sábado, 1 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17533: Falsificações da história (3): (i) Oliveira Muzanty foi um governador-geral controverso; (ii) nunca houve nenhuma coluna de operações proveniente da metrópole em 1891; (iii) aventuras e desventuras no Oio do "herói" Graça Falcão... (Armando Tavares da Silva, historiador)


Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > c. 1970 > Parque da cidade com a estátua de Oliveira Muzanty (governador-geral, 1907-1909) e, ao fundo, a Casa Gouveia.

Foto: © Benjamim Durães (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O historiador Armando Tavares da Silva mandou-nos os seguintes comentários ao poste P17532, sobre o trabalho de António dos Anjos “Resumo do que era a Guiné há vinte anos…” (edição de autor, Bragança, 1937). (*)

[Foto à direita: Armando Tavares da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.). ]


 (i) A demarcação das fronteiras da Guiné

No início do Post apresenta-se uma imagem da estátua de Oliveira Muzanty erigida em Bafatá. A inclusão desta imagem neste Post leva-me a um comentário. Eu creio que essa estátua se destinou mais a homenagear o oficial que desempenhou um papel importante na chefia da parte portuguesa da comissão luso-francesa que procedeu à demarcação das fronteiras da Guiné, do que o governador a quem esteve confiado o território entre 1906 e Janeiro de 1909.

Nesta qualidade [, como governador,]  a sua actuação não deixou boas recordações nem resultados úteis, tendo mesmo no final do seu mandato sido objecto de fortes críticas. Muitas das campanhas militares que empreendeu, ou redundaram num efectivo fracasso, ou foram desnecessárias.

Notemos que a inutilidade da campanha de Muzanty de 1908 em Bissau fora também referida no relatório de inspecção das alfândegas da Guiné, a que procedera o comissário Henrique Gonçalves Cardoso em 1912, e que determinou uma reorganização destes serviços. No índice do relatório, na parte referente à apreciação da vida da província, são mencionados os seguintes parágrafos: “As guerras de Bissau”, “A intriga dos proprietários em Bissau”, “Necessidade de pacificação de Bissau”, “A campanha de 1908 foi inútil”. 

Caso curioso é o facto de as páginas deste relatório que conteriam estes parágrafos, não se encontrarem presentes no relatório, fazendo crer terem dele sido removidas propositadamente, talvez para esconder factos que alguém desejaria que ficassem desconhecidos.

A efectiva demarcação das fronteiras da Guiné para dar cumprimento às disposições da Convenção de Maio de 1886 desenvolveu-se em várias fases. A primeira decorreu entre Janeiro e Março de 1888, e nela foi feita a demarcação da fronteira sul, sem que problemas de maior tivessem sido levantados. Porém, a demarcação da fronteira norte vai ser fonte de dificuldades, pois obrigava Portugal a abandonar Zeguichor [, Ziguinchor ou Zinguinchor], facto contra o qual várias vozes se levantaram, originando resistências e um atraso nessa entrega, que só ocorrerá em 12 de Abril.

Após esta entrega, os trabalhos de demarcação ficam suspensos, pois a França pretendia agora que se fizesse uma alteração à Convenção de 1886, substituindo o cabo Roxo pela ponta Varela, donde partiria a linha de fronteira, o que não fora aceite. Parecia, de resto, que, conseguida a ocupação de Zeguichor, os franceses se desinteressaram de prosseguir os trabalhos de demarcação.

Estes só serão retomados no começo do ano de 1900, passados mais de 10 anos desde os trabalhos daquela primeira missão, e na sequência de uma série de diligências iniciadas com a apresentação, pelo governo português, junto do governo francês, de uma proposta com aquele objectivo, no início de 1898.


