quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23535: (Ex)citações (413): o mito da invencibilidade do Batalhão de Comandos da Guiné, quebrado em Cumbamori, segundo a versão do meu irmão mais velho, o sold 'comando' Cissé Candé, da 3ª CCmds Africanos (Cherno Baldé, Bissau)

Guião do Batalhão de Comandos da Guiné (1972/74)


Ficha de unidade: Batalhão de Comandos da Guiné
Identificação: BCmds
Crndt: Maj Cav Cmd João de Almeida Bruno | Maj Inf Cmd Raul Miguel Socorro Folgues | Maj Inf Cmd Florindo Eugénio Batista Morais
2º Crndt: Cap Inf Cmd Raul Miguel Socorro Folques | Cap Inf Cmd João Batista Serra | Cap Cav Cmd Carlos Manuel Serpa de Matos Gomes | Cap Art Cmd José Castelo Glória Alves
Início: 2nov72 | Extinção: 7set74

Síntese da Actividade Operacional 

A unidade foi criada, a título provisório, em 2nov72, a fim de integrar as subunidades de Comandos da Metrópole em actuação na Guiné e também as CCmds Africanas, passando a superintender no seu emprego operacional e no seu apoio administrativo e logístico.

Em 1abr73, o BCmds foi criado a título definitivo, tendo a sua organização sido aprovada por despacho de 21fev73 do ministro do Exército.

Desenvolveu intensa actividade operacional, efectuando diversas operações independentes em áreas de intervenção do Comando-Chefe ou em coordenação com os batalhões dos diferentes sectores onde as suas forças foram utilizadas, nomeadamente nas regiões de:

  • Cantanhez (operação "Falcão Dourado", de 15 a 19jan73, e operação "Kangurú Indisposto", de 21 a 23 mar73); 
  • Morés (operação "Topázio Cantante", de 25 a 27jan73); 
  • Changalana-Sara (operação "Esmeralda Negra", de 13 a 16fev73); 
  • Morés e Cubonge (operação "Empresa Titânica'', de 27fev73 a 1mar73); 
  • Samoge-Guidage (operação "Ametista Real", em 20 e 21mai73); 
  • Caboiana (operação "Malaquite Utópica", de 21 a 22jul73 e operação "Gema Opalina", de 24 a 27set73); 
  • Choquernone (operação "Milho Verde/2", de 14 a 17fev74); 
  • Biambifoi (operação "Seara Encantada", de 22 a 26fev74):
  • Canquelifá (operação "Neve Gelada", de 21 a 23mar74), entre outras. 

As suas subunidades, em especial as metropolitanas, foram ainda atribuídas em reforço de outros batalhões, por períodos variáveis, para intervenção em operações específicas ou reforço continuado do  

Das operações efectuadas, refere-se especialmente a operação "Ametista Real", efectuada de 17 a 20mai73, em que, tendo sofrido 14 mortos e 25 feridos graves, provocou ao inimigo 67 mortos e muitos feridos, destruindo ainda:

  •  2 metralhadoras antiaéreas;
  • 22 depósitos de armamento e munições com:
  • 300 espingardas, 
  • 112 pistolas-metralhadoras, 
  • 100 metralhadores ligeiras, 
  • 11 morteiros,
  • 14 canhões sem recuo, 
  • 588 lança-granadas foguete, 
  • 21 rampas de foguetão 122, 
  • 1785 munições de armas pesadas, 
  • 53 foguetões de 122,
  • 905 minas 
  • e 50.000 munições de armas ligeiras.

Destacou-se também, pela oportunidade da intervenção e captura de 3 morteiros 120, 367 granadas de morteiro, 1 lança granadas foguete e 2 espingardas e 26 mortos causados ao inimigo, a acção sobre a base de fogos que atacava Canquelifá, em 21mar74.

Em 20ago74, as três subunidades de pessoal africano (1ª, 2ª e 3ª CCmds Africanos)  foram desarmadas, tendo passado os seus efectivos à disponibilidade. Em 7set74, o batalhão foi desactivado e exinto.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp.646/647.


1. Comentário de  Cherno Baldé (nosso colaborador permanente, assessor para as questões etno-linguísticas, economista, Bissau) ao poste P23523 (*)

Caros amigos,

A batalha de Cumbamori (OP Ametista Real, Samoge-Guidage,20-21 mar 1973) mudou a  a minha/nossa percepção sobre a guerra da Guiné e, sobre os Comandos (Africanos) em particular, pois de regresso à nossa aldeia, depois de participar nesse ataque, o soldado comando Cissé Candé (3ª CCmds Africanos), na qualidade de irmão mais velho, disse-nos que, definitivamente, para se ser um bom Comando, também, devia-se saber correr e bem. 

Segundo Cissé, em Cumbamori os Comandos atacaram com a máxima força e coragem, mas receberam uma resposta ainda mais violenta da parte dos guerrilheiros, surpreendidos em sua prória casa, onde até as árvores disparavam contra os invasores. 

No fim, sem munições de reserva, tiveram que fugir, sim isso mesmo, fugir, perseguidos pelos donos da casa, incluindo carros blindados do exército senegalês chamados em apoio da guerrilha. 

