1. Mensagem do João Tunes, com data de 20 de Novembro:
Camaradas editores (1),
Se recomendação me é permitida, faço-a relativamente a um livro recentemente editado (O Fazedor de Utopias, uma biografia de Amílcar Cabral, António Tomás, Ed. Tinta da China) que não só é uma excelente biografia de Amílcar Cabral, nada no estilo do culto da personalidade, como um meio de, à distância, se reviver com espírito crítico o contexto em que decorreu a guerra na Guiné, completando-nos com o conhecimento que então não tínhamos – o do outro lado.
Sobre o conteúdo do livro, pronunciei-me aqui, no meu blogue Água Lisa (6): .
Saudações do João Tunes.
2. Água Lisa (6) > 11 de Novembro de 2007 > Cabral além do mito = Mais Cabral
Arrisco considerar o livro de António Tomás, jornalista e antropólogo angolano, dedicado a biografar (ou radiografar?) Amílcar Cabral (*) como a obra mais elucidativa para a compreensão serena e desmistificada dos movimentos de libertação africana que lutaram contra o domínio colonial português.
Contra a empresa da porfiada pesquisa de António Tomás contava-se à partida o risco de tocar, com um dedo que fosse, no mais intocável dos dirigentes anticoloniais, porque indiscutivelmente Cabral foi, entre todos, o mais capaz, o mais inteligente, o mais culto e o mais eficaz (no quadro das condições comparativamente mais difíceis) no abalo do domínio colonial português. E, ultrapassando o quadro desse império sob abalo, Amílcar foi um dos grandes dirigentes, talvez repartindo o pódio com Mandela, que mais contribuíram para pensar, dignificar e prestigiar África.
Se juntarmos o facto evidente que os sucessos do PAIGC foram determinantes para as independências de todas as colónias portuguesas (as que lutaram muito, as que lutaram pouco, as que lutaram bem, as que lutaram mal, até as que nada lutaram) e para o próprio pulverizar do regime da potência colonial, mais o martírio de Cabral, assassinado na véspera da celebração da sua vitória guerrilheira, juntando ao eco pungente das balas da brutalidade traiçoeira o benefício de se eximir a demonstrar os dotes de estadista na concretização dos seus projectos para o Estado Guiné-Cabo Verde (?), passando da utopia à realidade, temos o quadro acabado do mito quase perfeito.
A seu favor, António Tomás tinha, além do seu talento e da sua honestidade histórica, apenas três pequenos trunfos: ter nascido depois de Cabral ter desaparecido o que lhe permitia alguma impertinência para com o mito (assim fosse capaz, como foi, de se libertar do preito perante um ilustre mais velho), não ser guineense nem caboverdiano proporcionando-lhe um descentramento da idolatria nacionalista, estar folgado relativamente aos figurinos dos estereótipos ideológicos das abordagens da questão colonial (assumindo uma africanidade madura sem necessidade das âncoras exclamativas das charangas épico-libertadoras).
Todos os escolhos foram vencidos, com mérito, por António Tomás, resultando um quadro de desafio no pré-conhecimento de uma figura política e histórica marcante, pesem embora as deficiências impostas pelas largas lacunas nos suportes testemunhais e documentais que a investigação teve de defrontar. E, para além da aproximação à figura concreta de Cabral, ao seu percurso, obra e contradições, com genialidades e simplificações utópicas nunca fundamentadas (e posteriormente desmentidas nos resultados, nomeadamente a ideia base da unidade Guiné e Cabo Verde), a própria dicotomia colonial / anticolonial adquire uma invulgar transparência serena (do que beneficiam, inclusive, os portugueses).
Finalmente, duas notas de senão. Primeira, para o incompetente trabalho de revisão desta primeira edição (são frequentes as repetições seguidas de vocábulos). Segunda, na parte final do livro, António Tomás é arrastado por um erro da PIDE quando confunde, sobre a ofensiva final do PAIGC, Guidaje com Guileje (reproduzindo um conhecido erro do relatório da PIDE sobre os ataques contra as praças militares portuguesas), o que é mais um exemplo da necessidade permanente de cotejar os dados quando se consultam os arquivos da PIDE.
João Tunes
(*) O Fazedor de Utopias, uma biografia de Amílcar Cabral, António Tomás, Ed. Tinta da China.
3. Comentário de L.G.:
João:
O meu/nosso muito obrigado. Foi oportuníssima a tua chamada de atenção e recomendação. Ontem o livro foi oficialmente lançado. Já foi inserido no nosso blogue um texto sobre o livro e o autor. O teu comentário é importantíssimo por que é de quem já leu o livro e tem outra autoridade para fazer uma recensão crítica. Foi um prazer, de resto, o de revisitar o teu blogue e a tua escrita, sempre incisiva, viva e empolgante.
Recebe um Alfa Bravo deste teu camarada, amigo e admirador. Luís
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2292: Bibliografia de uma guerra (25): Amílcar Cabral, fazedor de utopias: uma biografia escrita pelo angolano António Tomás
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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