sábado, 12 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10931: Recortes de imprensa (63): Homenagem, em maio de 2008, ao tenente capelão Joaquim Ferreira da Silva, jesuíta, natural de Santo Tirso, que pela sua coragem e lucidez terá evitado um banho de sangue no campo de prisioneiros de Pondá, Goa, em 19 de março de 1962 (JN- Jornal de Notícias, 12/5/2008)

1. Ainda a propósito da exposição "Álbum de Memórias: India Portuguesa, 1954-1962", que est+a a terminar (Lisboa, Padrão dos Descobrimentos: imagem do cartaz  à esquerda), reproduz-se aqui, com a devida vénia, a notícia da homenagem,  prestada em maio de 2008, por um grupo de ex-prisioneiros de guerra, ao tenente capelão Joaquim Ferreira da Silva,  cujo comportamento corajoso e lúcido no campo de prisioneiros de Pondá, em Goa, no dia 19 de março de 1962 poderá ter evitado um banho de sangue. (LG)

Goa recordada por prisioneiros

Ana Trocado Marques
JN- Jornal de Notícias, 12/5/2008

É o dia 19 de Março de 1962, pelas 18.30 horas. Campo de prisioneiros de Pondá, Goa, Índia. Três prisioneiros tentaram a fuga. Denunciada por um furriel português, a ousada manobra falhou e o acto de indisciplina iria ser pago com o fuzilamento dos 1750 militares portugueses, prisioneiros, em Pondá, desde 17 de Dezembro de 1961. A coragem e a diplomacia do tenente-capelão Ferreira da Silva haveria de evitar o banho de sangue.

Quarenta e seis anos depois, Fausto Diabinho [, foto à direita, há 50 anos atrás,] ainda não consegue conter as lágrimas ao recordar o fatídico 19 de Março. Viu a morte à frente. Lembra os companheiros a desmaiar, as metralhadoras apontadas, o pelotão de fuzilamento e a voz que gritava "Quem se mexer será abatido". Lembra, sobretudo, o tenente-capelão que, num acto heróico, sai da formatura, arriscando a vida, e consegue negociar com o brigadeiro indiano o perdão dos portugueses, evitando o massacre.

(...) Quarenta e seis anos depois, o Ministério da Defesa reconhece, finalmente, o acto heróico de Joaquim Ferreira da Silva, a quem atribui, a 7 Dezembro do ano passado, a título póstumo, a Medalha Militar de Serviços Distintos, grau ouro.

"Se hoje estamos aqui, devemos-lhe a ele", garante o vice-presidente da Associação Nacional dos Prisioneiros de Guerra (ANPG), que, anteontem, prestou, na Póvoa de Varzim, homenagem a Ferreira da Silva."Se fosse vivo, faria 92 anos", recordou Fausto Diabinho, explicando a escolha do dia para homenagear o tenente-capelão, sepultado no cemitério poveiro.

Foi igualmente em Maio, em 2003, continuou a explicar, que o Governo reconheceu a condição de prisioneiros de guerra, condecorando todos os ex-militares presos na Índia, Timor, Angola, Moçambique e Guiné. Finalmente, foi também em Maio de 1962 que os mais de três mil portugueses presos na Índia começaram a ser libertados.

"O ministro da Defesa, na altura Castro Caldas, teve a ousadia de dizer que não houve prisioneiros de guerra na Índia porque simplesmente estavam à espera de transporte", lembrou Fausto Diabinho, que recorda, com tristeza, os mais de 40 anos necessários para que Portugal reconhecesse que, a defender a pátria, três mil militares portugueses foram feitos prisioneiros, durante seis meses, e 29 perderam a vida. Agora, os ex-prisioneiros na Índia festejam, finalmente, o reconhecimento justo de quem "serviu a pátria e perdeu a vida" em defesa dos territórios portugueses de Goa, Damão e Diu.

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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de dezembro de 2012 > Guiné 67/74 - P10854: Recortes de imprensa (62): Um caso de sucesso: a proteção dos hipopótamos de água salgada da ilha de Orango, nos Bijagós (RTP África, 10/12/2012)

Guiné 63/74 - P10930: Os nossos seres, saberes e lazeres (50): A caminho de Auroville, a "cidade do amanhecer", no sul da Índia... Mas se pudesse escolher, era já para Iemberém que eu queria voar (Anabela Pires)


1. Mensagem de 8 do corrente, da nossa amiga, grã-tabanqueira,  nº 536, Anabela Pires [, foto à direita, em  Catesse, Cantanhez, Guiné-Bissau, janeiro de 2012,]:

Assunto: A caminho de Auroville, na Índia

Olá, família, amigos, amigas, ex-colegas e ex-vizinhos!

Como sabem,  passei os últimos tempos entre Alcobaça e Coimbra e fiz uma mini-horta em casa de uns amigos da minha irmã (mando umas fotos para verem!). [vd. uma das fotos, abaixo,

Durante este tempo procurei também, em vão, quintas com horta biológica e condições mínimas de habitabilidade (que está frioooo!) para aprender mais e oportunidades internacionais de voluntariado. Em Portugal tudo parece tão difícil!

