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quinta-feira, 27 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26622: Ser solidário (280): O que se passa com o caudal de água da Fonte Frondosa / Sanjuna, de Empada ? (Henk Eggens / Vincent Kuyvenhoven / Luís Graça / José Teixeira / Inês Allen / Arménio Estorninho)





Foto nº 1 e 1A > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 1983 > Fotografia da Fonte Frondosa com a esposa Anke (holandesa) no meio das lavadeiras.


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > s/d > A nascente da Fonte Frondosa (cuja construção data de 1946, ao tempo do governador Sarmento Rodrigues)



Vídeo (00:22) > s/d > A "sanjuna" entupida




Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > s/d > A Fonte Frondosa / Sanjuna, na língua local. Imagem do sítio da ONGD Sanjuna.nl


Sobre a ONGD Sanjuna.nl ver também o vídeo  Sanjuna in 100 sec (01' 40'') (em neerlandês)
 

Fotos, vídeo (e legendagem):  © Vincent Kuyvenhoven  (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Do nosso amigo, Henk Eggens, holandês (ou neerlandês) (que vive em Portugal, em Santa Comba Dão, tendo trabalhado como médico, cooperante, na Guiné-Bissau, em Fulacunda e em Bissau, de 1980 a 1984) recebemos a seguinte mensagem, com data de 21 do corrente:


Olá, Luís,Tudo bem contigo?

Estou na minha terra natal, curtindo filhas, netinh@s e amigos.

(...) Tenho um pedido para publicar no blogue, pedir informação aos tabanqueiros sobre a Fonte Frondosa,  no Empada, sul da Guiné.

O tabanqueiro José Teixeira escreveu uma história cómica  (*) sobre os soldados, atormentados pelos "hormónios"  
[o português é tramado. ó Henk, querias dizer... "hormonas"] da juventude, observando as bajudas a tomar banho naquela fonte.

Provavelmente (era) a visão dos soldados naquela época.

Minha pergunta é a seguinte:

Meu amigo e colega Vincent Kuyvenhoven trabalhou como médico na Guiné, baseado em Empada (1983-1986). Gostou (junto com a esposa Anke) da experiência e o ambiente. Decidiram apoiar a população de Empada, até agora. Criaram uma fundação chamada Sanjuna.

Sanjuna é o nome local da Fonte Frondosa.

Um breve resumo em português dos principais pontos do relatório anual de 2023 da Fundação Sanjuna:

Introdução
- 2023 foi o nono ano completo da fundação desde a sua criação em abril de 2014
- O coordenador Vincent Kuyvenhoven fez duas visitas a Empada para acompanhar projetos

Atividades Apoiadas
- Foco principal em educação, água potável, saúde e desporto
- Financiaram bolsas de estudo, construção de escolas, formação de professores
- Construíram tanques de água em várias aldeias
- Apoiaram cuidados de saúde comunitários e formação de agentes de saúde
- Contribuíram para torneios de futebol locais

Finanças
- Receitas totais: €36.100
- Despesas totais: €29.200

Vincent e Anke costumam visitar Empada pelo menos uma vez por ano.


Azulejo da Fonte Frondosa, cuja construção
é de 1946, do tempo do governador 
Sarmento Rodrigues




A pergunta deles é sobre a bacia de água atrás do quadro de azulejos e torneira.

Vincent me escreveu o seguinte:

"A fonte está a degradar-se um pouco em 2 aspectos: poluição da bacia de água (cuja função não me é clara) e drenagem dificultada, que veio à tona na época das chuvas."

Veja o clipe em anexo que mostra a situação atual na época da chuva.

Será que alguém dos tabanqueiros que viveram na Empada podem esclarecer a função  
desta bacia? 

Os homens grandes e mindjeres grandes lá não podiam esclarecer a função da mesma.

Agradeço se achas oportuno publicar esta pergunta no blogue. (...)

Um AB desde Holanda,
Henk

2. Resposta do editor LG, na volta do correio:

Que bom, Henk, a nossa terra é sempre a melhor do mundo... Boa estadia. O tempo por aqui não está grande coisa, chegou ontem a primavera...

Vamos ajudar os teus amigos...Vou-te pôr em contacto com dois tabanqueiros nossos, que têm uma forte ligação a Empada, a Inês Allen (filha de um antigo combatente, já falecido) e o José Teixeira ( e coordenador da ONGD Tabanca de Matosinhos, já lá voltou â Guiné-Bissau meia dúzia de vezes, foi enfermeiro durante a guerra)...

Ver aqui a página do Facebbok da Inês Allen.

Sobre Empada temos 185 referências no nosso blogue:

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Empada

A carta de Empada (1961) (Escala 1/50 mil) está disponível aqui:

https://arquivo.pt/wayback/20170222021858/http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial51_mapa_Empada.html

Diz-me se posso reencaminhar para a Inês e o Zé o teu mail... Conhecem a gente atual da tabanca de Empada... Aqui fica o pedido dos teus amigos (já visitei o "site" da Sanjuna, tenho que traduzir para inglês...)

Boa saúde, bom descanso... Luís

3. Comentário do editor LG:

Henk, com a tua devida autorização aqui tens a nossa troca de mensagens no blogue, com enfoque nos problemas da Fonte Frondosa /Sajuna, de Empada. 

Já falei com o Zé Teixeira, que ficou radiante com a hipótese de poder ser útil ao teu amigo Vincent, o mesmo é dizer, à população de Empada. Ele, tal como a Inês Allen, mantem fortes laços afetivos com Empada, que se traduzem também em ajuda material. Ele e ela vão gostar de poder falar contigo. Seguem os endereços de email dos dois.

Falei com a Inês, que é uma linda menina, e com um grande coração, tal como o falecido pai, Xico Allen (1950-2022). Esteve em maio de 2024, em Empada, na inauguração do campo de futebol que tem o nome do pai. Já então o problema da "Sajuna" fora-lhe abordado pela população, que a adora. Conta lá voltar para o ano...

Quanto ao Zé Teixeira, disse-me que já em 2015, quando passou por lá, a fonte estava com menos água...Ele acha que a diminuição do caudal tem a ver com as alterações climáticas... E, infelizmente, esse problema não é exclusivo de Empada...A água doce na Guiné - Bissau é um bem escasso. Temos essa dolorosa experiência, que nos vem do tempo da guerra, nomeadamente no tempo seco. A água era salobra e ferrosa. Bebiamos água engarrafada (Vichy e Perrier) com uísque... Até o gelo era horrível...

