Fotos e legendas: © Rui Silva (2007). Direitos reservados.
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CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa
1965/67),
e que vive hoje em Vila da Feira (1).
Enviado em 4 de Maio de 2007 .
Assunto - Das rondas nocturnas em Bissorã. Que pincel!!!
À noite em Bissorã havia ronda. Alternávamos com a outra Companhia - a [CART] 643 dos Águias Negras - , isto é, um dia pertencia a nós fazê-la, outro pertencia a eles.
Era um prato pouco pretendido, pois a ronda, que era feita aos postos de sentinela exteriores, alguns ainda bastante longe do quartel, eram feitos sempre no mesmo itinerário todos os dias e sensivelmente à mesma hora.
Esta rotina era um acicate para o inimigo nos preparar alguma emboscada, como aliás ia acontecendo certa vez.
Estes postos de sentinela eram feitos pelos nativos das milícias, que sempre, e ainda bem, se mostravam vigilantes e denotavam raro destemor. Metia impressão o isolamento destes: um homem só na escuridão da noite, atrás de uma árvore,… com uma Mauser!
Todas as noites faziam esta ronda dois grupos: um das 21 horas até às 2 da madrugada, e o outro a partir desta hora até ao alvorecer. Cada grupo era constituído por 2 soldados, um cabo, um furriel, este na qualidade de comandante da ronda, para além ainda do condutor do jipe.
O roncar da viatura fazia-se ouvir, inevitavelmente, no silêncio da noite, o que nos fazia desesperar, pois para além de nos tirar a hipótese de possivelmente detectarmos algum movimento inimigo, concomitantemente alertava este da nossa presença. Acontecia muitas vezes pararmos a viatura e o motor desta, sempre que alguém dizia ter ouvido qualquer coisa. Nestas alturas ficávamos petrificados, silenciosos, com o dedo no gatilho ou na argola da granada de mão tentando ver (e/ou) ouvir mais do que era humanamente possível.
De olhos extasiados e entreolhando-nos, aguardávamos assim uns segundos, prontos a saltar da viatura numa fracção de segundo, caso o inimigo atacasse.
Depois de concluirmos que o ruído, se o houve, foi provocado por qualquer animal dos muitos que abundam naquelas paragens ou até pelo vento que sibilava no capim, o condutor punha novamente a viatura em marcha. Era tudo automático. Não era preciso falar.
Éramos cinco mas parecia estarmos ligados à mesma mola. O coração deixava então de bater tão fortemente, os músculos descontraíam-se e a ronda prosseguia. Era uma jornada bastante temerosa esta da ronda pois, uma vez isolados do quartel, em plena obscuridade da noite, em terreno muito estranho, tínhamos a plena consciência que o inimigo, com mais ou menos dificuldade podia abafar uma ronda. É certo que havendo tiroteio, logo (…) surgiriam reforços do quartel, mas o certo, é que o inimigo, em tais circunstâncias, não precisava de muito tempo para aniquilar uma ronda.
Preferíamos uma operação no mato, mesmo das mais difíceis, do que aquele biscate. O jipe baloiçava muito sempre que entrava em terreno acidentado o que acontecia para se chegar a certos postos de sentinela. Era muito incomodativo, pois por vezes dava a sensação de ir virar o que fazia-nos mesmo desequilibrar dentro da viatura.
Outros postos, no entanto, eram de acesso mais ou menos fácil. Estes eram por coincidência, ou talvez não, os mais temerosos, aqueles virados à mata do Oio.
Era a estrada para a pista, ou seja aquela com continuava para Maqué e Olossato; era a que dava par Mansoa, e por fim a que dava para Mansabá, esta no entanto já muito acidentada também, muito escura durante largas dezenas de metros, marginada por alto e denso capim o que nos obrigava a redobrar de atenção. E a base de Morés ali tão perto…
Aqui o instinto aconselhava a pôr um dedo na argola da cavilha da granada. Seria uma fracção de segundo o accionar da granada e essa fracção de tempo ganha, naquela situação, podia dar muito a ganhar no confronto. Muitas das vezes cheguei a segurar uma granada na mão esquerda e com o dedo indicador da mão direita experimentar a pressão da cavilha.
Para a estrada para Barro e para a outra banda também; aqui atravessávamos a ponte do rio Armada.
É com alguma emoção que descrevo as rondas nocturnas de Bissorã, e sinto mesmo algum suor frio percorrer o corpo, dada a temorosidade de tal operação. Ainda hoje me interrogo, e dado que o inimigo conhecia por certo todos os nossos passos, ou Bissorã não estivesse cheia de espiões, como é que as rondas não eram atacadas.
No entanto, enquanto estivemos em Bissorã, não houve qualquer percalço com a ronda a não ser uma vez e por circunstâncias nada tendo a ver directamente com a guerra, que um condutor menos cuidadoso, não viu a quantidade de gasolina que tinha no "jeep" antes de sair do quartel, e o Sargento Silva e os seus homens tiveram que andar a empurrar o jipe ainda a uma boa distância do aquartelamento.
2. Comentário dos editores:
Rui, vais desculpar o atraso de meses, na publicação deste teu texto, mas também tu foste vítima da nossa reestruturação editorial... De qualquer modo, o teu mail e as tuas fotos não se perderam,como vês. Volta sempre.
Um abraço dos editores, Luís, Carlos e Virgínio.
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Nota dos editores:
(1) Vd. posts de:
13 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2103: Gente do Olossato (Rui Silva, CCAÇ 816, 1965/67)
3 de Junho de 2007> Guiné 63/74 - P1810: Convívios (14): CCAÇ 816 (Oio, 1965/67), em Joane, Famalicão, em 5 de Maio de 2007 (Rui Silva)
3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1809: Base do PAIGC, em Iracunda, Oio: Eram quatro horas e meia da madrugada... (Rui Silva)
30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1711: Tertúlia: Apresenta-se o Fur Mil Rui Silva, CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67)
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