Assim, acabei por decidir ir para Auroville, na Índia (quem tiver curiosidade pode ir a www.auroville.org ou (informação mais ligeira) a www.en.wikipedia.org/wiki/Auroville .

Vou voar de hoje a oito dias na companhia aérea dos Emirados Árabes - Lisboa- Dubai - Chennai. Dia 16 ficarei a dormir em Chennai e dia 17 irei então para Auroville num táxi da sua companhia de táxis. Chegarei no mesmo dia em que o ano passado cheguei a Iemberém. E se pudesse escolher era para Iemberém que voaria também este ano.

Penso passar a 1ª quinzena a conhecer Auroville e a integrar-me. Depois ou opto por uma participação ativa, ajudando onde for preciso - penso que vou privilegiar as quintas para continuar a aprender a cultivar - ou opto por um projeto de voluntariado. Tudo vai depender dos projetos de voluntariado que houver. Tenho como limitação a língua mas pelo menos espero regressar a falar inglês mais fluentemente.

Penso regressar/chegar a Portugal dia 3 de Julho.

Não sei se irei ou não escrever um Diário como fiz na Guiné mas se o fizer gostava de saber quem tem curiosidade, tempo, disponibilidade e o quer ler. Posso enviar notícias curtas ou longas ou nem enviar nenhumas. A opção é vossa, é só dizerem o que preferem.

Não terei acesso diário à Internet e por isso peço o favor de não me encaminharem e-mails que não sejam de carácter pessoal.

Sobre Portugal só quero saber das boas notícias [...]. Bom, desejo a todos muita saúde e muito humor para aguentarem isto por cá.

Um enorme abraço,
Anabela




Página de rosto do sítio Auroville.org. "Auroville, também conhecida como 'A Cidade do Amanhecer', é uma povoação internacional perto de Pondicherry, no sul da Índia, construída com o propósito de realizar a unidade humana na diversidade. Conta atualmente com cerca de 2 mil pessoas, um terço das quais indianas e as demais originárias de 35 países do mundo todo, inclusive do Brasil. Foi fundada dentro dos princípios da ioga integral, desenvolvida por Sri Aurobindo" (Fonte: Wikipedia > Auroville).


2. Comentário de L.G.:

Tenho pena que os teus projetos de desenvolvimento pessoal e comunitário no campo da agricultura biológica não se tenham podido concretizar aqui, nesta tua segunda terra... É verdade, às vezes, em Portugal tudo parece tão difícil!...E mais pena ainda de o teu regresso a Iemberém não se poder concretizar tão cedo...

Prossigamos, então,  a busca da utopia,  mesmo que o lugar perfeito não exista, nunca tenha existido, nem nunca venha a existir. Do grego antigo, οὐ (não) + τόπος (lugar), não-lugar.

Dito isto, bons ventos te levem até à Índia eterna e misteriosa, e melhores monções ainda te tragam até ao Puto, em julho próximo. És uma verdadeira tuga e cidadã do mundo. Tenho a certeza que vais sentir-te bem, aprendendo, ensinando, ajudando e cooperando que é  o teu modo de ser e estar na vida. Para nós, manda notícias breves e tranquilizadores. No final, podes fazer o balanço para o Tabancal. Se houver notícias desta ponta da Europa, fica descansada que a gente mandas-ta, em correio expresso, se forem mesmo maravilhosas. Um Alfa Bravo dos teus vizinhos de poilão, grã-tabanqueiros, que cá ficam a tomar conta das moranças da nossa utopia.

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10572: Os nossos seres, saberes e lazeres (49): Mário Beja Santos, passa à situação de aposentado a partir de 31 de Outubro

Guiné 63/74 - P10929: Agenda cultural (247): Termina a 27 deste mês a exposição Álbum de Memórias: Índia Portuguesa. 1954-62, Lisboa, Padrão dos Descobrimentos


O major general  Gespal (Sikh), primeiro comandante do campo de prisioneiros de Pondá, Goa, tendo à sua esquerda o capitão de fragata José Pinto da Cruz, imediato do avio "Afonso Albuquerque", e comandante dos prisioneiros.



Goa > Campo de prisioneiros do Forte de Aguada > O famigerado  bidão da sopa. Um dos cozinheiros deste ou campo de Pandá  era o meu primo Luís Maçarico, de Ribamar, Lourinhã. (Estava colocado no Hospital Militar de Pangim, aquando da invasão).




Goa > Vasco da Gama >  Campo de prisioneiros de Alparqueiros >  1962 > "Quem passar daqui será alvejado a tiro": título de letreiro afixado, ao fundo... Em  11 de janeiro, tinha havido uma tentativa de fuga de 11 prisioneiros, que procuraram refúgio num navio ancorado no porto, e prontamente denunciados pelo respetivo capitão. 