No nosso tempo, há 50/60 anos, chovia muito mais. O Zé é de 1968/70, um ano mais velho do que eu...Ambos conhecemos a guerra "pura e dura", ele na região do Forreá (Buba, Empada, Quebo, Mampatá...).


Região de Quinara > Empada > 1969 > "Eu, tomando banho à fula, na Fonte Frondosa, principal zona de banhos e de lavadouro". Foto do álbum do Arménio Estorninho, ex-1º cabo mec auto, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70).

Foto (e legenda): © Arménio Estorninho (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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(**) Último poste da série > 13 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26580: Ser solidário (279): Ajude sem gastar nada! Consigne 1% do seu IRS à Afectos com Letras - ONGD


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26509: As nossas geografias emocionais (46): Bocana Nova, na margem esquerda do rio Tombali... (E onde também se fala na ONGD, com sede em Matosinhos, "Na Rota dos Povos")





Guiné > Região de Tombali > Catió > Bocana > Carta de Catió (1956) (Escala 1/50 mil) >  Posição relativa do rio Tombali, e as povoações de Tombali, Bocana Nalu, Bocana Balanta e Catió (sede de circunscrição, quando a região foi cartografada em 1956).


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. A atual tabanca de Bocana Nova, referida no poste P26508 (*),  deve ficar na margem esquerda do Rio Tombali (carta de Catió), a sul da foz do rio Pobreza (afluente do rio Tombali) e a sul da foz do rio Cobade (outro afluente do Tombali). 

Havia, amtes da guerra, duas pequenas tabanas, a Bocana Nalu e mais acima a Bocana Balanta. Depois da independència deve-se ter construído a Bocana Nova. Pertence ao setor de Catió: em 2009, não tinha uma centena de habitantes.


A tabanca (e porto fluvial) de Impungueda, a sul de Cufar e a nordeste de Cantone e  Mato Farroba fica na margem direita do rio Cumbijã, mais a leste (carta de Bedanda, da mesma época).

Para lá se chegar, por estrada (até Catió), são 300 km bem difícieis de pecorrer. 

2. A  ONGD "Na Rota dos Povos", com sede em Matosinhos, tem feito desde 2010 um belo trabalho lá, na regiáo de Tombali, na área da educação, saúde e solidariedade social.

 Ver aqui a sua página oficial, bem como a página no Facebook.


(...) Quem somos

A “Na Rota dos Povos” é uma Organização não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) com foco de atuação na educação, solidariedade social e saúde na região de Tombali, na Guiné-Bissau.

A sede da ONGD é em Matosinhos e, todas as tarefas, tais como angariações, gestão de recursos, comunicação, e organização de missões, são realizadas por voluntários.

Temos sede de delegação local na cidade de Catió, a cerca de 300 km da capital Bissau, onde damos emprego a 35 habitantes que colaboram nos diferentes projetos. A integração da ONGD na comunidade Cationense gera também uma onda de participação num país em que a solidariedade é característica deste povo sempre pronto a ajudar o vizinho.

A nossa motivação

Em Catió, no ano de 2010, o professor Braima Sambu fez um pedido. Quando se esperaria que seria algo para ele, o que Braima pediu foi capacitação para a população da sua terra. Capacitar é tornar capaz, mas também permitir acreditar. A capacitação que falava era ajuda para os professores de Catió.

Sensibilizados com tal pedido, no regresso a Portugal, começaram a reunir-se esforços para responder a este apelo.

Desde esse momento, sempre com o lema “A Educação é o Único Caminho” um longo percurso tem sido trilhado. O projeto que começou com o objetivo de ajudar a melhorar as condições dos professores de Catió tem vindo a crescer atingido agora muitas outras áreas para além das escolas como o orfanato da “Casa da Mamé”, o “Centro de Educação Especial e Terapêutica”, o apoio ao hospital regional da região, entre muitas outras contribuições para o sector de Tombali. (...)
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Guiné 61/74 - P26508: As nossas geografias emocionais (45): Regresso em 2007, a Bocana Nova, e a Impungueda, no rio Cumbijã, na região de Tombali (Henk Eggens, médico holandês cooperante, em Fulacunda e Bissau, 1980/84)


Foto nº 1 > "O Nhinte-Camatchol, escultura nalu, que tenho na minha casa em Santa Comba Dão".



Foto nº 2 > Guiné- Bissau  > Regiáo de Tombali > Catió > Tabanca de Bocana Nova > s/d (2007 ?) > "Centro dc saúde construído nos anos 80, pelo holandês Steven van den Berg", companheiro do nosso Henk Eggens.



Foto nº 3 _ Guiné- Bissau  > Região de Tombali > Catió > Tabanca de Bocana Nova > 2007 > "Foi no final de 2007 que visitámos Bocana Nova. A população reconheceu o meu amigo Steven e a esposa e passámos bons momentos no 'jumbai' ".



Foto nº 4 > Guiné- Bissau  > Regiáo de Tombali > Catió > Tabanca de Bocana Nova > 2007 >  "O Steven e o régulo de Tombali". Acrescentou o Steven, na sua língua materna (aqui traduzida para português): "O Rei de Tombali sente-se extremamente honrado por agora até os maiores inimigos do passado terem podido tomar nota dos feitos inesquecíveis na forma de desenvolvimento da economia local, da saúde e da educação. Obrigado, S.".




Foto nº 5 > Guiné- Bissau  > Região de Tombali > Catió > Tabanca de Bocana Nova > 2007 >  Avenida Holanda... As palmeiras   foram plantadas por meu amigo quase 30 anos antes e cresceram bem!"


Foto nº 6 > Guiné- Bissau  > Região de Tombali > Catió > Impungueda > 2007 > "Em Tombali, no extremo sul da Guiné-Bissau, com as águas presentes sempre, como no porto de Impungueda, no rio Cumbijã" (vd. carta de Bedanda, 1956, escala 1/50 mil).

 

Fotos (e legendas): © Henk Eggens (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo, Henk Eggens (foto atual a seguir),   grande amigo da Guiné-Bissau, meu colega holandês (ou neerlandês), especialista em medicina tropical e saúde pública, que vive, aposentado, em Portugal, em Santa Comba Dão, e é o administrador e editor de Portugal Portal (em neerlandês ou holan
dês) (*). 

