Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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domingo, 7 de setembro de 2025
Guiné 61/74 - P27192: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (111): Destaque do Arquivo da Defesa Nacional de setembro de 2025 sobre as “NEGOCIAÇÕES COM O PAIGC NA SEQUÊNCIA DO RECONHECIMENTO DO ESTADO DA GUINÉ-BISSAU, 1974” (Mário Beja Santos)
Base de dados do ADN em https://arquivo-adn.defesa.gov.pt/
Página do ADN: https://www.defesa.gov.pt/pt/adefesaeeu/phc/adn/Paginas/default.aspx
Portal IMDN: https://portalmemoria.defesa.gov.pt
Portal ARQMEDIA da Defesa: https://portalarqmedia.defesa.gov.pt/
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Nota do editor
Último post da série de 21 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26712: o nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (110): o cor cav ref António Bela Morais procura um exemplar do crachá da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72)
segunda-feira, 26 de maio de 2025
Guiné 61/74 - P26849: Notas de leitura (1801): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (1) (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
É extensíssima a bibliografia que António Duarte Silva incorpora neste seu primeiro volume, quando o escreveu não era propriamente um recém-chegado ao mundo da investigação, possuía também tarimba universitária, fora assistente do ISCTE e da Faculdade de Direito de Lisboa, assistente da Escola de Direito e assessor científico da Faculdade de Direito de Bissau, possuía escritos sobre Direito Constitucional, Direito Colonial e Descolonização.
Um abraço do
Mário
A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa (1)
Mário Beja Santos
António Duarte Silva [na foto à direita] é indiscutivelmente o investigador com mais créditos no estudo no pensamento e ação de Amílcar Cabral, no direito e política, abrangendo o seu centro de investigação, a independência da Guiné-Bissau e o processo jurídico-político da descolonização da Guiné-Bissau, toda a sua obra maneja com alta perícia estes domínios.
- colonialismo e nacionalismo na Guiné;
- o ato inédito no direito internacional da declaração unilateral de independência;
- como se processou a descolonização portuguesa;
- e, igualmente, como teve lugar a formação do Estado.
Como é obrigatório, o autor apresenta a pequena parcela da Costa da Guiné explorada pelos portugueses a partir do século XV, como se foi modelando, à escala universal, o sentimento de mudança (de colonização para descolonização), assistiu-se à quebra das amarras das potências coloniais e dos povos tutelados; como se deu o despertar do nacionalismo em terras da Guiné, apareceu o Partido Socialista da Guiné, que pouco fez e pouco durou, irrompe a figura de Amílcar Cabral, a importância dos contactos que ele estabeleceu em Lisboa com outros estudantes africanos de colónias portuguesas, a sua presença como engenheiro na Guiné, onde, um ano depois de ele ter regressado a Lisboa, se tentou se criar um Movimento para a Independência Nacional da Guiné (MING), que Rafael Barbosa, que será figura fundamental do PAIGC até 1962, comentará que não passou de um campo de experiência.
Tudo irá mudar em 1959, mas no ano anterior um conjunto de nacionalistas decidiu formar um Movimento de Libertação da Guiné. A 3 de agosto de 1959, dão-se os trágicos acontecimentos do Pidjiquiti, haverá mortos de número indeterminado, tem lugar a 19 de setembro de 1959 uma reunião em Bissau, em que está presente Amílcar Cabral, em que se tomam importante decisões: deslocar a ação para o campo, mobilizando os camponeses, preparar-se para a luta armada e transferir parte da direção para o exterior.
Nos primeiros dias de outubro de 1960, o ainda PAI realizará em Dacar uma reunião de dirigentes, é nesse evento que foi adotada definitivamente a sigla PAIGC, aprovados os programas dos partidos, que tinham sido elaborados por Cabral, escolhida a bandeira do PAIGC, também por sugestão de Cabral; enviada uma vez mais ao Governo português a proposta de abertura de negociações, e a não haver deferência por parte do Estado português, teria início a luta armada.
Desde muito cedo que o líder do PAIGC busca apoios nesta altura fundamentalmente em África, URSS e países não alinhados. No início, Moscovo temia que o PAIGC estivesse dominado por tendências para os chineses. Conacri gera facilidades e dá ajuda concreta. 1962 é o ano em que Rafael Barbosa é preso na Guiné, é desmantelada a organização do PAIGC em Bissau e desencadeada a sublevação nas regiões do Sul.
O período de 1964 a 1968 corresponde à unificação do poder civil e militar, Arnaldo Schulz é simultaneamente Governador e Comandante-Chefe, vai seguir e intensificar uma manobra de disposição de destacamentos e povoações em autodefesa, foi uma tentativa de agrupar a população que não quis expressamente ficar na órbita da guerrilha, se bem que no decurso de toda a guerra tenha vindo a avultar a problemática do duplo controlo.
Nos cinco anos do Governo seguinte, tendo à testa Spínola, este pretendeu alterar significativamente a estratégia portuguesa, despachou para a metrópole um bom punhado de quantos militares, remodelou o dispositivo fazendo retirar a presença portuguesa sobretudo em áreas do Sul e na região Leste, no Boé.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 26 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26847: Notas de leitura (1800): "Gil Eanes: o anjo do mar", de João David Batel Marques (Viana do Castelo: Fundação Gil Eanes, 2019, il, 131pp.) - Parte I: A história do navio-hospital da frota bacalhoeira (Luís Graça)
domingo, 12 de maio de 2024
Guiné 61/74 - P25511: Timor - Leste. passado e presente (1): terra "abençoada por Deus" e "castigada pelo Diabo em figura de gente" no século passado, os japoneses (1942-1945) e os indonésios e as suas milícias (1975-1999)
Citação:
(1941), "Diário de Lisboa", nº 6853, Ano 21, Sexta, 19 de Dezembro de 1941, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_25120 (2024-5-12)
Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares |Pasta: 05768.032.08354 |Título: Diário de Lisboa | Número: 6912 |Ano: 21 | Data: Sexta, 20 de Fevereiro de 1942 | Directores: Director: Joaquim Manso | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: IMPRENSA| (Com a devida vénia...)
