCAÇ, Farim, Porto Gole e Bolama, 1964/66) (foi o primeiro régulo da Tabanca da Linha); e (ix) Zé Caetano. 

Falta o Mário Fitas (ex-fur il op esp, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66) (que deve ter sido o fotógrafo)

Foto (e legenda): © Manuel Resende (2019).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


 49.º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha. 

Quinta feira, dia 22/9/2022, das 12h30 às 15h00. 

Algés, Restaurante Caravela de Ouro. 

Lista final de inscritos (n=72)




1. É um número muito bom, depois do "longo inverno social" que foi a pandemia de Covid-19... Ainda com cautelas, os "magníficos" da Tabanca Linha já se aventuram a voltar ao ritual e ao ritmo dos convívios de antigos combatentes. (*)

Desta vez, temos 9 novos membros, e alguns vêm de fora da área da Grande Lisboa, o que é revelador do prestígio já alcançado por esta tertúlia de Algés, Oeiras,

O último convívio, o 48.º,  tinha sido em 19/5/2022. Chegou a ter quase 9 dezenas de inscritos, mas o alarme de novos casos de Covid acabou por levar a uma série de desistências de última hora.  Destaque para a "delegação de luxo" que veio expressamente do Norte, no comboio Porto-Lisboa. (**)

O 47.º, o último antes da pandemia, realizara-se há mais de dois anos e meio, em 16 de janeiro de 2020. Foi também a festa do seu 10.º aniversário. Neste espaço de tempo, a Tabanca da Linha já mudou de poiso várias vezes: São Domingos de Rana, Oitavos / Guincho, Carcavelos e agora Algés. Sobre o historial desta tertúlia de antigos combatentes da Guiné, residentes na área metropolitana de Lisboa, vd os postes P19419 e P5691 (***). 

Na sua página do Facebook estão registados 160 membros, boa parte dos quais são também membros da Tabanca Grande, a mãe de todas as tabancas... Administradores e moderadores da página são o Manuel Resende e o Armando Pires. 

A Tabanca da Linha tem 143 referências no nosso blogue, quase tantas como a Tabanca de Matosinhas (n=150), que aliás é mais antiga, foi historicamente a primeira a aparecer, tendo já bonita idade de 17 anos.

Bom e são convívio para amanhã, no "Caravela de Ouro", são os votos do editor LG que, mesmo "amuletado", faz tenção de lá aparecer...


Cascais > Estrada do Guincho > Oitavos > Convívio da Magnífica Tabanca da Linha > 24 de setembro de 2015 > A magnífica mariscada que, duarnte uns tempos,foi um dos "ex-libris" ícone dos serviços de "catering" da Tabanca da Linha... O segredo estava bem guardado, dizia o régulo da tabanca, o Jorge Rosales (1939-2019), quando lhe perguntava quem o fornecedor e o cozinheiro...



Cascais > Estrada do Guincho > Oitavos > Convívio da Magnífica Tabanca da Linha > 24 de setembro de 2015 > Mário Fitas e o "comandante" Jorge Rosales,  dois "homens grandes" da Tabanca da Linha... "Comandante, o negócio não está mau"...

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2015).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23622: Convívios (939): 49º almoço-convívio do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha, na próxima quinta feira, dia 22 de setembro de 2022, em Algés... Inscrições até ao dia 19, segunda-feira (Manuel Resende)

(**) Vd. poste 19 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23276: Convívios (927): A Magnífica Tabanca da Linha reabre hoje, em Algés, no Restaurante Caravela de Ouro, ao fim de mais de dois anos de pandemia... Uma luzidia representação do Porto, de "O Bando" (incluindo 3 escritores), vem animar este 48º convívio, já histórico...

(***) Vd. postes de:

 19 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19419: Convívios (884): 41º convívio da Magnífica Tabanca da Linha, 9º aniversário: dia 24, 5º feira, às 13h00, em Algés, no restaurante "Caravela de Ouro"... Inscrições até terça-feira, de manhã, dia 22..Já há cerca de meia centena de inscritos (Manuel Resende)

23 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5691: Os nossos seres, saberes e lazeres (16): Nascimento da fabulosa Tabanca da Linha (António Graça de Abreu / José Manuel Dinis)

Guiné 61/74 - P23634: Historiografia da presença portuguesa em África (335): As missões católicas na evolução político-social da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Reiteradas vezes aqui se tem feito referência ao padre António Joaquim Dias, um franciscano que viveu 8 anos na Guiné e que deixou descrita a história das missões católicas na Guiné, foi o pioneiro, mais tarde distinguir-se-á o trabalho, que continua a ser referência essencial, do padre Henrique Pinto Rema, já aqui largamente citado. Faz-se sinopse de uma conferência proferida por este missionário franciscano em agosto de 1942, ele dá conta desse historial missionário e da obra que se começou a efetuar a partir de 1932, data marcante para o reinício da atividade missionária na Guiné, onde os franciscanos preponderavam e preponderam.

