1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2020:
Queridos amigos,
Após percorrer as cerca de quinhentas páginas de comunicações, discursos e mensagens do Fórum Amílcar Cabral 2013, tinha como consigna apreciar o pensamento revolucionário do líder do PAIGC na contemporaneidade, fica-nos um ressaibo de mágoa pelas oportunidades perdidas de lançar um olhar mais aprofundado como esse pensamento, depois de gerar duas independências, falhou rotundamente por falta de aplicação, por incapacidade dos seguidores e, quanto aos dias de hoje, discernir como esse pensamento não pode ser usado por elites políticas gananciosas e sem perspetiva. E que o pensamento de Cabral foi e é marcante atesta-o a investigação feita por dois sociólogos na Guiné e em Cabo Verde, nessa expressão musical e popular que é o rap entoa-se o nome de Cabral para reivindicar sentido da História e para ter esperança no futuro. Quantas outras investigações originais como esta poderiam ter sido convocadas num fórum designado Amílcar Cabral onde a generalidade das intervenções são boas para deitar para o lixo, é duro de dizer mas temos que nos apegar à verdade do que se leu, uma sensaboria.
Um abraço do
Mário
Cabral, o pensamento revolucionário no mundo contemporâneo (2)
Mário Beja Santos
Por Cabral, Sempre, comunicações e discursos apresentados no Fórum Internacional Amílcar Cabral, em janeiro de 2013, na Praia, com organização de Luís Fonseca, Olívio Pires e Rolando Martins, Fundação Amílcar Cabral, 2016, tinha como tema central a leitura do pensamento de Amílcar Cabral à luz da contemporaneidade. Depois de tudo lido, o primeiro comentário é de desapontamento.
Tirando um escasso número de intervenções que trazem um novo olhar seja sobre o pensamento revolucionário de Amílcar Cabral, seja pela atualidade que uma boa parte do seu pensamento comporta, há para ali muito salamaleque e vacuidade, muito mais do mesmo, até uma certa farronca de alegados investigadores que pegaram noutros escritos e apresentam o fruto do seu trabalho como um acontecimento.
No texto anterior, fez-se referência a duas comunicações substantivas, resta-nos uma incursão pelo trabalho de Miguel de Barros e de Redy Wilson Lima dedicado ao pan-africanismo de Cabral na música de intervenção juvenil na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, investigação séria que apraz saudar. E também uma pequena alusão à mensagem do embaixador finlandês Mikko Pyhälä, que nos fala da ajuda escandinava antes da independência da Guiné-Bissau.
O resumo do trabalho sobre a música de intervenção é bem sugestiva para o desenvolvimento da comunicação, como consta:
“Nos anos de 1990, com a vaga de democratização na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, quer o PAIGC, quer o PAICV, partidos tidos como ‘força, luz e guia do povo’, perdem esse estatuto, pondo fim simultaneamente à cadeia de domesticação dos espíritos, precipitando uma descoletivização social das organizações juvenis sob o prisma comunista. Isto fez com que os jovens reinventassem formas de sociabilidade no seio dos grupos de pares, num contexto marcado pela globalização e afro-americanização do mundo, em que a cultura hip-hop, através do seu elemento oral, o rap, aparece como veículo da libertação de expressão e protesto dos grupos urbanos, em situação de maior precariedade. Pretende-se aqui analisar de que forma os jovens guineenses e cabo-verdianos recontextualizaram através do rap, na nova conjuntura dos dois países, o discurso pan-africanista e nacionalista de Amílcar Cabral, tendo em conta o risco de branqueamento da memória coletiva e histórica; a suposta traição dos seus ideais pelos atuais políticos e dirigentes; a necessidade de o resgatar enquanto guia do povo, e de representá-lo como um MC (mensageiro da verdade).