(ii) O papel do 2º tenente João Augusto d'Oliveira Muzanty na chefia da parte portuguesa da comissão luso-francesa para a demarcação das fronteiras

É para chefiar a parte portuguesa desta segunda missão que é nomeado o 2.º-tenente João Augusto d’Oliveira Muzanty. Porém, os novos trabalhos de demarcação iniciam-se pela fronteira sul, uma vez que os franceses rejeitavam o traçado fixado pela comissão de 1888, realizado com base em cartas que apresentavam erros, colocando exigências que se traduziam para Portugal na perda de territórios no Forreá. Isto conduz à ruptura das negociações e à necessidade de um levantamento rigoroso das zonas fronteiriças, e a aceitar a cessão recíproca de territórios se indicações geográficas ou outras a tornassem indispensável e fosse justificada.

Os trabalhos só são retomados em Janeiro de 1901, ficando os delegados portugueses instruídos a cingir-se, tanto quanto possível, à Convenção de 1886, mantendo-se os pontos iniciais da fronteira sobre o litoral, tanto ao norte como ao sul, nela mencionados, de modo a não diminuir a extensão da costa portuguesa. A fronteira sul ficará demarcada em Maio desse ano.

Os trabalhos de demarcação só serão retomados em finais de 1902, e Oliveira Muzanty mantinha-se a chefiar a delegação portuguesa. Novamente devido a inexactidões das cartas, nomeadamente ao facto de se ter reconhecido que, de acordo com estas, Cadé ficaria dentro do território português, contrariando os termos da Convenção de 1886, foi necessário proceder a compensações territoriais. Os trabalhos desta nova comissão ficam concluídos em Maio de 1903.

Só em Janeiro de 1904 serão retomados os trabalhos de demarcação da parte mais importante, a fronteira entre o Casamansa e o rio Cacheu, que obrigava ao levantamento destes rios, o qual fica terminado em Maio. Reiniciados no final de 1904, depois de passada a época das chuvas, virão finalmente a terminar em Abril do mesmo ano, com a colocação de um marco no cabo Roxo. Terminava assim um longo período, durante o qual a chefia da delegação portuguesa nestas comissões estivera confiada a Oliveira Muzanty.


(iii) O opúsculo de António dos Anjos contém inúmeras inexatidões, erros e omissões

O trabalho de António dos Anjos pretende transmitir a ideia de que foram múltiplas as dificuldades que se depararam às autoridades no estabelecimento de uma administração no território e, sobre este aspecto, cumpre o objectivo. Porém, devo advertir o leitor de que este trabalho contém muitas inexactidões, podendo criar uma ideia errada de alguns dos acontecimentos que procura relatar. O que é natural, pois o próprio diz “não consultei relatórios nem Boletins Oficiais”, baseando-se no que ouvira, e também no que tinha visto depois de chegar à colónia em 1911. E sabe-se quanto a transmissão oral do conhecimento leva à adulteração dos factos.

Não vamos ser exaustivos na análise do que escreve António dos Anjos. Digamos, como exemplo, que menciona a ida para a Guiné de uma coluna de operações proveniente da metrópole, aquando dos problemas de Bissau de 1891. Ora, o que é facto, é que nenhum contingente metropolitano foi enviado para Bissau nessa altura. Foram os efectivos lá existentes que protagonizaram os acontecimentos da altura.

Mas há uma parte do escrito de António dos Anjos que merece um comentário mais desenvolvido, pelas convicções que transmite e por me parecer estar bastante longe da realidade dos factos. Diz respeito ao que se passou no Oio em Março de 1897, na desastrada incursão desencadeada por Graça Falcão.


(iv) O mito do herói Graça Falcão

Jaime Augusto da Graça Falcão (e não António) tem um extenso historial desde que, como alferes, foi transferido de Angola para a Guiné por questões disciplinares em 1892, até ao momento em que, em 1926, foi aposentado compulsivamente pelo governador Vellez Caroço, por desrespeito a este. Extenso historial que não vou aqui desenvolver, acrescentando apenas que durante este período foi expulso por três vezes da Guiné, tendo a sua liberdade de movimentos na Guiné sido coarctada uma outra vez.