Um abraço do
Mário



As missões católicas na evolução político-social da Guiné Portuguesa

Mário Beja Santos

Não é a primeira vez que aqui se fala no missionário franciscano padre António Joaquim Dias [foto à direita], viveu na Guiné mais de 18 anos, e sobre ela escreveu abundantemente, no boletim mensal dos missionários franciscanos, como leitor recordará. No entanto, este sacerdote virá a destacar-se como investigador e historiador com nome de António Joaquim Dias Dinis, foi mesmo condecorado em 1961 com a Ordem do Infante pelos seus relevantes trabalhos. Não deixou de ter polémicas, como aquela que travou com Teixeira da Mota pela descoberta da Guiné.

Proferiu uma conferência sobre as missões católicas no curso de férias da Faculdade de Letras de Coimbra, em 20 de agosto de 1942, e o seu trabalho de marca científica será publicado na revista Biblo, volume XIX, 1943. Começa por referir que regressara há meses da Guiné após 8 anos consecutivos de atividade nas missões católicas. Dedicara-se ao estudo do passado da colónia, nomeadamente das suas missões, razão pela qual aceitara o convite para abordar este tema.

Não ilude verdade, diz serem bastante débeis os ecos da nossa atuação missionária na Costa da Guiné, do século XV ao século XX, não existiam ruínas nem vestígios do passado missionário. Dá ao auditório um vasto leque de informações, desde a geografia à etnografia. Apresenta-lhes uma definição de missões católicas: assistência e ação religiosa e civilizadoras, dos sacerdotes católicos e dos seus colaboradores leigos. E recorda que a Guiné Portuguesa é o território que pertence a Portugal desde que no século XVII principiou o cerceamento dos nossos vastos domínios. A delimitação da Guiné, a Terra dos Negros, principiava a norte na margem do rio Senegal, e faz então uma citação do Canto V d’Os Lusíadas, estrofe 102:
A província Jalofo, que reparte
Por diversas nações a negra gente.


Cita documentos comprovativos sobre a finalidade religiosa dos Descobrimentos, lembrando que em 1455 o Infante D. Henrique entregara a espiritualidade da Guiné à Ordem de Cristo. Em 1462, o Papa Pio II, em breve dirigido a um bispo de Rubicão, nas Canárias, diz constar-lhe que ele andava empenhado em converter infiéis, moradores nas ilhas Canárias na província da Guiné, e que, em razão da pobreza da terra e dos habitantes, os presbíteros e clérigos seculares se recusavam a viver ali.

O conferencista destacou a atividade missionária de Frei Afonso de Bolano, nomeado pelo Papa Xisto IV, em 1472, Núncio Apostólico para a conversão dos infiéis, a viverem em Granada, Guiné, África e ilhas do Atlântico. Tal nomeação gerou polémica com os superiores das Ordens Religiosas, e a decisão acabou por ser revogada. No entanto, Xisto IV outorgou em 1475 que Frei Afonso Bolano recrutasse 16 religiosos da família franciscana nas províncias de Portugal, Santiago de Compostela, Castela e Aragão. Esta missionação revelou-se ineficaz, por várias causas: isolamento em que viviam os visionários; clima mortífero; o islamismo tudo fazia para dificultar a atividade missionária; antipática e até a hostilidade do indígena para com o europeu, em razão da escravatura. E observa: “Não me parece que a Missão tenha findado por menos zelo dos obreiros; mas sim por motivos idênticos aos que tornaram improfícuas as expedições dos missionários dominicanos a Benim e ao Senegal em 1487 e 1488, respetivamente”.