Já há tempos o convidei para integrar a nossa Tabanca Grande. Esteve em Fulacunda e Bissau, na primeira década de 80, como médico. Tem um grande conhecimento e carinho por aquela terra e suas gentes. É casado em segundas núpcias com uma luso-brasileira, sua colega da saúde pública global, Tem um excelente domínio do português, escrito e falado (sua primeira língua estrangeira, a par do inglês). 



Assunto - Nhinte-Camatchol

Data - 17/02/2025, 16:07 (há 1 dia)
 
 
Olá,  Luís,

Gostei da publicação do poema (teu?) "Quem disse que a Guiné-Bissau não tem futuro?", publicado no blogue de 16-2-2025 (*). 

É um poema tipo 'verso livre' no estilo dos poetas americanos Walt Whitman e Allen Ginsberg. Cheio de otimismo, esperança e valorização do povo guineense. É bem preciso este encorajamento num momento de crise política profunda. Dia 28 de fevereiro terminará o mandato do atual presidente da Guiné-Bissau, Sissoco. Parece que não tem nenhuma ideia para sair do poder e convocou eleições para novembro de 2025!

Gosto da fotografia da obra de arte nalu no blogue. Tenho uma escultura igual em casa (foto nº 1), junto com um flamingo de Moçambique. 

Meu companheiro Steven (holandês) trabalhou na região de Tombali nos anos oitenta. Construiu centros de saúde na província, um deles na aldeia de Bocana Nova (Foto nº 2). 

Conhecia o escultor destas estátuas, o Sr. Nfalde Câmara naquela aldeia. O artista produziu várias cópias destes pássaros mágicos em madeira. Imagina minha surpresa quando vi uma cópia no museu Aliança Underground Museum de Berardo, em Sangalhos! E percebi, pelo  blogue, que funcionou como símbolo no Simpósio  Internacional de  Guiledje em 2008.

Foi no final de 2007 que visitámos Bocana Nova. A população reconheceu o meu amigo e esposa e passámos bons momentos no 'jumbai' (Fotos nºs 3 e 4) . As palmeiras nas imagens foram plantadas por meu amigo quase 30 anos antes e cresceram bem! (Foto nº 5) Tudo no Tombali, no extremo sul da Guiné-Bissau, com as águas presentes sempre, como no porto de Impugueda.(Foto nº 6)

Os números correspondem aos títulos das fotografias em anexo.

Se achas oportuno, podes publicar o texto e as fotografias.(**)


AB Henk

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  16 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26501: Manuscrito(s) (Luís Graça) (265): Que o Nhinte-Camatchol, o Grande Irã, te proteja, Guiné-Bissau!

(**) Último poste da série > 16 de fevereiro de 2025 > 
Guiné 61/74 - P26500: As nossas geografias emocionais (44): A Fulacunda do meu tempo (José Claudino da Silva, "Dino", ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART /BART 6520 / 72, Fulacunda, 1972/74) - Parte III

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26440: (De) Caras (226): Encontro de inimigos de ontem, em Fulacunda, julho de 1974 (Henk Eggens, médico neerlandês, cooperante na Guiné-Bissau, 1980/84)






Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) > Julho de 1974 > Pormenor de foto de grupo: visita do bigrupo de Bunca Dabó, do PAIGC, ao quartel e tabanca de Fulacaunda, e ao porto fluvial (que ficava a 2 km de distância). Na foto, o alf mil Jorge Pinto, em farad nº 2, completamente desarmado, faz o papel de antitrião... Descontraído... Os "iniumigos de ontem" quiseram ir ver o porto fluvial...


Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar_ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]



Guiné-Bissau > s/l> s/d > O Comandante das FARP Quemo Mané (Canjabel, região de Quínara, c. 1932 - Moscovo, 1985). Fonte: Plataforma Casa Comum / Fundação Mário Soares > Arquivo Amílcar Cabral... Pasta 05248.000.024. Reproduzido com a devida vénia...

Citação:
(1966-1973), "Quemo Mané", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43764 (2022-2-19)



1. Mensagem enviada por Henk Eggens (*),



O dr. Henk Eggens, neerlandês, médico,
cooperante na Guiné-Bissau
(Fulacunda e Bissau, 1980/84)



Data - quinta, 9 jan 2025 , 12:40
Assunto - Encontro de inimigos

Olá,  Luís,

Já desde o final do ano passado queria responder-te e agradecer pelos links para as fotografias e textos que dizem respeito a Fulacunda, Guiné-Bissau.

Fiquei olhando para as fotografias que mostram os encontros entre soldados do exército português e os guerrilheiros do PAIGC. Além da qualidade boa das fotografias em si, fiquei pensando no efeito mental deste encontro; deve ter sido emocional e confuso para ambas as partes. Vejo os portugueses relaxados, sem armas, e os do PAIGC tensos e, como escreveste, "armados até aos dentes" com RPG e AK.(**)

Fiquei pensando sobre a mudança de paradigma que deve ter acontecido nas mentes de todos os presentes. Encontrar pessoas que queriam te matar pouco tempo antes do encontro. Acho, mas não conheço, que deve existir artigos, teses e livros sobre este fenómeno que deve marcar pessoas no mundo inteiro quando a guerra acaba e os inimigos se encontram pela primeira vez. Tens conhecimento destas publicações?

Vejo as notícias da Síria nestes dias onde deve acontecer o mesmo.

Numa outra entrada no teu blogue vi a referência a um comandante do PAIGC, Quemo Mané. Este foi o governador da região de Quínara e meu vizinho durante minha estadia em Fulacunda (1980-1982). Havia rumores sobre a sua crueldade durante a luta. A história sobre o 'julgamento revolucionário' no blogue ilustra bem estes rumores de então. Tive pouco contacto com ele, mas ainda assim metia medo nas pessoas e em mim na altura. (***)

Abraços,
Henk

PS- Admito que deixo meu app IA corrigir os meus textos portugueses por erros ortográficos.