Digamos que a operação que ele promoveu no Oio em Março de 1897, que já tinha sido precedida de outra incursão entre Janeiro e Fevereiro do mesmo ano, que se saldara num “revés” e que o governador Pedro Inácio de Gouveia mandara sindicar, foi realizada à revelia deste, e para a qual não tinha autorização, deixando de cumprir a determinação de que os comandantes militares estavam proibidos de sair das sedes dos comandos sem ordem ou licença. 

Responsável por este desastre é também o 1.º tenente Álvaro Herculano da Cunha que, como delegado do governo no presídio de Farim, determinara a 6 de Março a organização de uma coluna de operações do Oio. Nesta incursão perderam a vida dois oficiais, dois sargentos além de vários soldados. Uma tentativa do governador de última hora, ao tomar conhecimento, através das autoridades do Senegal, de que os oincas pretendiam a paz, não resultou, alegadamente por tal intervenção ter chegado ao conhecimento de Herculano da Cunha e Falcão depois de iniciado o ataque.

Este lamentável episódio, deu origem a dois autos de averiguações, quatro relatórios, em que se procurava fazer luz sobre as razões últimas que levaram Graça Falcão a invadir o Oio, servindo-se de uma força apreciável de auxiliares.

Os relatos que até agora têm sido feitos sobre este incidente, tendentes a transformar Graça Falcão num herói, e a enaltecer o facto de este ter escapado com vida, desconhecem toda a realidade envolvida nesta lamentável aventura não autorizada, e cuja realização parece que fora previamente decidida. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17523: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é hoje", de autoria do 2.º Sargento Reformado António dos Anjos, 1937, Tipografia Académica, Bragança (1) (Alberto Nascimento, ex-Sold. Cond. Auto da CCAÇ 84, 1961/63)

(**) Último poste da série > 31 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17417: Falsificações da história (2): o ataque a Bambadinca em 28/5/1969: eu estava lá !... e vou enviar em breve um texto conjunto com o Fernando Calado com a nossa versão dos acontecimentos (Ismael Augusto, ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)

Guiné 61/74 - P17532: O nosso livro de visitas (191): Américo Santos, ex-Fur Mil TRMS, retratado, enquanto recruta do CSM, em foto publicada no nosso Blogue (Américo Santos, Fur Mil TRMS / César Dias, Fur Mil Sap Inf)

Tavira > CISMI > Almoço do dia do Juramento de Bandeira > Meados de 1968 > Tony Levezinho de lado (elipse encarnada), César Dias, de frente (a azul) e, em segundo plano, o Fernando Hipólito (a amarelo). O Hipólito, que descobriu o César Dias através do nosso blogue, foi mobilizado para Angola. O António Levezinho, por sua vez, vou conhecê-lo, mais tarde, no Campo Militar de Santa Margarida, nos princípios de março de 1969, aquando da formação da nossa companhia (independente), a CCAÇ 2590/CCAÇ 12. Foi um dos grandes amigos que eu fiz na Guiné.

Foto: © César Dias (2010). Todos os direitos reservados
Legenda: Luís Graça

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1. Mensagem do nosso camarada e leitor Américo Santos, com data de 28 de Junho de 2017, a propósito da foto que acima se reproduz referente ao Juramento de Bandeira do 3.º Turno de 1968, da Recruta do CSM, no CISMI, em Tavira, publicada pelo nosso camarada César Dias no Poste 12703[1]

Boa tarde,   Camarada Luís Graça,

Sou o Américo Branco dos Santos, moro no Montijo, trabalhei na TAP e estou reformado.

Assentei praça no dia 16 de julho de 1968 no 3.º turno no CISMI em Tavira, na 3.ª Companhia, se não me engano. Lembro-me que era a primeira caserna do lado direito quando se entra na parada. Se não estou enganado, tinha o n.º 435/68.