A 19 de março, no campo de prisioneiros de Pondá, Goa, haverá outra tentativa de fuga: 3 prisioneiros tenta5m esconder-se na camioneta da recolha do lixo, mas são denunciados pelo furriel que os comandava.  Este incidente acabou por dar origem a uma revolta coletiva que, embora prontamente doiminada pelos oficiais e sargentos portugueses, levou à intervenção do brigadeiro indiano, comandante geral dos campos de Goa, que ameaçou fuzilar todos os que persistissem em castigar o furriel... O tenente capelão Joaquim Ferreira da Silva, jesuita, natural de Santo Tirso, teve então um gesto heróico, conseguindo apaziguar os ânimos de um lado e do outro. O capitão Roberto Durão escreveuino seu diário: "Hoje foi o dia do Pai [, 19 de março,], podíamos ter deixado muitos órfãos em Portugal, pois a nossa vida estave por um fio".



Goa > Campo de prisioneiros de Alparqueiros > 1962 > Na hora da despedida, ao fim de 5 meses e meio de cativeiro.



N/T Pátria > 1962 > Repatriamento dos prisioneiros de guerra... Um operação discreta, um regresso humilhante, um momento doloroso da nossa história, um esquecimento coletivo de meio século...






Pequena amostra da exposição Álbum de Memórias: Índia Portuguesa, 1954-62, que tem estado aberta ao público, desde setembro de 2012, em  Lisboa, Padrão dos Descobrimentos. Encerra em  27 de janeiro de 2013. [Imagens e legendas  de L.G,]

A exposição, criado a partir de fotografias, documentação e recordações dos militares portugueses, espólio recolhido por Fernanda Paraíso, com o apoio da Associação Nacional de Prisioneiros de Guerra (ANPG), "retrata a vida dos militares, prisioneiros de guerra na sequência da ocupação indiana dos territórios portugueses na Índia, em  Dezembro de 1961, até ao momento do seu repatriamentO". Tem também o contributo do Observatório Político que "introduz o enquadramento complementar para a compreensão do quadro histórico e político de meados do século XX, no qual se inscrevem os acontecimentos narrados."

Com a presente expsição, a EGEAC (, a empresa do Município de Lisboa, responsável pela Gestão de Equipamentos e Animação Cultura,) assinala os 50 anos do regresso, em 1992,  do último contingente militar da Índia Portuguesa. (**)

Visitas guiadas a 20 (11h00) e 27 (15h30) de janeiro de 2013. Clicar aqui para aceder ao sítio do Padrão dos Descobrimentos



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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:

 23 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10847: Agenda cultural (242): Últimos dias da exposição Álbum de Memórias: Índia Portuguesa, 1954-62... Lisboa, Padrão dos Descobrimentos: agora até 27 de janeiro de 2013

16 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10808: Agenda cultural (241): Últimos dias da exposição Álbum de Memórias: Índia Portuguesa, 1954-62... Lisboa, Padrão dos Descobrimentos: até 30/12/2012

(**) Último poste da série > 4 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10897: Agenda cultural (246): Exposição, em Odivelas, na biblioteca municipal D. Dinis, de 4 a 20 de janeiro de 2013, " Regimento de Engenharia nº 1 - 200 anos a servir Portugal" (José Martins)

Guiné 63/74 - P10928: Tabanca Grande (380): Joaquim Ruivo, grã-tabanqueiro n.º 598, alentejano, ex-1.º cabo mec , obus 8.8, BAC 1 (Santa Luzia, Bissau, out 61 / fev 64)



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > "O porto de Mindelo, quando da minha passagem em 1961 a caminho da Guiné... Aqui, na cidade de Mindelo, na Casa Leão, era onde se compravam os rádios Hitachi mais baratos."


Guiné > Bissau > 1961 > "Navio Alfredo da Silva a atracar no porto de Bissau"


Guiné > Bissau > "Poilão que existia dentro do quartel em Bissau, onde estive colocado e onde foi colocado um posto de observação. Os degraus em ferro que se vêm foram feitos por mim".


Guiné > Bissau > BAC > Guião da unidade. Divisa: "Os olhos na Pátria e a Pátria no coração"




Guiné > Bissau "Chegada ao quartel de Santa Luzia dos recrutas de 62".


Guiné > Bissau > 1962 > "Quartel em Santa Luzia, em dia do Juramento de Bandeira"


Guiné > Bissau > "Pessoal da BAC, confraternizando no dia da Artilharia"

Guiné > Bissau > BAC > "Todos os obuses existentes na Guiné, em 1963"


Guiné > Bissau > "Ninho de térmitas"


Guiné > Bissau > "Capela de Santa Luzia em Bissau. Nesta Capela esteve em câmara ardente, uma das primeiras vitimas da guerra: um capitão de Cavalaria, bem conhecido em Bissau por ser um grande desportista".



Guiné > Bissau > "Antigo Aeródromo de Brá (em 1962 só existia este monumento e dois hangares em ruínas)".



Guiné > Região do Oio > Lavadeiras junto à ponte de Mansoa.