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26209: Ser solidário (275): Quatro anos como médico cooperante (1980-1984), em Fulacunda e em Bissau (Henk Eggens, neerlandês, consultor internacional em saúde pública, reformado, a viver em Santa Comba Dão)

(**) Vd. poste de 18 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26278: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (31): Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª C / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) - Parte I

(***) Último poste da série > 28 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26206: (De) Caras (225): Duas fotografias, girândola e fastígio das recordações (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26429: As nossas geografias emocionais (36): Fulacunda, sempre!... (Henk Eggens, médico neerlandês, a viver em Portugal)





Foto nº 1 e 1A > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  Vista aérea da pista, do heliporto, do aquartelamento e da tabanca de Fulacunda... São visíveis o perímetro do aquartelamento, os espaldões do obus 14 e outras armas pesadas (que já identificámos noutro poste)... Podem-se contar inclusive as moranças civis e as instalações da tropa...  Tinha também valas e abrigos... Assinalada a amarelo, a "morança" que o nosso amigo dr. Henk Eggens, médico, cooperante, neerlandès, habitou em 1980/82 (e que integrava as antigas  instalaçóes das NT).

Segundo informação recente do nosso amigo e camarada Jorge Pinto, a população de Fulacunda andaria à volta de 400 pessoas de etnia biafada, em 1972/74 . Havia uma família balanta e outra fula,   "Toda esta população tinha familiares nas tabancas do mato que rodeavam Fulacunda e que muitas vezes vinham de visita, nos davam algumas 'informações' sobre o movimento do bigrupo de Bunca Dabó, levando em troca uns quilos de arroz"... Não havia comerciantes, nem colonos... A atividade agrícola era residual,,, "O alimento da população era basicamente o arroz fornecido pela tropa".


Foto (e legenda):  © Jorge Pinto (2025). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: LG/HE]



 Foto nº 2> Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 >   "Casa do médico, Land Rover do projeto,  mota da noiva e carro 404 privado".


Foto: (e legenda) © Henk Eggens (2024). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: LG/HE]




Foto nº 3 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  Uma "peladinha"... em frente à futura casa do dr. Henk Eggens.

 
Foto (e legenda);  © Fernando Carolinbo  (2025). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: LG/HE]


1. Mensagem do nosso amigo Henk Eggens (*), com data de  18/1/2025, 16:53

Olá Luís, kuma di kurpu? 

Gostei de ver mais fotografias da minha tabanca de então.(**)

A primeira fotografia que mando junto, com círculo a amarelo,  mostra onde morei; um ano fiquei sozinho, depois um ano vivi com a minha 'noiva', que depois ficou esposa/companheira de vida durante 26 anos antes de falecer há 19 anos.

A "morança" compostaq de duas casas, nós uma, e o chefe da aldeia, Carlitos, com a sua família na outra.

Não sei quem ocupava este prédio durante a época colonial. Como o prédio era dentro do quartel, seria um oficial do exército português? Ou era um escritório?

A segunda fotografia mostra a nossa casa em 1980, com os meios de transporte disponíveis para nós.

Também achei interessante a fotografia e o comentário sobre filhos de povos mistos (mulheres guineenses e soldados portugueses) (**). O que aconteceu com a maioria destas crianças? Os pais reconheceram a paternidade? Ficaram na tabanca ou foram para Portugal para serem criadas e educadas? Tens informação sociológica sobre este assunto?

Na altura tinha um assistente de laboratório, Manuel, de origem cabo-verdiano, que me ajudava em Fulacunda. O povo lhe chamou de burmedjo. Foi totalmente aceite na tabanca. Mas ... quando houve o golpe de Estado em 1980, liderado por 'Nino' Vieira, com tendências anti-caboverdianas (o presidente Luís Cabral foi preso por um ano depois do golpe), o pobre Manuel ficou em baixo da sua cama por três dias, com medo. Depois tudo voltou ao normal.

Em Cabinda (Angola, onde vivi, de 1976-1978), pessoas de cor mais clara (podiam ser mestiços) eram chamados mwana mundele (na língua Lingala), criança do branco. De vez em quando estas palavras eram utilizadas como insulto.

Bem, mando-te um AB e mantenhas (mantenha-se),

Henk.

PS -  Podes publicar este texto no blog se quiseres, na esperança de ter respostas às minhas perguntas.

(Revisão / fixação de texto, pontual: LG)


2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Henk, pelo que temos falado, és cidadão do mundo, e um grande "africanista" (cem qualquer conotação colonial)... Para além da Guiné-Bissau, trabalhaste em Angola, Indonésia, etc,. como especialista em medicina tropical, e muito em particular na área da prevenção e controlo da lepra. Tens uma visão integrada e global da saúde pública.  E depois escreves muitissimo melhor o meu portuguès do que eu o teu neerlandês...

Deixa-me,  antes de mais dizer-te que lamento que tenhas ficado viúvo tão cedo e com duas filhas órfãos... Tens, no entanto, uma história de vida rica...Vamos "partindo" (partilhando, em crioulo)  memórias, boas e más, das nossas "geografias emocionais": é o que eu e todos nós aqui, "amigos e camaradas da Guiné", te podemos oferecer... (***)

Acabo de publicar a tua mensagem com a tua autorização. É bom para todos: cá está a tal blogo...terapia, que tu querias saber o que era:  tens que acompanhar o nosso blogue...para perceber uma dos "slogans"; "O Mundo é Perqueno e a nossa Tabanca é Grande"... (Tabanca é a nossa tertúlia, ou comunidade virtual, que se se reune à sombra de um simbólico poilão, e onde cabemos todos com tudo o que nos une e até cm aquilo que nos pode separar...)

Sem querer dar uma definição (sempre redutora), direi que esta "terapia" ou "catarse", pela palavra e a imagem, pela partilha de memórias e afetos, num grupo de pares (antigos conmbatentes), funcionou muito bem nos primeiros anos do blogue...

Como sabes,  os antigos combatentes são sempre mal tratados em todas as guerras, aqui, na tua terra, em Timor, na Guiné, em Angola, em Moçambique, em França, nos EUA... Como deves imaginar, a guerra colonial, a seguir ao 25 de Abril de 1974, foi silenciada, esquecida,. branqueada, escamoteada... O mesmo aconteceu, pelo menos, aos guineenses que pagaram um elevado "imposto de sangue" na luta pela independência da sua terra (e, por tabela, de Cabo Verde).

Sobre as rivalidades (e graves conflitos) entre os guineenses e a nomenclatura cabo-verdiana do PAIGC,  não vou falar agora. Nem sobre os filhos que os militares portugueses deixaram na Guiné (uma estimativa aponta para umas escassas centenas, infelizmente um valor demasiado alto: o Portugal, democrático0, do pós-25 de Abril, não teve nem a coragem nem a lucidez  nem a compaixão de reconher estes filhos da guerra, eufemisticamente também conhecidos como "filhos do vento", por analogia com os "dust children" daa guerra do Vietname)... 