(1942), "Diário de Lisboa", nº 6912, Ano 21, Sexta, 20 de Fevereiro de 1942, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_26731 (2024-5-12)
Timor Leste > Dili > Palácio do Governo > 2023 > Foto do Jornal Tornado, "on line" (Jornal global para a lusofonia), 23 de junho de 2023 (com a devida vénia)
A porção ocidental da ilha de Timor, com capital em Kupang, pertence hoje à República da Indonésia. A porção oriental, com capital em Díli, pertencia a Portugal desde o século XVI. Quando os primeiros mercadores e missionários portugueses aportaram na ilha de Timor em 1515, encontraram populações organizadas em pequenos estados, reunidos em duas confederações: Servião e Belos, que praticavam religiões animistas. O islamismo, cuja religião predomina na Indonésia atual, não tinha chegado a Timor, e nem o mesmo o budismo que, sobretudo no séc.VIII, imprimiu a sua marca em Java.
No 3º quartel do século XVI chegaram a Timor os primeiros frades dominicanos portugueses, através dos quais se vai desenvolvendo uma progressiva influência religiosa, ao mesmo tempo que se vai estabelecendo a dominação portuguesa. A evolução cultural processou-se em sentido oposto ao que se verificou nas atuais ilhas indonésias de Java, Sumatra e nas costas de Kalimantan e de Sulawesi, onde o islamismo se estendeu cada vez mais.
Em 1651, os holandeses conquistaram Kupang, no extremo oeste da ilha de Timor, e começam a penetrar até a metade de seu território.
Durante a Segunda Guerra Mundial, as forças Aliadas (australianos e holandeses), reconhecendo a posição estratégica de Timor, estabeleceram posições no território tendo-se envolvido em duros confrontos com as forças japonesas. Algumas dezenas de milhar de timorenses deram a vida lutando ao lado dos Aliados.
Entre 1945 e junho de 1974, o governo indonésio, em obediência ao Direito Internacional, afirma na ONU e fora dela que não tinha quaisquer reivindicações territoriais sobre Timor Oriental (Leste).
A Revolução de 25 de Abril de 1974, que restaurou a democracia em Portugal, consagrou o respeito pelo direito à autodeterminação das colónias portuguesas. Visando promover o exercício desse direito, foi criada em Díli a 13 de maio daquele ano a Comissão para a Autodeterminação de Timor.
- a UDT (União Democrática Timorense), que preconizava "a integração de Timor numa comunidade de língua portuguesa";
- a ASDT (Associação Social-Democrata Timorense) depois transformada em FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente) , defendia o direito à independência;
- e a APODETI (Associação Popular Democrática Timorense), propunha a "integração com autonomia na comunidade Indonésia".
Em 1975, com a dissolução do império colonial português, aumentaram os movimentos de libertação locais. Em maio de 1975, um projecto das autoridades de Lisboa foi apresentado aos principais partidos Timorenses e, depois de ouvi-los, publicou-se em 11 de julho a lei que previa a nomeação de um Alto Comissário português, e, em outubro do mesmo ano, a eleição de uma Assembleia Popular para definir o seu estatuto político. O diploma previa um período de transição de cerca de três anos.
Desde janeiro de 1975, já estava em marcha um programa local de progressiva descolonização, através de uma Reforma Administrativa, a qual levou à realização de eleições para a administração regional do Conselho de Lautém.
A Indonésia, a pretexto de proteger os seus cidadãos em território Timorense, invade a parte Leste da ilha e rebaptiza o território de Timor Timur, tornando-a sua 27ª província. Recebeu o apoio tácito do governo norte-americano que via a Fretilin como uma organização de orientação marxista.
Após a ocupação do território pela Indonésia a Resistência Timorense consolida-se progressivamente, inicialmente sob a liderança da FRETILIN.
Aproximadamente 1/3 da população do país, mais de 250 mil pessoas, morreram na guerra.
Em 1996 José Ramos-Horta e o bispo de Díli, D. Ximenes Belo receberam o Nobel da Paz pela defesa dos direitos humanos e da independência de Timor-Leste.
Apesar disso, milícias pró-Indonésia continuaram a actuar no território, atacando inclusive a sede da UNAMET (os observadores das Nações Unidas) e provocando a saída do Bispo D. Ximenes Belo para a Austrália, e o asilo de Kay Rala Xanana Gusmão na embaixada inglesa em Jacarta. Os assassinatos, promovidos por milícias anti-independência, armadas por membros do exército indonésio descontentes com o resultado do referendo, continuaram.
As imagens despertaram protestos em vários países do mundo junto às embaixadas da Indonésia, norte-americanas e britânicas, e também junto às Nações Unidas, exigindo a rápida intervenção para cessar os assassinatos.
Finalmente a 18 de Setembro de 1999 partiu um contingente de "capacetes azuis" das Nações Unidas, uma força militar internacional composta inicialmente de 2500 homens, depois aumentados para 8 mil, incluindo australianos, britânicos, franceses, italianos, malaios, norte-americanos, canadianos e outros, além de brasileiros e argentinos.
Restauração da Independência
Em Portugal e em vários outros países organizaram-se campanhas para arrecadar donativos, víveres e livros. Aos poucos a situação foi sendo controlada, com o progressivo desarmamento das milícias e o início da reconstrução de moradias, escolas e do resto da infra-estrutura.