Agora passo a explicar como cheguei aqui. Andava na Net e lembrei-me de ver se existia ainda o CISMI, pensava eu que já tinha sido vendido para construção. Pois fiquei a saber que ainda não através do teu blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.

Ao percorrer o blogue vejo uma foto em que apareço eu e restantes camaradas no jantar do dia do juramento de bandeira, nem queria acreditar no que estava a ver, quase me vieram as lágrimas aos olhos, pois passados tantos anos e de tantas vezes me ter interrogado do que seria feito dos camaradas do meu pelotão.

A última vez que vi alguns foi em 1969, em Santa Margarida na messe de sargentos, quando lá fui fazer uns trabalhos no posto de transmissões daquela unidade, estavam a tirar o IAO para depois embarcarem para o ultramar.

Pela foto dá para depreender que fizeste parte do mesmo pelotão e da mesma companhia, tivemos destinos diferentes, eu sai de Tavira e vim para o Batalhão de Telegrafistas em Lisboa, estive quase a ser mobilizado para a Guiné, escapei por um triz porque entretanto chegou pessoal novo e fiquei aliviado até passar a peluda.

Posto isto,  vão ai umas fotos que tenho cá em casa e onde identifico alguns camaradas, já não me lembro de todos porque os anos passam e a cabeça já não funciona bem.


Foto n.º 1 - Com o n.º 1 está o comandante de pelotão, que não me lembro o nome (encontrei-o em 1980 ou 81 na Olivetti em Lisboa trabalhava com as ATM); com o n.º 2 sou eu; com o n.º 3 o Filipe de Lisboa (Alfama?) tinha pavor a saltar para o galho; com o n.º 4 o Cavaco do Algarve (Quarteira?); com o n.º 5 conheço mas não sei o nome; com o n.º 6 penso que era o Luís que acompanhava muito comigo e com o Filipe, eram ambos de Lisboa; com o n.º 7 o camarada que marchava no meu lado direito, não me lembro o nome.




Fotos: © Américo Santos (2017). Todos os direitos reservados

Para terminar, gostava que o camarada se identificasse na foto e identificasse os que se lembrar e, qual a situação de todos ou alguns.

Adeus, um abraço
Obrigado
Américo Santos

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2. Comentário do editor

Caro camarada Américo Santos_

O lema no nosso Blogue é: O Mundo é pequeno... e a nossa Tabanca é Grande, logo não admira que encontrasses aqui uma fotografia onde estás entre camaradas de recruta, no CISMI de Tavira, no almoço do Dia de Juramento de Bandeira.

Vamos recorrer ao César Dias, com quem ainda contemporizei na Guiné, para ver se ele reconhece mais malta do vosso tempo, e se sabe dos seus paradeiros.

Queremos agradecer o teu contacto e as fotos que nos enviaste, aqui publicadas.

Esperamos que nos continues a ler,  apesar de teres sido um dos sortudos a quem não foi oferecida viagem e estadia em África durante 2 anos. Nem sabes o que perdeste.

Em nome da tertúlia e dos editores, deixo-te um abraço.
Carlos Vinhal
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Notas do editor

[1] Vd. poste de 10 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12703: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (1) : Parte I (1-6 pp.)

Último poste da série de 12 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16950: O nosso livro de visitas (190): Evaristo Pereira dos Reis, 66 anos de idade, residente em Setúbal... Ex-1º cabo condutor auto, de rendição individual, esteve no QG (1971/73), mas na maior parte da comissão foi mestre de obras da Câmara Municipal de Bissau, ao tempo do maj cav Eduardo Matos Guerra, como presidente