Ficará a conversa para mais tarde, que os dois assuntos são c0mplexos e delicados.

(Revisão / fixação de texto, superficial: LG)

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26209: Ser solidário (275): Quatro anos como médico cooperante (1980-1984), em Fulacunda e em Bissau (Henk Eggens, neerlandês, consultor internacional em saúde pública,
reformado, a viver em Santa Comba Dão)

(**) Vde. poste de 18 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26400: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (35): Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª C / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) - Parte V

(***) Último poste da série > 20 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26292: As nossas geografias emocionais (35): Helsínquia, Finlândia (António Graça de Abreu)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26365 Notas de leitura (1762): "Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação": apresentação do prof Joop de Song, Simpósio Internacional "Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal", Praia, Cabo Verde, 9 de setembro de 2024


PAIGC > Foto nº 1 > Soldado com arma (LGFog RPG-7)



PAIGC > Foto nº 2 >  Guiné-Bissaiu, zona norte: evacuação com maca para o Senegal




PAIGC > Foto nº 3 > Exames médicos: uso do microscópico



PAIGC > Foto nº 4 > Intervenção cirúrgica ao ar livre, no mato: médicos cubanos, enfermeiro guineens



PAIGC > Foto nº 5 > Ambulância de Zinguichor, Senegal



PAIGC > Foto nº 6 >  O dr. Roel Coutinho usando a pistola de vacinação


PAIGC > Foto nº 7 > Loja do Povo, em Sara, na região do Oio



PAIGC > Foto nº 8 > Mulher, em escola para adultos


PAIGC > Foto nº 9 > Guerrilheiro, em escola para adultos



PAIGC > Foto nº 10 > Cabo Verde, ilha de Santiago, Praia>  Mural: o juramento de Amílcar Cabral (1969): "Eu jurei a mim mesmo que tenho que dar a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e em Cabo-Verde. Ao serviço da causa da humanidade, para dar a minha contribuição, na medida do possível, para a vida do homem se tornar melhor no mundo. Este é que é o meu trabalho".

As fotografias, com exceção da última, são do médico Roel Coutinho. Existe uma série para uso livre de fotografias do Dr. Coutinho no Wikimedia Commons .

https://commons.wikimedia.org/wiki/Commons:Guinea-Bissau_and_Senegal_1973-
1974_(Coutinho_Collection)



Roel Coutinho, 2016, foto de Patrick Sternfeld / capa 
da revista "Benjamin", junho 2016, ano 28, nº 104.
Com a devida vénia...


É hoje um prestigiado médico, epidemiologista e professor,jubilado, de epidemiologia e prevenção de doenças transmissíveis. Esteve no Senegal e na Guiné-Bissau, em missão sanitária que não excluia a simpatia política pelo PAIGC, entre março de 1973 e abril de 1974. (O seu álbum fotográfico, com cerca de 700 documentos, é o mais completo que conhecemos sobre o PAIGC na zona norte; tem 16 referências no nosso blogue.)

Tinha acabado de se licenciar em medicina (em 1972). Especializar-se-ia depois em microbiologia médica. Doutorou-se em 1984, em doenças sexualmente transmissíveis. É um especialista mundial em HIV/Sida, com mais de 600 artigos publicados em revistas científicas.

Roel Coutinho nasceu em 1946, nos Países Baixos, em Laren, perto de Amesterdão, província da Holanda do Norte. Tem ascendência luso-judaica, sefardita: os antepassados, marranos ou cristãos-novos, devem ter saído de Portugal para a Holanda no séc. XVII. Os portugueses, cristãos novos, e de novo reconvertidos ao judaísmo, constituíam uma comunidade prestigiada e influente, pela cultura, o dinheiro e o poder. Sempre usaram os seus apelidos portugueses até à II Guerra Mundial.

Prova da importância da comunidade luso-judaica de Amesterdão (onde nasceu o grande filósofo Espinosa, 1632-1677), é a "Esnoga", a monumental Sinagoga Portuguesa, inaugurada em 1675, e chegou a ter 3 a 4 mil fiéis. Hoje a comunidade está reduzida a umas escassas centenas de pessoas: espantosamente o edifício da "Esnoga Portuguesa", monumento nacional, escapou à destruição da II Guerra Mundial e à ocupação nazi; é visita obrigatória para os portugueses que forem a Amesterdão
. (LG)





Médico, doutorado, psiquiatra e psicoterapeuta: (i) professor emérito de Psiquiatria Cultural e Saúde Mental Global na Amsterdam University Medical Centre;  (ii) professor ajunto emérito de Psiquiatria na Escola de Medicina da Universidade de Boston e professor visitante emérito de Psicologia na Universidade de Rhodes, África do Sul; (iii) fundador e diretor da Organização Psicossocial Transcultural (TPO), que presta serviços de saúde mental e psicossociais, especialmente em áreas de pós-guerra e pós-desastre, em mais de 20 países em África, Ásia e Europa; (iv)  trabalhou  a meio tempo como psicoterapeuta e psiquiatra com imigrantes e refugiados na Holanda: (v)  tem integrado os contributos  da saúde mental pública e global, psicoterapia, psiquiatria, antropologia e epidemiologia em intervenções comunitárias; (vi)  e autor e coautor de 335 artigos, capítulos e livros.
 
(Nota curricular e foto, reproduzidos, com a devida vénia, de: World Association of Cultural Psychiatry)
 


Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação

Por Prof. Joop de Jong


Texto enviado para publicação no nosso blogue, em 7 de setembro último,  pelo nosso leitor,  o Dr. Henk Eggens, de nacionalidade neerlandesa, especialista em saúde pública e medicina tropical, que vive em Portugal (Santa Comba Dão):

"Texto da apresentação que o meu amigo e colega Dr. Joop de Jong (neerlandês) fará na Praia, Cabo Verde, no simpósio Amílcar Cabral no dia 9 de setembro 2024. https://www.100amilcar.com/agenda/event-five-la65y-9xatt (Simpósio Internacional > Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal | Cabo Verde e Guiné-Bissau, 9-12 de setembro de 2024).

"Trata-se de uma exposição sobre o  sistema de saúde desenvolvido pelo PAIGC na zona norte da Guiné durante a guerra."