Fonte: Adapt. de Portal do Governo de Timor Leste (com a devida vénia...)
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Nota do editor:
(*) Vd. poste de 5 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25480: Capas da Gazeta das Colónias (1924-1926) (8): Timor, "terra abençoada por Deus", que os portugueses só conheciam, em 1925, "através de uma tradição de má fama" (isto é, como "lugar de desterro")
segunda-feira, 12 de junho de 2023
Guiné 61/74 - P24392: Notas de leitura (1590): Uma obra fundamental por quem se interessa por estudos africanos: "Atlas Histórico de África, da Pré-História aos Nossos Dias", Direcção de François-Xavier Fauvelle e Isabelle Surun; Guerra e Paz Editores, 2020 (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
Este Atlas Histórico de África para além de ser graficamente irrepreensível apresenta-se como uma ferramenta útil para quem pretenda apurar mais conhecimentos sobre as civilizações do continente africano com base numa matriz cronológica de valor científico. É verdade que há para ali um olhar muito gaulês, passa-se como cão por vinha vindimada sobre a presença portuguesa, e é ainda mais notório o não haver uma referência às explorações portuguesas do século XIX. Mas paciência, o todo é que conta e a informação é pertinente, da Pré-História aos nossos dias. Quem estuda a África não se pode alhear da importância deste Atlas.
Um abraço do
Mário
Uma obra fundamental por quem se interessa por estudos africanos:
Atlas Histórico de África, da Pré-História aos Nossos Dias
Mário Beja Santos
Trata-se de uma edição muito cuidada, graficamente irrepreensível, este Atlas Histórico de África, com direção dos especialistas François-Xavier Fauvelle e Isabelle Surun, Guerra e Paz Editores, 2020, documento apaixonante para os estudiosos de África. Este continente imenso com 2400 línguas faladas aparece muito bem enquadrado em cinco grandes períodos: a África antiga (desde a Pré-História até ao século XV; a África na era moderna (do século XV ao século XVIII), podemos ver os seus grandes reinos e alvorada da presença europeia; a África soberana (século XIX), que irá decorrer após a abolição do tráfico atlântico de escravos e as reconversões económicas africanas; a África sob o domínio colonial, um continente partilhado que irá resistir à presença colonial até à completa descolonização; a África das independências, com a sua teia de contradições e refluxos, a sua enormidade de desafios que aguardam resposta. O tratamento destas matérias é facilitado pela exibição de cem mapas mostram claramente este continente esteve sempre longe de se fechar sobre si próprio, é parte integrante da história da Humanidade.
Na sua diversidade, sabemos hoje não se pode estudar a hominização desconhecendo que ela começou em África, à luz dos conhecimentos atuais, o continente possui um rico mapa de arte rupestre, participou nas dinâmicas do comércio mediterrânico, na Idade Média foram-se robustecendo as suas relações com o mundo islâmico, as suas regiões litorais abriram-se a uma economia atlântica cujo elemento principal era o comércio negreiro. Uma Idade Média onde avultou o Império do Mali, onde foi influente a sociedade suaíli que resultou da cultura bantu e do mundo islâmico.
Mas não nos precipitemos, o leitor interessado é logo atraído pelos berços da Humanidade, pelos testemunhos da arqueologia e da linguística, e logo somos confrontados com a complexidade linguística da Etiópia, temos depois a arte rupestre, prossegue a investigação com África aberta para o Mediterrâneo, ficamos a saber que houve um sistema complexo de escrita, como se escreve: “Grandes zonas de África conheceram e utilizaram sistemas de escrita desde épocas muito antigas que tiveram início primeiro no mundo mediterrânico. Tal como o líbico-berbere, derivado da escrita fenícia, que serviu para gravar tanto inscrições líbicas antigas no Magrebe como o alfabeto tifinague, ainda usado pelos Tuaregues. A escrita etíope mostrou uma extraordinária inventividade, ao acrescentar declinações vocálicas a um alfabeto constituído inicialmente apenas por consoantes, adaptando-o assim a outras línguas e a outras pronúncias. De igual modo o meroítico, utilizado no Sudão, foi adaptado a partir do sistema egípcio para transcrever uma língua que ainda não sabemos decifrar completamente”.
A África do Norte faz parte das primeiras conquistas do Islão, estabeleceram-se rotas comerciais que infletiram em todas as direções até ao centro de África. Refere-se a Núbia e depois o Império do Mali e a Etiópia medieval. Assim chegamos à civilização suaíli, cujo território se estendia da Somália a Moçambique passando pelo Quénia, pela Tanzânia, pelas Comores e pelo Norte de Madagáscar. Estamos chegados à África na era moderna, emergem novos poderes: o Congo e o Monomotapa, na África Central e Austral, o Daomé e Axante, ao longo do Golfo da Guiné, o Songai, entre outros, foi um tempo de enormes recomposições políticas, que vários autores primorosamente sintetizam. E temos o primeiro entreposto europeu fortificado no espaço tropical, S. Jorge da Mina ou Elmina, como temos a Etiópia repartida em duas grandes religiões, o importante reino do Congo que manterá relações com Portugal e o Papado.
Apresenta-se o tráfico negreiro colonial e assim chegamos à África soberana do século XIX, dar-se-á a abolição desse tráfico e reconvertem-se as economias africanas, é o tempo do amendoim, das gomas, do óleo de palma, há senhores da guerra por toda a parte, descreve-se o reino de Madagáscar, o califado de Sokoto, que foi o maior Estado de África no século XIX, estendia-se do Norte da Nigéria aos Camarões. Mostra-se a África do tempo dos exploradores e regista-se o domínio colonial, desde as corridas às colónias à definição de fronteiras, bem como a problemática das formas de povoamento. A I Guerra Mundial, para além das várias batalhas que tiveram lugar no coração do continente africano, levaram muitos soldados a combater na Europa, nomeadamente em França e na Frente Oriental. O resultado não foi despiciendo: a Alemanha perdeu as suas principais colónias, a Grã-Bretanha e a França consolidaram as suas posições, a Bélgica e Portugal não saíram maltratadas. O africano pôde ver a fragilidade do homem branco, era menos invencível do que fazia supor, houve muitas promessas não cumpridas, começaram a germinar os movimentos independentistas.
