sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23539: Notas de leitura (1476): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
Prossegue a narrativa deste batalhão que congregava diferentes armas, companhias e pelotões. Estava sediado em Buba, a área de atuação era extensa, competia-lhe reocupar povoações abandonadas onde o PAIGC estava convencido de uma total segurança e incapacidade de reação das nossas forças armadas. As bases de apoio eram muitas, aqui residia a apetecível cultura do arroz e daí a intensidade da vigilância, como aliás iremos ver noutros pontos da Guiné, caso do Poidon, junto da Ponta do Inglês, ricos arrozais indispensáveis para a segurança alimentar de quem estava do lado da guerrilha. Reocupou-se o chão Fula e vamos ouvir falar constantemente em Aldeia Formosa, Guilege, Cacine, Gadamael, Mampatá, Cacoca, Sangonhá, Ganturé, Cameconde, Cantanhez. Pergunto-me se teria sido possível doutra maneira, e com menos sacrifício e com maior efetividade, obter-se o resultado de enfrentar as arremetidas do PAIGC. E vou reforçando a convicção de que está por reparar (e não sei se alguma vez se reparará) a tremenda injustiça de dizer que os dois oficiais generais que precederam Spínola não revelaram uma enorme capacidade para confrontar o adversário, com os meios disponíveis ao seu alcance. Foram pouco mediáticos estes dois oficiais generais e pagou-se-lhes com a fatura do esquecimento ou da ignorância (que muitas vezes é útil na historiografia de caráter manipulador).

Um abraço do
Mário



Um documento eloquente, peça de historiografia: A história do BC 513 (2)

Mário Beja Santos

Por que motivo atribuo tanto relevo a este documento? Publicado em 2000, numa verdadeira edição para amigos, a História do BC 513, da autoria de Artur Lagoela, abre luz sobre o primeiro ano da guerra, o estado do conflito na região Sul, os colonos já tinham desaparecido e as populações, espavoridas ou rapidamente afetas ou constrangidas, com maior ou menor brutalidade, pelo PAIGC, tinham-se disseminado pelas pequenas vilas à sombra das tropas portuguesas, ou nas matas ou na República da Guiné. Este batalhão cumpre as instruções do Comando-Chefe, vai procurar ocupar posições que permitam travar a penetração da guerrilha, derrotá-la no Interior, dar segurança a quem fica à sombra da soberania portuguesa. Os Fulas da região são colaborativos, vão mesmo combater com as tropas metropolitanas.

Em 17 de dezembro de 1963, ocupa-se Gadamael, veio primeiro um destacamento de fuzileiros, segue-se a CART 494, o PAIGC oferece pouca resistência; de 4 a 8 de fevereiro de 1964 ocupa-se Guilege e no dia 20 do mesmo mês abre-se o itinerário Guilege – Gadamael, dias depois ocupa-se Ganturé, patrulha-se os itinerários Aldeia Formosa – Gadamael, Guilege – Mejo e os acessos à fronteira. O PAIGC embosca e provoca vítimas mortais; em maio abre-se o itinerário Gadamael – Sangonhá e ocupa-se Sangonhá, os paraquedistas ajudam. Concluída a abertura do itinerário Aldeia Formosa – Cacoca, inicia-se um esforço no melhoramento das defesas, a pensar nas populações dos regulados de Guilege, Gadamael e Cacine; e faz-se o reconhecimento aonde a CART 496 irá instalar o futuro destacamento de Cameconde. Concluía-se assim a abertura do itinerário Cacine – Cacoca – Guilege – Mampatá – Aldeia Formosa – Buba.

Já se referiu que este documento agrega um conjunto de relatórios que abrem luz sobre o desencravamento na região Sul, como se procurava suster a presença do PAIGC ocupando posições e dando segurança às populações que a reclamavam. Ainda não chegaram as minas anticarro, os pelotões Fox e Daimler dão uma ajuda excecional, os documentos evidenciam essa realidade com a abertura do troço Cacoca – Cacine, Cacoca – Cameconde e Cacoca – Cameconde – Cacine.
E escreve-se:
“O IN levava a efeito inúmeras emboscadas ao longo de todos os itinerários controlados pelas NT em especial no de Buba – Aldeia Formosa e Rio Balana – Gadamael. Era sua preocupação dominar os itinerários que utilizavam para os seus reabastecimentos de material. Na estrada Buba – Aldeia Formosa, designadamente junto ao cruzamento de Buba e à bifurcação de Sinchã Cherno, implantou minas e montou emboscadas às nossas colunas, estas muitas vezes conjugadas com o rebentamento de fornilhos. Empenhou-se ainda na destruição de principais pontes e pontões no setor. Na totalidade, o IN implantou 66 minas anticarro, das quais foram detetadas e levantadas 46; o IN, acossado pelas NT ao longo da fronteira e no rio Cacine e afluente, decidiu-se usar a penetrante de Guilege para fazer passar a maioria dos seus reabastecimentos”.