Proceda-se a uma síntese. O apelo ao rap parece residir na sua própria acessibilidade e na facilidade de utilização pela maioria dos jovens com escassos recursos, económicos e culturais. A vaga de democratização, o abrir das portas à liberalização política e o contemporâneo da desideologização do debate público e político, ganhou relevo o rap e o recurso simbólico global no fomento de identidades locais. Para os jovens o recurso à memória de Cabral é uma exteriorização pela insatisfação dos sonhos perdidos e dos planos de desenvolvimento que não tiveram seguimento. O rap tornou-se um instrumento para exteriorizar a crítica e acenar para um futuro mais promissor. Os dois autores falam das realidades socioeconómicas e culturais dos dois países e assim se chega à presença de Cabral na música rap. Das recolhas feitas, em ambos os países avultam quatro aspetos fundamentais: preocupação em manter Cabral como referência face ao risco de branqueamento da memória; crítica aos políticos por se terem alheado do pensamento de Cabral; utilização de Cabral como portador de esperança; Cabral referenciado como mensageiro da verdade. Há quem em mensagem rap refira que a geração mais nova duvida da sua própria história, a imagem de Cabral já não se encontra nos livros da escolaridade básica e os mais novos não conhecem a história dos seus heróis. De uma forma global, a preocupação com a manutenção e atualização da memória viva de Cabral está mais presente nas narrativas dos rappers cabo-verdianos do que guineenses. Este facto pode ser entendido na medida em que a luta pela independência dos dois países não teve como teatro de operações Cabo-Verde, vivenciando assim Cabral quase de uma forma espiritual. É um trabalho de grande sugestão, com diferentes e elucidativos exemplos, bom seria que esta investigação tivesse ampla publicidade. Os mesmos autores abordam a questão do pan-africanismo tratado nesta corrente musical. Concluem referindo o ímpeto que estas mensagens acarretam no espaço público pelo seu vigor reivindicativo. Consideram que há dois elementos que concorrem para maior uso e apropriação do rap como forma da prática de ideologia de libertação: o crioulo enquanto instrumento e a rádio como veículo de comunicação. “Cabral é ainda a principal referência da juventude e fonte de inspiração para as forças progressistas de uma mudança significativa em toda a África tendo em conta a sua eficaz visão de liderança, num continente caraterizado pela liderança deficiente e a necessidade de encontrar líderes comprometidos com a prosperidade das suas sociedades.
Da mensagem do embaixador Mikko Pyhälä parece do maior interesse destacar o papel que tiveram as sociais-democracias nórdicas na ajuda à luta da Guiné-Bissau, fala de Kalvi Sorja, que foi primeiro-ministro da Finlândia, e de outro primeiro-ministro finlandês, Paavo Lipponen, da social-democrata Birgitta Dahl, viria a ser presidente do parlamento sueco, a referência maior cabe a Olof Palme. “Muitos afirmaram que o sucesso da luta deveu-se em absoluto ao carisma e génio de Amílcar Cabral que na análise da sociedade e da opressão coloniais foi mais profundo do que Frantz Fanon e que como estudioso da liberdade e como estratega foi mais claro do que Che Guevara. Afirmou-se que Cabral conseguiu integrar valores africanos e europeus, e que com o amplo conhecimento do país que obteve quando realizou o recenseamento agrícola passou a conhecer o potencial dos vários grupos étnicos e sociais para a revolução. Para o êxito desta revolução era necessário uma aliança entre os cabo-verdianos e os guineenses. Cabral não sobrevalorizou a espontaneidade dos camponeses como fez Che Guevara. Para Cabral, a atividade militar só era possível com base num longo e paciente trabalho político e, embora insistisse que os guerrilheiros fossem militantes armados, nunca promoveu o militarismo. O sociólogo finlandês Juhani Koponen escreveu que Cabral foi o mais brilhante pensador da jovem África. Para o escritor sueco Per Wästberg, Cabral foi o mais brilhante dos líderes que as lutas africanas pela independência produziram e a sua perda foi irreparável”.
Notas do editor
Poste anterior de 21 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23801: Notas de leitura (1520): "Por Cabral, Sempre - Forum Amícar Cabral 2013 - Comunicações e discursos"; organização de Luís Fonseca, Olívio Pires e Rolando Martins, Fundação Amílcar Cabral, 2016 (1) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 27 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23820: Notas de leitura (1523): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte IV “Devo à Providência a graça de ser pobre” (Salazar, Braga, 1936)
O resumo do trabalho sobre a música de intervenção é bem sugestiva para o desenvolvimento da comunicação, como consta:
“Nos anos de 1990, com a vaga de democratização na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, quer o PAIGC, quer o PAICV, partidos tidos como ‘força, luz e guia do povo’, perdem esse estatuto, pondo fim simultaneamente à cadeia de domesticação dos espíritos, precipitando uma descoletivização social das organizações juvenis sob o prisma comunista. Isto fez com que os jovens reinventassem formas de sociabilidade no seio dos grupos de pares, num contexto marcado pela globalização e afro-americanização do mundo, em que a cultura hip-hop, através do seu elemento oral, o rap, aparece como veículo da libertação de expressão e protesto dos grupos urbanos, em situação de maior precariedade. Pretende-se aqui analisar de que forma os jovens guineenses e cabo-verdianos recontextualizaram através do rap, na nova conjuntura dos dois países, o discurso pan-africanista e nacionalista de Amílcar Cabral, tendo em conta o risco de branqueamento da memória coletiva e histórica; a suposta traição dos seus ideais pelos atuais políticos e dirigentes; a necessidade de o resgatar enquanto guia do povo, e de representá-lo como um MC (mensageiro da verdade).