Retornando ao século XIX, o Atlas dá-nos o quadro das missões cristãs no período colonial, temos depois a evolução das cidades coloniais, segue-se o fenómeno das revoltas anticoloniais e a emergência dos nacionalismos, daí decorre o período do império colonial tardio, que culmina com a descolonização portuguesa e as grandes transformações na África Austral. Nos anos 1960 à atualidade é um capítulo bem elaborado sobre o tempo das independências, as desilusões, a emergência do pan-africanismo, o que representou o fim da Guerra Fria em África, elencam-se as políticas sanitárias, os contrastes de desenvolvimento, realça-se o papel dos investimentos chineses nas infraestruturas, nos têxteis e madeiras exóticas. “Frequentemente financiados pelo endividamento, por vezes têm como garantia as receitas extrativas futuras. Por seu lado, os empregos assim criados e as expropriações ligadas à constituição de grandes domínios rurais alimentam o êxodo rural. Abidjã, Cairo, Joanesburgo, Lagos, Adis-Abeba transformam-se em polos urbanos e regionais dominantes no plano económico, político e cultural. A África em desenvolvimento é também uma África de desigualdades espaciais".
O fim da Guerra Fria saldou-se numa encenação democrática, tudo parecia caminhar para o multipartidarismo e a democracia parlamentar, mas o Estado autoritário e neopatrimonial dá provas de uma grande capacidade de duração, veja-se os casos do Gabão, da Guiné Equatorial, dos Camarões, do Congo-Brazzaville e do Chade. Seja como for, as mobilizações de cidadãos tornaram-se uma realidade, o que não impede que antigos opositores que chegam ao poder reproduzam o sistema que combateram, perpetuando, nomeadamente, o desequilíbrio presidencialista das constituições. Este importante Atlas História de África trata ainda o Apartheid na África Austral, os conflitos e sua resolução na África Central e Oriental e as migrações internas e externas na África. Conclui enfatizando que a África estava e está aberta ao mundo exterior, por essas janelas é bem provável que os quadros de violência, da pobreza, da corrupção e do autoritarismo possam conhecer modificações do quadro da globalização.
Obra do maior interesse, insista-se.
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24381: Notas de leitura (1589): N’Krumah, o líder da unidade africana, o denunciante das tramas do neocolonialismo (Mário Beja Santos)
sábado, 3 de dezembro de 2022
Guiné 61/74 - P23840: Notas de leitura (1527): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte VI: 25 de Abril ? 25 de Novembro ? E descolonização ? Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade" (VPV)
Mais do que uma biografia lietrária de Vasco Pulido Valente (VPV) (1941-2020), trata-se de uma longa (e apaixoante) viagem pela história de Portugal, desde o início das invasões francesas e saída da corte para o Brasil em 1807 até à atualidade. O jornalista e escritor João Céu e Silva, com formação em história, realizou uma centena de horas de entrevistas gravadas, com VPV, ao longo de quase dois anos.
Deste livro, achámos que podia interedsar aos nossos leitores tudo o que dizia respeito, direta ou indiretamemente, à guerra colonial e às forças armadas, incluindo o 25 de Abril,o 25 de Novembro, Spínola, o MFA e a descolonização.
(i) 25 de Abril: pronunciamento militar
P- Refere que a revolução de Abril foi
romântica e fraudulenta. Portugal nunca muda ?
R- É fraudulenta porque foi uma revolução inventada, pós-facto- Os capitães queriam sair de África e deram a volta. Não fizeram uma revolução, foi um pronunciamento, e depois, quando chegaram ao poder, precisavam de uma ideologia.
Só após terem feito o pronunciamento é que perceberam a gravidade e o alcance do que tinham feito, e necessitavam de eliminar a sociedade portuguesa tradicional para não sofrerem nenhuma espécie de represálias. E eliminaram.
Atrás disto veio um movimento de opinião a que se atribuiu essa eliminação da sociedade tradicional, que foi, aliás, bastante artificial, e feita pelo governo e não pelas massas. As nacionalizações não foram impostas pelas massas, a reforma agrária não foi de acordo com as massas, a revolução foi decretada e a reforma agrária foi realizada em atos militares e na maior parte dos casos sob proteção dos militares. E pelo PCP também. Sim, pelo PCP, pelos militantes do PCP, que eram muito poucos,, e pelos militares. Os militantes do PCP não teriam chegad.
E atrás disso um movimento romântico indefinido, que exortava as maravilhas do socialismo real, o governo do povo ou o poder popular, e, como não fazia sentido nenhum, acabou por cair” (pág. 42).
(…) Um golpe militar não tem destino e este tem de ser procurado na vida civil, na Igreja, na maçonaria ou, no caso do 25 de Abril, no Partido Comunista Português ou no Partido Socialista.
Os militares diziam “não queremos continuar com a guerra colonial (…) queremos dar autodeterminação aos nossos pretos (…) porque os nossos são diferentes dos pretos dos outros, são nossos amigos”.
Dava-se a liberdade aos “nossos pretos” e depois, para onde se vai ? “Nós somos uma malta porreira, somos camaradas” – tratavam-se assim – “e isto aqui é uma igualdade do caraças. Rastejámos todos pelo chão na recruta, pendurámo-nos todos em argolas e temos todos de andar com farda”.
