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sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23621: Notas de leitura (1495): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Começo por pedir desculpa por demorar a publicação do final da história do BCAÇ 513, a que atribuo enorme importância pela natureza do relato, francamente não sei porque não concluí a recensão ao tempo, voltei à biblioteca da Liga dos Combatentes, fiz a necessária releitura de fio a pavio, compulsei as operações das três companhias de artilharia, a de caçadores, os relatórios dos pelotões de reconhecimento, e sou levado a considerar que quem queira estudar a guerra da Guiné irá ficar com uma imagem bastante rigorosa do Sul em 1963, todo o comércio se desarticulou, a Casa Gouveia e a Ultramarina fecharam as portas, tudo foi saqueado e incendiado e coube particularmente à BCAÇ 513 e às suas diferentes unidades o esforço hercúleo de procurar contrariar o que ninguém podia prever, sobretudo numa Guiné de 1962 tinha escassíssimas unidades militares.

Um abraço do
Mário



Um documento eloquente, peça de historiografia: A história do BC 513 (3)

Mário Beja Santos

Por que motivo atribuo tanto relevo a este documento? Publicado em 2000, numa verdadeira edição para amigos, a História do BC 513, da autoria de Artur Lagoela, abre luz sobre o primeiro ano da guerra, o estado do conflito na região Sul, os colonos e os comerciantes já tinham desaparecido e as populações, espavoridas ou rapidamente afetas ou constrangidas, com maior ou menor brutalidade, pelo PAIGC, tinham-se disseminado pelas pequenas vilas à sombra das tropas portuguesas, ou nas matas ou na República da Guiné.

Peça de historiografia, pelo acervo informativo, mas igualmente um documento de ternura e de respeito pela memória, basta pensar na dedicatória do exemplar oferecido à Liga dos Combatentes: “De todos nós, combatentes do BCAÇ 513, que prestou serviço na Guiné entre 25 de julho de 1963 e 25 de agosto de 1965, daqueles que por lá perderam a vida e daqueles que voltaram deixando lá parte dela, aqui fica um muito pouco de nós, num livro chamado História do Batalhão, e também um grande reconhecimento que os combatentes sabem ter por quem nunca os esquece. Mas a nossa história, essa, ficará sempre por contar. Ela seria o enorme somatório de todas as histórias de todos nós, amalgamadas com todos os nossos sentimentos, todas as nossas indignações, angústias, inquietações, desesperos, raivas, medos, coragens, esperanças, desilusões, amizades, amores, tudo como unido pela fortíssima argamassa que é a irmandade que nasce e perdura entre aqueles que foram combatentes.” Assina o antigo Alferes Miliciano Sapador José Filipe da Cunha Fialho Barata.

Recapitulando, este BCAÇ irá agregar várias companhias de artilharia (494, 495 e 496), uma companhia de caçadores (411) e um pelotão Fox (888), um pelotão de morteiros (979), entre outros. Coube-lhes a região Sul, uma extensão enorme, incluindo a fronteira, Buba, Aldeia Formosa, Cacine, Mapatá, Ganjola, e mais, tudo abandonado, uma falta total de instalações, tudo para construir, não havia pistas para aviões; a guerrilha implantada na região de Incassol, nas margens do rio Corubal, nas margens do rio Cumbijã (em Bantael Silá) e em Cacine (Campeane), para além das zonas de passagem como Ganturé-Guileje. É o período em que se intensifica o uso de minas antipessoal e anticarro, se reagrupam as populações Fulas, que tinham sido atacadas e expulsas nos itinerários Guileje-Mejo-Nhacobá-Buba-Fulacunda, todas as casas de construção europeia pertencentes a comerciantes tinham sido destruídas, as da Casa Gouveia e as da Ultramarina. Não havia, na época em que o Batalhão chegou ao Sul, ainda destacamento em Guileje. Os grupos da FLING foram rapidamente ultrapassados pelo PAIGC, a população Beafada aceitou colaborar com este partido.

