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quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19132: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLVIII: Metralhadoras e lança-granadas


Foto nº  12 >  Metralhadora pesada, de modelo desconhecido [ Não será uma Metralhadora pesada Degtyarev DShK, de calibre 12.7, apreendida ao IN ?]


Foto nº 14 > Metralhadora pesada... [Não é uma Breda, é uma Browning] (**)


Foto nº 13 >  Metralhadora Browning 12.7


Foto nº 10 > Metralhadora pesada com suporte de pé, Browning 12.7; de perfil, o Virgílio Teixeira.


Foto nº 9 > Metralhadora ligeira M42, de fita.


Foto nº 15 >  Bazuca 8.9 e respetivas granadas; 


Foto nº 8  > Lança-roquetes (ou LGFog) 37 mm


Foto nº 19 > Armamento e munições apreendidas ao IN.

Guiné > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69 >  Metralhadoras e lança-granadas.

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 90 referências no nosso blogue.


Guiné 1967/69 - Álbum de Temas > T901 – AS NOSSAS ARMAS DE DEFESA > ARMAMENTO FIXO E MÓVEL > SÃO DOMINGOS E NOVA LAMEGO - Parte II (*)

Legendas:

F07  [Foto não publicada, por falta de qualidade] – Abrigo e ninho de uma metralhadora pesada. 

Não sei de que tipo se trata. A foto é fraca. Contudo por comparação com outras, parece-me ser uma Browning (**), um dos muitos modelos, tendo em vista o tripé em que assenta. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F08 – Lança Roquetes [37 mm]

Um militar está a fazer uma experiência no lançamento de um roquete. Pode ver-se um lança-roquetes ou lança-granadas foguete [LGFog, 3.7] na mão, bem como um roquete nas mãos de outro militar.  Estes exercícios eram feitos regularmente no cais fluvial do Rio São Domingos, disparando para o rio ou mato, para fazer experiências vom o  armamento.n Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F09 – Metralhadora ligeira pessoal MG 42

Parece-me que se trata de uma MG42, uma metralhadora  ligeira, pessoal, transportada por um homem, sendo o carregamento por fita, a qual era normalmente trazida a tiracolo em cruz. Arma de grande poder de fogo, são restos das armas da II Guerra Mundial, modificadas.
O atirador – trata-se do soldado condutor auto, Arsénio, já falecido, que era o impedido do nosso 1º comandante – está a fazer tiro de experiência no cais do Rio São Domingos. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F10 – Metralhadora pesada com suporte de pé, Browning 12.7

Acho tratar-se de uma Browning, de calibre 12.7, arma pesada fixa, no seu ninho, com abertura para fazer tiro em 180º. E encontrava-se num dos vários ninhos e abrigos de armas pesadas. A foto é apenas uma foto, do próprio autor. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F11 [Não publicada por falta de qualidade] – Ninho de metralhadoras de porte médio.

Trata-se de uma metralhadora de pé, com carregador de caixa [, não seria portanto uma Breda, que é de lâminas]. Não distingo o nome nem modelo da arma.

F12 – Arma pesada de balas tracejantes

É uma arma pesadíssima, sendo transportada por carrinho de rodas, e com carregador de rolo. As munições são invólucros grandes, não sei bem o calibre, na ponta tinha uma cor ou amarelo ou vermelho, e disparadas de noite, é para isso que se utilizam, pode-se seguir o rasto e efeitos da bala, espectáculo bonito, quando não mata.

Como não é uma lição de armas, fico-me por aqui, já li muita coisa na Net e tem a ver com aquilo que eu tinha na minha mão na Guiné. Curiosa a infantilidade, pois quando regressei, já tinha embalado duas balas daquelas, que ostentava estupidamente na sala com outras recordações da guerra. Depois com o nascer dos filhos, eles começam a mexer naquilo, então tive de me livrar delas, não sei ainda como o fiz, mas hoje gostava de as manter novamente, como um ‘escalpe de guerra’. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F13 – Ninho de metralhadora Browning M2 ou M3.

Arma pesada utilizada em ninhos ou abrigos, com um raio de 180º. Do outro lado de lá, para onde está apontada, é para a Republica do Senegal, ali a dois passos, onde se localizavam alguns ‘santuários de turras’, com a conivência de Senghor. Julgo tratar-se de uma arma idêntica à da foto F10, isto é uma Browning, o modelo não se sabe. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F14 – Abrigo e ninho de metralhadoras.

Julgo tratar-se de uma arma idêntica à da foto F10, isto é uma Browning, modelo não se sabe.
Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F15 – Abrigo e depósito da Bazuca 8.9 com as respetivas  munições (granadas)

Lança granadas foguete (LGFog),  mais conhecida como bazooka , ou bazuca, utilizada, na guerra clássica,  para ‘furar’ blindagens, através do seu poder de destruição. 

A bazuca que acompanhava sempre um Grupo de Combate numa operação rotineira, era levada ao ombro por um soldado, e as munições – a carga útil – são transportadas por outros soldados devido ao seu peso. Este foguete é colocado na parte traseira do Lança Granadas (, contrariamente ao  RPG2 e RPG7, do PAIGC, em que a granada pela carregado pela frente do tubo).  Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F19 – Armamento e munições apreendidas ao IN.

Trata-se de uma captura de diverso armamento do Inimigo, entre as quais, Bazucas, Lança Roquetes, Granadas de mão, caixas vazias, e possivelmente aparelhagem de transmissões e rádio. Foto captada em Nova Lamego durante o 4º. Trimestre do ano de 1967.


«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933/ RI15,Tomar  (Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69)".


NOTA FINAL DO AUTOR:

As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir. Nada mais. 

Acabadas de legendar, hoje,

Em, 2018-10-05

Virgílio Teixeira
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(**) Vd. poste de 24 de agosto de 2010  > Guiné 63/74 – P6892: Armamento (4): Metralhadoras Pesadas (Luís Dias)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16971: In Memoriam (276): o 1.º cabo sapador Glória, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74, um tripeiro de gema: até sempre, camarada ! (Juvenal Amado)


Foto nº 1 > O pelotão de sapadores da CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 172/74)  a bordo do T/T Angra de Heroísmo, a caminho da Guiné. O Glória é o 4.º a contar da esquerda, na fila na frente, e está sentado. Foto do ex-fur mil António Maria Fernando, o 1.º em pé a contar da direita.