A única coisa que os militares podiam fazer a seguir ao 25 de Abril era buscar qualquer coisa fora da instituição, uns foram buscar o PCP, outros o PS. (…)
Quanto a Otelo, foi buscar coisas ao anarcossindicalismo, que ele nem percebeu o que era e chamou de poder popular.
Ou seja, os militares não tem destino em si próprios; podem organizar muito bem uma operação como o 25 de Abril, mas basta seguir a cartilha. (…) (pp. 96/97).
(iii) 25 de novembro de 1975:
não houve mistério nenhum
P . Temos o 25 de novembro de 1975. Continua a ser um dos grandres mistérios ?
R – Não acho que seja um grande mistério. O que aconteceu é que havia unidades no Exército português que estavam contra o PCP, e aquele rumo da revolução, entre elas a dos Paraquedistas , a dos Comandos e algumas pessoas que tinham feito outro trajeto político.
Entre essas, os que tinham sido contra os mercenários, que se tinham passado para o Estado-Maior de Spínola e ficado com um certo prestígio no movimento dos capitães,, porque tinham sido os primeiros a protestar: era o caso de Eanes e, nos Comandos, o Jaime Neves.
Foi simples e encontraram-se e fizeram
o golpe do 25 de Novembro. O Eanes dirigiu e o Jaime Neves executou. Todos os
seus colegas diziam que eles eram brilhantes operacionais (…), daí não me não
tenha surpreendido que tivessem ganho. Não houve mistério nenhum nisso, até
porque contaram com o apoio do Soares e tinham o respaldo político do PS (pág.
194) (…)
(…) Foi um golpe em que os
operacionais do Copcon e do PCP não participaram. E o que aconteceu foi que o
Eanes fomou conta do Exército e teve de imediato todo o seu apoio. Tinha sido
um golpe um pouco contrarrevolucionário, um clássico. Eanes pôs todas as
unidades fora de Lisboa, suspendeu uma quantidade de oficiais duvidosos e ao fim de oito dias tinha o
Exército na mão. A história terminou (pág. 197).
(…) Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade (pág. 210)
(iv) Descolonização:
por favor não culpem o Mário Soares
Quando o Dr. Mário Soares chegou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, já o coronel Fabião estava aos abraços ao PAIGC e o Otelo aos abraços à FRELIMO. Não havia negociação possível.
Quem fez a descolonização não foi o Dr. Mário Soares, mas o MFA. Ele não queria fazer aquela descolonização, e foi assim porque o Exército português se desfez em quarenta e oito horas em Angola, Moçambique e Guiné. Neste último caso, fomos mesmo ao encontro das tropas inimigas e confraternizámos poucos dias após o 25 de Abril. Como aconteceu no Norte de Moçambique e quase imediatamente me Angola (pp. 282/283).
(…) Lembro-me do abraço de Soares a Samora Machel, horrível! E Como aconteceu ? A comitiva entrou na sala de reuniões, Otelo olhou para o Machel e disse: “Ah grande Machel, deixe-me dar-lhe um abraço”, e Soares, que estava a chefiar a delegação, ficou sem saber o que iria fazer. Depois de Machel ter dado um abraço a Otelo, veio ter com Soares de braços abertos, “Meu caro Mário”, e deu-lhe um abraço. Isto só deveria ter acontecido com Moçambique independente” (p. 191).
Nota do editor:
(*) Vd. postes anteriores da série:
29 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23828: Notas de leitura (1525): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte V: VPV: "O grande significado do livro, de Spínola, Portugal e o Futuro, era vir a público dizer que a guerra estava perdida"...27 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23820: Notas de leitura (1523): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte IV “Devo à Providência a graça de ser pobre” (Salazar, Braga, 1936)
24 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23811: Notas de leitura (1521): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte III: Salazar, Caetano e as Forças Armadas... (Considerar os capitães milicianos como "voluntários" e "mercenários", raia o insulto, não?!..)
18 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23793: Notas de leitura (1518): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte II: A guerra de África não foi nada parecido como o trauma da I Grande Guerra...
17 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23791: Notas de leitura (1517): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte I . As colónias não valiam o preço...
segunda-feira, 25 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23460: Nota de leitura (1468): “A desmobilização dos combatentes africanos das Forças Armadas Portuguesas da Guerra Colonial”, por Fátima da Cruz Rodrigues, na revista Ler História, n.º 65 de 2013 (Mário Beja Santos)


Queridos amigos,
Afinal, a historiografia contemporânea não virou as costas aos temas das guerras que travámos em África, este trabalho de Fátima da Cruz Rodrigues comprova que há investigação e não se recusam os temas mais delicados, no caso vertente a desmobilização dos combatentes africanos. Dir-me-ão que não há nada de novo debaixo do sol, mas reconheça-se que é um compêndio de factos e dados sem obliterações ou ambiguidades. No tocante à Guiné, é sabido que houve a tentativa de dar opção às tropas especiais para virem para Portugal, e não se iludiram os riscos de eles permanecerem na Guiné logo a seguir à independência. A generalidade teimou em receber salários até dezembro de 1974. Não se pode iludir que se entrou em luta política em Portugal e que a descolonização na Guiné constituiu um facto de importância menor, havia a descolonização em Moçambique e em Angola a fazer. As autoridades guineenses não respeitaram os Acordos de Argel, é do domínio público. Algo devia ter acontecido, depois de novembro de 1984, e sobretudo quando Nino Vieira mostrou as valas onde estavam os fuzilados, para reinstalar uma política de "paz e perdão", o que não veio a acontecer, e tomaram-se então iniciativas de organizações, como a Associação dos Comandos, que foram reais contributos para salvar vidas. Nada ganhámos em ter ignorado, nós próprios, em ter feito uma política de paz e perdão com toda a descolonização, mas isso é outra história.