Cada vez que leio estes relatos que se copiam uns aos outros sobre a passividade ou a incapacidade de resposta das nossas tropas à extensão da guerrilha, interrogo-me se essas mentes iluminadas que destratam o trabalho de Louro de Sousa e Arnaldo Schultz que se deram ao trabalho de ler relatos como este, em que se fala da ocupação de Gadamael ou de Guileje, a abertura do itinerário Guileje-Gadamael, do itinerário Sangonhá-Cacoca, Cacoca-Cacine e a ocupação de Cameconde irá ser frequentemente flagelada.

Artur Lagoela vai apensando relatórios de operações, uns referentes à ocupação de localidades abandonadas, outros à abertura e limpeza de itinerários, a presença contumaz, não faltam emboscadas, flagelações, a guerrilha já dispõe de metralhadoras, bazucas e estão a chegar os morteiros, não há qualquer referência ainda a canhões sem recuo. Aspeto curioso que merece relevo é a permanente participação das autometralhadoras nas atividades operacionais, bem como os pelotões de morteiros. Em novembro de 1964, Guileje é já um alvo que o PAIGC não poupa. Não deixa de impressionar como o autor dispõe cronologicamente as operações, mês após mês, já não se está só na fase de abrir itinerários, pretende-se ir mesmo às bases do PAIGC, aonde há população, caso de Bantael Silá ou Darsalame, destroem-se estas populações provisórias, mas nas operações subsequentes descobre-se que a guerrilha e a população voltaram. Há parágrafos que ajudam o investigador a perceber que o dispositivo da guerrilha estava fortemente implantado no Sul, as posições ocupadas eram muito vigiadas e de difícil acesso, em abril de 1965, por exemplo, Os Fantasmas já fazem aqui operações. Há registo da ação psicossocial na região de Buba, procura-se conquistar a confianças dos Nalus de Cacine, dá-se apoio às populações dos regulados de Guileje e Gadamael, há postos de socorro em Cacoca e Sangonhá.

De maio a agosto de 1965, o Batalhão permanece no setor de Bissau, procede a patrulhamentos, não se detetam atividades subversivas. E Artur Lagoela despede-se com a listagem das baixas e louvores, agradece o auxílio da Força Aérea e da Marinha e o Tenente Coronel Luís Gonçalves Carneiro no seu relatório não deixa de mencionar que o PAIGC apresentava o Sul como região libertada, propaganda contraditada pela presença das nossas tropas, disseminada por muitos quartéis, destacamentos e tabancas em autodefesa. Como é evidente, o retrato que aqui se fixa é de um Sul onde se iniciara uma grande desarticulação já no segundo semestre de 1962, onde as populações fugiram ou aderiram ao PAIGC, fizeram crescer povoações como Buba, Fulacunda ou Aldeia Formosa, o BCAÇ 513 participou nesta operação de contrariar uma extensa terra de ninguém e é por isso com imenso valor que este trabalho de Artur Lagoela e os seus amigos, mais de meio século passado.

Para quem quer estudar a guerra da Guiné, obra de leitura obrigatória.


Bem-vindos a Sangonhá, imagem do blogue
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Notas do editor:

Vd. postes anteriores de:

15 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23526: Notas de leitura (1475): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (1) (Mário Beja Santos)
e
19 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23539: Notas de leitura (1476): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 12 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23610: Notas de leitura (1494): "Diário Pueril de Guerra", por Sérgio de Sousa; Editoral Escritor, 1999 (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22601: O nosso livro de visitas (214): Luís Sequeira, filho do nosso camarada Manuel Dias Sequeira, ex-1.º Cabo do Pel Mort 979 (Buba, 1964/66), falecido em 2008

Manuel Dias Sequeira, ex-1.º Cabo do Pel Mort 979


1. Através do formulário para contactos, o nosso amigo Luís Sequeira enviou-nos no dia 2 de Outubro p.p. esta mensagem:

Olá boa tarde
tenho umas fotos do meu pai no ultramar, e que gostaria de partilhar consigo! Quem sabe poderia aprender algo mais sobre a historia na Guiné.
Um abraço
Cumprimentos,
Luis Sequeira