Foto nº 2 > Galomaro: o meu abrigo e o espaldão da MG 42


Foto nº 3 > Capela de Galomaro, construída em 1973 pelo pelotão de sapadores

Fotos (e legendas): © Juvenal Amado (2017). Todos os direitos reservados. [Seleção, edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de ontem à noite, enviada pelo Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem" (Lisboa, Chiado, Editora, 2016):

Caros camaradas,  
Recebi esta notícia e que outra coisa poderia fazer senão homenagear este camarada, senão transportá-lo para aqui e aqui descansar à sombra desta Tabanca  Grande, que se construiu a partir das vivências e memórias que nos unem para sempre.

Daqui endereço os meus mais sentidos pêsames à família e amigos

Até sempre, Glória
Juvenal Amado



2. In memoriam > O Glória, o inesquecível 1.º cabo sapador Glória

por Juvenal Amado [foto à esquerda]

O 1.º cabo sapador Glória, natural da zona ribeirinha do Porto, era, como o costume dos naturais dessa cidade, orgulhoso da sua naturalidade, o que gerava grandes discussões com quem era de outras, bem como de outros clubes de futebol etc.

Com ele fiz colunas, serviços de reforço, partilhei mesa no refeitório e joguei à “sueca” muitas vezes, o que era uma animação.

Na noite de 1 de Dezembro de 1972, quando Galomaro foi violentamente atacado ao arame, estávamos nós, os dois, mais o Costa também sapador e o Confraria operador STM, embrenhados numa animada partida desse popular jogo na cantina . Normalmente dez riscos e a equipa ganhadora recebia duas cerveja pagas pela a equipa que perdia. Não é preciso explicar muito sobre as bocas de quem com regozijo ganhava e o desgosto de quem perdia.

O 1º cabo sapador Glória
Mercê da divisão de alojamento pelos diversos abrigos, muitos dos nossos tempos livres eram passados com quem nos era mais próximo e por conseguinte, embora nos conhecêssemos bem, o nosso relacionamento era esporádico.

Mas estar onde ele estava era sempre uma animação, pois as discussões em voz alta eram constantes. Não era por mal, era do seu feitio expressar-se e defender-se com a voz muitos pontos a cima dos decibéis normalmente utilizados e aconselhados. Assim a gritaria, que se ouvia vinda do abrigo dos sapadores era sempre constante e por vezes, até bem tarde. A malta ria-se, pois eles eram capaz de discutir numa coluna.

Mas atentem, que eram três ou quatro assim e que, não eram discussões que alguma vez pudessem descambar a agressões, pois nunca eram desse cariz. Chegava a ser discutir por discutir como quem teima.

Uma vez as discussões e berros, já noite fora, eram de tal ordem, que o coronel Castro e Lemos levantou-se da cama e em roupa interior, atravessou a parada para se inteirar do barulho e mandar calá-los.

Foram motivo da galhofa geral e era frequente na cantina quando havia mais barulho, o “estofador” dizer em ar de gozo: “ Ó!! meus meninos, querem ver que me tenho que pôr em cuecas para vos mandar calar”? A boca servia para eles e para os outros, que também faziam barulho que se fartavam. As discussões acaloradas não eram exclusivas dos sapadores.

O pelotão de sapadores era usado para além do trabalho de linha, também lhes cabia a eles os trabalhos de consertar os telhados, uma parede, um muro etc. Ao trabalho deles se devem as alterações estéticas, que o quartel de Galomaro foi sofrendo desde que chegamos até à nossa partida, acabando por sua livre iniciativa construir a capela, que o quartel nunca tinha até aí tido. Até aí o padre Nuno realizava o culto numa arrecadação, que já tinha servido de morgue e depois serviu para alojar parte dos camaradas do Dulombi após a retracção daquela companhia, que foi dividida entre a CCS, Cancolim e Nova Lamego ou Piche.

No dia a seguir ao ataque, lá estava o Glória a mudar as coberturas de zinco do refeitório e a mandar umas bocas para o outro sapador, que estava a tapar um buraco de RPG numa parede.

Bem, no fim do dia podia-se jurar, a pés juntos, que não tinha havido ataque nenhum, de tal maneira foi rápido o conserto que, por mais que eu peça aos meus camaradas de companhia, não há uma única foto sobre os estragos a não ser os do abrigo da MG 42 e do meu próprio abrigo.

Mas os sapadores eram também utilizados em picagens, em patrulhas nocturnas e assim o Glória mais os seus camaradas de pelotão, acabaram mesmo por serem enviados para Buruntuma já em 1974, a pouco tempo do nosso regresso, para minar zonas circundantes desse destacamento onde, após Copá, era esperado um grande ataque, que acabou por acontecer em Canquelifá na forma de foguetões.

Soube agora, por um camarada sapador, que o Glória morreu no princípio deste mês.
Nunca mais o vi desde o nosso regresso, mas lembrava-me muitas vezes dele tanto, que do pelotão dele só me lembro do nome de mais dois ou três.

É assim, vamos ficando menos. Faço votos que a terra lhe seja leve e que descanse em paz junto com os que nos deixaram, mas que vivem na nossa memória. Os meus mais sentidos pêsames à família e a todos que com ele privaram.
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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7093: (De) Caras (4): Eu também estive lá (Carlos Fernandes, ex-1º Cabo Pára-Quedista, CCP 122/BCP 12, 1971/74)



Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCP 122 / BCP 12 > 2 de Abril de 1972 > O 1º Cabo Pára-quedista Carlos Fernandes, apontador de MG 42, fotografado com um casal feito prisioneiro: em primeiro plano, a criança,  filha do casal, completamente nua, levada pela mão do Carlos; em segundo plano, a mulher, de peito desnudo e com um simples pano à cinta, entre dois páras, vendo-se ainda o ombro do homem, à direita... Um foto, de guerra,  que capta um momento de grande expressão dramática, e que tem um real valor documental.  Quem terá sido o fotógrafo ? Seguramente um camarada do Carlos, da CCP 122, que "também estava lá"...