Um abraço do
Mário
A desmobilização dos combatentes africanos das Forças Armadas Portuguesas
Beja Santos
A revista Ler História, n.º 65 de 2013, inclui um artigo de Fátima da Cruz Rodrigues intitulado “A desmobilização dos combatentes africanos das Forças Armadas Portuguesas da Guerra Colonial”. É um trabalho que nos permite deter uma visão de conjunto sobre a evolução da africanização da nossa guerra colonial e como ocorreu a desmobilização.
Atenda-se aos números avançados pela autora. “No ano que antecede o início da guerra, em 1960, eram 6500 os militares do Exército Português mobilizados em Angola. 5000 desses soldados pertenciam ao então denominado recrutamento local. Até ao final do ano de 1961, estes valores sofrem uma profunda transformação. Rapidamente se inverteu a proporção dos números dos soldados mobilizados em Angola. O número dos soldados africanos, que eram de 5000 no final de 1960, manteve-se o mesmo até finais de 1961, enquanto o número de soldados expedicionários aumentou de 1500 para 28 477. No final desse mesmo ano, a maioria dos soldados mobilizados nos três territórios pertencia ao recrutamento vindo de Portugal. Apenas 18,21% dos 49 422 soldados mobilizados, pertenciam ao recrutamento local”.
Recorde-se que no início da guerra houvera desconfiança quanto à africanização, temia-se que se dessem infiltrações de terroristas nas nossas Forças Armadas em Angola, ou mesmo deserções. Os anos passaram, a guerra prolongou-se e a africanização da guerra aconteceu. Mas com a exceção da de Moçambique, onde a africanização só se tornou um facto real a partir de 1971. Mas voltemos aos números enunciados pela autora. “Em termos globais, e de acordo com os valores disponíveis, entre 1961 e 1973 foram recrutados aproximadamente 1 milhão e 400 mil soldados para a guerra. Mais de 400 mil desses homens faziam parte do recrutamento local, ou seja, aproximadamente um terço dos efetivos”. Tornaram-se notórias as dificuldades de aumentar o número de efetivos, por razões simplesmente demográficas e também pela sangria das emigrações. E, gradualmente, foi-se reconhecendo a mais-valia das forças africanas no conhecimento dos territórios, das línguas e de outras caraterísticas locais, e não foi despicienda a economia que este recrutamento acarretava.
Outra tese abonou a africanização: usar os elementos locais para conquistar as populações locais. Outro fator pode ser tido como preponderante, como a autora assinala. “Se a africanização das Forças Armadas deu resposta a necessidades económicas e a interesses estratégicos de caráter militar, o que parece é que serviu igualmente para demonstrar e promover a ideia de que Portugal era, de facto, uma nação pluricontinental e plurirracial sustentando, assim, a defesa da manutenção do domínio português nos territórios africanos”. E a autora refere a legislação que levou à abolição do estatuto do indigenato, era necessário procurar agradar à comunidade internacional.
A nível interno, também se procurou dar uma certa visibilidade aos combatentes africanos das nossas Forças Armadas. E a autora disseca esta evolução em Angola, Moçambique e Guiné. Vamos pôr o foco, obviamente, na Guiné. “Na Guiné as forças irregulares tinham a designação oficial de milícias, embora algumas tenham passado pela designação de caçadores nativos, e podiam ser normais ou especiais. As primeiras eram reservadas à autodefesa da população e, em 1966, já existiam 18 formadas em companhias. As segundas foram criadas pelo general Spínola e eram organizadas em grupos de combate. Spínola não se limitou a introduzir essa mudança nas forças operacionais da Guiné. O que o distinguiu, e que constituiu um caso que nunca se repetiu nos outros dois territórios, foi ter procurado que as distinções entre os soldados portugueses e locais terminassem, argumentando que a discriminação dos africanos envolvia riscos para Portugal. Outra especificidade do seu mandato foi ter criado os comandos africanos, uma força de elite estruturada de modo semelhante às unidades de comandos já existentes na Guiné e nos outros dois territórios em guerra. A Guiné foi também o único território onde foram constituídos dois destacamentos de fuzileiros especiais africanos”.
Iniciado o processo de desmobilização dos combatentes africanos, em cada um dos teatros de operações surgiram problemas delicadíssimos, conforme a autora expõe.
“Na Guiné, embora o processo da negociação da transferência de poderes tenha sido menos controverso do que o de Moçambique e sobretudo o de Angola, em contrapartida, foi o território onde a desmobilização dos soldados africanos registou mais problemas e onde, após a independência, os antigos combatentes mais sofreram as consequências por terem pertencido à força colonial. Se o facto de existir um único movimento de libertação envolvido nas negociações para a transferência de poderes poderá ter contribuído para a possibilidade dos antigos combatentes africanos integrarem o novo exército nacional fosse posta de parte, tal como aconteceu em Moçambique, considera-se que o papel que lhes foi atribuído durante a guerra, sobretudo nos seus últimos anos, constituiu um dos fatores que mais terá condicionado o desenrolar dos episódios conturbados da sua desmobilização e que evoluíram para situações dramáticas em certos momentos da história da Guiné independente.
Ainda durante as negociações, os combatentes africanos das nossas Forças Armadas, especialmente os Comandos, começaram a ser objeto de várias suspeitas segundo as quais estariam a preparar-se para apoiarem uma invasão a Bissau. Os problemas com os antigos combatentes africanos da Guiné começam quando as autoridades portuguesas procedem ao seu desarmamento, segundo o estipulado no Acordo de Argel. Algumas unidades começaram por recusar-se em entregar as suas armas mas acabaram por fazê-lo após lhes serem dadas certas garantias. Pouco tempo após a partida dos portugueses, começaram as discriminações, as perseguições, a prisão e a execução de antigos combatentes das nossas Forças Armadas de origem guineense.