2. No mesmo dia houve a seguinte troca de mensagens com o nosso novo amigo Luís Sequeira:

a) - Caro Luís Sequeira
Muito obrigado pelo seu contacto.
Para nos falar do seu pai, utilize este meu endereço (carlos.vinhal@gmail.com) e o do editor do Blogue, Prof Luís Graça (luis.graca.prof@gmail.com).
Envie-nos, além do nome do pai, o posto dele, especialidade, Companhia e Batalhão em que foi para a Guiné e locais onde cumpriu a comissão de serviço.
Teremos muito gosto em publicar as suas fotos.
Caso ele não seja utilizador/frequentador da internete, e se o Luís quiser ser a ponte entre ele e o Blogue, o pai poderá fazer parte da nossa tertúlia, bastando para o efeito o envio de uma foto actual e outra do tempo de Guiné.
Para outros pormenores, queira contactar-nos.
Abraço, extensivo ao pai.
Carlos Vinhal
Coeditor



b) - Boa tarde Sr Carlos,
infelizmente o meu pai já não se encontra entre nós, e o assunto sempre foi um tabu, por isso tenho algumas dificuldades em fornecer certas informações, o que sei é que pertenceu ao Regimento de morteiros entre 64 e 66 na Guiné e o nome dele é Manuel Dias Sequeira.
Luís Sequrira


c) - Boa noite, amigo Luís
No Blogue temos um lema (ou divisa) que filho de um nosso camarada, nosso "filho" é, pelo que lhe peço não estranhar a proximidade no tratamento que não é de modo nenhum sinónimo de falta de respeito.
Lamentamos por o pai já não estar entre nós. Faleceu há muito? Pelas minhas contas deveria ter agora entre 78 e 80 anos.
No ano de 1964 foram mobilizados para a Guiné 4 Pelotões (assim se designavam) de Morteiros, a saber o Pel Mort 942, formado na Carregueira/Lisboa, que esteve na Guiné entre Janeiro de 64 e Janeiro de 66 e os Pel Mort 978, 979 e 980, formados em Leiria, que estiveram na Guiné entre Maio de 64 e Abril de 66.
Pode mandar as fotos que quiser. Se optar por as "fotografar" com o telemóvel, por favor desligue o flash para as não queimar com o excesso de luz.
Às vezes nas costas das fotos escrevíamos o local e a data das mesmas, assim como quem está nelas. Se me puder mandar esses elementos à parte, seria óptimo para sabermos exactamente a que Pelotão pertenceu o pai. Se me mandar fotos dele podemos ver se no blogue alguém o reconhece.
Ficamos ao dispor do amigo Luís.
Abraço
Carlos


d) - Boa noite Sr Carlos
Sim infelizmente faleceu em Setembro de 2008, por esta altura estaria com 77 completados em Agosto.
Pela informação que o Sr Carlos me deu, uma das fotos que vou enviar em anexo, consta o número 979.
Luís Sequeira


Nesta foto, o camarada Manuel Dias Sequeira, na fila de trás, tocando gaita de beiços.
Em progressão algures no mato da Guiné, o camarada Manuel Dias Sequeira em primeiro plano
Nesta foto, Manuel Dias Sequeira à esquerda
Provavelmente em Buba, entre 1964/1966 > Manuel Dias Sequeira


3. Já no dia 3 houve esta troca de mensagens:

a) Bom dia amigo Luís
Se o pai pertenceu ao Pel Mort 979, formou pelotão em Leiria, no RI 7, e chegou à Guiné em 13 de Maio de 1964 no navio Uíge.
Foi para Buba (veja aqui a carta: http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial16_mapa_Xitole.html) onde esteve até Fevereiro de 1966, passando para Nhala (na estrada Buba/Xitole) nessa data, onde esteve até às vésperas do regresso que foi em 27 de Abril de 1966, curiosamente também no Uíge.
Só falta saber a sua patente. Ele tinha que escolaridade? Naquele tempo, com a 4.ª classe, ia-se para o contingente geral para soldado ou cabo, com o chamado curso secundário incompleto (actual 9.º ano) já podia ser furriel miliciano. Finalmente, com o 7.º ano dos Liceus (ou equivalente) ia-se para o curso de oficiais. Não terá por aí uma foto ou papelada onde se possa saber?
O nosso problema é que os militares do tempo do pai, normalmente, são pessoas infoexcluídas, que não frequentam as redes sociais, salvo alguns graduados, pelo que vai ser difícil encontrar companheiros do Pel Mort 979. No nosso Blogue temos apenas duas referências. Pode ver aqui: https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Pel%20Mort%20979
Em relação às fotos que me mandou.
Naquela do grupo maior, basta que me diga qual a sua posição relativa, da esquerda para a direita, por exemplo. Estará na fila de trás, penso.
Na que aparecem 4 militares em progressão, será o primeiro?
Na que está com outro camarada, será o mais baixo?
Se tiver estas respostas, as fotos ficariam legendadas.
Obrigado
Bom domingo