Foto: © Carlos Fernandes (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do ex-1º Cabo pára-quedista, Carlos Fernandes, CCP 122 / BCP (Bissalanca, BA 12, 1971/74), remetida em 30 de Setembro último:

Assunto: Eu estive lá também

Luis Graça:

Eu,  Fernandes,  ex-Pára da 122, estive lá na Guiné entre Novembro de 71 a Agosto de 74 e estive no grupo do Marcelino da Mata entre Janeiro de 74 até eu vir embora,  muito depois do 25 de Abril.

A minha arma na Guiné foi a MG 42 sempre, desde o início da comissão até ao 25 de Abril, onde fui condecorado com a Cruz de Guerra 4ª classe pelo Marcelino. Só a recebi em 2006 em Chelas. Também recebi a Medalha das Campanhas da Guiné.

Mas antes estive em Moçambique,  em Nacala,  no BCP32, entre Março de 1970 a Janeiro de 71. Participei em várias operações,  a melhor foi a Nó Górdio, em que a minha Companhia,  a 1ª , apanhou para cima de 27 mil kilos de armamento junto ao Rio Rovuma.

Tomámos a Base Moçambique perto de Nangulolo, onde nessa altura morreu o tal Capitão das Chaimites e o pessoal que ia dentro dela, pois o Capitão, burro, colocou a Chaimite a abrir caminho, como arrebenta- minas. Eu ia nessa coluna.

Junto duas fotos do antigo,  com a MG ao ombro,  em Aldeia Formosa,  e outra tirada o ano passado.  Estou reformado. O meu posto foi 1º Cabo Pára-quedista. Vivo aqui na Ilha da Madeira por opção.

Meu contato é canico2009@hotmail.com

Irei dando noticias. Tenho fotos de alguns tempos e bons.

Um abraço amigo a todo o pessoal deste blog dos amigos da Guiné

Carlos Fernandes
TM 937743321

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Carlos, pelas tuas notícias e pelo abraço que mandas a todo o pessoal do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Tomei boa nota do teu interesse em continuar a dar-nos notícias tuas e mandar-nos fotos do teu álbum. Não foste, porém, explícito na manifestação do teu eventual interesse em fazer parte da nossa Tabanca Grande e subscrever as nossas regras de sã convívio e de boa ética. Presumo que sim, e nessa medida serás bem vindo, na tua qualidade de antigo combatente no TO da Guiné.

Sei que eras conhecido como o Fernandes da MG 42, e que terás pertencido ao 4º Gr Comb da CCP 122. Espero que encontres malta da tua subunidade, desse tempo.

Se bem leste e compreendeste as nossas regras, sabes que não fazemos juízos de valor sobre nenhum camarada, em termos de comportamento operacional. A missão fundamental do nosso blogue é criar condições, de liberdade intelectual e de conforto psicológico,  parar partilharmos uns com os outros, e com os demais  leitores que nos seguem de muitas partes do mundo (de Portugal, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Brasil, Estados Unidos, etc.), as histórias das nossas vidas no TO da Guiné, entre 1963 e 1974.

Não preciso, pois, de lembrar-te que não gostamos de chamar "burro" a ninguém, mesmo quando camaradas nossos tenham feito eventualmente asneiras fatais, no teatro de guerra, como terá sido o caso do tal capitão das Chaimites em Moçambique que tu não identificas (e ainda bem).

Sobre a foto com os prisioneiros, que publicamos acima, devo dizer-te que é forte e, para alguns dos nossos leitores, até poderá ser chocante, podendo ferir eventuais susceptibilidades e sensibilidades. Mas não vale a pena ignorar, escamotear ou branquear a realidade da guerra que nos tocou em sorte. Não quero que essa foto se vire contra ninguém: nem contra ti nem contra nós, os antigos combatentes portugueses, os pára-quedistas. Nem contra nós nem contra o PAIGC,  o inimigo de ontem... Também a minha CCAÇ 12 fez prisioneiros, mulheres, crianças e idosos, em estado andrajoso, miserável, as crianças nuas e subnutridas... Essa foto teve o condão de mexer comigo e com algumas das memórias mais dolorosas da guerra...

Se quiseres e puderes, conta-nos pormenores dessa operação realizada na região de Aldeia Formosa, em Abril de 1972, as circunstâncias em que foi apanhada a criança e os seus pais, o destino que foi dado aos prisioneiros, etc... Muitos dos nossos camaradas e amigos gostariam, muito provavelmente, de conhecer mais pormenores desses acontecimentos de que foste actor e testemunha. E, já agora, lembras-te de quem foi o autor da foto ?

Enfim, feita a tua apresentação sumária como ex-1º Cabo Pára, falta-te contar pelo menos uma história da tua/nossa guerra, como mandam as nossas regras. Sobre o teu BCP 12, já temos no nosso blogue mais de 60 referências. E sobre a tua CCP 122 há já uma dezena de postes com referências. Um Alfa Bravo (abraço) para ti em meu nome e dos demais co-editores do blogue. Luís Graça

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Nota de L.G.:

Último poste desta série > 30 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7058: (De) Caras (3): A emboscada em Malandim e a descontrolada reacção do 1º Cabo Costa, na noite de 3 de Agosto de 1969:Branco assassino, mataste uma mulher (Beja Santos)

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3383: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (1): A terrível estrada do K3: 1 de Agosto de 1965, o Dia Mais Longo

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (*), com data de 30 de Outubro de 2008 (O Rui, residente na Vila da Feira,é membro da nossa Tabanca Grande, desde 30 de Abril de 2007):

Caros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote.

Recebam um abraço. Um dia conhecer-nos-emos pessoalmente.

