1. Em mensagem do dia 6 de Janeiro de 2013, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) enviou-nos um texto com o título que se segue:
Tempo que não foi tempo
Sem guerra! Teria sido tempo; de esperança, de amar, de rir, chorar, mas pensar sempre mais além… Aquele foi tempo que não foi tempo… porque a guerra não deixou. Foi o camarada, o amigo, que morreu ali ao nosso lado, o outro a quem a mina que ele próprio acionou, ao explodir, deixou marcas para o resto da vida, as físicas e as outras!… Aquela que tendo sido mãe, não foi esposa, a criança soube que teve pai porque outros lhe disseram. Tempo que não foi tempo!...
Também aquele que um dia regressou, mas que não tivera tido tempo para ver o filho nascer, dar os primeiros passos, aprender a dizer mamã, mas também papá. Ao chegar com uma vontade enorme de o beijar, viu o filho fugir com medo, chorando agarrado à mãe. Consequências de um tempo. Que não foi tempo!...
Aquela mãe, que um dia viu o filho partir para a guerra e não mais o voltou a ver, a quem a dor e a tristeza jamais deixaram só. Também para essa mãe, o tempo, passou a ser outro tempo.
Guerra!... Palavra triste, que um dia prometi a mim mesmo não mais voltar a pronunciar. Mas o tempo por influência dos homens, tantas vezes obriga-nos a dizer o que não queríamos. De guerra! Todos já ouviram falar… dos que a viveram muitos são os que a desejavam esquecer, mas por mais que se esforcem, jamais o conseguirão. A fome que passaram, a sede que os arrasava, a incerteza que era companheira de todos os dias!… Será hoje, que alguma mina me destruirá? Será hoje, que vou cair na emboscada? Quando será o próximo ataque ao aquartelamento? Será que chegarei a ver o meu filho? Quem serão os feridos que a parelha de helicópteros que nos sobrevoa levará?
Como estará a minha família na Metrópole?
De certezas!… Tínhamos apenas a incerteza! Naquele tempo que não foi tempo…
António Eduardo Ferreira
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10783: Blogoterapia (219): Reflexão sobre a nossa condição militar (António Melo, camarada da diáspora)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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