Guiné 61/74 - P17531: Memória dos lugares (362): A vibração dos espectros: Uma semana depois da calamidade, o regresso a Pedrógão Grande (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
Antropologicamente, um lugar é um território de afinidades, de laços afetivos, de redes de comunicação, de pertença associativa, de conhecimentos humanos, ali se organizam festas, se fazem peditórios, se acompanham os mortos ao cemitério. Uma semana depois daquele estranhíssimo fenómeno da natureza, tinha que regressar, é um género de olhar ao espelho côncavo o que se distorceu, o que jamais regressará ao nosso olhar, tal como foi.
Mas o dado essencial da viagem de peregrinação passa pelas gentes do lugar. Valia a pena ouvi-los, dizem coisas que não circulam nas reportagens nem nas imagens televisivas. Quem ali ficou, depois do devastador vendaval da interioridade, de quem os citadinos não gostam de falar, quer continuar e recuperar. Por isso os abracei tão comovidamente, aquele gente não deserta, não se rende, prosseguirá, daí o meu orgulho por eles.

Um abraço do
Mário


A vibração dos espectros: 
Uma semana depois da calamidade, o regresso a Pedrógão Grande

Beja Santos

Faz-se a viagem com o coração contrito, o objetivo maior é ir abraçar aqueles que sobraram do inusitado vendaval de fogo, os amigos e conhecidos do Outeiro do Nodeirinho, Figueira, Casal dos Matos, Outão, Graça, Pereira. Para contornar os territórios assombrados e calcinados, contorna-se por Vila de Rei, segue-se pela Sertã, aporta-se a Pedrógão Pequeno. Tirando o cheiro a queimado que se evola por quilómetros, ali para os lados de Cabeçudo, Sertã, não há nenhum espetáculo de desgraça, registo que Pedrógão Grande enquanto vila saiu incólume à tormenta do fogo, e do alto da barragem do Cabril, só se avista uma mancha escurecida que no fim da tarde daquela sexta-feira não permite antever qualquer palco de desolação. Começa-se o novo dia enfrentando a realidade do ambiente que o viandante habitou bem mais de 10 anos. Aqui havia pinhal frondoso, as irmãs Maria e Amélia cultivavam couves e tomate, o tio Eduardo tinha o seu campo de batata e a pérgula a encimar o poço cobria-se de vinha, um vinho morangueiro. Por aqui passou o diabo à solta, vai começar a lenta regeneração.





Penitencio-me de nada saber sobre estes estranhos fogos, que não são tornados, que cospem em todas as direções, que devoram vidas até deixar ossos carbonizados. Mas o que aqui se passou, diz-me o tio Jacinto, foi que a ventania em remoinho fez saltar as telhas e as fagulhas em golfão comeram a madeira, derrubaram as paredes, devoraram móveis e utensílios. O estranho é o apaziguamento em ver que estas paredes-mestras, o mais nobre valor da casa, o belíssimo pátio, feito e refeito, estão prontas para a ressurreição, momentos houve em que me atravessaram pensamentos loucos, vou-me lançar ao trabalho, voltar a comprar a ruína, os sonhos nunca desfalecem, pôr isto de pé deu trabalho e peras, por aqui andou gente aos gritos de alegria, elogiando o que é típico e conforme a tradição. Nunca se sabe até onde pode ir esta minha loucura em voltar, em recomeçar…



O carro aproxima-se de Casal dos Matos, ela ali está, rodeada de um oceano de cinzas, troncos vergados, marcas da passagem do Inferno, biótipos reduzidos a um escombro. Tanto assim é que quando quis comprar um boião do precioso mel desta restinga da Serra da Lousã o senhor Eduardo Paiva foi perentório: acabou, não sei alguma vez mais por aqui passarão abelhas, se haverá carqueja. Não posso adivinhar o que será o novo mundo vegetal do nosso lugar. Ao certo, quando o carro se aproximava, tive a ilusão de que os telhados estavam perfeitos, não passou de ilusão, até porque aquele poste quebrado assinalava a pujança do diabo à solta.