Envio-vos, desta feita, mais um excerto das minhas memórias, Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa.

Muita saúde e bem-estar é o meu desejo, também para todos os tertulianos e mais ainda para aqueles que ainda sofrem com sequelas daquela guerra.

Rui Silva
ex-Fur Mil
CCAÇ 816
Bissorã, Olossato, Mansoa
1965/67

2. A terrível estrada do K3

Esta estrada ligava Olossato a Farim. Julgo que o K3 era assim chamado por estar a 3 Km de Farim.



Foto 1 > Neste recorte do mapa da Província da Guiné, vê-se localização do K3, na estrada Mansabá/Farim, a 3Km desta localidade. Pode ver-se também a estrada K3/Olossato, onde se deram as inúmeras emboscadas de que fala o nosso camarada Rui Silva e onde perdeu a vida o seu companheiro de armas Silva.

Domingo, 1 de Agosto de 1965

O DIA MAIS LONGO, como nós o perpetuámos.


As praias na Metrópole, cheias de gente por certo, a gozar das delícias do sol, do mar e da areia (de direito, convenhamos), e nós, os da 816, embrenhados no mato, algures na Guiné aos tiros para acertar no semelhante (só que de côr) para que este não nos matasse primeiro. Tínhamos todos pouco mais de 20 anos de idade.

Do livro das minhas memórias, Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa

...passaram-se mais dois dias e eis que o Capitão reúne Sargentos e Oficiais e diz-nos que temos de voltar à estrada do K3 para limpar as abatises (árvores de grande porte abatidas e a obstruir a estrada), pois, segundo um reconhecimento aéreo, o inimigo, em face das outras terem sido retiradas pela tropa, dias antes pela 816, abateu outras e então à laia de vingança, em número muito maior; Portanto, a ordem, que era do Comando do Batalhão, ficou dada através do nosso Capitão.
- Agora é que vai ser o bom e o bonito! - comentámos nós de imediato e em surdina.

Feito esse trabalho, pela certa que eles esperavam pela nossa aceitação ao convite, pelo menos naqueles próximos dias. Os da 566 (Companhia sediada no Olossato), que sabiam bem daquelas manobras inimigas, mostraram-se bem receosos, mais por nós, que para além de irmos à frente e a limpar a estrada, tínhamos toda a parte activa na operação.

Então todo o mundo se queixava pela desdita e temia por o resultado de tal odisseia. Só nos perguntávamos:
- Mas para quê tirar as abatises, se logo ao outro dia eles põem outras e até mais? E para quê, se aquela estrada nem é de todo necessária pois até está considerada militarmente interdita?. (Havia outros acessos a Farim, quer por rio quer por estrada).
- Isto é orgulho do Batalhão e nós é que nos amolamos - lamentávamo-nos nós!

Mas, enfim, as ordens são para se cumprirem e embora muito fosse de prever naquela estrada o que nós dizíamos não passavam de conjecturas (?).

Naquele célebre domingo, dia 1 de Agosto de 1965, pelo alvorecer, a caravana pôs-se pela 2.ª vez e passado pouco tempo a caminho do K3. Alguns bem se safaram alegando estas ou aquelas maleitas. O Coelho, por causa das hemorróidas; o Coutinho, por indisposição; o Baião, por causa das dores de barriga, etc.

Dos chamados não operacionais, e entre os Furriéis, alinhou o Moreira, que não teve coragem ou jeito de arranjar algum pretexto para fugir ao casual convite do Capitão. Ainda me recordo do desventurado do Silva, aquando da altura das queixas deste e daquele, dizer-me, no sítio aonde dormíamos(?) e enquanto calçava as alpercatas a preparar-se para a partida:
- Eu tenho um forte motivo para ficar, pois tenho os pés cheios de bolhas - (daí ele ter calçado sapatilhas em vez das habituais botas de campanha) e apontava-os ao dizer-mo de seguida - mas eu vou.

Lembro-me também que ele usava um grande terço religioso à volta do pescoço. Mal sabia o Silva, o saudoso Silva, que ia a caminho da sua derradeira saída para o mato e, o que era pior, a caminho de viver o seu último dia de vida.

A coluna foi-se formando dentro do ritual habitual. Na frente desta vez e com funções bem adequadas à tarefa, o gigantesco Caterpillar que com a sua grande potência e mobilidade afastaria as abatises. Com o seu enorme peso só uma grande mina o poderia tornar inoperacional. Às abatises tínhamos de ter o cuidado prévio de ver se havia armadilha com granadas ou com os devastadores e artesanais fornilhos. Foram desmontadas várias armadilhas.

O Capitão mandou um Atirador com a respectiva metralhadora para dentro da colher do Caterpillar que aqui seguia, sempre que a coluna retomava a marcha. O lugar era de boa observação e a colher, sendo de aço espesso, era ao mesmo tempo um bom abrigo.

Um pelotão apeado, em duas filas, uma de cada lado da estrada, precedia o Caterpillar. A seguir a este, outro Gr Comb e outro ainda fechava a 816. Depois a antiquada, mas robusta GMC, com uma cabina improvisada na parte da carga do veículo, onde sobre um tripé estava montada a metralhadora pesada MG42, a meu cargo. Finalmente o Gr Comb da 566 em missão de apoio e segurança fechava a coluna.

A MG 42, que inspirava grande confiança, apresentava-se muito limpa e lubrificada, pois o meu municiador, o Cabo António, ali ao meu lado, tinha muito esmero neste serviço. Longas fitas carregadas de cartuchos ocupavam grande espaço da cabina que não tinha mais do que 1,5 metros quadrados de área. Agachado, a contas com a comunicação, o Radiotelegrafista, o Cabo Fontes, que ia procurando sintonizar o contacto com o posto do quartel de Olossato e mais tarde com a aviação. De tanto em tanto tempo ele tinha de entrar em comunicação com o quartel para que fosse mantido um regular e permanente contacto entre este e a coluna. Nos intervalos das ligações ele arranjava música oriunda não sei de onde, mas que em tão angustiosa aventura dava um toque de descompressão.

