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quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26229: Foto à procura de... uma legenda (190): O Portugall do Minho a Timor... O passatempo teve pouca participaçáo, afinal não dava... "patacão".



Foto nº 1 > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea


Foto nº 1A > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea


Foto nº 1B > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea


Foto nº 1C > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea

Foto nº 2 > Macau e o seu porto interior

Foto nº 3 >  Timor, uma embarcação típica, o "beiro"


Foto nº 4 >  Arquipélago de Cabo Verde > Ilha do Sal > As salinas de Santa Maria


Foto nº 5 > Índia Portuguesa > Goa > O novo hospital psiquiátrico

Foto nº 6 >  Guiné > A capital, Bissau, vista de avião

Foto nº 7 > Ilha de São Tomé > Um troço da costa...


Fonte: "Diário Popular", 20 de outubro de 1951, suplemento dedicado ao Ultramar Português (Cortesia de Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa, é uma raridade bibliográfica, disponível aqui em formato digital. )


(Fotos reeditadas: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2024, com a devida vénia)


1. Estas fotos eram do princípio dos anos 50.  Ainda nós éramos umas crianças... Diziam respeito às ex-colónias portuguesas, promovidas no ano de 1951 à categoria de "províncias ultramarinas" (com a revogação do famigerado Acto Colonial e a revisáo constitucional desse ano).. 

Estão aqui todas representadas todas as parcelas do "Portugal Ultramarino", menos Angola (e, claro, as "ilhas adjacentes" da ;Madeira e dos Açores)...Como aprendemos na escolinha...

A nº 1 não tinha nada que enganar: era Lourenço Marques (hoje Maputo), com algumas das suas artérias e edifícios emblemáticos;


 As outras fotos (de 2 a 7) reconhecemos serem mais difíceis de identificar: 

  • um trecho de costa (nº 7)... (Ilha de Sáo Tomé)
  • a vista aérea de uma capital (nº 6)... (Bissau)
  • um hospital psiquiátrico recém-inaugurado (nº 5)... (Goa)
  • umas salinas (nº 4)... (Ilha do Sal, Cabo Verde=
  • uma embarcação típica (nº 3)... (Timor)
  • mais uma vista aérea de uma capital com a sua conhecida baía (nº 2 )... (Macau
 
2. É pressuposto termos,  entre os nossos leitores, gente que conheceu bem o nosso antigo "império colonial", o Portugal que ia do Minho a Timor, e que agora encolheu, vai do Minho... até à ilha do Corvo.
 
Obrigado a todos os que se esforçaram por dar uma ajuda. Mesmo recorrendo ao Google Lens, 

Um leitor de Cabo Verde (RF), comentou:

(..:) A fotografia nº 4 é das Salinas de Santa Maria na ilha do Sal, Cabo Verde. Conheço bem dado que é a minha terra. É uma fotografia antiga, provávelmente dos anos 50/60 do século passado. A emprêsa que explorava a salina fechou portas creio que em 1981/82. a maior exportação de sal que fazia era para o ex Congo belga e alguma quantidade para a então Metrópole. Foi baixando o rendimento e acabou por fechar portas nessa altura. Ainda se explora hoje em dia sal ali mas em pouca quantidade.   2024 Nov 30 00:10 | (...)

O nosso amigo Henk Eggens identificou a nº 2:
 
(...)  
Usei Google Lens para tentar identificar as fotografias que apresentaste no blogue. Viva a tecnologia moderna!

Só consegui identificar Foto nº 2 > Macau! Tem foto com colinas de fundo bem parecidas neste site: https://cronicasmacaenses.com/2013/10/30/macau-uma-cidade-famosa-no-oriente-escreve-maria-archer-em-1960/  

| 2024 Nov 30 09:10 |

 Em relação à foto nº 5 eu próprio acrescentei:

(...) Goa, Damão e Diu, lembram-se ?... A "joia da coroa" do império colonial português, por quem Salazar pediu que a desgraçada guarnição militar que lá estava, em 17 de dezembro de 1961, lutasse até à morte, até à última gota de sangue, contra as tropas do "Pandita" Nehru... (Tive primos e vizinhos que lá ficaram, no cativeiro, e quamdo regressaram, chegaram a casa, humilhados, ofendidos, acabrunhados, miseravelmente maltratados pelo regime de então... Era primeiro ministro Salazar, e presidente da República Américo Tomás...)

Mais ninguém quis arriscar...Além disso, o passatempo não dava... "patacão"!

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Nota do editor:

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26215: Fotos à procura de... uma legenda (189): quem ainda chegou a conhecer o Portugal do Minho... a Timor ?



Foto nº 1 > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea


Foto nº 1A > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea


Foto nº 1B > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea


Foto nº 1C > Moçambique > Lourenço Marques > 1951 > Vista aérea

Foto nº 2 > ?

Foto nº 3 > ?


Foto nº 4 > ?


Foto nº 5 > ?

Foto nº 6 > ?

Foto nº 7 > ?

1. Estas fotos sáo do princípio dos anos 50. Para já não vamos citar a fonte, que é para os nossos leitores poderem fazer o TPC este fim de semana... sem ajudas.

Dizem respeito às ex-colónias portuguesas, promovidas em 1951 à categoria de "províncias ultramarinas"... Estão aqui todas representadas, menos Angola... A nº 1 náo tem nada que enganar: é Lourenço Marques, com algumas das suas artérias e  edifícios emblemáticos... Quem, dos nossos leitores, a chegou a conhecer pode identificar facilmente alguns pontos de referència.