Guiné > Bissau > da esquerda para a direita: Joaquim Ruivo, Marmelo e Nuno

Fotos (e legendas): © Joaquim Ruivo (2013). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do Joaquim Ruivo, publicada na nossa página do Facebook, em 5 de janeiro de 2013:

Olá, amigos tabanqueiros.... Vou apresentar-me: o meu nome é Joaquim Ruivo, fui para a Guiné como 1º cabo mecânico de armas pesadas e fui colocado numa unidade de artilharia (obus 8,8),  formada por naturais da Guiné. Fui em Outubro de 61 e vim em Fevereiro de 64. Por isso tenho mais tempo de paz que de guerra.

A minha participação directa na guerra foi em Catió a preparar os obuses par participarem na operação Tridente.

Sinto-me lisonjeado por passar a pertencer à Tabanca Grande.

2. Comentário de L.G.:

O nosso camarada Joaquim Ruivo é natural de  Brotas, Evora. Nasceu a 3 de Agosto de 1939. Vive em Vendas Novas. Tem página no Facebook. É um dos camaradas do tempo da mauser e do caqui amarelo. Ainda conheceu  a Guiné em paz, relativa. Cumpriu dois anos e cinco meses de comissão de serviço, o que foi obra!...

Através de uma seleção das suas fotos no Facebook, tentámos fazer uma reconstituição do seu percurso na Guiné, desde a sua viagem em outubro de 1961 (passando pelo Mindelo, São Vicente), até à sua colocação na BAC (Bateria de Artilharia de Campanha), em Santa Luzia, com passagem por Mansoa e Catió, e finalmente o regresso a casa, em fevereiro de 64. Ficamos a saber, por exemplo, que era fraca a presença da artilharia de campanha, que as guarnições do obus 8.8 eram constituídas por pessoal do recrutamento local e que chegou a haver um aeródromo em Brá, antes da BA 12, em Bissalanca.

Joaquim, como eu te tinha prometido, estás apresentado à Tabanca Grande. És o grã-tabanqueiro nº 598. Como sabes,aqui  tratamo-nos por tu, como camaradas de armas que fomos. Isto facilita a comunicação entre nós. Não importam as diferenças do passado nem sequer as de hoje.

Obrigado pelas tuas fotos e respetivas legendas. Fico à espera que me mandes uma pequena história do teu tempo, de que te lembres. Terei muito gosto em publicá-la. Vejo também que és um avô babado e amigo do teu amigo. Senta-te aqui ao pé da gente, debaixo do poilão da nossa Tabanca Grande, e deixa fluir a tua memória.  Gostávamos, por exemplo,  em que data é que te apercebeste de que havia guerra na Guiné. Tudo começou em 23 de janeiro de 1963 (como dizem as crónicas oficiais do PAIGC), com o ataque a Tite, ou já havia escaramuças antes ?

Um abraço de todos os nossos editores. Tens aqui o nosso endereço de email: 
luisgracaecaamaradasdaguine@gmail.com. Precisamos agora de saber o teu.
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10914: Tabanca Grande (379): José Augusto Miranda Ribeiro, ex-Fur Mil da CART 566 (Cabo Verde e Guiné, 1963/65)

Guiné 63/74 - P10927: Do Ninho D'Águia até África (43): Lodo e tarrafo (Tony Borié)

1. Quadragésimo terceiro episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 8 de Janeiro de 2013:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (43)




A manhã não estava muito quente, regressavam de tomar banho nos três furos de água que havia a sul do aquartelamento, de onde vinha uma água quente, mesmo muito quente, a cheirar a enxofre ou coisa parecida. Traziam já o cigarro “três vintes” na boca, e o Curvas, alto e refilão, dizia ao Cifra:
- Tu não sabes o que é guerra, cala-te, tu és “tropa fandanga, tropa manhosa”, gostava de te ver a atravessar uma zona de lodo e tarrafo, sempre com o coração nas mãos, à espera de uma emboscada!

O Cifra ouvia e nada dizia, pois sabia que era verdade.

O Setúbal, acrescenta:
- Tenho mais medo de caminhar no lodo do que, às vezes, enfrentar uma emboscada, tens que caminhar, direito e sempre com todos os sentidos de alerta e equilíbrio, pois se cais, e não vai mais do que um companheiro a teu lado, é um grande problema para saíres, quanto mais força fazes, mais te enterras, e o companheiro que vem até a ti para te ajudar, se também se enterra, então é um desastre, tem que ser alguém a estender-te algo a que te possas agarrar para que aos poucos te vás safando. Então, nossa querida G-3, mais todo o equipamento que carregamos, fica com o dobro do peso. Quando se tem o azar de cair, é melhor não haver contacto físico, a maldita lama parece que tem cola, quando colocas o pé e o enterras na lama, ao tirá-lo, faz vácuo e quando se tenta mover os pés, fazemos muito mais esforço do que o normal, daí um substancial cansaço, e se não se tem os cinco sentidos apurados, entramos em pânico.