Os bombardeiros logo apareceram também e para o devido apoio aéreo, e pronto, agora era só andar, limpar, e estar pronto para aguentar o que, desta vez, muito provavelmente, estava para vir. O IN estava perto, por certo, sentíamo-lo, respirávamo-lo.

À medida que íamos avançando, mais cuidados tomávamos e então coloquei o capacete na cabeça. As nossas expressões diziam tudo. Ninguém piava. O perigo de cilada era evidente, pressentia-se isso a cada passo. Barulho, só o inevitável dos guinchos a trabalhar, para além, claro, dos motores das viaturas, que só iam as indispensáveis.

Então, algumas centenas de metros andados e... eles aí estão!!

Rebenta uma emboscada! Durou alguns minutos. A Companhia reagiu com ímpeto. A emboscada incidiu na cabeça da coluna e logo, nós os que íamos na cabina da metralhadora na GMC, cá atrás, procurámos saber (pergunta sacramental) se havia feridos.
- Nada - alguém dos apeados respondeu.

Companhia recomposta e a coluna prossegue a marcha. Volvidas mais algumas centenas de metros e, como já era de esperar, rebenta nova emboscada. As emboscadas estavam a incidir na cabeça da coluna e como eu ia quase no fim desta, e fora da zona de fogo, sem qualquer hipótese de atirar sobre o inimigo, não chegava a intervir.

Ouviu-se uma voz alarmada:
- Eles estão a fazer fogo para os bombardeiros e de metralhadora anti-aérea!. Está bonito! - alguém acrescentou. Cá para mim disse:
- Bem armados estão eles. Vamos ter bem que aturar.

Bom, era clarividente que os íamos ter à perna até ao fim, fim esse que ainda vinha longe, muito longe.

Nós na estrada, e eles a acompanharem-nos mesmo ali ao lado na orla do mato, quais animais felinos atrás da presa, e a emboscarem-se no sítio que achassem mais apropriado. Era este o quadro equacionado!

1 de Agosto, dia de pleno verão na Metrópole; as praias por certo, ou não fosse domingo, cheias de gente folgazia e a gozar das delícias do mar e da areia e, nós ali, em cenário de guerra, guerra latente, aberta e declarada. Que contraste! - meditei eu - se bem, que, passageiramente pensei nisto, pois logo me conformei ao lembrar-me que tinha de ser assim... talvez.

Alguém teria de estar ali a defender aquela parte do património do país, património de Portugal. Portugal que é dos portugueses. Na circunstância éramos nós, os que estávamos ali, os defensores da integridade da nação, assim quis o destino.

Outra emboscada ainda surge. Esta mais forte e mais duradoura que as anteriores.

Parecia que à medida que o tempo passava, e o que era natural, eles iam concentrando mais pessoal, aumentando assim o seu efectivo. Por outro lado, eles confiando, talvez, mais nas suas possibilidades e com o efectivo a aumentar com o correr do tempo, atacavam cada vez com mais ímpeto e potência. O resultado desta emboscada não nos chegou, aos que iam na cauda da coluna, mas eis que surge no ar o pássaro sinistro – o helicóptero Alouette - que logo era o mesmo que dizer que havia feridos a evacuar, senão mortos. Soubemos depois que o Jaquim, um preto dos nossos, tinha levado um tiro num ombro e que outro soldado, este branco, tinha também sido atingido com um tiro e ainda outro tinha apanhado com estilhaços. Nada de cuidado, apesar de tudo. Foram evacuados rapidamente para o Hospital Militar de Bissau e a Companhia prosseguiu com a sua missão. Houve ainda uma flagelação e eis que chegamos ao K3. A missão estava virtualmente cumprida. A estrada estava agora e outra vez, literalmente desimpedida e a Companhia vinha reagindo aos sucessivos ataques inimigos, com prontidão e vigor.

Foto 2 > Este recorte do mapa da Província da Guiné, mostra a zona mais problemática do Óio limitada pelas estradas Mansoa/Bissorã/Olossato/Farim/Mansabá/Mansoa. Bem no meio o Morés.


Agora era o regresso!

Extenuados, física e psicologicamente, aproveitámos aquela breve paragem para descansarmos um pouco. Havia já passado umas poucas de horas que tínhamos deixado o aquartelamento do Olossato. Deitados no chão, de braços e pernas abertas, olhando o céu e esquecendo por momentos aquela clima de guerra, assim se prostrou a maioria da malta ganhando força e alento para a derradeira, mas longa etapa, o regresso, o sempre temeroso e difícil regresso à base, na circunstância o aquartelamento de Olossato.

Era para cima de uma dezena de quilómetros que teríamos de vencer para chegar ao Olossato.

O Capitão então, de arma apoiada nos ombros e encostada à nuca, gritou:
- Embora, o 1.º Grupo de Combate à frente.

Competia agora a este GComb a dianteira da coluna uma vez que até ali tinha vindo na retaguarda. Mas parecia que ninguém era do 1.º grupo. Todos nós estávamos receosos; era fácil de adivinhar que ia haver guerra, muita guerra, agora no regresso. Muitos segundos de tensão, depois alguma hesitação, mais gritos do Capitão e então os homens do 1.º Grupo vão-se arrastando paulatinamente tomando lugar na cabeça da coluna agora com progressão no sentido contrário para Olossato. O Capitão, como que dando o exemplo, põe-se à frente da coluna, encorajando desta forma a malta.

Andadas algumas centenas de metros, o Capitão salta para dentro da cabina da metralhadora, na GMC, aonde eu ia, viatura que agora ia à cabeça da coluna e que precedia então os primeiros homens apeados, que eram como se disse os do 1.º Grupo de combate. O Capitão ordena que saia o municiador - o António - e que eu tome o lugar deste. O roncar dos bombardeiros fazia-se ouvir agora, por fadiga nossa também, de forma ensurdecedora, pois desde a manhã cedo que o seu ruído característico nos acompanhava sem cessar. Os bombardeiros voavam em círculo em redor da coluna.