b) - Bom dia sr. Carlos
Graças à sua informação já me fez o dia, é bom saber um pouco da história do meu pai. O meu pai tinha a 4ª Classe na altura, lembro de ele me dizer que era 1.º Cabo, mas sinceramente não sei, porque nunca vi nenhuma divisa, apenas tinha um emblema que usava no braço esquerdo do Pel Mort 979.
[...]
Mais uma vez muito obrigado, um bom domingo.
Luís Sequeira


4. Hoje mesmo foi enviada mensagem ao Luís Sequeira a pedir autorização para inscrevermos na nossa listagem dos camaradas que já partiram o nome de seu pai, Manuel Dias Sequeira (1944-2008)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22532: O nosso livro de visitas (213): Nuno Inácio, filho do nosso camarada Gil da Silva Inácio - "O Gringo" - que foi CMDT do Pel Caç Nat 67 em 1973

terça-feira, 25 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19917: (D)o outro lado combate (50): a morte de 'Guerra Mendes' (Jaime Silva) em Bulel Samba, Buba, em 14 de fevereiro de 1965, na Op Gira - Parte I (Jorge Araújo)


Citação: (1963-1973), "Jaime Silva (Guerra Mendes)", CasaComum.org, Disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43473 (2019-4), com a devida vénia.




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue; 


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE: A  MORTE DE 'GUERRA MENDES' EM BULEL SAMBA [S2-BUBA], A 14FEV1965, NA OPERAÇÃO "GIRA", UM ANO DEPOIS DE TER SUBSTITUÍDO RUI DJASSI (FAINCAM) NO COMANDO DA "ZONA 8" (QUINARA) POR DECISÃO DO I CONGRESSO DO PAIGC : "HERÓI DA PÁTRIA", TEM HOJE NOME DE RUA EM BISSAU  (Parte I)


1. INTRODUÇÃO

Depois de nas últimas narrativas ter percorrido "um pedaço do inferno", como foi o caso do Xime (*), local de muitas memórias para a vida daqueles que lá viveram durante as diferentes épocas ou períodos, regresso, de novo, à actividade operacional desenvolvida na região de Quínara, no ano de 1965, recuperando alguns acontecimentos que fazem parte da historiografia da Guerra, com recurso, uma vez mais, às informações obtidas "(d)o outro lado do combate", e da sua triangulação com os documentos "oficiais" das NT.

Como o título acima sugere, o presente texto, que será dividido em duas partes, terá como objecto de análise, o aprofundamento do contexto sócio-histórico que originou a morte do Cmdt da "Zona 8", Guerra Mendes [nome de guerra de Jaime Silva], ocorrida em 14 de Fevereiro de 1965, em Bulel Samba [S2-Buba], dois anos depois do início do conflito e um ano após ter substituído Rui Demba Djassi «Faincam», morto em 24 de Abril de 1964 na península de Gampará [P19532 e P19536], durante a «Operação Alvor». (**)


2. SUBSÍDIO HISTÓRICO DAS ACÇÕES DE 'GUERRA MENDES' APÓS SUBSTITUIR RUI DJASSI NO COMANDO DA ZONA 8 (QUINARA)  (***)


Nomeado na reunião de quadros do PAIGC (I Congresso) realizada em Cassacá, em Fevereiro de 1964, como novo responsável pela Zona 8 (região de Quinara) [P19433], em substituição do anterior Cmdt Rui Djassi (Faincam) (1937-1964), "Guerra Mendes" viria a tombar na área da sua intervenção, a 14 de Fevereiro de 1965, domingo, exactamente um ano após ter assumido esse cargo, no decurso da «Operação Gira», na qual participaram as seguintes unidades: CCaç 594, CCav 702, Pel Rec Fox 888, CCS/BCaç 513 e Pel Mort 979.