Foram depois chamados os Jesuítas para fundar um colégio em Cabo Verde e missionário na Guiné. Os Jesuítas enviaram os padres Baltasar Barreira, Manuel de Barros e Manuel Fernandes e o irmão leigo Pedro Fernandes. Barreira apresentou o seu programa ao Provincial dos Jesuítas: tratava-se de uma missão para examinar as condições da região e sugere que ela se mantenha no maior segredo. O padre Baltasar Barreira partiu de Santiago em dezembro de 1604, aportou em Guinala, no rio Grande de Buba, e daqui desceu para a Serra Leoa. Na sede em Lisboa dos Jesuítas, em São Roque, deu-se uma inflexão estratégica, ofereceram-se padres para Angola, pois considerou-se que Cabo Verde era insalubre para ter um seminário. Aconteceu que não foi concedido a Companhia de Jesus o exclusivo da missionação de Angola, foi nomeado para Bispo de Angola e Congo um dominicano. Então os Jesuítas fundaram uma missão na Serra de Leoa, foi aqui que Baltasar Barreira e Manuel Álvares encetaram atividade missionária. O rei Filipe, em 1608, mantinha os Jesuítas em Cabo Verde e ordenava visitas à Guiné. Em Cabo Verde fundar-se-ia uma casa professa. Dificultava-se a ida de padres para a Guiné alegando que faziam falta em Cabo Verde. Em 1642, os Jesuítas abandonaram definitivamente Cabo Verde e Guiné.

Escreve o autor: “É digno de censura a teimosa dos reis castelhanos, que, por via do colégio e por coisas de somenos importância, impediu a missão missionária na Costa da Guiné, precisamente quando ela ali era mais necessária”. E regressaram então os franciscanos.
Aos poucos, a presença estrangeira cresceu na Costa da Guiné. Houve projetos de introduzir Capuchinos Italianos, mas não se concretizou. Os franciscanos chegaram a Cabo Verde em janeiro de 1657. Desembarcaram em Cacheu dois padres, em 1660. Principiaram a sua atividade na etnia Banhum e passaram a Farim, seguiram para os Cassangas e depois o Casamansa. E chegaram a Bissau onde os cristãos estavam abandonados e a igreja paroquial encerrada.

Foram criadas, nas décadas seguintes, hospícios em Cacheu, Bissau e Geba. O primeiro bispo de Cabo Verde que visitou Guiné foi D. Frei Vitoriano do Porto, e por duas vezes. O autor traça um martirológico missionário impressionante. As ordens religiosas entraram em franca decadência em finais do século XVIII. Deu depois a extinção das Ordens, em 1834, foi golpe mortal na região, as cristandades definharam. O renascimento deu-se em 1932, com a reabertura da missionação: renasceram as antigas paróquias de Bissau, Bolama, Cacheu e Geba. “Na Missão Central de Bula, nas escolas missionárias de Bissau, Có, Pelundo, Churo, Cacheu, Geba, Bor, e no asilo-creche de Bor, as futuras gerações aprendem a amar a Deus”.

Asilo da Infância Desvalida de Bor, em 1939
Em Geba reabilita-se uma Igreja
Imagens da missão franciscana na Cumura, na atualidade
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23616: Historiografia da presença portuguesa em África (334): Personalidades e olhares sobre a Guiné que poucos recordam ou conhecem (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23633: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (13): Cumbamori, uma das mais violentas acções das NT em território estrangeiro e um dos maiores desaires do PAIGC... Mas falta-nos a versão do outro lado...


 
Batalhão de Comandos da Guiné (1972/74): Guião



1. Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G... Daqui a menos de um  ano, em maio e junho de 2023, a "batalha dos 3 G" vai fazer meio centenário...

Será que já está tudo dito, escrito e lido sobre os 3 G ? De modo nenhum,  e sobretudo aqueles de nós que não viveram na pele as agruras daqueles longos, trágicos mas também heróicos dias de maio e  junho de 1973 (e que se prolongam até julho, no caso de Gadamael), continuamos a querer saber mais,,, 

Foram dos combates mais violentos que se travaram em toda a guerra, desde o início de 1963, a par da Op Tridente (1964) e da Op Mar Verde (1970)... A batalha dos 3 G  (há quem não goste da designação)  não se pode resumir à contabilidade (seca) das munições gastas ou das baixas de um lado e do outro (e foram muitas, as baixas, as perdas). E menos ainda aos "roncos" como a destruição de material fornecido pelos russos e outros ao PAIGC. No balanço dos ganhos e perdas, o PAIGC, apesar da destruição (parcial) da base de Cumbamori,  é capaz de ter marcado pontos ao nível político e diplomático, junto da OUA (Organização de Unidade Africana) e países do bloco soviético e até de alguns dos nossos amigos nórdicos, com o seu cerco a Guidaje (e depois Guileje e Gadamael). Deixemos esse balanço para os historiadores.