Neste território, embora as Forças Armadas tenham sido sempre em menor número do que em Angola e Moçambique, o seu envolvimento na guerra foi de grande destaque, sobretudo desde que se formaram os Comando africanos. Mas o lugar de destaque que lhes foi atribuído na guerra, não decorreu, unicamente, do facto de terem sido formadas na Guiné, unidades exclusivamente compostas por africanos, incluindo os seus comandantes, nem tão pouco por terem participado em numerosas operações de caráter ofensivo. O que distingue as Forças Armadas na Guiné foi a sua integração num ‘projeto político destinado a alterar o status quo existente’.”
E a autora também recorda que o protagonismo concedido a estas forças africanas enquadrava-se no projeto mais amplo de Spínola em que competia aos guinéus defender e lutar pela manutenção da presença portuguesa em África. Spínola concebera um exército africano de caraterísticas “nacionais” tendo em vista provavelmente uma futura federação de Estados de língua portuguesa, era dentro dessa lógica que foram criados os congressos do povo e o programa “por uma Guiné melhor” era uma das bases da tese federalista de Spínola. Daí o PAIGC considerar uma ameaça permanente estes combatentes, independentemente de não ter havido nenhum génio político capaz de gerar um movimento de “paz e perdão”, como na África do Sul.
A autora reconhece que o Estado Português não se demitiu totalmente das suas responsabilidades em relação a estes homens, comprometendo-se a pagar indemnizações e reformas, durante a transferência de poderes. Por razões diversas, assobiou-se para o lado, minimizando os perigos para os combatentes que ficaram nos seus países. Devido ao Direito Internacional, Portugal pouco podia fazer depois das independências. E muitos dramas permanecem.
Nota do editor
Último poste da série de 22 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23451: Nota de leitura (1467): "A Minha Vida Militar", por José Costa; edição de autor, 2016 (Mário Beja Santos)
sexta-feira, 10 de junho de 2022
Guiné 61/74 - P23341: Notas de leitura (1454): “La fin de l’empire colonial portugais, Témoignages sur un dénouement tardif et tourmenté”, por Éric e Jeanne Makédonsky; L’Harmattan, 2018 (2) (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
O casal Éric e Jeanne Makédonsky dão como explicação de que este acervo apreciável de testemunhos recolhidos junto de intervenientes guineenses, cabo-verdianos e portugueses, entre 1980 e 1982, não foi publicado logo a seguir atendendo a que a aura de que a guerrilha guineense se cobrira de glória, no campo internacional, perdera-se, deixou de haver interesse em acompanhar o fenómeno revolucionário da Guiné-Bissau, entrara-se por um caminho sombrio, a própria investigação, que continuou a fazer-se, perdeu muito do interesse inicial. No entanto, a despeito de que todos estes testemunhos introduzam novidades de maior, a sequência cronológica como se estrutura a obra permite ao iniciado seguir a trama de forma sequencial, do princípio a uma quase atualidade. Tudo começou em estado de tormenta e em tormenta e profunda inquietação prossegue.
Um abraço do
Mário
Assitiram à independência da Guiné, décadas depois publicam livro (2)
Beja Santos
“La fin de l’empire colonial portugais, Témoignages sur un dénouement tardif et tourmenté”, por Éric e Jeanne Makédonsky, L’Harmattan, 2018, é uma obra que forçosamente nos surpreende. Marido e mulher eram jornalistas que permaneceram longamente no continente africano. E abrem o seu livro explicando porquê, só agora, dão à estampa os testemunhos que recolheram décadas atrás. Entenderam os autores que a guerrilha guineense em poucos anos perdeu o furor e o entusiasmo com que eram vistos pelo movimento revolucionário à escala mundial. No entanto, não quiseram deixar de contribuir para que a investigação sobre os acontecimentos relacionados com a independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde perdesse a possibilidade de conhecer os testemunhos de inúmeras personalidades intervenientes, do lado guineense, cabo-verdiano e português.
Após o testemunho dos guineenses (Nino, Paulo Correia, Vasco Cabral, Fidelis Cabral d’Almada) que dão conta da evolução da luta a partir de 1968, fica-se com uma apreciação do quadro político e militar até ao assassinato de Amílcar Cabral. É um dado curioso, atenda-se que estes testemunhos são recolhidos entre 1980 e 1982, do lado cabo-verdiano já há insinuações de compromisso guineense ao mais alto nível. Aristides Pereira chega a dizer quando foi raptado e metido numa lancha cuja marcha foi travada em Boké, ouviu elementos do complô referir nomes de altos dirigentes do PAIGC naturais da Guiné. Mas não diz quais. Refere a reação dos órgãos diretivos e a intensificação da luta. Pedro Pires enfatiza a preparação e execução da operação Amílcar Cabral e as consequências associadas aos mísseis Strela e ao uso de viaturas já no interior do território da Guiné para lançar mísseis sobre os quarteis. Pedro Pires recorda o pedido que fez a Aristides Pereira, então em tratamento em Moscovo, era necessário mais artilharia pesada, canhões 122, novas rampas de lançamento de mísseis GRAD e os temíveis morteiros de 120 milímetros, bem como canhões B10 e de 85 e 76 mm. O Conselho Executivo da Luta dera luz verde para uma ofensiva prevista para os meses de novembro e dezembro de 1974 com blindados T34 e BRDM, isto num quadro em que ainda se desconhecia qual seria a decisão da Organização de Unidade Africana, que tinha apelado à formação de um exército africano para expulsar as forças portuguesas.