As outras (de 2 a 7) podem ser mais difíceis de identificar: 

  • um trecho de costa (nº 7), 
  • a vista aérea de uma capital (nº 6),  
  • um hospital psiquiátrico recém-inaugurado (nº 5), 
  • umas salinas (nº 4),
  • uma embarcação típica (nº 3),
  • mais uma vista aérea de uma capital com a sua conhecida baía (nç 2)...
Eu nunca cheguei ao Índico, aliás só conheço a Guiné e Luanda (não posso dizer que conheço Angola)... E de Cabo Verde, só pisei o areoporto do Sal... Aliás, nem pisei, não saí do avião, que lá fez escala em 1970..

Mas temos aqui, entre os nossos leitores, gente que conheceu bem o nosso antigo "império colonial"... Não é nenhum exercício de saudosismo..."colonialista". Mesmo se todos nós fomos, de uma maneira ou outra, "colonialistas"... Bastava ter, afinal, vestido a farda do exército colonial, a do caqui amarelo ou, mais tarde,  a  camuflada... 

O António Rosinha tem razão, ele não foi o único "colón"...Às vezes, coitado, até parece que está aqui sozinho na Tabanca Grande...

Bom, quem quer dar uma ajuda ?
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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26189: Fotos à procura de... uma legenda (188): é mesmo a última das 4 fotos aéreas de que falta identificar a localização, diz o fotógrafo, Morais Silva, cap art, cmdt da CCAÇ 2796, Gadamael, em finais de 1971

domingo, 3 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26111: Notas de leitura (1740): "Poemas de Han Shan" (China, séc. VIII), organização, tradução e apresentação de António Graça de Abreu, no Centro Científico e Cultural de Macau, Lisboa, 26/9/2024

 


1.  Para aqueles que não puderam estar presentes na sessão de apresentação do livro "Poemas de Han Shan", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, no passado dia 26 de setembro, no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) (*),  o nosso amigo e camarada disponiblizou-nos os "slides" que elaborou para a ocasião.  

Perdemos a sua conversa ao vivo, mas temos ao menos o privilégio de poder aceder ao essencial daquilo que ele quis transmitir ao público sobre o lendário poeta e monge ligado ao Budismo chan (ou zen, como é conhecido no Japão), Han Shan, do séc. VIII (em chinês, quer dizer "Montanha Fria"),


Já agora esclarecemos os nossos leitores sobre o que é o CCCM e a sua missão:

(i) tem por missão produzir, promover e divulgar conhecimento sobre Macau enquanto plataforma entre Portugal e a República Popular da China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(ii) é, também, um espaço dedicado ao estudo e ensino da língua, cultura e história chinesas, e um centro de investigação científica e de formação contínua e avançada sobre as relações entre Portugal e a China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(iii) dotado de autonomia administrativa e património próprio, é um instituto público integrado na administração indireta do Estado e sob tutela do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

O António Graça de Abreu não precisa de apresentações. Honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande desde 5/2/2007, e tem 354 referências no nosso blogue.


Templo de Han Shan, Suzhou, China (Suzhou é uma cidade a oeste de Xangai, no delta do rio Yangtzé, famosa pelos seus cnais,, pontes e jardins clássicos, classificados pela UNESCO com o património  material da humanidadfe em 1997 e 2000).


O António Graça de Abru no templo de Han Shan


Templo de Han Shan


A ponte de Fenqiao (séc. VIII), Suzhou


Famoso poema do poeta ZhangJi (766?-830?), "À noite, ancorando em Fengqiao"...





O poeta 寒 山 Han Shan (700?-780?)


Han Shan e Shi De no Japão, ou seja, Kan Zane Jitttoku. 
O budismo Chan ou Zen que só chega ao Japão em 1191.


Matsuo Bashô (1644-1694), o grande mestre dos haikus japoneses, adorava Han Shan









No meu prefácio aos poemas de Li Bai (1990) tentei explicar,  de forma exaustiva,  os processos que por norma utilizo na tradução e reinvenção de um poema chinês em língua portuguesa. 

Referi também, em detalhe, muitas das características da língua chinesa, talvez a mais depurada de todas as falas e escritas existentes debaixo do céu. 

Os anos passam e um continuado contacto com os grandes poetas da China confirma, convence-me de que, se já é muito difícil traduzir poesia em qualquer língua, no que ao chinês diz respeito a tarefa é impossível. E porque é impossível, as traduções avançam. Trata-se de caminhar pela impossibilidade, é necessário transformar o impossível em possível.

Ao traduzir poesia chinesa sei que trabalho na sombra, iluminado sobretudo pelo silêncio da sombra.

Camilo Pessanha, no prefácio à sua tradução das oito elegias chinesas, escrevia por volta de 1910, referindo uma expressão de Herbert Giles, um dos primeiros tradutores de poesia chinesa para língua inglesa, que escreveu “a chinese poem is at best a hard nut to crack”,  que Pessanha traduziu como “toda a composição poética chinesa é para o tradutor uma noz de casca dura”.

Trata-se de caminhar pela impossibilidade e de transformar o impossível em possível. O resultado é sempre um poema em língua portuguesa que procura ser fiel ao significado dos caracteres e à sensibilidade do poeta chinês, tão próximo do verso original quanto o rigor exige mas reinventado numa outra língua. 

É já um outro poema, quase sempre distante da estrutura poética do chinês porque o poema passa a ser português. Falamos de traduções, do comboio de caracteres que precisamos de identificar, de versões possíveis, da natureza do trabalho do tradutor, enfim, de questões fundamentais amplamente analisadas e debatidas nos estudos e cursos de tradução um pouco por todo o mundo.

Gil de Carvalho, um dos raríssimos críticos portugueses que, com alguns laivos de conhecimento da língua chinesa, se referiu às minhas traduções, considerou “ a vocação missionária e estética de Graça de Abreu” e o “querer fazer poesia sua através do poema ou do poeta chinês”.

Em carta pessoal, Eugénio de Andrade escrevia-me em novembro de 1993: 

Num parecer sobre as minha traduções, que guardo comigo, escrevia Óscar Lopes, em 28 de Janeiro de 1993:

 “Conheço a obra de tradução do Chinês para Português da autoria de António Graça de Abreu, nomeadamente Poemas de Li Bai e Poemas de Bai Juyi, publicados ambos com excelentes introduções históricas e literárias. 

"Não leio directamente textos chineses, mas tive a oportunidade de, num seminário do Curso de Mestrado da Universidade do Minho, apresentar o primeiro deste livros à discussão de duas alunas chinesas (Drªs. Wang Ting e Sun Lin) com boa preparação cultural, quer sinológica, quer ocidental e verifiquei que o tradutor conseguiu equivalências extremamente difíceis de encontrar e de condensar, de um poeta clássico oriental do século VIII.”

Até há poucos anos, o poeta Han Shan era completamente desconhecido em Portugal, o que de resto acontecia com quase todos os grandes poetas chineses. 

Isto apesar de Macau e de uma continuada presença portuguesa de quatrocentos e cinquenta anos nas terras da China. Mas, mesmo na cidade do Nome de Deus na China, a poesia chinesa também já desceu do grande Império do Meio, a norte, atravessou as Portas do Cerco e entrou mui de leve na sensibilidade de alguns dos seus melhores habitantes lusitanos.

Existe o caso singular de Camilo Pessanha que em Macau traduziu, deu forma a poemas a que chamou “oito elegias chinesas”,  oriundas de um álbum de poetas menores da dinastia Mingque, e que  o autor da Clepsidra nos diz ter comprado “pelo preço vil de duas patacas numa casa de prego” .

É pena o genial Pessanha não ter descoberto os grandes poetas da China, Li Bai, DuFu, Wang Wei, Han Shan. Somos o que somos e, apesar de Macau, a Sinologia portuguesa, o estudo sério e rigoroso das coisas do mundo chinês, também o depurar das sensibilidades com o Império do Meio por horizonte, quase não consegue crescer.

Em 1997, o PenClub Português nas suas pequenas “Folhas Soltas” publicou Nove Poemas de Han Shan, a minha primeira tentativa de tradução da poesia do mestre da Montanha Fria.

Em 2003, Ana Hatherly que tão bem conhece o ofício do poeta, companheira de entusiasmantes conversas sobre poesia chinesa e de jantares do PenClub, deu ao prelo as suas originais versões poéticas elaboradas a partir das traduções francesas de Jacques Pimpaneau com o título "O Vagabundo do Dharma, 25 Poemas de Han Shan".

Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas –chamemos-lhe outra vez assim –, do budismo chan m ou zen, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo. O poeta da Montanha Fria « nous révèle cette esprit de la Chine qui dort aussi en notre tête et attend, telle la Belle au Bois Dormant, qu’un prince comme Han Shan vienne l’y éveiller»,  disse Jacques Pimpaneau .[ Tradução do francês parea português: "revela-nos esse espírito da China que também dorme nas nossas cabeças, à espera, como a Bela Adormecida, que um príncipe como Han Shan venha despertá-lo". (LG)]




Flores no templo de Han Shan, Suzhou, minha foto 2011




"Slides" (incluindo texto): © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados. [Edição, revisão / fixação de texto, links: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

22 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25968: Agenda cultural (860): Convite para o lançamento do livro "Poemas de Han San", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, dia 26 de Setembro de 2024, pelas 18h30, no Auditório CCCM, Rua Guerra Junqueira, 30 - Lisboa

17 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26054: Agenda cultural (862): Lançamento do livro Poemas de Han Shan (edição bilingue, seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu): 19 de outubro, sábado, 17h00 | Casa do Comum, Bairro Alto, Lisboa

domingo, 31 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25322: Um conto de António Graça de Abeu: "Lai Yong e Bernardo, uma História Simples" (2018) - III (e última) Parte


República Popular da China > Pequim > s/d (c. 1977/73)  > O António Graça de Abreu na praça Tianamen [ou Praça da Paz Celestial]

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



aqui na casa dos 30 anos (nasceu no Porto, 
em 1947). Tem cerca de 340 referèncias 
no nosso blogue.
Foi alf mil, CAOP1 (Teixeira Pibnto, 
Mansoa e Cufar, 1972/74). 
Viveu e trabalhou na China, em Pequim 
e Xangai, de 1977 a 1983. Sinólogo, tradutor,
 poeta,  escritor e professor universitário.


Capa do livro. Contato do autor:
abreuchina@netcabo.pt


1. Terceira (e última)  parte do conto, " Lai Yong e Bernardo, uma História Simples" extraído do livro "Lay-Yong, Bernardo e outros poemas", de António Graça de Abreu (Póvoa de Santa Iria, Lua de Marfim Editora, 2019, pp. 36-57) (capa acima).

É uma  gentileza do autor e nosso camarada, a quem agradecemos, em nome da nossa Tabanca Grande. 

Sinopse: É uma história de encontro e separação de duas culturas, e de amores efémeros de um homem (Bernardo, português, com formação universitária, e já na casa dos 30 e tal, claramente um "alter ego" do escritor) e uma jovem chinesa, de 24 anos,  nascida em Cantão, e levada em pequerna com os pais para Macau, onde e trabalha (não fala português).

Estamos em 1981 em Cantão e em Macau (território ainda sob administração portuguesa, até 1999).


Lay Yong e Bernardo conheceram-se quando viajaram juntos, em 1981. na "ferry-boat" que fazia a viagem, de 120 quilómetros, entre Cantão e Macau, ao longo do rio das Pérolas (*)

 

Lai Yong e Bernardo, uma História Simples - III (e última) Parte

por António Graça de Abreu (*)

VII

Macau está a actuar sobre Bernardo como um turbilhão de descobertas e prazeres. Inevitabilidade dos seus trinta e poucos anos, ainda, sempre imaturos, os flancos expostos a todos os ventos e tempestades. O português de Pequim pensa, repensa-se.

Descobre, redescobre-se. Quer e não quer, avança e recua. É, determinado e hesitante, confiante e receoso. Vagueia pelo âmago de Macau, esta China que não é a sua China, abraça uma mulher chinesa, toda dádiva e formosura, uma mulher que não é a sua mulher. Bernardo caminha confundido.

Sábado de manhã. Lai Yong tem todo o dia livre. Vou buscá-la a casa, lá no extremo da rua da Praia do Manduco. Manda-me entrar. Subimos a escada, um segundo andar acanhado, num edifício antigo de quatro pisos, bolorento e húmido, bem ao modo da velha Macau. Porquê levar Bernardo para o patamar aparentemente pobre do seu dia a dia? 

Apresenta-me aos pais, gente humilde que jamais vira um português a entrar-lhes portas adentro. Curiosos, afáveis, oferecem-me chá. Ignoro o que a filha lhes contou a meu respeito, mas sou recebido com a singeleza das pessoas de bem da China eterna.

Despedimo-nos. Um cumprimento de mãos juntas e saio com a Lai Yong. Vamos até à ilha de Coloane. O minibus 7 atravessa a ponte para a Taipa e depois o istmo até Coloane, a ilha que foi outrora coio e pertença de piratas e só em 1910 entrou para a efectiva e completa governação portuguesa de Macau.

Passear a pé por Coloane, de mão na mão. O sorriso infindável da Lai Yong ondulando entre os lábios, mais as sibilantes frestas dos seus olhos. Na capela de S.Francisco Xavier, uma Nossa Senhora chinesa com um Menino Jesus nos braços vestido de imperador criança. Ela não acredita muito no Deus cristão do Ocidente, diz-me que lhe faz confusão um Cristo sofredor, agonizante, seminu, espetado numa cruz semelhante aos dois traços do caractere chinês shi 十, o número dez. 

Também não entende muito bem o que vem a ser um pecado, uma coisa mal feita capaz de nos condenar ao fogo dos infernos. Mas respeita o Deus estrangeiro e quem sabe se um dia não precisará da sua ajuda…

Almoçamos na pousada de Cheoc-van, debruçados sobre o mar, com a pequena enseada e a praia lá em baixo. A suavidade destas ilhas, o mar em volta, a abastança portuguesa em terras chinesas. No restaurante da pousada, na larga mesa ao fundo, um secretário-adjunto do governo de Macau -- que me conhece e me cumprimentou ao entrar, admirando a minha presença por ali com uma beldade chinesa --, oferece um banquete a uns tantos figurões acabados de chegar de Portugal, convidados oficiais que, como de costume, se deliciam com as mordomias que Macau tem para lhes oferecer.

São, por norma, portugueses mal acostumados, que recebem bastante de Macau mas pouco ou nada dão à cidade. Encolhidos na nossa pequenez, a Lai Yong e eu apaladamos festivamente a boca num excelente repasto com delícias portuguesas. 

Ela pergunta-me se eu conheço pessoas importantes em Macau, homens com poder e mando. Digo-lhe que sou um pobre Beijing ren 北京人, um “homem de Pequim”. Na capital da China, no meu relacionamento com os poderosos, limito-me a vê-los passar, eu não mando nada, e em Macau acontece exactamente o mesmo.

Acabámos o almoço a passear os olhos, e entendimentos, um no outro, depois a diluir o olhar no mar de Cheoc-van.

À tarde descemos para a praia de Hac-sá –Heisha 黑沙 em mandarim– que, com todo o rigor, significa “Areia Preta”. Um dia de sol, céu quase azul, as águas levemente amareladas e o areal prateado resplandecendo.

Descalçamos os sapatos, arregaçamos as calças até aos joelhos, molhamos os pés, chapinamos na água, nas ondas pequenas que morrem na praia. Corremos na areia escura, como crianças inocentes e limpas, libertas de mil cadeias e medos. Abraço a Lai Yong, aperto-a no peito. Deixa-se enlanguescer como uma pequena onda desfalecendo em mim. Beijos de sal, as bocas como flores de lótus abrindo, trocamos de línguas e de saliva, num desvairo de fogo e desatino. Voltamos a correr pela praia, a parar, a juntar, a abraçar os nossos corpos. Até o dragão que habita no fundo das águas do mar, entusiasmado, sobe e vem ouvir a nossa música.

Regressamos a Macau. O meu lar eventual e passageiro é um mini-escritório com uma sala grande, dois quartos e quatro camas. É o office emprestado por um amigo português que alugou o espaço para alojar uns pares de contabilistas de Hong Kong que vêm regularmente a Macau proceder a escritas de empresas. Está vazio, fica também na velha cidade, não longe da casa da Lai Yong, no Pátio da Casa Forte, ao lado da rua Central, diante da igreja de S. Lourenço. 

Levo-a comigo, flutuando a meu lado como uma fénix celestial. Mas é jade puro, mulher quase perfeita. Ou um bombom terreno, a prata a envolver o corpo para eu desembrulhar e comer.

Lai Yong dá-me a honra de a despir. Lentamente, folha a folha, pétala a pétala, de deixar correr os meus lábios pela sua pele fina, de seda imaculada, perfumada a almíscar e jasmim, de amaciar os dedos nos seus seios maravilha, do tamanho do desejo da concha da minha mão, de tocar, beijar duas framboesas róseas e de colher a peónia à solta no seu ventre. Abertas as portas de jade, o riso doce, o gosto da alegria. Mil espantos, dez mil carícias, yun yu 云雨, embalados no antiquíssimo jogo das nuvens e da chuva, a arte do quarto de dormir, para enobrecer os dias e as noites.

Nas últimas horas de estadia em Macau, antes do regresso de Bernardo a Pequim , vamos jantar à pousada de Santiago da Barra. Não é barato, mas nós merecemos tudo.

Pouco antes de partir, pergunto à Lai Yong:

– Para quando um reencontro? Qual vai ser o nosso futuro?

Responde-me, mais ou menos assim:

– Não temos futuro um com o outro. Vivemos o dia a dia, vivemos hoje. Não nos vamos preocupar com o ontem nem com o amanhã. Vivemos agora o prazer de um homem e de uma mulher que se dão bem, que gostam de estar juntos. Mais nada. Tu seguirás o teu destino, em Pequim, eu caminharei por Macau, por Cantão, pelas minhas cidades. Foi muito bom conhecer-te. Guarda-me na tua memória, eu guardar-te-ei também, mas não me dês demasiada importância. Desejo a tua felicidade.

Amores em Macau, breves e leves como névoa, brisas de Outono, carícias solenes no perpassar dos dias.

Um soluço na garganta e adeus, Lai Yong, O Bernardo promete-te que um dia, daqui a muitos anos, se for capaz, escreverá a nossa história simples.


VIII

Nesta viagem, depois de Macau, Bernardo seguiu para Hong Kong onde comprou uma edição chinesa e outra em tradução inglesa da Jin Pin Mei 金瓶梅, um romance de costumes da dinastia Ming, atribuído com muitas dúvidas a Wang Shizhen (1526-1590) com dezenas de poemas onde o erotismo campeia. 

É um dos “cinco grandes romances” da literatura chinesa (os outros quatro são “À Beira de Água”, “Romance dos Três Reinos”, a “Peregrinação a Oeste” e “O Sonho do Pavilhão Vermelho”).

Na longa viagem de regresso à capital, durante quase mais dois dias de comboio de Cantão para Pequim, Bernardo traduziu o seguinte poema da Jin Pin Mei:


Amor em segredo

Os patos-mandarim brincam na água,
os pescoços entrelaçados.

Duas garças caminham entre as flores.
as cabeças, par a par.

Dois ramos selvagens abraçam-se, felizes,
exaltando o prazer da união dos amantes.

Os lábios do rapaz na boca da mulher,
ela abandona o rosto a todas as carícias.

Descalça as meias de seda,
mostra os seios levantados, como duas luas.

Uma nuvem de cabelos negros,
seu alfinete dourado cai na almofada.

Juram ambos o sublimar da paixão
por montanhas e mares.

Ela é o decoro da névoa, a timidez da chuva,
ele, o golpe suave no seu arco de jade.

Trocam salivas, as línguas húmidas
num desvairo, rejuvenescidos pela Primavera.

Ofegante a sua boquinha de cereja,
os olhos do sonho, duas estrelas cintilantes,
seu suor são gotas de jade perfumado,
os seios cremosos abanam como orquídeas na brisa,
o orvalho goteja e cai no coração escondido da peónia.

Sim, tão doce um casamento abençoado e casto,
mas nada melhor do que um amor em segredo.

António Graça de Abreu

Fim

(Seleção,  revisão / fixação de texto para efeitos de publicação neste poste: LG)

_____________

Nota do editor:

(*) Postes anteriores da série de: 

sábado, 30 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25318: Um conto de António Graça de Abeu: "Lai Yong e Bernardo, uma História Simples" (2018) - Parte II

Retrato do artista quando jovem... António Graça de Abreu, 
nascido no Porto, em 1947, licenciado em línguas germànicas 
pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 
trabalhou na China, como tradutor, na Editora Pequim 
em Línguas Estrangeiras.  Viveu em Pequim 
e Xangai de 1977 a 1983. Esteve no  CTIG como alf mil, 
CAOP1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar,  1972/74). 
Escritor, poeta, tradutor, professor universitário...
e "globe-trotter", tem mais de 20 títulos publicados,


Capa do livro. 
Contacto do autor:
abreuchina@netcabo.pt
1. Segunda  parte do  conto, " Lai Yong e Bernardo, uma História Simples" extraído do livro "Lay-Yong, Bernardo e outros poemas", de António Graça de Abreu (Póvoa de Santa Iria,  Lua de Marfim Editora, 2018, pp. 36-57) (capa â direita).

É uma gentileza do autor e nosso camarada, a quem agradecemos. É uma história de encontro e separação de duas culturas,  e de amores efémeros de um homem (Bernardo, português, com formação universitária, e já na casa dos 30 e tal, claramente um "alter ego" do escritor) e uma jovem chinesa de Cantão e Macau,  de 24 anos,   Lay Yong.

Estamos em 1981 em  Cantão  e em Macau (território ainda sob administração portuguesa,  até 1999). 

Lay Yong e Bernardo conheceram-se quando  viajaram juntos, em 1981. na "ferry-boat" que fazia a viagem, de 120 quilómetros, entre  Cantão e Macau, ao longo do rio das Pérolas (*)

 

Lai Yong e Bernardo, uma História Simples - Parte II

por António Graça de Abreu (*)


 II


Monsenhor Manuel Teixeira
 (1912-2003),
figura proeminente da comunidade
 macaense e da cultura luso-chinesa.
Foto: Cortesia de Jornal Tribuna
 de Macau (2018)
Bernardo decide, com alguma originalidade e ousadia, levar Lai Yong na visita ao padre Manuel Teixeira e ao Seminário de S. José.

Conhecera o velho missionário na primeira vinda à cidade do Nome de Deus
na
hina, em 1979, num jantar em casa de um engenheiro português da CEM (Companhia de Electricidade de Macau). 

No fim do repasto, enriquecido com iguarias luso-chinesas, e uns olorosos tintos de excelsa cepa portuguesa, o bom sacerdote despediu-se dos convivas e regressou ao seu Seminário de S. José sobraçando uma garrafa de bom whisky velho. 

Informaram Bernardo que uma garrafinha do depurado néctar escocês, domelhor, trinta anos de casco, rótulo não sei de qual cor, era  a normal recompensa para se poder contar  com a presença do nosso clérigo em jantares, com gente importante (ou tida como tal!).

O padre Manuel Teixeira haveria de me confirmar que, para combater o calor nestas terras subtropicais do sul da China, nada melhor do que uns valentes copázios de “chá da Escócia” ou seja, de bom whisky, com umas pedrinhas de gelo.

O excelente sacerdote, nascido na transmontana Freixo de Espada à Cinta, chegara a Macau em 1924, com apenas 12 anos de idade. Aqui havia estudado no Seminário de S. José, aqui havia sido ordenado padre e, para além de uma passagem pelas missões de Malaca e Singapura, a Macau dedicara quase toda a sua longa vida.

Conhecia, como ninguém, as singularidades da fascinante História de Macau. Eescrevia, escrevia dezenas e dezenas de volumes sobre a presença portuguesa em terras do Extremo Oriente.

Inconfundível na sua batina branca, umas longas barbas também brancas, meão de altura, os olhos curiosos a cintilar por detrás de uns óculos pequenos, de aros pretos, o sacerdote simpatizara com Bernardo, a quem chamava “o homem de Pequim”, esse estranho rapaz português, habitante lá das paragens do norte da China que nunca deixava de o visitar, cada vez que vinha a Macau.

Era tempo do falsamente denominado pequinense ir ao encontro do padre Manuel Teixeira levando a Lai Yong como companhia. A menina de Cantão, como quase toda a gente chinesa, macaense e portuguesa desta zona sul da cidade, conhecia oreligioso de vista, pousara os olhos na sua figura única atravessando as ruas de Macau, sabia das longas caminhadas que fazia cruzando a ponte Nobre de Carvalho. 

A caminho de casa, na Praia do Manduco, a Lai Yong passara incontáveis vezes pelo largo de Santo Agostinho, descera, subira mil vezes a ladeira e calçada anexa ao seminário de S. José. Mas jamais sonhara entrar um dia naquele vasto espaço fechado onde residia o padre Teixeira.

Toquei à campainha da escola religiosa e um empregado, já idoso, veio abrir. Mandou avançar o português e a chinesa. Rapidamente subimos as escadas e entrámos no seminário. À esquerda, cruzámos um longo corredor ladeado por pinturas religiosas dos séculos XVII e XVIII, que conduzia aos aposentos do sacerdote, situados ao fundo, à direita, num quarto que eu já conhecia de visitas anteriores. A porta estava entreaberta,   espreitei para o interior. O padre Teixeira sentava-se à sua secretária onde se montoavam papéis desordenados e muitos livros antigos. Vestia umas calças brancas emuma simples t-shirt colorida, com a imagem de uma praia e os dizeres I love California.

Ao dar pela inesperada chegada dos visitantes, levantou-se célere, rodou no quarto, foi ao cabide e vestiu apressadamente a batina branca, de velho missionário, por cima damsua original t-shirt. Estava pronto para nos receber.

Alguma surpresa ao ver Bernardo acompanhado por uma formosa mulher chinesa. Os cumprimentos de circunstância e logo quis saber quem era a moçoila. Uma amiga, uma jovem de Cantão enraizada em Macau, a viver com os pais ali na rua da Praia do Manduco, quase paredes meias com o seminário de S. José. Conhecia o padre e o admirava-o.

– Sim, mas onde é que foi buscar esta mulher, Dr. Bernardo? – perguntou o sacerdote.

O “homem de Pequim” lá desbobinou a história do encontro recente no barco da carreira Cantão-Macau e a descoberta da simpática Lai Yong.

–  A rapariga é muito bonita. Então, porque é que não fica cá por Macau? Até pode casar com ela, e ela pode dar à luz uma data de macaenses que tanta falta fazem nesta nossa terra.

– Vou pensar, meu caro amigo, vou pensar nisso.

O padre Manuel Teixeira conta-nos então a história de um casamento recente que fez ali na igreja do seminário de S. José.

– Sabe,  Dr. Bernardo, aqui ao lado no Teatro D. Pedro V, temos, todas as noites, o espectáculo do Crazy Horse Club Show. São umas bonitas bailarinas francesas que dançam todas nuas. Já me convidaram a assistir, mas eu sou padre, não posso ir a essas coisas. Uma das moças fala muito comigo, é devota a Deus, e pediu-me ajuda para a casar com um dos rapazes, também bailarino. Há duas semanas fizemos um bonito casamento aqui na igreja de S. José, com a presença destas lindas mulheres francesas, todas muito bem vestidas.

Pois, o fluir das vidas, os insondáveis mistérios da fé e as damas “pecadoras” que se despem todos os dias, com engenho e arte, para agradar aos olhos gulosos dos homens. Tudo ao de leve, passageiro. Ou talvez não.

Num outro contexto, ou talvez não, num dos muitos artigos que escreveu para osjornais de Macau, o padre Manuel Teixeira, investigador, historiador e sacerdote,conclui a sua prosa nos seguintes termos: 

“O homem é pó. A fama é fumo e o fim é cinza (…) Só os meus livros permanecerão (…) essa é a minha consolação.”


IV

Lai Yong e Bernardo vão esta noite jantar a uma espécie de taberna chinesa situada num recanto do Porto Interior. Foi decisão da menina que conhece todos os esconsos do quarteirão, cresceu ali ao lado, na Praia do Manduco. Esta mulher gosta de jogar, de ludibriar os enredos simples e complexos do quotidiano. Faz-se agora acompanhar de um português bem parecido, que vive em Pequim, e que até fala um pouco de mandarim, coisa raríssima em Macau.

 No meio do seu povo, mostra o rapaz e mostra também o distanciamento que convém, nem mão na mão, nem uma carícia, nem um olhar mais quente, ou simplesmente tépido. Apenas amigos, ou conhecidos, hoje para um jantar de negócios, com sopa de fitas, peixe frito, legumes e camarão.

No tasco, aparece e mete conversa um sujeito chinês, nascido em Macau que a Lai Yong me diz ser “o rei do camarão”, comerciante de peixe e dono de não sei quantos barcos de pesca. O empresário, especialista em moluscos e crustáceos, esteve ecentemente em Pequim, pela primeira vez na vida, e num mandarim das docas, quase tão mau como o de Bernardo, fala na capital da China como sendo “tudo em grande”, as normes e largas avenidas onde cabia, com facilidade, toda a cidade de Macau. Pois, mas na opinião de Bernardo, as cidades são muito diferentes, uma é a enorme capital do velho Império do Meio, outra um pequenino abcesso exótico, com portugueses lá dentro, no sul da excêntrica província de Guangdong.

A minha amiga Lai Yong nunca foi a Pequim, nem a Xangai. Em toda a sua vida na China quedou-se sempre por estas terras do sul, Macau, Hong Kong e Cantão. Não conhece mais nada. Digo-lhe que talvez um dia seja possível partirmos os dois pela China dentro, eu a servir de cicerone, a mostrar-lhe os recantos do Império a que ela pertence. Eu, a fingir que sou especialista em cultura chinesa, que conheço razoavelmente o mundo chinês, e ela a duvidar, o sorriso outra vez a bailar nas frestas dos olhos, na comissura dos lábios.

Bem comidos, é tempo de devolver a Lai Yong ao seu lar, logo ali ao lado do Porto Interior. Mas fazemos uma caminhada mais longa até à Barra, e regresso. O braço de Bernardo sobre os ombros da mulher chinesa, apertando-a na carícia do humilde e mais do que humano desejo. Ela, na aparência sempre meio tímida e surpreendida, aconchega o seu corpo no meu. 

Pergunto-lhe se tem, ou tem tido namorados. Sim, dois ou três, mas nada de importante, não confia muito nos homens, não prestam, agora não tem namorado nenhum. Então e eu, o Bernardo, o homem de Pequim? Não és meu namorado, apenas um português que conheci no barco da Cantão para Macau. És muito kind (Lai Yong utiliza o adjectivo inglês!) para comigo. Gosto de te conhecer e de, pela primeira vez na minha vida ter, conversando comigo, um homem de Putaoya 葡萄牙 (Portugal), o país lá do Ocidente.

Bernardo responde dizendo, tu também és a primeira mulher chinesa que eu tenho, a sério, por isso, todo este prazer em te agasalhar nos meus braços, de te beber como um manancial de vida, de te beijar a testa, a boca, o colo, de desejar a viagem pelom teu corpo inteiro, da cabeça aos pés, dos pés à cabeça.

V

Para a menina de Guangdong, chegada de surpresa no apogeu do dia:


Vieste, branca e pura
como a água de um regato escondido
nos requebros e esconsos da montanha.
O teu corpo aberto como um prado
no resplandecer do sol nos meus olhos.
Fazia calor,
a humidade escorria pelas paredes da tarde,
mas toda a frescura nascia no lótus do teu sorriso.
As minhas mãos correndo na tua pele de seda,
a tua cintura deslizando como uma serpente num lago.
Houve regatos chilreantes, gritos de pássaros,
ocarinas, timbales e gongos.
Depois, uma taça de caldo de peixe.

VI

Hoje, depois de uma grande volta, de mão dada, pela fortaleza do Monte e pelo jardim de Lou Lim Ioc, voltámos a jantar no restaurante do Hotel Metrópole, com aquelas meninas cantoras de Hong Kong de voz delicodoce, bem timbrada, mais os petiscos luso-chineses, e vinho verde. Ao lado, a companhia da Lai Yong, do infindável sorriso e do corpo perfumado a pó de pérolas. 