Passados 49 anos sobre a Op Amílcar Cabral, em que o PAIGC jogou forte (em termos de meios humanos e materiais mobilizados) contra as posições fronteiriças de Guidaje ou Guidage (no Norte) e Guileje e Gadamael (no Sul), parece-nos que continua a ser oportuno e importante, para os nossos leitores,  repescar alguns postes e comentários que andam por aí perdidos... E publicar novas histórias ou informação de sinopse dos acontecimentos  

Daí esta série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?" (*).

É uma pena que os camaradas ainda vivos, que podem falar "de cátedra" sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael, não escrevam, ou já não escrevam ou ainda não tenham escrito tudo sobre o assunto.  Infelizmente, há outros que a morte já levou, sem que tenham sequer passado ao papel as suas memórias: é o caso, se não erramos, do próprio comandante da Op Ametista Real, o então major Almeida Bruno, 1º cmdt do Batalhão de Comandos da Guiné,  recentemente desaparecido...Enfim, ficou pelo menos o relatório da Op Ametista Real, que será da sua autoria (...) (**) 

Do lado do PAIGC,  já não temos grande esperança de ainda podermos conhecer a versão dos seus combatentes, "na primeira pessoa do singular". Do lado das NT, republicamos mais um resumo sobre a Op Ametista Real, em que foi invadido o território do Senegal para destruir ou neutralizar a base de Cumbamori (ou Kumbamory) e aliviar a pressão sobre o nosso aquartelamento fronteiriço de Guidaje.

Infelizmente, também está pouco ou nada documentada, em termos de imagens, esta operação em que os nossos bravos comandos pagaram uma "fatura elevada", em "sangue, suor e lágrimas". Como já aqui temos comentado, não sabemos por andaram os fotocines do exército durante a guerra do ultramar / guerra colonial. E o arquivo da RTP, sobre esta matéria, é de um pobreza franciscana...

Por outro lado, já chamámos a atenção para o facto de, em duas das maiores (e mais temerárias, do ponto de vista político e militar) operações terrestres em território estrangeiro, a Op Mar Verde (Guiné-Conacri, 22 novembro 70) e a Op Ametista Real (Senegal. 19-20 mai 73), Spínola não ter arriscado o envio de tropas metropolitanas (páras e comandos, por exemplo). Foram os comandos africanos  (1ª, 2ª e 3ª CCmds Africanos, do Batalhão de Comandos da Guiné) que deram o corpo ao manifesto (para além dos nossos pilotos da FAP: os bombardeamentos aéreos de Cumbamori foram decisivos, como é público e notório,  no desfecho da Op Ametistra Real). 

O risco era menor, de todos os pontos de vista... Mas os comandos africanos acabaram por ser "usados e abusados" (se nos é permitida a expressão)  e em Cumbamori enfrentaram não só os combatentes do PAIGC como inclusive tropas paraquedistas senegalesas... Vale a pena reflectir sobre isto... Em todo o caso, é bom lembrar que o  BCP 12 também participou nesta operação, mas do lado de cá da fronteira. Releia-se o precioso e dramático testemunho do nosso querido amigo e camarada Victor Tavares, no poste P1316, de 26/11/2006: 

(...) "A 17 de Maio de 1973, a Companhia de Caçadores Paraquedistas 121 recebe ordem para se integrar na operação acima referida [,a Op Ametista Real] , tendo-lhe sido atribuída a missão de garantir a segurança de um corredor entre Ujeque e Guidaje, através do qual se processaria a retirada dos Comandos Africanos. (...) (**)


17 de Maio de 1973: início da Op Amestista Real  (***)


Início da Operação Ametista Real, em que o Batalhão de Comandos da Guiné assalta a base de Cumbamori, do PAIGC, situada em território do Senegal

A operação destinava-se a aliviar o cerco do PAIGC a Guidage e a permitir o reabastecimento daquela guarnição.

Só a destruição da base de Cumbamori, a grande base do PAIGC no Senegal, na península de Casamança, permitiria pôr fim ao cerco a Guidage. A operação era difícil e de resultados imprevisíveis. O ataque ao Senegal foi atribuído ao Batalhão de Comandos Afruicanos  [ou melhor, da Guiné, constituído pela 1ª, 2ª e 3ª CComds Africanos]
, comandado pelo major Almeida Bruno – que tinha por hábito atribuir às acções militares o nome de pedras preciosas: esta ficou Operação Amestista Real.