O modo como esta operação se desenrolou será abordado na Parte II.

Considerando o período em que decorreu o desempenho da sua missão, os subsídios históricos considerados para a elaboração desta narrativa são exclusivamente os que constam no espólio documental de Amílcar Cabral (1924-1973), existentes na Fundação Mário Soares,  disponíveis no portak Casa Comum, em particular a correspondência trocada entre si e alguns dos seus responsáveis directos.


Citação: (1963-1973), "Reunião de responsáveis do PAIGC com a população", CasaComum.org Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43984 (2019-4), com a devida vénia.


2.1. A PRIMEIRA CARTA - [JAN1965] ENVIADA DE ANTUANE: DE GUERRA MENDES PARA LUÍS CABRAL, DANDO CONTA DA ACTIVIDADE DESENVOLVIDA EM ANTUANE

Exmo. Camarada Luís Cabral

Em primeiro de tudo,  estimo que esta carta lhe vá encontrar em bom estado de saúde, ao lado da sua família.

Eu por cá vou indo bem de saúde,  enfrentando somente grande dificuldade que é para o bem do nosso povo.

Recebi as suas duas cartas a qual li e fiquei contente com a sua exposição e mormente com o meu estado em N'tuane [Antuane]. Por bem dizer posso-lhe afirmar que não me fixei em N'tuane [Antuane], ando por poda a parte da área que o Partido me incumbiu de controlar. Se estaciono em N'tuane [Antuane] é devido à análise da condição ou da decisão que os nossos inimigos tomaram a fim de fechar a linha de fronteira, e por essa razão a minha estadia em N'tuane [Antuane] é da possível necessidade a fim de dirigir camaradas.

Da minha estadia em Quínara que o Camarada Luís [Cabral] menciona, e que podia ficar descansado, porque tenho um camarada de grande confiança que é o Quemo Mané, e devido também os meios que já desenvolvi, tanto a politização da massa como bases novas que abri, tenho a certeza que tudo corre bem e há-de continuar. Mas contudo isso não passa um mês sem chegar lá, assim como a toda a parte que o Partido me ordenou de controlar.

Junto o portador agradecia enviar linhas de nylon e pilhas para fazer gerador eléctrico para instalar minas nos rios. Agradecia mandar-me oferecer jornais e livros de política.

Termino, esperando com toda a esperança o seu favor. Sou Guerra Mendes.

[Revisão / fixação de texto: JA]




2.1.1.  ORIGINAL DA PRIMEIRA CARTA






Citação: (s.d.), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34412 (2019-4), com a devida vénia.


Fonte: Casa Comum; Fundação Mário Soares. Pasta: 04613.065.092. Assunto: Explicações sobre o facto de permanecer em N'tuane. Estadia em Quinara; politização de massas e abertura de novas bases. Solicita material para um gerador eléctrico. Remetente: Guerra Mendes. Destinatário: Luís Cabral. Data: s/d. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.




Citação: (1963-1973), "Dois combatentes do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43751 (2019-4), com a devida vénia.



2.2. A SEGUNDA CARTA - [09FEV1965] ENVIADA DE CONACRI:  DE ARISTIDES PEREIRA  PARA GUERRA MENDES SOLICITANDO A ESTE A SAÍDA DE ANTUANE, CINCO DIAS ANTES DA SUA MORTE

Caro Guerra [Mendes]

Saúde e bom trabalho.

Recebemos a tua carta [Jan65], mas continuamos a estranhar saber-te em Antuane, quando há tanto tempo contamos contigo em Quínara. Palavra que não compreendemos. Temos como indispensável a tua presença e o teu trabalho em Quínara. Esperamos que arrumes tudo aí, e que sigas o mais urgentemente para a tua área, a fim de efectuares o trabalho que te está determinado, e com o que contamos absolutamente.

Tomamos devida nota das notícias, mas torna-se necessário mais pormenores nelas.

Regressam os camaradas que vieram buscar medicamentos e artigos escolares. Levam o que é possível, conforme as notas de que são portadores.