Esta foi a versão que ouvimos na altura.  com  estas palavras do Cissé,  nessa noite nos perturbou o sono e mudou  a nossa forma de ver e sentir a guerra à nossa volta e de olhar para os Comandos Africanos da Guiné que afinal também eram mortais como todos os outros soldados.

Até aquele dia, estavamos inocente e firmemente convictos de que um Comando era um militar invencivel em quaisquer circunstâncias e que nunca virava a cara à luta fosse ela qual fosse, tal era a nossa crença na força e coragem dos mesmos, independentemente da propaganda de um e doutro lado.

No regulado de Sancorla (minha terra), quando uma criança (de sexo masculino) chorava no colo da mãe, esta consolava-a com a promessa de que a entregaria para fazer parte dos bravos Comandos quando crescesse e fosse homem, a fim de combater pela defesa da sua terra.


"Comando quer Comida ? NÃO !"

"Comando quer Bajuda ? NÃO !"

"Comando quer Bianda ? NÃo !"

"Comando quer Guerra ? SIM !"

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé (**)

___________

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Era bom que houvesse mais depoimentos, escritos, sobre a Op Ametista Real... Há o do Amadu Djalo...Houve homens que ficaram para trás... Os "roncos" tiveram um preço...

Anónimo disse...


Caros amigos,

Nao sei se havia um mito de invencibilidade dos nossos garbosos e valorosos Comandos, guineenses e metropolitanos, mas de certeza absoluta que havia um respeito mutuo de ambos os lados, facto que é inquestionavel se nos basearmos nas cronicas e depoimentos dos protagonistas de ambos os lados (estou a pensar, em particular, das narrativas do nosso amigo e ex-Alferes Comando Briote, do depoimento de Amadu Djalo, dos livros e relatorios sobre as duas operaçoes realizadas além fronteiras de Conakri e Cumbamori entre outros).

Concordo com o Luis Graça sobre a necessidade de mais depoimentos e analises criticas sobre a operaçao Ametista real que, de facto, nao me parece que tenha tido o mesmo eco da operaçao Mar-Verde.

Gostaria de propor aos alunos e professores da Academia Militar e a todos que tenham o gosto e talento de o fazer para se debruçar sobre as operaçoes mais importantes da guerra colonial seja na Guiné ou noutros palcos. Na minha opiniao de um simples "Rafeiro" de quartel, para la das bravatas e relatorios oficiais ou oficiosos, ha elementos perturbadores nestas duas operaçoes (Mar-Verde e Ametista Real), realizadas em periodos e contextos diferentes, mas com algumas semelhanças que mereciam ser bem dissecadas por olhos criticos e independentes, pois nas duas operaçoes de invergadura, por razoes e objectivos diferentes, foram realizadas quase que pelos mesmas companhias e nos dois casos podemos dizer que foram "vitorias" com gosto bem amargo devido ao numero elevado de perdas humanas e a desordem nas retiradas "estratégicas", inicio de ataques com sucesso e que resultaram
quase em debandada final com gosto de derrota. Faz falta analizes criticas para se perceber quais foram as forças e fraquezas das estratégias, taticas e as lideranças nos dois casos. Quais foram as causas e origens das falhas verificadas e porqué? Foi acertada a utilizaçao de tropas africanas com material bélico identico ao da guerrilha nos cenarios em que aconteceram? Gosytaria de ter mais informaçoes e analises criticas das diversas situaçoes em questao, agora que ja nao sou aquela criança "Jubi" dos anos 60/70.

Abraços,

Cherno Baldé




Valdemar Silva disse...

Caro Cherno Baldé

"Foi acertada a utilizaçao de tropas africanas com material bélico identico ao da guerrilha nos cenarios em que aconteceram?"

Julgo ser a primeira vez que é abordada esta interessante questão, e dá que pensar.
Eu, por causa desta questão, até me veio à ideia 'outra coisa': o cada vez mais empenho na formação de tropas só com africanos.
A substituição das Milícias e dos Pelotões de Caç. Nativos por Companhias de Caçadores, Baterias de Artilharia, Companhias de Comandos e Fuzileiros guineenses, até ao nível de Oficiais graduados, era cada vez mais notória. Assim como a sua utilização em acções/operações de envergadura até então destinada à tropa Paraquedista e Fuzileiros metropolitanos.
Poder-se-á pensar.
Estariam as nossas altas esferas a matutar, e antes que chegue o que veio a acontecer em Abril/1975 com a entrada dos Vitcongs em Saigão, em criar uma força militar para uma passagem do testemunho?
Poderia muito bem ser essa a ideia, por os mortos estar a incomodar a ditadura e o seu Império Colonial difícil de preservar.
Aliás, só poderia ser essa a ideia, não lhes passando pela cabeça utilizador a tropa africana em operações mais perigosas por causa dos mortos, já que aquela do "agora eles que se entendam" seria a continuação da guerra, da verdadeira guerra civil sem a ajuda de tropa metropolitana, e de consequências imprevisíveis.

Quando um Pelotão da minha CART11, "os Lacraus", de soldados fulas, chegava a uma tabanca, ainda havia tabancas sem tropa na região de Paúnca, havia uma consolação com um 'bandidu fuga frontera'.

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz Embaló