O Cifra continuava a ouvir, e compreendia que aquilo era verdade. E o Curvas, tirando o cigarro da boca, continuava:
- E não te quero dizer nada do que sucederia se ficasses enterrado na lama e a maré começasse a encher, depois logo a seguir à lama vem o maldito tarrafo, que é toda aquela vegetação, seca por baixo e verdejante por cima, que quando a maré está cheia, vista de longe é muito linda, mas quando não há água, até mete medo. Vem logo a seguir à lama, e temos que ter força para o atravessarmos, sempre arredando para o lado aquela vegetação tinhosa, cheia de mosquitos, e dizem que é lá que se metem os crocodilos.

E logo o Setúbal, fala mais alto, e diz:
- Também não exageres, pois eu nunca vi nenhum, mas depois a maldita lama entranhada no camuflado, com as minhas botas rotas, onde entra água e toda a porcaria, é um sacrifício caminhar. Quando vai o alferes da companhia de intervenção, e não quer parar, sempre com aquela voz fininha: “vamos, vamos, que se faz noite”, parece tal e qual as gajas que à sexta-feira apareciam na minha aldeia para fazerem “uma geral”.


O Cifa continuava a ouvir, e ia dizer que era verdade, mas o Curvas, alto e refilão, logo lhe dizia:
- Cala-te, essas mãos e essas unhas nunca sentiram uma G-3 com o cano em brasa e tu desesperado para dares mais fogo, não teres mais balas, portanto és “tropa rafeira, tropa fandanga, tropa manhosa”.

Entretanto chegaram ao dormitório, atiraram o resto cigarro para o chão, entraram ouviram o Trinta e Seis, baixo e forte na estatura, gritar para o Curvas, alto e refilão:
- Porra, estava à vossa espera para ir-mos ao café, pois já sabes, se chegas tarde, o Arroz com Pão, que era o cabo do rancho, fica pior que estragado, e ficas sem comer até ao meio dia.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10911: Do Ninho D'Águia até África (42): O Cifra encontra um inimigo (Tony Borié)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10926: (Ex)citações (205): Ainda eu, o comandante Alpoim Calvão e a Operação Nebulosa (Jorge Félix, ex-alf mil pil, AL III, Esq 122, BA 12, Bissalanca, 1968/70)


Guiné > Teixeira Pinto > 1969 >  "Rebordão de Brito, Fernando Giesteira, e eu" (JF) [Ou não será antes, da esquerda para a direita, Fernando Giesteira, Rebordão de Brito e Jorge Félix ?]

Foto: © Jorge Félix (2013). Todos os direitos reservados 


1. Mensagem do Jorge Félix [, foto à direita, ex-alf mil pil, AL III, Esq 122, BA 12, Bissalanca, 1968/70]

Data: 9 de Janeiro de 2013 17:22

Assunto: Comentário a comentário(s) ao poste P10891 (*)

Meu Caro Luís Graça,

Vou novamente pedir a tua paciência, para dares seguimento a este mail.

...Não consegui fazer-me entender, culpa minha, desde já as minhas desculpas .

Retribuo os meus sinceros cumprimentos aos autores do livro e a ao Senhor Comandante Alpoim Calvão.

(Junto uma foto de 69 em Teixeira Pinto onde consta Rebordão de Brito, Fernando Giesteira, e eu).
Sem mais.

Abraço do tamanho do Geba

Jorge Félix
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Nota do editor:

(*) vd. poste de 3 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10891: (Ex)citações (204): Alpoim Calvão e a Operação Nebulosa: revelações de Jorge Félix, ex-alf mil pil av heli AL III, e comentário de João Meneses, 2º ten fze, RN, DFE 21, 1972

(...) JCAS deixou um novo comentário na sua mensagem "Guiné 63/74 - P10891: (Ex)citações (204): Alpoim ...":

... no intuito de concluir o m/comentário supra (o qual pouco depois, em conjunto aos conteúdos dos vossos p10877 e p10891, fiz chegar a conhecimento do biografado), reproduzo, para benefício de todos os membros deste blogue e seus leitores, um recente email:

---«quote»---

de: guilherme alpoim calvao
para: Abreu dos Santos (senior)
data: 06Jan2013 19:43
assunto: Re: "Alpoim Calvão e a Operação Nebulosa: revelações de Jorge Félix"

Prezado Amigo, boa noite.

Sobre o comentário do Jorge Félix, tenho a dizer-lhe:

Parece que as pessoas andam com as sensibilidades exacerbadas. Não há ninguém, nos fuzileiros e na Marinha, que não teça os maiores elogios à actuação da FAP no teatro-de-operações da Guiné, incluindo dois dos autores, oficiais do quadro de fuzileiros e combatentes na Guiné!