É aquela sensação ambivalente do sentimento da perda de uma coisa que nos custou ideal e foi berçário de felicidade e ao mesmo tempo olha-se para a ruína e diz-se: as paredes de pedra resistiram, a linda varanda está como estava, arranja-se a jangada da vinha e para o ano vão aparecer os cachos dourados. Deus permita que isso venha a acontecer, seja qual for o obreiro da tremenda empreitada, desta mortandade pôr vida ridente.


Chegou a hora de conversar e consolar com gente sofredora. Pelos caminhos, circulam viaturas da televisão, a terra carbonizada e as gentes que cá ficam é pasto mediático. Mas quem cá ficou vive noutro comprimento de onda. Não se diz nem mesmo se confessa, mas há um cadinho de culpa coletiva, todo este plantio até à berma das estradas, todas estas árvores comburentes, esta estouvada indústria da madeira, este restolho e estas carumas abandonadas, ninguém as ignora, espera-se a boa vontade de Deus, muitos proprietários seguiram os filhos e netos, sabe-lhes bem receber de tempos a tempos algum dinheiro da venda da madeira. Fala-se com gente que escapou por minutos da estrada da morte, alguns desses intelectuais de pacotilha que agora vociferam e, qual familiares do Santo Ofício, andam à procura dos responsáveis a todos os níveis, e fica-se com a sensação do que aqui aconteceu foi fenómeno raríssimo, podia ter sido o sol a rodopiar e a deixar a terra em escuridão, as chamas pareciam trazidas por maratonistas olímpicos, chamas que dançavam a toda a volta e confundiam quem queria proteger as suas vidas e as suas casas. Faz-se a peregrinação, abraça-se quem perdeu gente, casas, culturas e aguarda alguma justiça, por compensação. Entre todos estes espectros, depois de beijar e estender a mão a tanta gente que se prepara para refazer a vida e que foi educada na resignação, quem aqui veio de passagem sente-se impelido a regressar. É este o fogo da imaginação, por isso é que existem lugares que nos marcam para toda a vida.
É assim, porque o futuro a Deus pertence.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17507: Memória dos lugares (361): Mindelo em plena II Guerra Mundial, visto por Manuel Ferreira (1917-1992) (João Serra)

Guiné 61/74 - P17530: Parabéns a você (1281): Silvério Lobo, ex-Soldado Mecânico Auto do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17525: Parabéns a você (1280): Manuel Maia, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17529: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (1): Até à pág. 8

Capa da brochura "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", da autoria de Gabriel Moura


I. Mensagem do nosso camarada Francisco Gamelas (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 2 de Setembro de 2016:

Olá Luís, muito bom dia.
Espero que tenhas recarregado todas as tuas baterias, e estejas pronto para mais um ano de luta.
Em tempos falei-te de um trabalho de uma camarada nosso - Gabriel Moura - que esteve em Tite a partir de 1961, ou seja, assistiu e foi intérprete do primeiro ataque formal do PAIGC na Guiné. Ao dar-te notícia deste trabalho, falei-te na possibilidade de ele te ser enviado para análise e, cumulativamente, passar a integrar o espólio do teu blogue. Para o efeito, tinha contactado a filha - Gabriela Moura - uma colega minha de trabalho, que, gentilmente mo tinha feito chegar à mão, pedindo-lhe autorização para to enviar, explicando-lhe as razões de tal pedido. A Gabriela falou com a mãe e os irmãos - o pai já faleceu há algum tempo - que acederam ao meu pedido.
Assim, após deixar passar o período de férias, aqui estou para cumprir o prometido e remeter-te o trabalho em questão. Dele direi que é precioso na informação do tal primeiro ataque do PAIGC, assim como os pormenores com que descreve o quotidiano em Tite nas vésperas da guerra ter início. Ainda me parece de especial realce os dados referentes à sua mobilização, descrevendo o caos absoluto em que se encontrava o nosso aparelho militar. Tem outras flores narrativas com muito interesse, mas, estas foram as que mais me chamaram mais a atenção.
Outro aspecto relevante, é o seu acervo fotográfico, que é riquíssimo. Pedi à minha colega que tentasse descobrir no espólio do pai, se os originais das fotografias do livro ali se encontravam, a fim de as poder digitalizar, para te serem enviadas.
Aguardo da Gabriela uma resposta.
Espero que seja do teu agrado o texto do nosso camarada Gabriel Moura.