Proceda-se a uma síntese. O apelo ao rap parece residir na sua própria acessibilidade e na facilidade de utilização pela maioria dos jovens com escassos recursos, económicos e culturais. A vaga de democratização, o abrir das portas à liberalização política e o contemporâneo da desideologização do debate público e político, ganhou relevo o rap e o recurso simbólico global no fomento de identidades locais. Para os jovens o recurso à memória de Cabral é uma exteriorização pela insatisfação dos sonhos perdidos e dos planos de desenvolvimento que não tiveram seguimento. O rap tornou-se um instrumento para exteriorizar a crítica e acenar para um futuro mais promissor. Os dois autores falam das realidades socioeconómicas e culturais dos dois países e assim se chega à presença de Cabral na música rap. Das recolhas feitas, em ambos os países avultam quatro aspetos fundamentais: preocupação em manter Cabral como referência face ao risco de branqueamento da memória; crítica aos políticos por se terem alheado do pensamento de Cabral; utilização de Cabral como portador de esperança; Cabral referenciado como mensageiro da verdade. Há quem em mensagem rap refira que a geração mais nova duvida da sua própria história, a imagem de Cabral já não se encontra nos livros da escolaridade básica e os mais novos não conhecem a história dos seus heróis. De uma forma global, a preocupação com a manutenção e atualização da memória viva de Cabral está mais presente nas narrativas dos rappers cabo-verdianos do que guineenses. Este facto pode ser entendido na medida em que a luta pela independência dos dois países não teve como teatro de operações Cabo-Verde, vivenciando assim Cabral quase de uma forma espiritual. É um trabalho de grande sugestão, com diferentes e elucidativos exemplos, bom seria que esta investigação tivesse ampla publicidade. Os mesmos autores abordam a questão do pan-africanismo tratado nesta corrente musical. Concluem referindo o ímpeto que estas mensagens acarretam no espaço público pelo seu vigor reivindicativo. Consideram que há dois elementos que concorrem para maior uso e apropriação do rap como forma da prática de ideologia de libertação: o crioulo enquanto instrumento e a rádio como veículo de comunicação. “Cabral é ainda a principal referência da juventude e fonte de inspiração para as forças progressistas de uma mudança significativa em toda a África tendo em conta a sua eficaz visão de liderança, num continente caraterizado pela liderança deficiente e a necessidade de encontrar líderes comprometidos com a prosperidade das suas sociedades.
Da mensagem do embaixador Mikko Pyhälä parece do maior interesse destacar o papel que tiveram as sociais-democracias nórdicas na ajuda à luta da Guiné-Bissau, fala de Kalvi Sorja, que foi primeiro-ministro da Finlândia, e de outro primeiro-ministro finlandês, Paavo Lipponen, da social-democrata Birgitta Dahl, viria a ser presidente do parlamento sueco, a referência maior cabe a Olof Palme. “Muitos afirmaram que o sucesso da luta deveu-se em absoluto ao carisma e génio de Amílcar Cabral que na análise da sociedade e da opressão coloniais foi mais profundo do que Frantz Fanon e que como estudioso da liberdade e como estratega foi mais claro do que Che Guevara. Afirmou-se que Cabral conseguiu integrar valores africanos e europeus, e que com o amplo conhecimento do país que obteve quando realizou o recenseamento agrícola passou a conhecer o potencial dos vários grupos étnicos e sociais para a revolução. Para o êxito desta revolução era necessário uma aliança entre os cabo-verdianos e os guineenses. Cabral não sobrevalorizou a espontaneidade dos camponeses como fez Che Guevara. Para Cabral, a atividade militar só era possível com base num longo e paciente trabalho político e, embora insistisse que os guerrilheiros fossem militantes armados, nunca promoveu o militarismo. O sociólogo finlandês Juhani Koponen escreveu que Cabral foi o mais brilhante pensador da jovem África. Para o escritor sueco Per Wästberg, Cabral foi o mais brilhante dos líderes que as lutas africanas pela independência produziram e a sua perda foi irreparável”.
Amílcar Cabral na Guiné com a sua primeira mulher, Maria Helena Vilhena Rodrigues
Miguel de Barros, sociólogo guineense
____________Notas do editor
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Último poste da série de 27 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23820: Notas de leitura (1523): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte IV “Devo à Providência a graça de ser pobre” (Salazar, Braga, 1936)
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