A apresentação do episódio da Nebulosa, resume-se ao seguinte:

Necessidades operacionais obrigavam-me a estar em Bissau a uma certa hora, impossível de cumprir com o meio naval em que estava embarcado. Tomei pois a decisão de enviar msg para o CDMG pedindo que fosse contactada a FAP, para me ir pescar num banco de areia que, com o subir da maré, ficava completamente submerso e onde a Marinha tinha colocado recentemente uma marca com reflector para radar. Desembarquei imediatamente, sem esperar resposta para não perder as condições da altura da água. Entretanto a msg foi cifrada, telegrafada, recebida no CDMG, decifrada e o Comodoro entrou em contacto com o Cor. Diogo Neto, que sabia o porquê do pedido e que, pelos vistos, deu uma ordem ao Jorge Félix para me ir buscar. Como a marca não estava assinalada na carta geográfica – utilizei uma carta hidrográfica –, enquanto esperava pensei que era mais uma dificuldade para o piloto. Mas tinha a certeza que me iriam encontrar.

Agora veja os tempos: desde o meu desembarque até o pedido chegar ao Cor. Manuel Diogo Neto, 90 minutos, mais o tempo de voo e de busca, com a maré a encher, senti que tinha passado um século!!!

Quando me aproximei da marca para evitar um banho forçado, vi que já lá estava um náufrago – em crioulo, "irã ceco" –, que vulgarmente chamávamos de jibóia. Como não sou herpetólogo, provavelmente classifiquei mal o bicho, que tinha entre três ou quatro metros e, dado ser uma constritora, não me apetecia mesmo nada disputar terreno com ela! Pouco depois chegou o heli, que me pescou finalmente, como era esperado.

Saliento que estava desarmado, sem meios de comunicação, isolado, mas tinha tanta confiança na FAP que não pensei duas vezes. Sabia que haviam de me encontrar!

Tirei o 'brevet' na Guiné, tendo por instrutores o então Major Lino Miguel, por vezes o Cor. Neto ou o Orlando Amaral.

Já agora, agradeço ao Jorge Félix a boleia do passado e esteja certo da nossa maior consideração pela FAP, que foi o anjo guardião, dos céus dos nossos teatros-de- operações.

Melhores cumprimentos e um Abraço

G. Alpoim Calvão

---«unquote»---
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Guiné 63/74 - P10925: Notas de leitura (448): Amílcar Cabral, Unité et Lutte (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,
À semelhança da antologia que organizara para o uso dos quadros do PAIGC, na Guiné-Bissau, Mário Pinto de Andrade organizou nos mesmos moldes uma antologia que veio a ser publicada em França pela Maspero. Reúne, na ótica de um ideólogo que conviveu muitíssimo com Cabral, o que há de mais saliente para conhecer o ideólogo, o revolucionário, o organizador, o diplomata, o chefe de partido.
Mário de Andrade procurou fixar o pensamento luminoso, a linguagem acessível, a extraordinária capacidade pedagógica, o pensamento independente dentro de referentes tipicamente marxistas mas com uma grande abertura que chocava outros pensadores congéneres daquele tempo.

Um abraço do
Mário


Amílcar Cabral, os textos fundamentais

Beja Santos

Em 1980, a conceituada Librairie François Maspero publicava, com a coordenação de Mário Pinto de Andrade, uma seleção de textos de Cabral. Mário de Andrade, vale a pena insistir, foi um dos mais importantes ideólogos angolanos, teve larga convivência com Cabral, admiravam-se reciprocamente, a sua biografia do líder do PAIGC ainda hoje é obra de incontestável importância e esta seleção de textos mostra inequivocamente como Andrade conhecia as comunicações de maior peso de Andrade. Como se passa a referir.

O primeiro texto desta antologia intitula-se "Relatório geral sobre a luta de libertação nacional" apresentada na Conferência das organizações nacionalistas da Guiné e das ilhas de Cabo Verde, que se realizou em Dakar, em Julho de 1961. Trata-se da primeira dissertação de Cabral sobre o colonialismo, é um documento pleno de vivacidade, uma comunicação que pretende abraçar os diferentes manifestos colonialistas, com destaque para Angola. Refere a conferência das organizações nacionalistas das colónias portuguesas (realizada em Casablanca em Abril de 1961), refere a situação económica e social da Guiné e Cabo Verde e considera que a luta anticolonial está ao nível dos interesses fundamentais dos povos africanos e da paz mundial.

O segundo texto é de uma importância primordial, intitula-se “Os princípios do partido e a prática política”, é a coletânea das suas comunicações no seminário de quadros que se realizou em Conacri, em 1969. Temos aqui o registo do pensamento político de Cabral, a excelência da sua pedagogia, a visão do revolucionário. Aborda a unidade e a luta, socorrendo-se de imagens comuns, mostra-se conhecedor da vida guineense e da realidade cabo-verdiana. Depois centra-se na realidade, e fala da economia, da sociedade e da cultura, chama a atenção para o peso do animismo e apela para que os preconceitos e as crenças não sejam proibidos, que haja um diálogo para despertar nos camaradas ideias novas, instrução e compreensão da realidade. Quanto à realidade política, anuncia que a vida partidária não é para dar lugar a ministros e a gente que queira cuidar dos seus interesses, o PAIGC deve estar ao serviço de toda a população, a sua direção política, os seus quadros militares deverão ser plebiscitados pelo povo, só se deve premiar a responsabilidade e a competência e refere concretamente o papel da mulher, não ilude a aspereza do tempo que a luta armada reserva aos combatentes, haverá ainda muitos sacrifícios pela frente. E passa para a natureza da luta do povo, pelo povo e para o povo, para esclarecer contra quem se está a lutar e quais os objetivos da luta; aqui a sua linguagem revela a sua preparação marxista, luta-se contra o capitalismo e o imperialismo graças a forças materiais ou espirituais que configuram a vontade popular para atingir a liberdade, a independência e a justiça. Como se estivesse a estabelecer as bases de uma política externa, insiste na natureza da independência de pensamento do PAIGC face a todos os seus aliados, refere a solidariedade com os povos em luta e agradece o apoio que tem sido concedido pela Guiné-Conacri.