Quanto à questão de Bolama que pões, assim como outro qualquer assunto militar ou político local, deves pô-lo ao 'Nino' [Vieira], e discutir com ele o melhor caminho a seguir. Deves, pois, pôr esses problemas ao 'Nino', para ele decidir.

Continuamos recebendo cartas tuas sem assinatura, o que não nos permite identificá-las. Chamamos a tua atenção para esse facto, que já se vem repetindo e que pode trazer prejuízos à identificação das cartas que vêm do interior.

A questão do comércio está sendo devidamente estudada e a nossa Secção encarregada desse assunto ocupa-se inteiramente do caso. Assim, podes estar descansado que tudo irá pelo melhor nesse campo. O encarregado do Depósito dos Armazéns do Povo nessa zona deve dirigir-se à sua sede e expor os problemas que há, pois tu tens que te mexer e ocupar de muitos outros assuntos, embora devas ajudar sempre na medida do possível.

Esperamos é que possamos receber dentro em breve as tuas notícias, mas vindas de Quínara, conforme dissemos acima.

Saudações de todos os camaradas, com votos de saúde e o melhor trabalho possível.

Abraço amigo do camarada, Aristides Pereira.

[Revisão / fixação de texto: JA]


2.2.1. ORIGINAL DA SEGUNDA CARTA





Citação: (1965), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35306 (2019-4), com a devida vénia.


Fonte: Casa Comum; Fundação Mário Soares. Pasta: 04618.082.030. Assunto: Instruções para sair de Antuane indispensável a sua (Guerra Mendes) presença e trabalho em Quinara. Remetente: Aristides Pereira. Destinatário: Guerra [Mendes]. Data: Terça, 9 de Fevereiro de 1965. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada (Amílcar Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral para os Responsáveis da Zona Sul e Leste). Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.





Mapa da região de Antuane, com indicação dos nomes das tabancas referidas nos documentos consultados. Sinaliza-se, ainda, o local onde o Cmdt Guerra Mendes morreu [Bulel Samba].



2.3. A TERCEIRA CARTA - [16FEV1965] ENVIADA DE SALANCAUR:  DE 'NINO' VIEIRA PARA ARISTIDES PEREIRA, DANDO CONTA DE UMA OFENSIVA DAS NT [OPERAÇÃO GIRA] E DA MORTE DE GUERRA MENDES E MAIS DOIS ELEMENTOS


Caro camarada Aristides Pereira

A continuação da vossa saúde, assim como a dos c/ [camaradas] são os m/ [meus] maiores desejos. Nós bons.

Tenho a informar-vos que no dia 13 e 14 [Fev65], as tropas portuguesas desencadearam uma grande ofensiva nas áreas de Antuane, donde eram apoiados de 2 aviões de caça e 2 de reconhecimento armado. Conseguiram avançar até Indaliel, Banta e Bulel Samba. Os n/ [nossos] camaradas conseguiram aguentar esse duro ataque de 48 horas, onde conseguiram pôr fora de combate dezenas de soldados inimigos, além de feridos. Como prova disso o helicóptero aterrou 3 vezes para transportar cadáveres e feridos.

Por infelicidade n/ [nossa] perdemos o n/ [nosso] camarada Guerra Mendes, Infaly e Isnaba Naberiaguebandé. Estes camaradas foram mortos pelas tropas que avançavam por Bulel Samba. [H]ouve também 3 dos n/ [nossos] camaradas que ficaram feridos: Imbaná Sambú, Bien Naína e Beínha Natchandi. […]

[Revisão / fixação de texto: JA]


2.3.1. ORIGINAL DA TERCEIRA CARTA




Citação: (1965), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39148 (2019-4), com a devida vénia.


Fonte: Casa Comum; Fundação Mário Soares. Pasta: 04613.065.078. Assunto: Informa sobre a ofensiva das forças portuguesas na área de Antuane, tendo avançado até Indaliel, Banta e Bulel Samba. Lista de combatentes mortos. Destruição de uma grande quantidade de arroz e casas. Solicita opinião sobre a substituição do Guerra [Mendes] em Quinara, propõe o Saco ou o Arafam. Remetente: Marga (Nino Vieira). Destinatário: Aristides Pereira. Data: Terça, 16 de Fevereiro de 1965. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos responsáveis da Zona Sul e Leste). Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.