Silenciosos, tensos, antevendo o perigo a cada segundo, mais ainda quando surgia zonas de capim denso nas margens da estrada, lá íamos seguindo de regresso com a maior das atenções e apreensões.

O Capitão desaloja a MG42 do tripé e coloca-a agora sobre o parapeito da cabina apertando-a firmemente nas suas mãos. Uma vez nesta posição, a arma tinha um maior campo de acção e mais facilmente manobrável. Apareçam eles, parecia querer dizer o seu olhar frio.

Eu ia colocando as fitas dos cartuchos o mais acessíveis possível a uma rápida alimentação da metralhadora e preparando os canos de reserva. Devido à grande cadência da arma, os canos condutores dos projécteis aqueciam muito e antes de encravarem procedia-se regularmente à sua troca.

O Capitão abre fogo.
- Que foi? - perguntei eu, surpreso.
- Eles cruzaram ali a estrada. Oh Fontes, - gritou ele - transmita à aviação para eles largarem ali umas bombas depois da bolanha, pois eles estão lá emboscados - presumia o Capitão.

Logo o cabo Fontes transmitiu, mas os bombardeiros disseram não. Que só as largariam pela certa, pois, segundo eles, as que tinham iriam ser poucas até ao fim.
- Pró diabo com a aviação - vociferou o capitão, visivelmente contrariado.
- Está bonito - disse para comigo.

Passamos pelo tal sítio que o Capitão referenciou, mas nada, nem o mais leve sinal de presença inimiga. A coluna continua, tão receosa e alertada como nunca. A altura era da maior tensão como nunca se tinha visto e o nervosismo acentuava-se. Começa a findar o dia e os bombardeiros ameaçam sair da cena alegando que logo que comece a escurecer vão-se embora. Aqui palavras ininteligíveis saem da boca do Capitão. A distância para o Olossato entretanto vai-se encurtando, mas naquela situação, parecia que nunca mais chegávamos. Começámos a ficar perplexos com a inesperada ausência de emboscadas. Estávamos agora a escassos 5 ou 6 quilómetros do quartel e eles ainda não tinham aparecido, surpreendentemente!

Enganaram-se? Desistiram da ideia, por qualquer razão ou motivo? Que se passaria?

Estas e outras interrogações baralhavam-se no nosso espírito. Mas não, pela conversa dos pilotos dos T6, a coisa estava feia, mas só nós os da cabina da GMC é que sabíamos disto. A Companhia começa a então a convencer-se que eles já não deviam aparecer. Estávamos agora pertinho do Olossato e portanto não era crível que eles ainda fossem aparecer. Mas, num ápice e em potência, eis que rebenta a emboscada. A terrível emboscada!

Estávamos junto à bolanha de Joboiá. É desencadeada à base de lançamento de granadas de mão. Estas chovem de todos os lados e ouvem-se também tiros de metralhadoras ligeiras e pesadas do lado deles. A emboscada que marcaria de forma indeleve a Companhia 816. Jamais outra causaria tantas vítimas e traumatizaria tanto o espírito da malta. Jamais outra, e agora no sentido positivo, nos espicaçaria tanto o brio e nos ferisse tanto o orgulho com evidentes resultados em operações futuras.

O tributo pago foi alto e testemunha, o desventurado do Silva, a grande e principal vítima daquela violenta e surpreendente emboscada, Sim, em Joane, Famalicão, jaz o saudoso Silva, o que tinha os pés cheios de bolhas e que quis vir à Operação.

A Companhia tinha sido apanhada um pouco desprevenida. Já não vínhamos em adequado dispositivo de progressão, como as circunstâncias até aconselhariam, mas sim em magote. A GMC - a auto-metralhadora - vinha apinhada de soldados, dependurados ou sentados de qualquer jeito sobre os guarda-lamas dianteiros. Eles já não acreditavam que o IN aparecesse e assim aproveitaram as últimas centenas de metros para descansarem as pernas e relaxar o conturbado espírito. Lembro-me então da boa disposição reinante em todo o pessoal.

A temida operação tinha começado logo ao romper do dia daquele domingo. O inimigo começou a massacrar bem cedo. A confiança e o cansaço apoderaram-se então da malta; Olossato já estava ali tão perto... Alguns pagariam então bem caro a sua descontracção e desatenção.

Tudo começou com um grande estrondo na cabina da auto-metralhadora onde ia eu, o Capitão e o Fontes.
- Foi uma bazookada - disse eu instintivamente ao Capitão.

Este, de expressão dura e fria, desfechava agora os tiros da metralhadora naquela orla onde se alojava o inimigo. Os rebentamentos continuavam aqui e acolá. Na situação em que nós fomos apanhados, a reacção não foi muito rápida o que favoreceu o inimigo e que por certo fez parte da sua táctica. O pânico estabeleceu-se e alguém disse para dentro da cabina da GMC:
- O nosso Furriel Silva morreu.

Não quis acreditar... a confusão e o estado emocional da malta, alterado, tirava discernimento, e instintivamente ripostei:
- Morreu, qual carapuça, apanhou algum estilhaço e vocês já dizem que morreu.

A emboscada continuava e os bombardeiros (que belo trabalho!) não paravam de lançar bombas aqui e acolá de forma arrojada. O fogo era geral e pleno.

Afinal o tempo que eles demoraram a aparecer foi uma táctica, constataríamos nós. Os rebentamentos continuam sem cessar, eram os da aviação, eram os nossos, eram os deles. Entretanto o Capitão, a meu lado, sangra da cara e de um braço. Dois pequenos estilhaços feriram-no, embora que superficialmente.

Mas, e para desespero nosso, as munições começam a faltar! Partimos do quartel bem apetrechados, com caixas de cartuchos em tudo que era bolso do camuflado, como prevenira o Capitão, mas as emboscadas foram tantas que estávamos quase sem munições.

Que situação! Já alguns feridos, ainda um pouco afastados do quartel, poucas munições e o inimigo a não dar sinais de ceder, pelo contrário.