O trabalho partidário é pormenorizadamente abordado e explica a democracia revolucionária, a exigência de combater todo e qualquer oportunismo, exaltando a sinceridade nos debates como obrigatória. Documenta as tarefas do trabalho político e os perigos do laxismo, em que consiste a segurança, a importância das milícias populares e como estas devem estar enquadradas pelas forças armadas. Chamo a atenção para a economia das zonas libertadas e para a importância do bom funcionamento dos armazéns do povo.

“A arma da teoria” é o título da comunicação que ele proferiu em Havana no contexto da conferência de solidariedade dos povos de África, Ásia e América Latina, em Janeiro de 1966. Todos os investigadores do pensamento de Cabral consideram esta intervenção como o seu exercício ideológico mais original, mais visionário.

Surpreendo os ortodoxos, reaprecia o conselho de luta de classes, reavalia o modo de produção para ilustrar que a situação colonial é bastante distinta da luta conduzida pelo proletariado. A luta anticolonial é liderada por uma peque a burguesia autónoma que aceita o papel revolucionário.

“O papel da cultura na luta para a independência” foi uma intervenção de Cabral lida numa reunião da UNESCO e releva também a sua visão distinta de que a cultura tem um papel determinante no processo de independência, quem está a ser libertado tem que regressar às origens, é aqui que se dá a cisão entre a pequena burguesia revolucionária e aquela que se resigna à dominação estrangeira e que partilha os valores do colonizador.

A segunda parte da antologia intitula-se “A prática das armas”, inclui o famoso memorando do PAIGC ao Governo português, tem a data de Dezembro de 1960, mostra a evolução do pensamento da ONU quanto à independência das colónias e apresenta um caderno reivindicativo encimado pelo reconhecimento dos direitos dos povos guineenses e cabo-verdianos à autodeterminação. O segundo documento data de 1963 e fala já da luta de libertação nacional. Vem ali referida a declaração do ministro Gomes Araújo de que o PAIGC já tinha um controlo territorial de cerca de 15 %. Cabral refere existir terra libertada na região do Oio, uma quase total desorganização do sistema de comunicações entre Bissau e o interior, a instalação da guerrilha na zona de Binar-Bula. E sintomático do desespero colonial era o reforço em material de guerra e soldados: em 1959, havia mil militares, em 1961 5 mil, em 1962 10 mil, o número de 1963 ascendia a cerca de 20 mil homens e ao recurso a bombardeamentos maciços.

No relatório datado de Dezembro de 1966, sobre a situação da luta de libertação nacional, Cabral fala sobre os aspectos da guerrilha guineense, chamando a atenção que enquanto as incursões às terras libertadas iam diminuindo, cresciam os bombardeamentos e o uso das tropas especiais, chamando a atenção para a existência de casernas e quartéis fortificados que praticamente se limitavam a cuidar os seus abastecimentos e a lançar morteiradas ou granadas de obus em terras libertadas. Nesse relatório faz-se uma apreciação da situação catastrófica da economia colonial e termina o enunciado com as perspectivas de luta para o ano seguinte. No relatório sobre a situação referente a 1967, fala um efetivo de 35 mil militares, nos sucessos do trabalho político do movimento de libertação e de como os apoios internacionais se tinham intensificado.

Estes relatórios sobre a situação de luta anuais tinham um uso interno e externo, com o passar dos anos Cabral usava a panóplia de argumentos em areópagos internacionais, como comités da ONU ou reuniões da organização da unidade africana. Explora erros e dislates de documentos portugueses, caso de um documento emanado do general Kaulza de Arriaga, comandante-chefe em Moçambique, e dirigido ao presidente da República em que alegadamente dizia que a subversão é uma guerra sobretudo de inteligência e que os povos negros não eram altamente inteligentes, pelo contrário, estavam ao nível mundial entre os povos menos inteligentes.

A antologia inclui ainda as famosas palavras de ordem, documentos sobre as relações internacionais, o comunicado em que se anuncia a criação da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau e a mensagem de Janeiro de 1973, conhecida por “Testamento político de Cabral”.