[Continua…]

Nota:

Em função da extensão da presente narrativa, e como referido na introdução, darei conta na segunda parte do modo como decorreu a «Operação Gira», de que resultou a morte de 'Guerra Mendes' [Jaime Silva] e de mais alguns guerrilheiros.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

27Mai2019.

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste  de 24 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19822: Jorge Araújo: Ensaio sobre as mortes por afogamento no CTIG: Os três acidentes na hidrografia guineense (IV e última Parte)


domingo, 4 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18283: Buba e os pelotões de morteiro 81 no período entre 1964 e 1974: um espaldão com história (Jorge Araújo)

Figura 1

Infografia: Jorge Araújo (2018)



Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974): nosso colaborador permanente


BUBA E OS SEUS PELOTÕES DE MORTEIRO 81 NO PERÍODO ENTRE 1964 E 1974: UM ESPALDÃO COM HISTÓRIA

por Jorge Araújo


1. INTRODUÇÃO

Têm sido particularmente interessantes os comentários produzidos no fórum sobre a foto de um espaldão localizada na Casa Comum – Fundação Mário Soares – na pasta: 05360.000.325, com o título: “Ponto de tiro de morteiros, do pelotão de morteiros 2139, do exército português”. O assunto é: “Estrutura militar portuguesa à beira de um rio [?]: ponto de tiro de morteiros, do pelotão de morteiros 2139 [2138].

E a principal interrogação/incógnita é, agora, saber quem foi o seu autor, em que época e como foi ela parar às mãos da guerrilha e/ou ao Arquivo Amílcar Cabral, já que a sua localização deixou de ser objecto de investigação quando o camarada Fernando Oliveira (Brasinha), do Pel Mort 2138 (1969/71), fez questão de provar que estávamos perante o espaldão construído na embocadura do rio Grande de Buba, junto ao arame farpado do Aquartelamento de Buba [poste P18231]. (*)

Terá ela sido tirada antes ou depois do «25 de Abril de 1974», ou seja, antes ou depois de ter terminado o conflito?

Não dando este assunto por encerrado, conseguimos reunir novos dados, certamente não definitivos, pois acreditamos que algo mais pode surgir a qualquer momento, nomeadamente daqueles que ainda têm presente muitas memórias de Buba.


Foto nº 1 > Guiné > Região de > Buba > Esapaldão de morteiro 81
Citação:
(1963-1973), "Ponto de tiro de morteiros, do pelotão de morteiros 2139 [2138], do exército português.", CasaComum.org, Disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms _dc_44169 (2017-1-20)


2. BUBA E OS SEUS PELOTÕES DE MORTEIRO 81 NO PERÍODO ENTRE 1964 E 1974

Como elemento facilitador da análise sobre a presença dos diferentes pelotões de morteiros que passaram pelo aquartelamento de Buba, sentimos necessidade de elaborar um quadro cronológico onde constassem as datas do início (chegada a Bissau) e do final da comissão (embarque para a metrópole), para identificar e seleccionar as fontes de informação e/ou consulta.

Acresce esclarecer que o período entre as datas indicadas no quadro abaixo não pode, em todos os casos apresentados, corresponder ao período em que as diferentes Unidades aí estiveram aquarteladas, uma vez que, em quase todas as épocas, as Unidades circulavam por diversos locais do território e daí essa questão não ser relevante para a presente problemática.

Outra nota importante, esta talvez decisiva para identificar a data ou o período da foto do espaldão, está relacionada com a total ausência de informações sobre a última Unidade indicada – Pel Mort 4277/72 – mas que presumimos ter estado lá pela simples razão de termos encontrado uma mensagem de um elemento desse pelotão, identificado por Joaquim Francisco Gonçalves, com data de 06Abr2013, nos seguintes termos:

“O6Abr[2013] – Procura: Joaquim Francisco Gonçalves procura pelos seus camaradas-de-armas do Pelotão de Morteiros 4277 «OS CASTIÇOS», que prestaram serviço na Guiné (Aldeia Formosa, Empada, Buba, Nhala, Mampatá, Calibuia, Cobijé, Chamarra, Pate Embaló, Chugué, Corumbá, Bedanda e Nhacubá), no período de 1973 a 1974”. [In http://ultramar.terraweb.biz/ActMensais201304Abr.htm (com a devida vénia)].