__________

O Prof. Joop de Jong foi trabalhar como  jovem médico  nas zonas libertadas no Norte da Guiné en 1973. Voltou como psiquiatra para Bissau em 1981 para desenvolver a psiquiatria no país. Ajudou construir um hospital de psiquiatria no bairro de Brá, Bissau. Publicou sobre "Jangue na Guiné-Bissau: uma síndrome cultural entre as mulheres Balantas".

 De Jong é professor emérito de Psiquiatria Cultural e Saúde Mental Global.


Introdução

O desejo de independência é muitas vezes impulsionado pela indignação moral e pela falta de perspetiva social. Antes da luta pela independência e desde a fundação do PAIGC em 1956, Amílcar Cabral desenvolveu uma visão para reduzir as desigualdades em que os guineenses nascem, vivem e envelhecem. Ele tentou libertar a população guineense do seu atraso em quase todos os domínios da vida: desigualdade social, pobreza, desnutrição, falta de educação e cuidados de saúde. 

Para dar uma ideia dessa tarefa hercúlea: a mortalidade infantil na Guiné Portuguesa era de sessenta por cento em 1954, a doença do sono prevalecia em dois quintos das aldeias, e os hospitais ofereciam um mínimo de cuidados nas cidades (cf. Teixeira da Mota em Cabral 1961). Portugal gastava muito pouco dinheiro em cuidados de saúde em comparação com os países vizinhos (1). 

E os portugueses, ao contrário de outros colonizadores, não se consideravam racistas. Eles não tinham nada contra os asiáticos ou os negros, apenas contra os “nativos incivilizados” que tentavam elevar a assimilados. Nos anos 50 do século XX, 0,39% da população guineense estava registada como “assimilada” (2 ). (Foto nº 1: Soldado do PAIGC com arma. Roel Coutinho). 

A desigualdade social foi causada por uma diferença de poder e recursos. Quando Amílcar e um punhado de camaradas começaram a luta em 1963, eles não tinham poder, dinheiro ou
conhecimento. Como eles lidaram com isso?

Nesta apresentação, descrevemos as iniciativas do PAIGC para melhorar os cuidados de saúde da população e dos combatentes pela liberdade. Mostramos em linhas gerais que o PAIGC - muito antes da reunião da OMS em Alma Ata em 1976 - tentou combater a desigualdade social melhorando a agricultura, a educação e os cuidados de saúde. 

Isso aconteceu em parte como uma reação ao regime português que, ao longo da luta, tornou-se mais severo e aumentou a repressão da população local. E quando a luta pela libertação teve sucesso. De Spínola tentou igualar os sucessos do Partido com o seu programa “Guiné melhor”. Ele até falou sobre “realizar uma verdadeira revolução social para aumentar a autoestima e a dignidade da população” (O Século, 7 de agosto de 1970). 

A dinâmica entre libertador e opressor, entre cuidados curativos e preventivos e entre cultura indígena e moderna, determinou o desenvolvimento dos cuidados de saúde. Esboçamos esses desenvolvimentos desde o início da luta.

O início da guerra

Durante a primeira fase da luta, o objetivo era “cuidar dos feridos com os meios disponíveis”. “Meios disponíveis” como eufemismo para os quatro enfermeiros que se formaram em Bissau e se tornaram membros do Partido. Esses enfermeiros treinavam socorristas que eram selecionados entre os guerrilheiros (3). Uma dessas socorristas é a heroína nacional Titina Silá (4). 

Os socorristas eram integrados nas unidades de combate para salvar o máximo possível de soldados e outras vidas com alguns curativos, líquido desinfetante e soro antitetânico. Os gravemente feridos eram transportados em macas feitas de galhos até a fronteira. E,  de lá, evacuados a uma grande distância para as capitais dos países vizinhos, Conacri ou Dakar. (Foto nº 2: Evacuação com maca para Senegal. Roel Coutinho).

O auge da luta

Entre 1965 e 1970, o PAIGC conquistou cada vez mais áreas libertadas. Os portugueses responderam com "a cenoura e o pau”. Por um lado, deslocaram a população local para as
“aldeias protegidas”
["reordenamentos"].

Esta abordagem foi copiada dos franceses na Argélia e dos americanos no Vietname. O objetivo era “proteger” as guarnições militares contra-ataques dos “terroristas” com a ajuda de uma camada de habitantes locais. Por outro lado, o mato foi bombardeado com mais frequência. O PAIGC adaptou-se organizando o máximo possível de cuidados acessíveis nas zonas libertadas para militares e moradores das aldeias . Nesse período, foi criada uma rede de mais de cem postos de saúde (5) . 

Enfermeiros auxiliares formaram a espinha dorsal do serviço médico e ofereceram cuidados básicos. Os pacientes podiam ser internados temporariamente enquanto aguardavam a visita de um médico do hospital mais próximo. Casos de emergência eram transportados para lá em macas. (Foto nº 3 : exames médicos mo, com uso do microscópico. Roel Coutinho).

Num nível de atendimento superior, foi criada uma rede de hospitais setoriais e regionais (6) . Aqui, os pacientes encaminhados eram tratados e os enfermeiros auxiliares eram treinados.

Os hospitais foram construídos com materiais locais. Tudo era feito de ramos e palha e ficava bem escondido entre as árvores. Duas cabanas alongadas com vinte camas cada para
os doentes. Uma cabana como consultório, uma como sala de operações e algumas cabanas para o pessoal. Muito era feito ao ar livre. (Foto nº 4: Operação no ar livre. Médicos cubanos, enfermeiro guineense. Roel Coutinho).

Devido à construção simples, tudo podia ser facilmente deslocado. Quando os bombardeamentos  aumentaram, o PAIGC decidiu que cada hospital deveria ser deslocado anualmente (7) . Incluindo doentes e pessoal, isso levava cerca de três dias.

Cabral (1975, II: 216) percebeu a importância dos cuidados autónomos nas áreas libertadas. penas casos muito graves eram evacuados para um dos três hospitais nos países vizinhos (8) .

A liderança do Partido também percebeu que os cuidados eram muito curativos e distantes da população para fazer algo sobre a terrível condição de saúde dos moradores rurais (9). Essa péssima saúde estava relacionada à desnutrição, que por sua vez estava relacionada com a imposição colonial de cultivar culturas comerciais em detrimento das culturas alimentares. A má condição de saúde também era resultado da falta de higiene, baixa taxa de vacinação e alta taxa de analfabetismo. 