Um grande abraço.
Francisco Gamelas
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II. Mensagem de resposta do editor Luís Graça com data de 5 de Setembro de 2016:

(c/c Gabriela Moura, Carlos Vinhal, José Martins e Carlos Silva)

1. Recordo-me de me teres falado, ao telefone, neste trabalho, de fôlego, do nosso camarada Gabriel Moura. Na altura não fixei o nome. Afinal, já tínhamos publicado, em tempos, alguns excertos desse trabalho, que nos chegaram à mão por via do Carlos Silva, advogado, seu amigo e conterrâneo de Gondomar.

Na altura um dos colaboradores permanentes do nosso blogue, o José Martins, escreveu o seguinte:

(...) "Quando li ou reli o texto do Moura, senti-me "muito pequeno", pelo que estava a ler. É um texto que emociona qualquer um. quer tenha ou não experiência de combate. É realista e, para mim, muito credível. Proponho que o seu nome passe a figurar, entre os "grã-tabanqueiros que da lei da morte se foram libertando". Seria uma forma de honrar a sua memória".

Pelo exposto, e pensando "com os meus botões", achei oportuno lembrar os que se tinham distinguido, para o bem ou para o mal, o facto de que se vai ao perfazer os 50 anos: Quem atacou, quem reagiu e quem tombou. Daí a sugestão de (re)leitura dos postes do Carlos Silva/Gabriel Moura" (...)

Temos 4 referências ao Gabriel Moura no nosso blogue... Foram publicados 3 postes, com excertos do pdf (que terá chegado às mãos do Carlos Silva diretamente remetido pelo autor, em 2004.

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Gabriel%20Moura

Gabriel Moura

2. Faltava-nos um elo (perdido) da cadeia que nos leva agora à família, e em especial à filha do Gabriel Moura. Faz todo o sentido publicar na íntegra este manuscrito, importantíssimo para a historiografia da guerra colonial na Guiné. Estou grato a ti e à Gabriela por nos terem feito chegar, em pdf, este trabalho que, segundo creio, é de 2004. Seria um "crime de lesa-memória" que o documento não chegasse ao público-alvo a que se destinava, para além da família e amigos mais próximos. (Foi nesse sentido que o Carlos Silva começou a publicá-lo no seu blogue mandou-nos alguns excertos, mais especificamente sobre o ataque de 23 de janeiro de 1963).

Vamos abrir uma série nova, mas para isso precisamos de um bom título... Tite Guiné 1961/1963 é demasiado telegráfico e impessoal... O nome do Gabriel Moura deverá constar do título da série... Podemos trocar impressões com a Gabriela sobre o título... E sobre o formato da série... Dado tratar-se de um blogue, não podemos publicar textos extensos... O ideal, para manter a "legibilidade", é publicar, postes com 3/4 pp., no máximo, com fotos, e talvez duas vezes por semana...

E é também chegada a ocasião de, aceitando a sugestão do José Martins, juntar o nome do Gabriel Moura (que morreu em 2006, e cujo ano de nascimento desconhecemos) à lista dos nossos camaradas que "da lei da morte já se foram libertando"... Honramos a sua memória e a de todos os nossos camaradas que passaram por Tite e pela Guiné no início da guerra, em circunstâncias extremamente duras e difíceis.

Com o Gabriel Moura passaremos a ser um comunidade virtual de 726 grã-tabanqueiros, dos quais 679 vivos e 47 mortos... Só precisamos da autorização da família. O seu nome passa a figurar permanentemente na página de rosto do nosso blogue, na extensa coluna do lado esquerdo...