Eis, então, a ordem da permanência dos Pelotões de Morteiros 81 em Buba (Vd. figura 1, acima)

De seguida, seleccionámos um conjunto de fotos, apresentadas também por ordem cronológica, com o objectivo de poder encontrar resposta sobre o período em que ocorreu a construção do espaldão [Foto nº  1].


Foto 2 >  LDG no rio Grande Buba, com maré cheia (período 1968/71 – BCAÇ 2892). Foto do ex-alf, mil Joaquim Rodrigues, in: http://guine6871.blogspot.pt/ (com a devida vénia).

Será que a foto foi tirada do espaldão? E os bidões velhos da imagem, será que foram substituídos pelos do espaldão da “nossa” foto inicial?


Foto 3 >  Buba, Dezembro de 1968. Aprendendo a trabalhar com o morteiro 81 (elementos do Pel Mort 1242, 1967/69). Foto do camarada e grã-tabanqueiro Francisco Gomes, 1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2834 (Buba, Aldeia Formosa, Guileje, Cacine, Gadamael (1968/69), com a devida vénia. In: http://inforgom.pt/guine6869/?p=400.


Foto 4 > Rio Grande Buba (período 1968/71 – BCAÇ 2892). Foto do ex-alf mil Joaquim Rodrigues, in: http://guine6871.blogspot.pt/ (com a devida vénia).

Será que o espaldão está situado na parte de trás da casa ao centro da imagem?


Foto 5 > Espaldão de morteiro 81, junto ao arame farpado (o mesmo da foto 1), virado para o rio, ao tempo do Pel Mort 2138 (Buba, 1969/71). Foto de Fernando Oliveira [poste P18231].(*)

Quanto ao período em que ocorreu a construção do espaldão, consideramos apenas duas hipóteses:

(i) ou foi construído durante a permanência do Pel Mort 1242 (1967/69):

(ii) ou foi no período anterior ao tempo do Pel Mort 1086 (1966/67), do qual não temos qualquer referência no blogue.

Obrigado pela atenção.

Com forte abraço de amizade,
Jorge Araújo.
24JAN2018.
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Notas do editor:

(*) 20 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18231: Memória dos lugares (370): Buba e os bravos do Pel Mort 2138... Mais fotos (Fernando Oliveira, "Brasinha", ex-sol apont Arm Pes Inf, Pel Mort 2138, Buba, Aldeia Formosa, Nhala, Mampatá e Empada, 1969/71)


Vd. também postes de:

30 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11653: Em busca de... (223): Pessoal do Pel Mort 1242 (Buba, outubro de 1967/ agosto de 1969) cujos nomes ficaram gravados na "pedra de Buba"... O que é feito de ti, camarada Clemente, ex-alf mil e comandante? E de ti, Simão? E de ti, Laginha?... E de vocês todos, 44 anos anos depois de terem regressado no T/T Uíge, em 23/8/1969?

15 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18214: Pelotões de Morteiros mobilizados para o CTIG: elementos históricos e estatísticos (Jorge Araújo)

18 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18223: Pelotão de Morteiros 2138 (Buba, Nhala, Mampatá, Aldeia Formosa e Empada, 1969/71): espaldão com história (Jorge Araújo)

19 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18226: Memória dos lugares (370): Buba e o espaldão do morteiro 81 onde eu dormia... (Fernando Oliveira, "Brasinha", ex-sol apont Arm Pes Inf, Pel Mort 2138, Buba, Aldeia Formosa, NHala, Mampatá e Empada, 1969/71)

23 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18244: (D)o outro lado do combate (17): ataque a Buba em 12 de outubro de 1969, ao tempo da CCAÇ 2382 e Pel Mort 2138: os fracassos assumidos pelo PAIGC (Jorge Araújo)

23 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18245: Memória dos lugares (371): Buba, o espaldão do morteiro 81 e os Pel Mort [1086, 1242, 2138, 3020...] que por lá passaram