Duas iniciativas deveriam melhorar essa situação. Cada setor recebeu uma brigada de saúde composta por três assistentes. Eles tentaram ensinar aos aldeões os princípios de higiene, nutrição e cuidados materno-infantis. E encaminhavam os doentes para os postos de saúde. Com sucesso variável. Cabral lamentou que os “camaradas não prestassem atenção suficiente às brigadas de saúde” (Cabral 1971: 13) (10). 

A segunda iniciativa preventiva consistia em campanhas de vacinação e na prevenção da malária com redes mosquiteiras e profilaxia da malária. (Foto nº 5. Ambulância, Ziguinchor, Senegal.Roel Coutinho).

Vacinação

O médico holandês Roel Coutinho trabalhou em 1973 nas áreas libertadas. Ele descreve uma viagem pela floresta para ir fazer vacinação  num acampamento:

"Com a velha ambulância, dirigimo-nos de Ziguinchor, no Senegal, até a fronteira com a Guiné-Bissau.

"Em ritmo acelerado e em silêncio mortal, caminhámos por 1,5 horas por um caminho estreito através de uma floresta escura. Com uma 'canoa', atravessámos o rio. Esperámos na borda densamente arborizada da floresta ao longo do rio. Alguns soldados surgiram entre as árvores. Quando entrámos na floresta, vi que o acampamento estava ali. Espalhados entre as árvores estavam camas com redes mosquiteiras penduradas acima. Alguns soldados desapareceram entre as árvores para avisar que haveria vacinação e consulta. (Foto nº 6:  O Dr. Roel Coutinho vacinando com pistola de vacinação.  Roel Coutinho):

"Revezávamo-nos para vacinar com a pistola de vacinação. Quando a pistola de vacinação ficava bloqueada por poeira, os enfermeiros mudavam rotineiramente para seringas e agulhas. Durante as consultas, verificou-se que um dos pacientes estava em tão mau estado que teve de ser levado de maca e ambulância de volta para o hospital em Ziguinchor# (De Jong & Buijtenhuijs 1979).

O Partido investiu muito tempo na melhoria e diversificação da agricultura e na criação de lojas comunitárias onde os agricultores podiam trocar seus produtos por itens de primeira
necessidade. (Foto nº 7: Loja do Povo, Sara. Roel Coutinho).

E o Partido incentivava o que hoje chamamos de atividades geradoras de rendimento.

Outra prioridade foi a emancipação das mulheres, por exemplo, através da educação. (Foto nº 8: Escola para adultos, mulher; foto nº 9: Escola para adultos, guerrilheiros).

Cultura

E o PAIGC descobriu, através de tentativa e erro, que a cultura era uma espada de dois gumes.

A atitude de Cabral em relação à cultura pode ser melhor descrita nestes termos: “se não pode vencê-los, junte-se a eles”. Assim, os curandeiros guineenses, como em inúmeras outras culturas da África Subsaariana, oferecem proteção contra balas e, naturalmente, contra a feitiçaria e bruxaria. 

Cabral sabia que alguns combatentes se sentiam invulneráveis por causa disso. Por isso, ele às vezes enviava um ajudante para evitar que um comandante se levantasse e avançasse no meio de uma chuva de balas (11). 

A cultura e os modelos de explicação cultural também desempenham um papel nas consultas médicas, tanto no tratamento individual quanto nas iniciativas de saúde pública.

É difícil aceitar que pacientes com tuberculose interrompam seu tratamento médico assim que a tosse com sangue pára. Curandeiros respondem a esse enigma após uma longa série de entrevistas: 

“Claro que sabemos que vamos morrer se tossirmos sangue e, por isso, vamos ao hospital com seus medicamentos poderosos. Mas o que vocês não entendem é que a hemorragia é causada por uma flecha ou bala invisível para vocês, de uma arma de feitiçaria que atinge o peito por dentro. E o curandeiro ou curandeira é o único que pode curar essa ferida. Por isso, os pacientes vêm até nós o mais rápido possível após suas injeções e pílulas para uma verdadeira cura”.

Mas Cabral e a liderança do Partido também testemunharam as terríveis consequências do poder da cultura durante o primeiro congresso do Partido em Cassaca em 1964. Um grupo
de mulheres Balantas nómadas fez acusações de feitiçaria. As mulheres diziam que as bruxas eram responsáveis pela morte de aldeões, enviando aviões e helicópteros portugueses para
atacá-los. 

Os anais do Partido não são claros sobre esse período, mas provavelmente algumas centenas de bruxas foram torturadas e mortas por comandantes do PAIGC. Esses comandantes tiveram que responder durante o congresso do Partido e cerca de uma dezena deles foram condenados à morte (De Jong, 1987; De Jong & Reis, 2010: 313; 2013). 

Vinte e cinco anos depois, os Balantas foram tomados por um culto de possessão em massa, o Ki-yang-yang. O culto de cura emancipa a posição das mulheres entre os Balantas, bem como
a posição dos Balantas dentro do Estado guineense.

 O culto também ajuda os Balantas a lidar com o trauma da luta pela libertação (De Jong & Reis, 2010; 2013). Os seguidores estão convencidos de que os líderes um dia tirarão uma motocicleta do chão para todos. A semente dessa esperança mítica foi plantada por Amílcar, que prometeu prosperidade material à população após a independência.

Discussão

Um sistema de saúde é composto por todos os atores que tentam melhorar a saúde e os cuidados. O sistema é construído sobre serviços, trabalhadores da saúde, medicamentos essenciais, financiamento, liderança e sistemas de informação. Vimos que esses componentes estavam ausentes no início da luta pela independência e que o PAIGC operava num vácuo.

O movimento de libertação construiu, num período de aproximadamente 15 anos, um sistema de saúde simples. O sistema de saúde fornecia cuidados curativos consistindo em diferentes escalões de postos e hospitais nas áreas libertadas e nos países vizinhos. Com o objetivo de organizar cuidados acessíveis, próximos e acessíveis para os combatentes e a população local. Numa fase posterior, o Partido focou-se na descentralização e na prevenção.

Quanto à escassez de trabalhadores da saúde, o Partido organizou uma cascata de níveis de formação e treino. Médicos estrangeiros e médicos guineenses que retornaram do exterior, 
treinavam e supervisionavam várias categorias de trabalhadores da saúde locais. 

É uma forma de educação continuada que gradualmente resulta em competência crescente. Mas, na independência, o nível dos enfermeiros era insuficiente, tanto do lado do PAIGC quanto do lado colonial. Isso também se aplicava aos médicos que estudaram na Universidade Lumumba em Moscovo.

