Mais do que uma biografia lietrária de Vasco Pulido Valente (VPV) (1941-2020), trata-se de uma longa (e apaixoante) viagem pela história de Portugal, desde o início das invasões francesas e saída da corte para o Brasil em 1807 até à atualidade. O jornalista e escritor João Céu e Silva, com formação em história, realizou uma centena de horas de entrevistas gravadas, com VPV, ao longo de quase dois anos.
Deste livro, achámos que podia interedsar aos nossos leitores tudo o que dizia respeito, direta ou indiretamemente, à guerra colonial e às forças armadas, incluindo o 25 de Abril,o 25 de Novembro, Spínola, o MFA e a descolonização.
(i) 25 de Abril: pronunciamento militar
P- Refere que a revolução de Abril foi
romântica e fraudulenta. Portugal nunca muda ?
R- É fraudulenta porque foi uma revolução inventada, pós-facto- Os capitães queriam sair de África e deram a volta. Não fizeram uma revolução, foi um pronunciamento, e depois, quando chegaram ao poder, precisavam de uma ideologia.
Só após terem feito o pronunciamento é que perceberam a gravidade e o alcance do que tinham feito, e necessitavam de eliminar a sociedade portuguesa tradicional para não sofrerem nenhuma espécie de represálias. E eliminaram.
Atrás disto veio um movimento de opinião a que se atribuiu essa eliminação da sociedade tradicional, que foi, aliás, bastante artificial, e feita pelo governo e não pelas massas. As nacionalizações não foram impostas pelas massas, a reforma agrária não foi de acordo com as massas, a revolução foi decretada e a reforma agrária foi realizada em atos militares e na maior parte dos casos sob proteção dos militares. E pelo PCP também. Sim, pelo PCP, pelos militantes do PCP, que eram muito poucos,, e pelos militares. Os militantes do PCP não teriam chegad.
E atrás disso um movimento romântico indefinido, que exortava as maravilhas do socialismo real, o governo do povo ou o poder popular, e, como não fazia sentido nenhum, acabou por cair” (pág. 42).
(…) Um golpe militar não tem destino e este tem de ser procurado na vida civil, na Igreja, na maçonaria ou, no caso do 25 de Abril, no Partido Comunista Português ou no Partido Socialista.
Os militares diziam “não queremos continuar com a guerra colonial (…) queremos dar autodeterminação aos nossos pretos (…) porque os nossos são diferentes dos pretos dos outros, são nossos amigos”.
Dava-se a liberdade aos “nossos pretos” e depois, para onde se vai ? “Nós somos uma malta porreira, somos camaradas” – tratavam-se assim – “e isto aqui é uma igualdade do caraças. Rastejámos todos pelo chão na recruta, pendurámo-nos todos em argolas e temos todos de andar com farda”.
A única coisa que os militares podiam fazer a seguir ao 25 de Abril era buscar qualquer coisa fora da instituição, uns foram buscar o PCP, outros o PS. (…)
Quanto a Otelo, foi buscar coisas ao anarcossindicalismo, que ele nem percebeu o que era e chamou de poder popular.
Ou seja, os militares não tem destino em si próprios; podem organizar muito bem uma operação como o 25 de Abril, mas basta seguir a cartilha. (…) (pp. 96/97).
(iii) 25 de novembro de 1975:
não houve mistério nenhum
P . Temos o 25 de novembro de 1975. Continua a ser um dos grandres mistérios ?
R – Não acho que seja um grande mistério. O que aconteceu é que havia unidades no Exército português que estavam contra o PCP, e aquele rumo da revolução, entre elas a dos Paraquedistas , a dos Comandos e algumas pessoas que tinham feito outro trajeto político.
Entre essas, os que tinham sido contra os mercenários, que se tinham passado para o Estado-Maior de Spínola e ficado com um certo prestígio no movimento dos capitães,, porque tinham sido os primeiros a protestar: era o caso de Eanes e, nos Comandos, o Jaime Neves.
Foi simples e encontraram-se e fizeram
o golpe do 25 de Novembro. O Eanes dirigiu e o Jaime Neves executou. Todos os
seus colegas diziam que eles eram brilhantes operacionais (…), daí não me não
tenha surpreendido que tivessem ganho. Não houve mistério nenhum nisso, até
porque contaram com o apoio do Soares e tinham o respaldo político do PS (pág.
194) (…)
(…) Foi um golpe em que os
operacionais do Copcon e do PCP não participaram. E o que aconteceu foi que o
Eanes fomou conta do Exército e teve de imediato todo o seu apoio. Tinha sido
um golpe um pouco contrarrevolucionário, um clássico. Eanes pôs todas as
unidades fora de Lisboa, suspendeu uma quantidade de oficiais duvidosos e ao fim de oito dias tinha o
Exército na mão. A história terminou (pág. 197).
(…) Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade (pág. 210)
(iv) Descolonização:
por favor não culpem o Mário Soares
Quando o Dr. Mário Soares chegou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, já o coronel Fabião estava aos abraços ao PAIGC e o Otelo aos abraços à FRELIMO. Não havia negociação possível.
Quem fez a descolonização não foi o Dr. Mário Soares, mas o MFA. Ele não queria fazer aquela descolonização, e foi assim porque o Exército português se desfez em quarenta e oito horas em Angola, Moçambique e Guiné. Neste último caso, fomos mesmo ao encontro das tropas inimigas e confraternizámos poucos dias após o 25 de Abril. Como aconteceu no Norte de Moçambique e quase imediatamente me Angola (pp. 282/283).
(…) Lembro-me do abraço de Soares a Samora Machel, horrível! E Como aconteceu ? A comitiva entrou na sala de reuniões, Otelo olhou para o Machel e disse: “Ah grande Machel, deixe-me dar-lhe um abraço”, e Soares, que estava a chefiar a delegação, ficou sem saber o que iria fazer. Depois de Machel ter dado um abraço a Otelo, veio ter com Soares de braços abertos, “Meu caro Mário”, e deu-lhe um abraço. Isto só deveria ter acontecido com Moçambique independente” (p. 191).
Nota do editor:
(*) Vd. postes anteriores da série:
29 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23828: Notas de leitura (1525): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte V: VPV: "O grande significado do livro, de Spínola, Portugal e o Futuro, era vir a público dizer que a guerra estava perdida"...27 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23820: Notas de leitura (1523): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte IV “Devo à Providência a graça de ser pobre” (Salazar, Braga, 1936)
24 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23811: Notas de leitura (1521): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte III: Salazar, Caetano e as Forças Armadas... (Considerar os capitães milicianos como "voluntários" e "mercenários", raia o insulto, não?!..)
18 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23793: Notas de leitura (1518): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte II: A guerra de África não foi nada parecido como o trauma da I Grande Guerra...
17 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23791: Notas de leitura (1517): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte I . As colónias não valiam o preço...
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