Sobre as mesmas matérias do assassinato e da reação político-militar do assassinato de Amílcar Cabral, depõem José Araújo, Manuel dos Santos, Osvaldo Lopes da Silva, entre outros. E seguem-se os testemunhos guineenses de Nino, Vasco Cabral e Fidelis Cabral d’Almada. Uns atribuem o complô a quadros que se tinham marginalizado e que até viviam do roubo, há também quem atribua um papel relevante a Momo Touré e Aristides Barbosa, na época era uma acusação que parecia vingar, ainda não se sopesara tal inviabilidade quando o complô, como se veio a apurar, envolvera centenas de participantes de diferentes perfis. Do lado português irão depor Carlos Fabião, Otelo Saraiva de Carvalho e Carlos Matos Gomes. Fabião nega perentoriamente qualquer envolvimento de Spínola ou das Forças Armadas, mas fica a pairar no ar a possibilidade de uma intervenção completamente fora das regras clássicas de Alpoim Calvão, que ao tempo dirigia um discreto serviço de informações em Lisboa. Mas não exclui uma intervenção da PIDE, a título meramente institucional. Otelo também se mostra persuadido da intervenção da PIDE e recorda que encontrou Alpoim Calvão em Bissau em dezembro de 1972. À distância destes anos todos, estes depoimentos revelam-se profundamente datados, presunções sem mostra de prova.
Chegamos ao 25 de Abril, há um conjunto de depoimentos sobre o que era possível fazer de descolonização da Guiné, como se atuou em 25 de Abril, como se abriram conversações com o PAIGC, etc. Obviamente que os testemunhos cabo-verdianos remetem-nos para a realidade do envio de quadros para Cabo Verde, o modo como tal se processou é contado por Aristides Pereira, Pedro Pires, José Araújo, Silvino da Luz, Osvaldo Lopes da Silva, Julinho e Corsino Tolentino. Do lado guineense, Juvêncio Gomes confirma um depoimento que deu igualmente noutros locais sobre o seu papel de primeiro interlocutor do PAIGC após o 25 de Abril.
Insiste-se que a generalidade destes depoimentos não se reveste de aspetos inovadores. Nino Vieira, a propósito do golpe de 14 de novembro de 1980, repete que existia um quadro persecutório cabo-verdiano e que eram humilhantes para os guineenses os contextos institucionais existentes em Cabo Verde que inferiorizavam a Guiné, segundo Nino, Luís Cabral estava incapaz de ler a realidade. A linha guineense, caso de Fidelis Cabral d’ Almada, não deixará de referir os excessos da polícia de segurança, que gradualmente se tornou um Estado dentro do Estado. Dá-nos um quadro alucinante de uma pseudo insurreição dos antigos Comandos africanos, quando eles vieram do Senegal, aonde se tinham refugiado, apareceram praticamente sem qualquer armamento, quem os chamara dissera que vinham para apoiar Nino para fazer parte de um grande exército nacional, foram presos pela segurança e mais tarde executados.
No final desta recolha de depoimentos e dado que a sua publicação ocorreu em 2018, os autores dão-nos conta do que se passou com todos estes protagonistas:
- Fidelis Cabral d’Almada, Ministro da Justiça após o golpe de 14 de novembro de 1980, depois Ministro de Estado na Presidência, deixou a esfera pública em 1996 para se dedicar aos negócios, faleceu em 2002;
- José Araújo manteve-se em Bissau até ao golpe de 14 de novembro de 1980, foi para Cabo Verde onde seria Ministro da Educação, faleceu em 1982;
- Vasco Cabral manteve-se em funções governativas depois da rutura entre a Guiné e Cabo Verde, já faleceu;
- Vítor Saúde Maria foi várias vezes ministro, será nomeado Secretário Permanente do PAIGC e membro do Conselho de Estado, faleceu em 2009;
- Paulo Correia irá ocupar altos cargos e será detido em 1986 acusado de tentativa de golpe de Estado, sujeito a espancamentos e depois fuzilado;
- Juvêncio Gomes será afastado do cargo de Presidente da Câmara Municipal de Bissau após o golpe de 14 de novembro, será depois recuperado e exercerá funções de responsabilidade, incluindo o Ministério do Interior, faleceu em 2016;
- Manuel dos Santos (também chamado Manecas) ficará na Guiné-Bissau depois do golpe de Estado e será várias vezes ministro, dedicar-se-á mais tarde aos seus negócios; não deixará de publicamente se insurgir quanto às pensões de miséria dos antigos combatentes, dando o exemplo de um velho combatente, com deficiência, não recebia mais de 21 euros de pensão;
- o destino de Nino é bem conhecido, irá gradualmente proceder como um ditador, será afastado do poder após o conflito político-militar de 1998-1999, para espanto geral regressa do exílio português e apresenta-se como candidato presidencial, será eleito, irá entrar em conflito frontal com as chefias militares, será acusado de ter mandado liquidar Tagmé Na Waié e em sua sequência, em março de 2009, morto em sua casa, de forma bárbara.
Reconheça-se que o trabalho de Éric e Jeanne Makédonsky merece realce relativamente à cronologia dos acontecimentos desde a era das independências africanas até ao período pós-independência da Guiné e Cabo Verde. São relatos após a recente rutura entre a Guiné e Cabo Verde, há, como é evidente, alguns indícios de ressentimentos, mas no essencial os testemunhos guineenses e cabo-verdianos mantiveram consistência ao longo de décadas.
Nota do editor
Último poste da série de 6 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23331: Notas de leitura (1453): “La fin de l’empire colonial portugais, Témoignages sur un dénouement tardif et tourmenté”, por Éric e Jeanne Makédonsky; L’Harmattan, 2018 (1) (Mário Beja Santos)