Pelo rádio o Fontes pede auxílio para o Olossato e então mais munições chegam rapidamente através de um GComb da 566 que nos vem reforçar também. Tive a oportunidade de ver um Cabo desta Companhia, de metralhadora Dreyse na mão, a peito descoberto e em cima do capot da GMC, com os dentes cerrados, fazer fogo e a dizer entre dentes:
- Estupores que eu desfaço-vos, só se não puder.

Ele só pedia carregadores para a metralhadora. Aquela metralhadora vomitava balas atrás de balas. Que valentão, disse para cá comigo.

Até que a emboscada, a pouco e pouco foi acabando. Ouvia-se agora um ou outro tiro esporádico da parte deles; uma última rajada nossa de resposta e foi o fim.

Era quase noite quando entramos no Olossato. A Companhia estava extenuadíssima.
- Os feridos, onde estão? - perguntei eu.

Alguém me apontou um Unimog. Passei pelo Furriel Enfermeiro Ludgero, que chorava e me dizia que o Silva morrera. Saltei para a viatura e então tive uma terrível visão. No chão da carroçaria jaziam uns poucos de corpos envoltos numa toalha de sangue. Uns gritavam de dores, outros de desespero e, entre eles, de olhos vidrados, estava o Silva. Todos se mexiam, menos o Silva, que inerte, parecia completamente alheio ao cenário que o rodeava. O Silva estava morto. Sucumbiu logo ali na emboscada. “
- Não viveu nem um minuto - disse depois alguém.

Ao atirar-se para o chão como era normal (norma militar), o fez com tanto azar que cobriu com o corpo uma granada de mão inimiga lançada na fracção de segundo anterior.

Que quadro comovente aquele!

Mas aquilo eram consequências do que andávamos para ali a fazer. O Vidago, desesperado, deitado de bruços no chão dava murros neste. Enfim reacções de todas as maneiras e feitios, mas todos comungados da mesma desolação e da mesma consternação.

Encostados aqui e ali, ninguém falava, ninguém comentava o que quer que fosse, depois na messe. Cabisbaixos, olhando indefinidamente, cada um de nós parecia meditar e sofrer à sua maneira. Lágrimas corriam nas faces de alguns e os nossos colegas da 566 confortavam-nos como podiam, pois também já tinham sentido na pele a morte de colegas e conheciam bem aquelas horas subsequentes às fatalidades, que eram de profunda tristeza e revolta.

A noite caiu então sobre aquele fatídico e triste dia, e a noite, negra, pôs tudo ainda mais negro.

Aquele dia ficaria marcado para sempre na nossa retina, aquele dia que nós, perpetuamente chamaríamos de O DIA MAIS LONGO.

O corpo do Silva foi instalado numa dependência de uma pequena casa, perto da casa do Chefe de Posto. Fizeram-se turnos para velar o corpo. Ao outro dia chegou o cangalheiro, vindo numa Dornier de Bissau. Pouco tempo depois, o Silva jazia numa simples e rudimentar urna chumbada.

Os feridos mais graves foram, depois de assistidos na nossa Enfermaria, evacuados para o Hospital Militar 241 de Bissau.

A Companhia estava então com o moral em baixo e já não saímos mais para o mato, contra o que estava programado. Apenas tivemos uma saída para Cansambo.

A operação de limpeza da estrada para o K3 saldar-se-ia com a perda do Silva e com ferimentos mais ou menos graves em 14 homens. O ferido mais grave era o Bezerra com um tiro num pulmão.

E regressamos a Bissorã. Todos, todos... menos um.

Chegados, encontramos ali o resto da Companhia. Tristes, taciturnos, conhecedores já dos acontecimentos no Olossato, os nossos camaradas que ali tinham ficado cumprimentaram-nos, numa saudação que podia ter sido de alegria, mas que não o era, pois um membro da nossa família tinha morrido, enquanto estivemos separados. O Sargento Silva, que era um dos que tinha ficado, era dos que mais exteriorizava a sua mágoa e tristeza. O falecido Silva era do seu Pelotão.

Os que tinham ficado em Bissorã tinham planeado uma recepção em grande à malta quando chegasse do Olossato. Fazia parte do programa a inauguração do Bar da nossa casa, mas nada se fez. Não havia moral para isso.

O Bar estava um brinco. O Sargento Silva tinha dado as ideias - e o trabalho - e com gosto requintado. A um canto, um balcão feito com troços de palmeiras colocados ao alto, revestidos a esteiras, portanto com um aspecto típico de África. Mesas e cadeiras feitas com as travessas de madeira dos barris de vinho em que os tampos das mesa eram feitas das tampas do bidões de chapa da gasolina. Tudo isto estava também muito bem pintadinho e com cores alegres. Tínhamos um bar muito requintado. Mas, tudo aquilo, pese o bom gosto, a surpresa e tal melhoramento, estava-nos a passar ao lado. O saudoso Silva era estimado por todos e a imagem dele só tarde se dissiparia dos nossos espíritos.

Um de Agosto de 1965 (O dia mais longo) não mais esqueceria, nem esquece aos militares da 816 (**).

Rui Silva
ex-Fur Mil
CCAÇ 816
Guiné
1965/67

3. Comentário de Carlos Vinhal

Parte desta zona me é familiar, também a calcorreei durante a nossa estadia em Mansabá.

No meu tempo, as estradas Mansabá/Bissorã e/ou Mansabá/Olossato, embora fazendo parte das cartas militares, não eram utilizadas. Manga de problemas. Julgo que o mesmo se passava com a estrada K3/Olossato, mas esta pertencia já à zona de acção da CCAÇ 2753, logo o camarada Vitor Junqueira tem mais informação do que eu. O certo é que as deslocações para Bissorã e Olossato, a partir Mansabá, se faziam por Mansoa. Não participei na Operação Bicho Bravo, mas fui uma vez a Bissorã, por Mansoa.
Ver foto 2.