Não menos interessante é um relatório assinado pelo Alferes Miliciano Ivo Januário Dias, de 11 de junho de 1964, referente a uma emboscada na estrada Aldeia Formosa – Fulacunda, no cruzamento de Buba, uma ação com dois pelotões.
E escreve o seguinte:
“O IN vinha escalonado: um explorador; cerca de dez metros atrás dois indivíduos (provavelmente); mais dez metros atrás um grupo inferior a dez homens e dois ou três metros depois o grosso da coluna bastante numeroso de cerca de cem homens. Naturalmente metidos no mato, caminhavam dos dois lados da estrada exploradores laterais que, no entanto, vinham atrasados em relação à vanguarda. Cerca das 20 horas, foram ouvidos os primeiros passos em marcha acelerada na estrada, distinguindo-se vagamente que era um homem que avançava no sentido Aldeia Formosa – Fulacunda. Logo a seguir foram ouvidos mais passos. Uns segundos depois voltaram-se a ouvir mais passos, desta vez de um grupo numeroso que caminhava mais lentamente. Nesta altura apercebi-me que este último grupo era o que devia transportar material, pelo que desencadeei emboscada. O fogo prolongou-se durante uns três minutos de parte a parte”.
Os guerrilheiros terão tentado o envolvimento, foi repelido, seja como for não deixou de abrir fogo do lado Norte do cruzamento de Buba e à retaguarda das forças emboscadas. Foi feita uma batida, recolheu-se material, que é inumerado.

Seguem-se outros relatórios referentes a patrulhamentos, emboscadas e operações. O relatório da Operação Marcela, em novembro de 1964, revela-se também uma peça de muito interesse. O PAIGC procurava manobras de diversão para percorrer o corredor de Guilege na mesma altura em que flagelava quartéis. O Alferes Miliciano João Pedro Mendes parte de Guilege e embosca na região de Balana, perto de Chinchim Dari. É tratada uma coluna, desencadeia-se o fogo das NT secundado com arremesso de granadas, o que provocou vários mortos ao IN. E o documento continuará a descrever patrulhamentos, reconstrução de pontões, operações, emboscadas, mas o PAIGC reage, o relatório fala de ataques IN aos aquartelamentos do setor, destaca-se Cameconde, vinte e quatro vezes flagelada entre 3 de novembro de 1963 e 27 de maio de 1965. O PAIGC ataca Cumbijã, a resistência é heroica, a seguir à letra tudo quanto se escreve no documento é uma façanha invulgar, tão poucos homens a suportar, valorosamente, uma arremetida de um enorme grupo.

Convém não esquecer que o BCAÇ 513 não atua sozinho, tem vários pelotões de reconhecimento, outras unidades militares e por vezes vêm forças especiais dar uma mãozinha. Lê-se que era dado como certo e seguro ter havido uma desarticulação da organização IN no setor, cuja superfície é assim descrita:
“O setor confiado à responsabilidade do BC 513 compreendia, além da extensa e pouco profunda zona fronteiriça, uma área interior correspondente ao antigo posto administrativo de Buba, abrangendo a Norte a região de Injassane – Incassol – Canconté, na margem esquerda do rio Corubal, e a Sudoeste a importante região de Bantael Silá – Unal, na margem direita do rio Cumbijã. Especialmente esta última é uma das mais ricas regiões de arroz da Guiné. A população Beafada da região de Antuane desde o início se ligou ao PAIGC e os Balantas que cultivavam arroz nas bolanhas do rio Cumbijã seguiram-lhes os passos após um fácil e rápido período de aliciamento. Assim se estabeleceu e foi consolidando um grande conjunto de acampamentos na região de Antuane, apoiado logisticamente nas ricas tabancas existentes ao longo do rio Cumbijã. Nestas procurou logo o IN estabelecer as suas estruturas político-administrativas, convencendo a população de que a tropa não iria ali mais e de que aquela região já estava libertada. De facto, tornou-se sempre muito difícil às NT atingir essas regiões, não só pelas grandes distâncias a percorrer como pela facilidade em impedir os movimentos, bloqueando o ponto de passagem obrigatória de Galo Bobola. Enquanto foi possível circular livremente as viaturas, confiou-se às unidades de reconhecimento da Cavalaria o patrulhamento destas áreas. Depois do aparecimento de minas em larga escala, as tropas passaram a andar a pé e então deixou de ser possível aparecer nessas tabancas com a regularidade necessária. De igual forma a região de Injassame – Incassol foi ficando fora do controlo das NT por os acessos serem muito limitados e facilmente controláveis e a distância a percorrer ser sempre para cima dos 40 km, ida e volta”.

Segue-se a descrição do modo como o BC 513 tentou desarticular as posições do PAIGC.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23526: Notas de leitura (1475): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (1) (Mário Beja Santos)

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