O Partido também estabeleceu um sistema de distribuição de medicamentos. A maioria desses medicamentos foi doada por países comunistas e comitês de solidariedade. (Foto nº: Praia, Cabo Verde, mural: Retrato e juramento de Cabral).

Cabral conheceu bem o país e as pessoas durante o Recenseamento Agrícola de 1953, anos antes da fundação do PAIGC. Ele percebeu a importância do que hoje chamamos de desenvolvimento intersetorial. Agricultura, economia, desenvolvimento rural, educação, saúde e emancipação das mulheres estão interligados. E a sinergia só pode ser alcançada através da colaboração com outros domínios e setores.

A Organização Mundial da Saúde afirmou em 2008 que a saúde da população mundial só pode melhorar trabalhando nos determinantes sociais da saúde. 

Algumas décadas antes, o PAIGC e Amílcar Cabral já se concentravam em fatores que reduzem a desigualdade social entre as pessoas. Dentro das suas possibilidades limitadas, fizeram tudo o que podiam para melhorar as condições precárias em que os guineenses nasciam, cresciam e envelheciam.

___________

Notas do autor:

(1) Em 1959, per capita, 1,1 US$. Libéria 1,6. Mauritânia 4,2. Serra Leoa 19,1 (Rudebeck 1974:39; De Jong & Buijtenhuijs 1979: 115).

(2) Para obter mais ou menos os direitos de um cidadão português, o assimilado tinha que cumprir requisitos como: ter mais de 18 anos, falar bem português, sustentar-se, ter um modo de vida civilizado e não ser recusador de serviço ou desertor (Rudebeck 1974: 22).

(3) E que muitas vezes perderam um membro na luta ou sofrem de uma doença grave como a lepra.

(4) Em 1963, ela foi escolhida para ir à União Soviética para uma formação em guerra de guerrilha, junto com Teodora Inácia Gomes. Após o seu regresso, ela treinou outros guerrilheiros. Em 1964, ela fez um curso de primeiros socorros na União Soviética. Em 30 de janeiro de 1973, ela foi morta em uma emboscada pelo exército português. Ela se afogou no rio Farim, a caminho do funeral de Amílcar Cabral, que foi assassinado uma semana antes.

(5) 117 postos de saúde. Na frente sul, 42; na frente norte, 64; e na frente leste, 11 (De Jong &; Buijtenhuijs, 1979).

(6) No total, 13. Em 1973, havia sete hospitais setoriais (3 no Norte, 3 no Sul e 1 no Leste) e seis hospitais regionais (2 no Norte, 3 no Sul e 1 no Leste). Os hospitais regionais começaram a ser estabelecidos a partir de 1966 e eram dirigidos por um cirurgião, e os hospitais setoriais a partir de 1971, sob a direção de um assistente médico.

(7) Assim, o hospital de Sara foi deslocado dezassete vezes em um ano devido a bombardeamentos e ataques por tropas transportadas por helicópteros. Ninguém ficou ferido. Desde então, os hospitais eram regularmente deslocados.

(8) Para três hospitais no exterior. O bem equipado Hospital de Solidariedade, em Boké, com 123 leitos, onde os feridos evacuados da frente sul foram tratados. Em 1972, 136 feridos de guerra, 72 fraturas e 9 amputações foram realizadas aqui. Isso explica por que Cabral disse a um jornalista que "temos tão poucos feridos que mal vale a pena mencionar#".  Os doentes e feridos da frente leste também iamj para a Guiné Conacri, ou seja, para o hospital em Kundara, com 50 leitos. E os da frente norte para o hospital em Ziguinchor, também com 50
leitos. Havia laboratórios simples e dois dos três hospitais tinham uma sala de operações e uma seção de raios-X.

(9) As doenças mais comuns em 1975 foram: infeção por ancilostomíase (66%); desnutrição proteica e energética (48%); tracoma (42%); anemia (34%); malária (34%); hérnia abdominal (27%); filariose (21%); infeções respiratórias (15%); vermes intestinais (10%); infeções cutâneas (%); ceratite (9%); bócio (8%); catarata (5%). 64% precisavam de cuidados odontológicos (A Saúde em Oio 1975: 49-53).

(10) Na frente norte, as brigadas nunca foram realmente ativas. Alguns comissários políticos, como Carmen Pereira, incentivaram as brigadas. E, ao contrário dos cuidados básicos de saúde na China, o Partido exerceu pouca pressão, como também é evidente no diário de Roel Coutinho (2022).
 
(11) Nino Vieira, que mais tarde liderou o golpe contra Luís Cabral, é um exemplo do que os companheiros de luta consideravam um caso de invencibilidade ou invulnerabilidade.

Bibliografia:

A. Cabral (1961) Report to the United Nations.

A. Cabral (1971) Sobre alguns problemas práticos da nossa vida e da nossa luta.

A. Cabral (1975) Unité et lutte I et II. François Maspéro. Paris.

Roel Coutinho (2022) De vrijheidsstrijd van Guinee-Bissau door de ogen van een jonge
dokter. Afrika Studie Centrum. Leiden.

Joop de Jong & Rob Buijtenhuijs (1979) Een bevrijdingsbeweging aan de macht [A liberation
movement in power]. De Uitbuyt. Wageningen.

Jong de, J.T.V.M. (1987) A descent into African psychiatry. Royal Tropical Institute.
Amsterdam. ISBN 90 6832 018 1.

Jong de, J.T.V.M. (1987) Jangue in Guinee Bissau: een cultuurgebonden syndroom onder
Balanta vrouwen [Jangue in Guinea Bissau: a culture bound syndrome among Balanta
women]. Ned Tijdschrift v Psychiatrie 2, 5886.

Joop T. de Jong & Ria Reis (2010) Kiyang-yang, a West-African post-war idiom of distress.
Culture, Medicine and Psychiatry, 34, 2, 301-321.

De Jong, J.T.V.M., Reis, R. (2013) Collective trauma píprocessing: Dissociation as a way of
processing postwar traumatic stress in Guinea Bissau. Transcultural Psychiatry, 50 (5) 644-
661.

Rudebeck, L. (1974) Guinea Bissau: A Study of Political Mobilization. The Scandinavian
Institute of African Studies. Uppsala.

Saúde em Oio (1975). Minsas. Bissau.

(Revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue: HE / LG)

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Nota do editor LG: