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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7250: (In)citações (17): Recordando Fatemá e Sambel Baldé, tenente de 2ª linha, régulo de Contabane (José Brás)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sinchã Sambel  (ex-Contabane) > 2005 > Da direita para a esquerda: o Paulo Santiago, a Fatemá e o João Santiago.


Foto: © Paulo Santiago  (2005). Todos os direitos reservados





1. Comentário de José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, foto à esquerda), ao poste P7249:


A minha memória sobre a FATEMÁ, não é tão objectivamente clara como a que aqui aparece do camarada Santiago.

Há coisas da Guiné que me escapam hoje e penso mesmo que me escaparam sempre para minha desgraça pessoal porque tenho isso como uma lástima que não me aumenta razões para a consideração de outros nem de mim por mim próprio.

Tentando entender porque terá sido isso, quero crer que se deve a uma certa rejeição pela guerra e pelas razões da guerra e, nesse tempo, mesmo pelos seus intérpretes no terreno, apesar de também eu a ter assumido.

Por isso Fatemá era apenas a mais prestigiada das mulheres de Sambel [Baldé],  tenente de segunda linha, homem que permaneceu a nosso lado, creio que até ao fim da guerra.

Dele, lembro cartas que escrevi para um seu filho que estava em Lisboa e que ele queria em Contabane para casar com uma mulher "negociada" pelo pai, coisa que gerou conflito de posturas porque o filho, tendo escolhido mulher, outra, já não aceitava a decisão do pai.

Lembro também do posto rádio que montei em sua casa com AN-GRC 9 para apoiar uma incursão da minha companhia na estrada que ligava a Madina do Boé, operação que deu apenas uma vítima, cobra com mais de 4 metros apanhada pelos soldados e cozinhada em Aldeia Formosa.

E também me lembro do embaraço desse dia, obrigado a partilhar o arroz de chabéu com galinha na mesma malga de madeira onde comiam Sambel e as suas mulheres da forma tradicional da Guiné.

Sei que muito soldado português partilhou experiências destas sem quaisquer dificuldades, mas para mim não foi agradável, coisa que, como disse já, sinto hoje como postura verdadeiramente lamentável na medida em demonstra a pouca adaptação que terei tido nesta experiência.

Abraço

José Brás

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Nota de L.G.:

Último poste desta série, (In)citações > 27 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7179: (In)citações (21): Os irmãos Turpin, José e Eliseu, "verdadeiros filhos da Guiné" (Luís Graça)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2450: Álbum das Glórias (38) : O rádio AN/GRC-9 (Sousa de Castro / Afonso M.F. Sousa)

e Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Sousa de Castro, ex-1º cabo radiotelegrafista, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 (1972/74) > O Sousa de Castro no seu posto de trabalho, operando o Rádio AN/GRC-9 (1) > "O AN/GRC-9 foi o rádio com que trabalhei durante toda a comissão na Guiné em grafia... Não é para me gabar, mas eu achava-me um craque nesta matéria, trabalhar em código morse era comigo, ou não tivesse na minha caderneta a menção de TE (telegrafista especial)" (2).



O Rádio AN/GRC-9, muito usado no CTIG. Foto gentilmente disponibilizada pelo nosso camarada Afonso M. F. Sousa, que vive actualmente em Maceda, Ovar. Foi Furriel Miliciano de Transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidaje e Barro) (Agosto de 1968 / Maio de 1970) (2).

Fotos: © Afonso M. F. Sousa (2007). Direitos reservados.

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Notas dos editores:


(2) Vd. post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS

Guiné 63/74 - P2448: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (7): Racal (Sousa de Castro)



Alfabeto Morse

Imagens: © Sousa de Castro (2008). Direitos reservados

1. Mensagem de Sousa de Castro (ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CART 3493/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74)

Prezados amigos, falando ainda um pouco sobre TRMS e rádios utilizados no meu tempo...

Já se falou do aqui do AN/GRC-9 e gostaria de acrescentar que este equipamento tinha uma potência de saída de 7/15 W, não era transistorizado, tinha três tipos de modulação: AM (amplitude modulada) em fonia, CW (grafia contínua) e MCW (grafia modulada).

Trabalhava em HF entre 2/12 MHZ. Estes dois tipos de modulação (CW e MCW) eram essencialmente para comunicar em grafia.

Podia-se utilizar três tipos de antena:

(i) Antena tubular vertical constituída por 5 secções atarrachadas umas nas outras, constituindo um mastro de 4,75 m, com alcance médio de 30 Km.

(ii) Antena filar horizontal que era constituída por duas secções separadas, constituída por um fio de cobre nú de 32,78 m de comprimento, e seccionada por meio de 8 isoladores de porcelana. Essas secções podem, porém, ser postas em contacto por meio de ficha macho-fêmea. Tinha um alcance 60 Km. Deste modo a antena pode ser ajustada conforme as frequências pretendidas, abrindo ou fechando as fichas indicado numa tabela existente.

(iii) Por fim a antena Dipolo, que era constituída por uma linha de 50 a 72 Ohms. Esta antena tinha um alcance médio de 100 Km.

O RACAL TR-28, por sua vez, tem uma potência de 25 W, trabalha em HF entre 1,6 a 8 MHz. Pode-se utilizar duas antenas, a vertical com alcance médio de 30 Km e antena dipolo com alcance médio de 400 Km.

Por fim, apareceu em 1973, um novo emissor receptor VHF com o nome de STORNO que tinha uma potência de 10 W, 8 canais e vinha equipado com uma pequena antena laminar com o alcance de 30 Km.

Este emissor/receptor, creio eu, veio substituir o AVP-1 (conhecido por Banana). Era um rádio com excelentes condições de audição.

Junto em anexo duas fotos da minha borchura pessoal do Alfabeto Morse.

Sousa de Castro
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Nota de CV:

Vd. último post desta série > 30 de Dezembro de 2007> Guiné 63/74 - P2389: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (6): Racal (José Martins)

sábado, 8 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2335: A trágica morte do Cap Rui Romero: 10 de Julho de 1966, dia de correio (Artur Conceição)

1. Em meados deste ano, apresentou-se o soldado de Transmissões de Infantaria da CART 730/BART 733, Artur Conceição. Soldado de Transmissões de Infantaria numa Companhia de Artilharia ? Interrogou-se o nosso editor Carlos Vinhal.

Recordemos a resposta do Artur:

Caros Luís Graça e Carlos Vinhal,

Sou o Artur António da Conceição. Estive na Guiné de 65 a 67. O Carlos Vinhal perguntava-me no mail de boas vindas “o que fazia um militar que tinha duas especialidades: ser condutor e ainda exercer a especialidade de transmissões, devia ser complicado.”

Aqui vai a minha resposta: O que fazia um soldado de Transmissões de Infantaria Condutor Auto, numa Companhia de Artilharia, na Guiné nos anos de 65/67?

Fui incorporado no CICA4 em Coimbra em 21 de Outubro de 1963. Em 1963 começava a Guerra na Guiné, em Angola já ia com dois anos e em Moçambique ainda não tinha começado.

Quem nesta fase tinha conhecimentos práticos da guerra que nos esperava ? É nesta época que aparecem umas especialidades meio esquisitas, ou seja, faziam moda sem se pensar na sua utilidade prática.

Eu nunca vi nenhum condutor a conduzir com um AN/PRC-10 às costas!!!...Tal como muitas modas também esta não pegou!!! Mas no 4º turno de 63 e no primeiro de 64, penso que não houve mais, saíram: Transmissões Inf Condutor Auto, Radiotelegrafista Condutor Auto, Ponteneiro Condutor Auto e Auxiliar de Serviço Religioso Condutor Auto.

As duas últimas ainda teriam alguma razão de existir, agora as duas primeiras não me parece que fizessem muito sentido. Deveria ser muito interessante ir a conduzir com uma mão e com uma chave de Morse na outra, ou debaixo de fogo a tremer como varas verdes e a comunicar em Morse. Havia de sair uma coisa jeitosa!...

Na Guiné tanto eu como os restantes Transmissões Condutor Auto fazíamos parte da Secção de Transmissões, que era composta por um Furriel, um 1º Cabo Cripto, dois 1ºs Cabos Radiotelegrafistas, dois 1ºs Cabos Radiotelegrafistas condutor auto, um 1º Cabo de Transmissões, um soldado de Transmissões, e dois soldados de Transmissões condutor auto.

Em termos de funções, fazíamos todos a mesma coisa, inclusive cripto quando era necessário. Como eu era de 1963, e todos os restantes eram de 1964, ainda me calhou em sorte fazer a escala e tomar conta do material. Prémio de especialidade, era só para os radiotelegrafistas.

A minha Companhia chegou à Guiné em Outubro de 64, eu só cheguei em Fevereiro de 65, e fui logo direitinho a Bissorã em coluna militar com os primeiros tiros pelo caminho, entre Mansoa e Bissorã.

Depois de algumas operações com emboscadas e alguns ataques durante dois meses, fomos parar a Jumbembem. Em Jumbembem a estadia não foi muito má em termos de operações com emboscadas ou ataques ao aquartelamento.

Nessa altura a zona Norte era calma, dado que fazia fronteira com o Senegal. Quando em coluna para ir a Farim gastar uns pesos, ou ficar a manter a segurança junto ao rio Lamel, ou ir a Canjambari, utilizava-se um AN/GRC-9 instalado num Unimog com fundo em sacos de areia e paredes de chapas de bidon recheadas de areia; mas o condutor ia no lugar do morto.

Em Agosto de 1966 a minha Companhia regressou com 22 meses de comissão, e até essa data quem tivesse 16 meses de Guiné vinha também embora. Acontece que nesta data chegou directiva no sentido de que quem não tivesse ido de início teria de ficar até completar 24 meses. Como eu era um rapaz cheio de sorte e como ainda tinha pouco tempo de tropa, tive de gramar mais 6 meses.

Fiquei dois meses no QG (Quartel General) onde tinha como tarefa uma vez por dia e cerca das 18 horas, apanhar a Press Lusitana. Todos os dias ouvia sermão do então Capitão Garcia dos Santos (2) porque só apanhava as notícias desportivas e pouco mais.

Eu estava demasiado cansado e depois de 18 meses de mato não era o mais indicado para aquela tarefa, e fui substituído por um fresquinho acabado de chegar de Lisboa.

Os últimos quatro meses fiz serviço na PIDE em Bissau. Nessa altura os postos da PIDE estavam equipados com Emissores/Receptores de capacidade muito superior aos das NT, que eram na altura o AN/GRC-9.

Se acontecesse um ataque numa unidade do mato que precisasse de pedir socorro e o seu rádio não fosse suficiente, recorria ao posto da PIDE para comunicar com Bissau. Era minha missão fazer a ponte para o QG. Nunca aconteceu...

Como tinha de estar oito horas de serviço por dia em sistema de turnos, com uma folga no final, tinha de ter qualquer coisa para entreter. Quando o turno era de dia batia-se à máquina tudo o que era dito pela Rádio Argel e pela Rádio Moscovo, que tinha sido previamente gravado numa fita magnética. Quando era de noite, fazia o meu trabalho e o do operador da PIDE, e ainda dava para passar pelas brasas.

Como era minha intenção não voltar para a mesma actividade que tinha antes do serviço militar, fui-me valorizando profissionalmente, e no fim de quatro meses utilizava bem uma máquina de escrever e uma chave de Morse, porque protegido como estava a mão não me tremia.

Fui convidado para ficar, mas eu agradeci muito e fugi a sete pés. Também não eram esses os meus planos. Em Jumbembem utilizava-se só Fonia, porque para transmitir grafia não se pode tremer, e eu tremia em permanência. O meu amigo Saramago chamava-me o gelatina.
E era mais ou menos isto o que fazia um soldado de Transmissões Condutor Auto.

2. O Artur Conceição esteve num Batalhão que, como muitos outros, passou por Brá numa primeira fase. Dispersou as companhias pela intervenção, até lhe ser atribuída a zona de Farim e distribuiu-as por Farim (sede do Batalhão), Jumbembem e Cuntima (Colina do Norte).
Foi um Batalhão que deixou história, com muito para contar. E o Artur voltou, estes meses depois, a enviar-nos nova mensagem.

Meus Caros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote

Se entenderem que o conteúdo possa ter implicações, de ordem afectiva ou outras por parte dos familiares, não incluam no blogue.

Um abraço,
Artur Conceição

Era domingo, dia 10 de Julho de 1966, um dia como tantos outros
por Artur Conceição

Pela manhã realizou-se a habitual ida a Farim para levar o correio com destino à Metrópole. Já se encontrava em Jumbembem a Companhia que iria render a CART 730, e cujo número não me recordo.

O correio com destino à CART 730 havia sido entregue como habitual, dois dias antes, a partir de uma avioneta que largava os sacos, mas como a Companhia de rendição ainda não tinha assentado arraiais, o seu correio tinha ficado em Farim, onde era preciso ir buscá-lo para distribuição.

A Companhia que ia render a CART 730 tinha chegado cerca de uma semana antes e foi recebida sem qualquer euforia, que seria mais do que natural, mas talvez tivesse havido um grande respeito por quem chegava e que tinha ainda 2 anos de Guiné pela frente. Pairava no ambiente um certo desalento face ao comando da Companhia entre os homens que nos iam render.

Eu próprio tive uma situação bem complicada, ao ser advertido por estar a colocar água nas baterias que alimentavam o posto de rádio e que se encontravam ligadas em série e depois em paralelo de modo a garantirem 12 volts no terminal, que era a voltagem a que trabalhavam os AN/GRC-9. No entender de quem me dirigia tal advertência o que deveria ser colocado nas baterias seria petróleo e não água, para não enferrujar as baterias. Pelo que estaria a danificar o material intencionalmente.

Era habitual na distribuição de correio ser feita uma separação prévia por classes. O correio dos Oficiais ia para um lado, o dos Sargentos para o outro e finalmente o das praças era distribuído através de chamada pelo 1º Cabo escriturário ou pelo Sargento dia.

A distribuição do correio ocorria na parada quando, subitamente, se ouviu um disparo. Eu estava de serviço no posto de rádio e, a dois metros do local do disparo, que havia acontecido no gabinete mesmo ao lado.

O Capitão Rui António Nuno Romero tinha sido vítima de acidente mortal com arma de fogo. No chão estavam espalhadas várias cartas e também muitas fotos.

Perante o cenário, a minha reacção foi de fuga. Não me perguntem porquê. Porque ainda hoje não consigo explicar. Como estava de serviço tive de regressar rapidamente ao meu posto para enviar o pedido de evacuação. Foi a única vez que enviei uma mensagem com grau de urgência Zulu.
A foto recorda o momento da evacuação, onde se pode ver uma das nossas enfermeiras páraquedistas, e que, nesse tempo na Guiné, não seriam uma dezena. Foto de Artur Conceição. Direitos reservados.
4. No mesmo dia respondemos:

Artur, Caro Camarada,

Compreende-se o cuidado que pões na tua mensagem. E, no entanto, o facto ocorreu, estavas lá, foste testemunha. Também ouvi falar do caso, embora as minhas memórias já não sejam muito precisas. Que não foi caso único.

Os nossos Camaradas têm estado calados sobre casos idênticos, mas enquanto lá estive, tive conhecimento de um ou outro acidente desse género. Tinha-se-me varrido o caso do Cap Rui Romero e, ao ler a tua mensagem, num instante, veio-me à memória.(...)
Se pertenceste ao BART 733 tens muito para contar. O vosso Batalhão andou por quase toda a Guiné, esteve uns tempos baseado em Brá, com as companhias em intervenção, até renderem o BCAV 490 (o do Como) em Farim, Jumbembem e Cuntima. As minhas memórias estão correctas?
Quanto á publicação do sucedido com o nosso infeliz Camarada Rui Romero e, tal com tem acontecido com tantos outros casos (a guerra também foi feita de casos desses), não vejo impedimento em apresentar um testemunho público. E a família teve certamente conhecimento da forma como ocorreu.
Um abraço, Camarada Artur. Se quiseres tens muito para contar, porque o teu Batalhão foi um actor muito interveniente naqueles tempos.
vb

5. Na volta, responde o Artur Conceição

Caro Camarada V. Briote

Todas as tuas memórias estão correctas. Já lá vai tanto tempo que por vezes até nos interrogamos se terá sido mesmo assim.

O BART 733 havia partido para a Guiné em Outubro de 1964, e era comandado pelo Tenente-Coronel Glória Alves, que já tinha sido meu comandante no RI 11 em Setúbal, tendo sido substituído pelo então Major Carvalho Fernandes e que era o segundo comandante.
Só cheguei à Guiné no dia 17 de Fevereiro de 1965, e nesse mesmo dia fui levado para Brá onde se encontrava a CCS do BART 733.
O Artur com o Capelão que celebrou a missa, em Brá no dia 18 de Abril de 1965, Domingo de Páscoa

Três dias depois 20 de Fevereiro (sábado) passava por cima de Brá a caminho do Hospital um helicóptero que transportava o Baleizão (Manuel Graça Bexiga Troncão, era o seu nome), atingido mortalmente, e mais dois camaradas feridos, pertencentes à CArt 730 que nesse dia andava em intervenção na zona do Olossato.
Dois dias depois, segunda-feira segui em coluna para Bissorã onde se encontrava a minha companhia e que partilhava as instalações locais com uma Companhia do BCAV 645 (*), Águias Negras, comandado pelo Tenente-Coronel Henrique Calado.
No sábado a seguir, quando já tudo se preparava para ir dormir, houve ordem para preparar para uma saída para o mato. Foi toda a noite a andar sem saber muito bem por onde, uma vez fomos enganados pelos guias, e acabámos por envolver ao amanhecer um objectivo que não era o desejado. O João Parreira não achou piada nenhuma...

Fomos esperados no caminho de regresso onde levamos porrada e cerca das duas da manhã foram fazer-nos uma visita a Bissorã. Este ataque a Bissorã aconteceu de Domingo de Carnaval, dia 28 de Fevereiro, para segunda-feira.
Depois de participar em mais algumas operações de risco descontrolei o sistema nervoso e entrei em estado de hipotermia. Quem diria... Com um calor daqueles!...

O Dr. Afonso perante tal situação mandou-me em consulta externa para o Hospital de Bissau. Durante algum tempo estive em Brá onde se encontrava a CCS do Bart 733.
Lembro-me muito bem dos três grupos de Comandos que partilhavam o mesmo refeitório, em horários diferentes, e que ficava do lado direito quando se entrava no aquartelamento. Era um luxo…! Até comíamos em pratos….!
Também me lembro de um protesto dos Comandos por causa da alimentação que pôs tudo em sentido. Já lá estarias nesta altura? Deve ter acontecido em Abril de 1965. De camaradas dos Comandos, só me lembro do Furriel Joaquim Carlos Morais, que namorava uma enfermeira pára-quedista, vitimado numa sexta-feira pela manhã, no dia 7 de Maio de 1965, e do Vila Franca, por ter assistido a um episódio com ele que me deixou incrédulo.
Na consulta externa era assistido por um psiquiatra de seu nome Pimenta, natural de Coimbra, e que foi de facto extraordinário.

Num dia em que tinha consulta, quando cheguei ao Hospital estavam a chegar feridos graves, e um deles necessitava de uma transfusão directa porque os médicos iam ter de lhe cortar uma das pernas. Aceitei o desafio com coragem embora não tivesse sido fácil.
Não sei o seu nome nem o seu posto porque nunca mais voltei a entrar no Hospital, mas sei que era um camarada nosso que estava muito pior do que eu.
Estava na maca quando o Dr Pimenta deu por mim. Deu-me alguma coragem e disse que depois me esperava quando eu saísse do bloco.
Tivemos uma conversa prolongada e ele perguntou-me se eu já me sentia em condições de voltar para o mato sem ter problemas.
Entretanto a CCS já tinha ido para Farim, e em Brá só tinham ficado dois quarteleiros para tomar conta de algum material, e deixaram-me órfão. A CART 730 tinha partido de Bissorã rumo a Jumbembem. As alternativas eram poucas, e nestas condições aceitei ir-me embora.
Dois ou três dias depois enfiaram-me num caixote voador rumo a Farim. Fiquei alguns dias em Farim, e quando pedi alojamento mandaram-me para um grande armazém que nem portas tinha, onde havia umas camas e uns colchões empilhados. Montei uma cama com um colchão em cima, e tentei dormir. Não tinha lençóis, nem manta nem mosquiteiro e durante a noite acordava para matar os percevejos com uma tábua de uma caixa de batatas, antes que me furassem a roupa que tinha vestida.
Quando veio coluna da CART 730 a Farim, lá fui rumo a Jumbembem onde estive durante cerca de 15 meses sem problemas de maior.



Missa celebrada pelo Capelão do 733, no refeitório da CART 730, em Jumbembem

Em Jumbembem em cima de um barracão que serviu de caserna nos primeiros tempos, que ficava logo a seguir ao aquartelamento do lado direito, na estrada que dava para Cuntima. Eu sou o que está de boina e camuflado, do meu lado direito está o Norberto que era do Pelotão de Camjambari e que tinham vindo para Jumbembem por troca de um pelotão da CART 730, para recuperar fôlego. Do meu lado esquerdo está o Cabo cripto Florival Fernandes Pires, natural de Portalegre e que era Sabatista. Mais ao lado o Morais Castela que era natural de Viseu. Na queda o meu grande amigo Guilherme Augusto LEAL Chagas que é natural de Elvas.