Ah, Macau, Macau! Bernardo que vem de três anos de quotidianos em Pequim, a capital do Império, austera e fria, puritana e falsa, já não sabe o que dizer.

Faltam dois dias para o seu regresso à capital chinesa. Lai Yong tem uma pequena oferta para o seu amigo português. Escreveu sobre um tecido de seda, usando cuidadosamente o pincel e a tinta da China -- na sua caligrafia arredondada e insinuante --, um poema de Du Fu (712-770), com Li Bai, os maiores poetas de toda a história literária da China. São três dezenas de versos sobre a amizade entre letrados, sobre o respeito, a admiração entre pessoas que se querem bem. Diz-me que o poema terá mais a ver comigo do que com ela.

Lê-me o poema, mas são tantas as palavras, os caracteres que eu não conheço! Peço-lhe ajuda. Meio em mandarim, meio em inglês, lá vamos desbravando os versos.

Continua a haver tanta coisa que eu não entendo! Não faz mal. Lai Yong diz-me para eu levar o poema de Du Fu e, para em Pequim, com a ajuda dos meus companheiros de trabalho chineses, tentar traduzi-lo para a minha língua.

Sentados num recanto do jardim de Lou Lim Ioc, a menina chinesa pega na mão direita de Bernardo, levanta-a e passa-a, acariciante, pelo jade do seu rosto. Pousa depois a mão do rapaz português na polpa da sua perna, e deixa-a ficar.

O poema do grande Du Fu é assim:

醉時歌

諸公袞袞登臺省

廣文先生官獨冷

甲第紛紛厭粱肉

廣文先生飯不足

先生有道出羲皇

先生有才過屈宋

德尊一代常轗軻

名垂萬古知何用

杜陵野客人更嗤

被褐短窄鬢如絲

日糴太倉五升米

時赴鄭老同襟期

得錢即相覓

沽酒不復疑

忘形到爾汝

痛飲真吾師

清夜沈沈動春酌

燈前細雨檐花落

但覺高歌有鬼神

焉知餓死填溝壑

相如逸才親滌器

子雲識字終投閣

先生早賦歸去來

石田茅屋荒蒼苔

儒術於我何有哉

孔丘盜跖俱塵埃

不須聞此意慘愴

生前相遇且銜杯



Ébrio, uma canção

Muitos ascenderam ao topo da hierarquia,
tu, meu amigo, continuas a padecer ao frio.
Nas grandes mansões, empanturrados com iguarias,
tu, meu amigo, mal consegues uma malga de arroz.
A tua filosofia, um coração cristalino, pouca ambição,
o teu talento, superior ao dos letrados do passado.
Respeitado pela tua virtude, condenado, sem glória,
a deixar o teu nome para além dos séculos.

Sou um rústico que não é desta terra,
de cabelos finos, motivo de mofa e zombaria.
Quero arroz, vou ao celeiro imperial,
obtenho ainda cinco colheres por dia,
mas se quero abrir o coração,
vou ter contigo, meu amigo.
Quando ganho umas tantas moedas,
cuidamos de nós, vamos gastá-las em vinho.
Que nos interessa a pompa, o luxo, as cortesias,
somos gente simples, descuidada e livre!...

Meu mestre, enchemos, bebemos as taças até ao fim,
no silêncio da noite da Primavera.
Lá fora, a chuva fina como flores
caindo dos telhados, apagando as lanternas.
Entoamos cânticos, animados, iluminados
por espíritos a montante, a jusante do rio.
Para quê pensar tanto no destino?
Sim, a fome, e por túmulo, uma vala qualquer.

Outrora, um grande poeta lavava canecas e pratos,
um ilustre letrado lançou-se de um torreão.
Quem somos nós, no fim de tudo?
Melhor retirarmo-nos cedo, voltar a lavrar a terra,
cuidar dos telhados de colmo, dos caminhos, do musgo.
Os ensinamentos de Confúcio, afinal para que servem?
Sábio, salteador de estradas, todos regressam ao pó.

Para quê tanta tristeza, tanto queixume?
Estamos vivos, vamos beber umas taças de vinho. (#)

António  Graça de Abreu

(#) Nota do autor: Numa posterior revisão à tradução do poema, procurei substituir a sobrecarga de nomes e apelidos que Du Fu usa  conhecidos de qualquer cidadão chinês medianamente culto , por palavras e títulos semelhantes, sem o nome em chinês, o que creio, ajuda o fluir da tradução para língua portuguesa. 

Assim, o “amigo” de Du Fu é o mandarim Zheng Qian, seu contemporâneo, os “letrados do passado” são o imperador mitológico Fuxi (sec. XXVIII a.C.), mais os poetas Qu Yuan e Song Yu (sec. III a.C.). 

“rústico que não é desta terra” é o próprio Du Fu, habitante do lugar de Duling, nos arredores de Chang’an.

O “poeta que lavava canecas e pratos” e o letrado que se “lançou de um torreão”, são respectivamente Sima Xiangru (179 a.C. – 117 a.C.) e Yang Xiong (53 a.C.- 18 d.C.). 

Por último, Du Fu fala de Confúcio (551 a.C. – 479 a.C.) e de Zhi, o “salteador de estradas.”

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 (Continua) 

(Seleção,  revisão / fixação de texto para efeitos de publicação neste poste: LG)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 25 de março de  2024 > Guiné 61/74 - P25305: Notas de leitura (1678): "Lay Yong, Bernardo e outros poemas", de António Graça de Abreu (Lua de Marfim Editora, 2018, 90 pp.) (Luís Graça)