Na tarde de 19 de Maio de 1973, uma sexta-feira , 450 homens do Batalhão de Comandos Africanos embarcavam, em lanchas da Marinha e subiram o rio Cacheu até Bigene onde chegaram ao pôr-do-sol. À meia noite a força de ataque seguiu dividida em três grupos de combate:
  • o Agrupamento Bombox, comandado pelo Capitão Matos Gomes;
  • o Agrupamento Centauro, sob o comando do Cap Raul Folques;
  •  e o Agrupamento Romeu, comandando pelo capitão paraquedista António Ramos.

O Comandante da operação, Almeida Bruno seguiu integrado no Agrupamento Romeu, que levava um grupo especial comandando por Marcelino da Mata. Avançaram, durante a madrugada e pisaram território senegalês, cerca das seis da manhã do dia 20, sábado.

Às oito horas, uma esquadrilha de aviões Fiat iniciou pesado bombardeamento da zona. Os pilotos atacaram um pouco às cegas, porque a axacta localização da base da guerrilha não era conhecida. Mas por sorte as bombas da avião acertaram, em cheio nos paióis. 

Mal cessou o ataque aéreo , que não terá demorado mais do que dez minutos, os grupos comandados por Matos Gomes e Raul Folques lançaram-se ao assalto, enquanto o Agrupamento Romeu, comandado por António Ramos, e onde seguia o comandante da operação, Almeida Bruno, tomava posição como força de reserva. Os três agrupamentos envolveram-se em duros combates: “Os soldados de ambos os lados estavam tão próximos uns dos outros que era impossível delimitar uma frente”.

O combate foi corpo a corpo e desenrolou-se até às 14h10, quando Almeida Bruno deu ordem para o Agrupamento Centauro apoiar uma ruptura de contacto entre as forças do Batalhão de Comandos e as do PAIGC. O Agrupamento Bombox estava praticamente sem munições e o Agrupamento Centauro substituiu-o no contacto. Entretanto, Raul Folques, o comandante do Agrupamento Centauro, apesar de gravemente ferido numa perna, conseguiu a ruptuta do combate. A marcha do Batalhão de Comandos em direcção a Guidage foi lenta e com várias emboscadas pelo meio.

Resultados

Pelas 16 horas cessaram os combates e às 18h20 os primeiros homens do Batalhão de Comandos começaram a chegar a Guidage. Tinham sido destruídos:

  • 22 depósitos de material de guerra;
  • duas metralhadoras antiaéreas;
  • 50 mil munições de armas ligeiras;
  • 300 espingardas Kalashikov;
  • 112 pistoals PPSH
  • 560 granadas de mão;
  • 400 minas antipessoal:
  • 100 morteiros 60;
  • 11 morteiros 82;
  • 138 RPG7:
  • 450 RPG2;
  • 21 rampas de foguetões 122.

O PAIG sofreu 67 mortos entre os quais uma médica e um cirurgião cubanos e quatro elementos mauritanos, enquanto os Comandos sofreram dez mortos, dos quais dois oficiais, 23 feridos graves (três oficiais e sete sargentos) e três desaparecidos.

Uma nova coluna de reabastecimento ficou retida em Farim, por ter sido atacada uma coluna entre Mansoa e Farim de que resultou a destruição de três viaturas que ficaram, no terreno, tendo as forças portuguesas sofrido quatro mortos e 16 feridos, dos quais nove graves.

Na luta por Guidage o PAIGC utililizou a sua infantaria apoiada por artilharia pesada e ligeira, além de um grupo especial de mísseis terra-ar. Em armamento utilizou foguetões de 122 mm, morteiro 120 e 82 mm, canhões sem recuo de 5,7 e 7,5 cm, RPG2 , RPG7, armamento ligeiro e mísseis Strela. (...)

Fonte: Excerto de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso - Os anos da guerra colonial: volume 14: 1973: Perder a guerra e as ilusões. Matosinhos: Quidnovi, 2009, pp. 41-45. (Com a devida vénia..)

[Seleção / revisão / fixação de texto,  para efeitos de edição deste poste: LG. ]
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 18 de setembro de  2022 > Guné 61/74 - P23625: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (12): A Op Ametista Real: o batalhão de comandos em Cumbamori, no Senegal, 19 de maio de 1973 (Amadu Bailo Djaló, alf graduado 'comando', 1940-2015)


(***) Vd. informação mais detalhada no poste de 18 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23364: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (5): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte IV: Op Ametista Real, de 17 a 21 mai73, destruição da base de Cumbamori, no Senegal

Vd. também o testemunho, na primeira pessoa, de Amadu Djaló (1940-2015):