Menciono aqui o nome do Major Carvalho Fernandes, e quero deixar a promessa de que um dia falarei deste grande amigo, porque entre os militares do Q.P. também havia homens muito bons, que não podemos nem devemos esquecer.

O dia hoje não está famoso, mas prometo que na próxima contarei coisas mais divertidas.

Um grande abraço,
Artur António da Conceição
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Nota de vb: vd posts:

(1) Sobre o Artur Conceição vd. posts.
Guiné 63/74 - P2291: Convívios (36): XII Convívio dos combatentes da Freguesia de Campia, no dia 10 de Novembro de 2007 (Artur Conceição)
Guiné 63/74 - P1989: Homenagem ao António da Silva Batista (Artur Conceição, CART 730, Jumbembem, 1965/67)
Guiné 63/74 - P1824: O Aeroporto de Jumbembem e os ecologistas 'avant la lettre' (Artur Conceição)
Guiné 63/74 - P1772: Tabanca Grande (5): Também quero estar ao lado dos que não permitem o virar da página (Artur Conceição, CART 730, 1965/67)

(2) Tenente coronel na altura do 25 de Abrild e 1974, fez parte, com Otelo Saraiva de Carvalho, do Estdao Maior do MFA (Movimento das Forças Armadas), sendo o responsável pelo plano de transmissões. Hoje é general na reforma. É o presidente da Assembleia Geral da Associação 25 de Abril.
(*) Deve ler-se: "...com a Cart 643, comandada pelo Cap Ricardo Lopes da Silveira, e que pertencia ao BART 645 'Águias Negras'."Agradecemos ao Abreu dos Santos a correcção.

sábado, 9 de julho de 2005

Guiné 63/74 - P98: Um Alfa Bravo para os nossos Op TRMS (2) (Sousa de Castro)

1. Há dias (30 de Junho de 2005) tinha feito um desafio aos nossos homens das transmissões (Op TRMS):

"Castro, Afonso Sousa, Luís Carvalhido: Gostava de saber mais sobre o vosso trabalho que eu hoje valorizo mais do que na época… Nós, operacionais, só dávamos valor aos pessoal de transmissões em três situações: (i) quando o rádio não funcionava e entrava tudo em pânico; (ii) quando era preciso pedir apoio aéreo; (iii) quando havia uma evacuação Y… Quanto ao resto, achávamos que o furriel de transmissões , o gajo da ferrugem, o ladrão do vagomestre e o pastilhas não passavam de uns turistas em férias... Nada mais injusto. Todos eram precisos, todos fazíamos parte de uma equipa…

"Vocês devem ter estórias, mais dramáticas ou mais engraçadas, a respeito do vosso trabalho, da sorte e do azar com as transmissões… Se se lembrarem, escrevam. Um abraço, Luís.


2.
Respondeu-me de imediato o Sousa de Castro:

É verdade... Éramos considerados uns gajos que não faziamos nada, não alinhávamos para o mato e que só sabiamos causar interferências na telefonia. Só se lembravam dos TRMS quando iam para operações, aí perguntavam sempre ao Castro:
- Qual é a Bateria que está em melhores condições ? - Neste aspecto confiavam só em mim. Curiosamente a especialidade de radiotelegrafista foi um trabalho que me dava muito gozo.

Quanto a estórias, lembro-me de assistir pela rádio quando Guidage sofreu um violento ataque, creio que foi em Maio 1973. Consegui sintonizar o AN-GRC9 e através do indicativo ficámos a saber onde era o ataque.

Lembro-me de o OP TRMS de Guidage a chorar, pedir apoio aéreo a Bissau e de um momento para outro ficar sem comunicações, supostamente as antenas terão sido destruídas. Mais tarde constou-se que os guerrilheiros do PAIGC levavam as nossas viaturas e nossos homens para o Senegal e por ordens do COM-CHEFE a nossa aviação, para libertar o quartel de Guidage e evitar a deslocalização para o Senegal das nossas viaturas, bombardeou a torto e a direito. Dos vinte e tal mortos que a nossa tropa sofreu não sabemos se muitos deles não teriam sido provocados pelas nossas forças.

Para além disto recordo ter detectado uma mistificação na rede que originou a mudança imediata de todos indicativos na Guiné.

Um Abraço.
Sousa de Castro.