Na HU da CART 2732, Cap II, pág. 32, Fasc XVII - Período de 01NOV a 30NOV71, Actividades, dia 10, consta:

Às 10h00, 02 GCOMB empenhados na Op. Bicho Bravo com a finalidade de fazer a ligação física entre Mansabá-Olossato. NT partiram de Bironque até à Bolanha de Bissancage. Seguiram para Norte de Coli Sare onde foram detectados 2 trilhos muito batidos, muita população e lavras em Binta 710.99. NT efectuaram vários golpes de mão capturando 5 mulheres e 5 crianças. Em 110500 (5 horas da manhã do dia 11) IN bateu com morteiros 82 e armas ligeiras a região acabada de percorrer sem consequências. Durante a progressão 1 elemento das NT adoeceu sendo evacuado do Olossato. Do Olossato para Mansabá NT deslocaram-se em meios auto em virtude do seu esgotamento, onde chegaram às 19h30

Esta Operação, teria como finalidade fazer crer ao IN que a tropa de Mansabá andava por onde queria, mas o certo é que este tipo de penetração nunca mais se repetiu. De salientar que esta ligação física se fez por uma picada, a partir do Bironque, em detrimento da estrada de Bissorã, a partir da qual se ia para o Olossato.

Cada um andava na sua vidinha, nós ouviamos perfeitamente actividade em Mansodé, mas quando lá chegávamos, nem vivalma. Coisa que não se explicava, mas a gente sabia que havia fuga de informações.

Já agora, peço-te Rui Silva que nos vás presentando com mais salpicos das tuas Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa. Abri uma série especialmente para ti. Ficas responsável pela sua continuação. Já mostraste que tens talento (literário) suficiente para nos emocionares com a reconstituição da duríssima vida de um militar em terras da Guiné, em especial na região do Óio, para mais na época em que lá estiveste (1965/67). Mas onde também havia lugar para o convívio, a boa disposição, o futebol, a camaradagem. Volta depressa.

Fotos e legendas de CV
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Notas de CV

(*) Vd. último poste de Rui Silva, de 25 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3355: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (9): Ainda falando do Sarg Pil Av Honório (Rui Silva)

(**)Vd. postes anteriores do Rui Silva:

7 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3031: Convívios (70): Pessoal da CCAÇ 816, no dia 10 de Maio de 2008, em Viana do Castelo (Rui Silva)
17 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2546: Álbum das Glórias (40): Equipas de Andebol do Benfica de Bissau e da Ancar em 1966 (Rui Silva)

18 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2279: Bissorã: As rondas nocturnas (Rui Silva, CCAÇ 816, 1965/67)

13 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2103: Gente do Olossato (Rui Silva, CCAÇ 816, 1965/67)

3 de Junho de 2007> Guiné 63/74 - P1810: Convívios (14): CCAÇ 816 (Oio, 1965/67), em Joane, Famalicão, em 5 de Maio de 2007 (Rui Silva)

3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1809: Base do PAIGC, em Iracunda, Oio: Eram quatro horas e meia da madrugada... (Rui Silva)

30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1711: Tertúlia: Apresenta-se o Fur Mil Rui Silva, CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67)

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3014: Fuzileiro uma vez, fuzileiro para sempre (José Macedo, EUA)


1. Mensagem de 13 de Fevereiro último, do nosso camarada José Macedo (ou Zeca Macedo), um cabo-verdiano da diáspora, que foi FZE [Fuzileiro Especial] no DFE 21 na Guiné em 1973/74, e que hoje é advodado nos States, para onde imigrou em 1977 (1). Pelo atraso na divulgação da mensagem - devida a falha técnica (2)... - pedimos desculpa ao nosso camarada e ao restante pessoal da Tabanca Grande.

Luis:

Obrigado por me teres apresentado oficialmente na Tabanca Grande (1). Só tenho um reparo a fazer: chamaste-me, Ex-Segundo Tenente Fuzileiro. Não há Ex-Fuzileiros. Como deves saber, Fuzileiro Uma Vez, Fuzileiro Para Sempre.

Falei hoje com o Coronel Raul Folques, que conheci na Guiné e que foi comandante de uma Companhia de Comandos Africanos, em Brá. Matámos as saudades sobre os tempos passados na Guiné e algumas operacões que fizeram na Cobiana, que ficava na área de Cacheu, Frente Cantchungo-Biambe, que era onde estive estacionado com o DFE 21.

Um abraço amigo

Zeca Macedo (2)

2. Mensagem anterior, de 25 de Janeiro

Luis:

Graças à Tabanca Grande, descobri o e-mail dele, através de uma correspondência com o Comandante Pedro Lauret, falei com o Comandante Alves de Jesus (GNR) que comandou o DFE 4 na Guiné (na altura primeiro tenente) e que esteve em Guidaje em 73, na mesma altura que estive no DFE 21 (Fuzileiros Africanos).

Acho que mencionei ter estado na Guiné de 72-74. Puro engano; estive lá de 73-74. Depois de ter lido o artigo sobre o MNF e a Cilinha Supico Pinto, desenterrei uma foto tirada aquando da visita dela ao DFE21, em Vila Cacheu. Assim que tiver uma oportunidade elá sera enviada para que lhe dês o encaminhamento que julgares apropriado.

Um abraço amigo

José J. Macedo
DFE 21, Guiné
73-74
__________

Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2532: Tabanca Grande (56): José J. Macedo, ex-2º tenente fuzileiro especial, natural de Cabo Verde, imigrante nos EUA

(2) O Zeca mandou-nos também uma foto de um "Cabo FZE do DFE21, expert no manejo da MG 42 e mecânico extraordinário dos motores Mercury que usávamos nos Zebros em que fazíamos os patrulhamentos do Rio Cacheu e seus afluentes"...

Por razões que ainda não descortinámos, essa foto desapareceu dos nossos ficheiros. Ficamos a aguardar um 2º envio, se o Zeca Macedo achar que vale a pena...

Há dias publicámos a foto de antigo FZE, guineense, do DFE 21, hoje régulo de Cananima (que fica frente a Cacine): vd poste de 29 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2994: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (17): Cacine, a voz dos abandonados (I)