Em suma, uma antologia que permite captar os rasgos de génio do organizador, do ideólogo, do diplomata, do revolucionário.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10906: Notas de leitura (447): "Alpoim Calvão, Honra e Dever", por Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10924: Meu pai, meu velho, meu camarada (36): Fotos recentes do Mindelo, em memória do meu avô Luís Henriques (1920-2012) (João Graça)


Foto nº 150 > 9/11/2012 > 11h11 > Mindelo > Baía do Porto Grande e Monte Cara, ao fundo


Foto nº 192 > 9/11/2012 > 12h56 > Mindelo > Baía do Porto Grande



Foto nº 152 > 9/11/2012 > 11h59 > Mindelo > Baía do Porto Grande e Monte Cara, ao fundo



Foto nº 154 > 9/11/2012 > 12h05 > Mindelo > Marina e Monte Cara, ao fundo



Foto nº 201 > 9/11/2012 > 14h45 > Mindelo > Praia da Laginha, porto e Ilhéu dos Pássaros, e a silhueta da Ilha de Santo Antão ao fundo


Foto nº 191 > 9/11/2012 > 12h59 > Mindelo > O calçadão da Praia da Laginha



Foto nº 161 > 9/11/2012 > 12h11 > Mindelo > Edifício da Câmara Municipal



Foto nº 150 > 9/11/2012 > 11h11 > Mindelo > Edificío da "Alliance Française"



Foto nº 209 > 9/11/2012 > 16h45 > Mindelo > Av Marginal > Réplica local da Torre de Belém, antiga capitania dos portos, na Praia de Bote.


Foto nº 211 > 9/11/2012 > 16h57 > Mindelo >211 > Rua típica, de estilo colonial



Foto nº 183 > 9/11/2012 > 12h24 > Mindelo > Praça Nova, na Av 5 de Julho, um dos pontos centrais da vida social mindelense.




Foto nº 169 > 9/11/2012 > 12h13 > Mindelo > Interior do "Café Lisboa".




Foto nº 170 > 9/11/2012 > 12h13 > Mindelo > Rua de Lisboa, o "Café Lisboa", um dos ícones da cidade. É gerido por uma das antigas glórias do futebol português e caboverdiano, o Alberto Gomes. Esta é um das ruas  nevrálgica da cidade.




Foto nº 184 > 9/11/2012 > 12h25 > Mindelo > Quiosque Praça Nova, na Av 5 de Julho, um dos pontos centrais da noite mindelense.


Foto nº 295 > 9/11/2012 > 16h45 > Mindelo > Rua típica, com vendedores ambulantes

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 9 de novembro de 2012 >  Fotos do álbum de João Graça, que passou por aqui, e passeou pela "capital da morabeza", em trânsito para a Ilha de Santo Antão, com a sua banda, os Melech Mechaya, por ocasião do Festival Sete Sóis Sete Luas. Mindelo, cidade cosmopolita com uma arquitetura  de toque colonial que reflete a influência portuguesa e inglesa, é a capital cultural de Cabo Verde, a terra da Cesária Évora, B.leza, Bana, Luís Morais, Tito Paris,  Bau, e de outros grandes músicos e cantores, terra da morna, da coladera, do funaná, do festival da Baía das Gatas... Terra que faz parte da minha infância e à qual nunca fui... Espero ainda ir um dia, mesmo sem o meu pai que amou tanto aquela terra... (LG)

Fotos: © João Graça (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]

Ao João, 
que foi visitar o avô Luís Henriques (1920-2012)
ao Mindelo,
em 9 de novembro de 2012,
seis meses depois da sua morte.


Ouço os passos do meu avô,
arrastando as botas cardadas
ao longo do calçadão da Praia da Lajinha.
E, mais atrás, vislumbro
a sombra frágil do seu impedido, o Joãozinho,
que há-de morrer, meses mais tarde,
por volta de junho de 1943.
De fome. Da grande fome.

Ouço a voz do dr. Baptista de Sousa,
diretor do hospital:
- Então, ó nosso cabo,
há quantos meses é que estás na ilha ?
- 26 meses, meu capitão.
- Eh!, pá, estás farto de engolir pó,
vou te já mandar p'ra casa!

Ouço o meu avô falar, em verso,
em certas noites de luar,
com o Monte Cara,
a Baía do Porto Grande,
e o Ilhéu dos Pássaros.

Ouço o meu avô perguntar
ao Fortunato Borda d'Água
enquanto lhe escreve mais uma das suas cartas
às suas namoradas:
- Ó Fortunato, afinal, de quem é que tu gostas mais ?
Da que ri ou da que chora ?

Vejo uma multidão de gente,
portugueses, africanos, ingleses,
erguer-se do Monte Verde,
abraçar a ilha
e cantar uma morna
à doce e mágica cidade do Mindelo.

Luís Graça

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de dezembro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10793: Meu pai, meu velho, meu camarada (35): José Baptista de Sousa (1904-1967), capitão médico-cirurgião, expedicionário, um 'anjo di céu', em São Vicente, fev 1942/ set 1944 - Parte II (Adriano Miranda Lima)