A Gabriela, como filha, também nos pode honrar com a sua presença (formal). É uma questão de querer "dar a cara"... Temos, entre nós, diversos filhos, filhas, netos, netas, viúvas e outros parentes de camaradas nossos já falecidos... . Como sabes, encontramo-nos, a Tabanca Grande, todos os anos em Monte Real, e além disso temos diversas tabancas, filiais da TG, que se reúnem com regularidade (Tabanca do Centro, Tabanca da Linha, Tabanca de Matosinhos, Tabanca dos Melros, em Gondomar...).

A Gabriela poderá escrever, se assim o entender, um pequeno texto de apresentação sobre o pai e sobre as suas memórias da Guiné. E sobre si própria, se nos der a honra de se juntar a este blogue de partilha de memórias (e de afetos) à volta da Guiné e da guerra de 1961/74...

Pedi ao meu coeditor Carlos Vinhal para se incumbir da edição regular desta nova série. A Gabriela fica também com o contacto (email) dele.

Ficamos a aguardar, entretanto, o eventual envio das fotos digitalizadas. Seria bom encontrar os originais do Gabriel. Não sei se tu, Francisco, te poderias encarregar de os digitalizar, com boa resolução, como fizeste com o teu belíssimo álbum fotográfico que temos vindo a publicar...

Vamos ficar em contacto.

Um abraço fraterno.
Luís Graça

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(Continua)

Guiné 61/74 - P17528: (De) Caras (82): O 1º cabo Alfredo Ferreira, o "Geada", da Murteira / Cadaval, o padeiro da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70)... Era um camarada divertido e generoso, que não negava um pão a ninguém. O pão de Buba tinha fama, até o gen Spínola chegou a levar pão para casa... Recorde-se entretanto uma efeméride: fez 49 anos, em 22 de junho, que a tabanca de Contabane ficou totalmente destruída num ataque do PAIGC (Manuel Traquina / José Manuel Cancela)


Foto nº 1 > O "Geada", o padeiro da CCAÇ 2382, o 1º cabo Alfredo Ferreira, à esquerda, com um "balaio"


 Foto nº 2 > Militar não identificado, no WC, com  um pedaço de tecido dos sacos de farinha 
 a servir de "saia"

Fotos (e legendas): ©  Manuel Traquina (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem de Manuel Traquina, com data de 25 do corrente:

Amigo Luís Graça, aí vão duas fotos. A foto individual [nº 2] com a "farda de trabalho" penso que seja o "Geada" (será?) (*). A outra  [foto nº 1] são alguns dos ajudantes de cozinha de Buba, de que não recordo os nomes.

Um abraço,
Traquina



2. Comentário do José Manuel Cancela, com data de 26:

Olá, amigo Traquina. A foto de um só [nº 2] não é o "Geada", nem estou a ver quem seja.

Mas na foto do trio [nº 1] ,o primeiro da esquerda, é realmente o "Geada"  (**),  o segundo é o Guimarães,  mais conhecido, entre nós, pelo "Periquito", e o terceiro é o Zé Henriques,que também pertencia ao meu pelotão, tal como os outros, mas infelizmente já falecido.......

Um abraço e um bj. para a tua Fátima...


3. Observações dos camaradas sobre o Alfredo Ferreira:

(i) Manuel Traquina, 22/6/2017

(...) Vou ver se tenho a foto de um padeiro de Buba, que calculo seja do "Geada"... Era um bom elemento, sempre bem disposto!

O pão de Buba era óptimo, mas anteriormente quando estivemos em Mampatá, aí tivemos que construir o forno, depois numa visita do General António Spínola. Ele e o seu ajudante de campo, o cap Bruno (se a memória não me falha) gostaram tanto do pão que pediram se havia para levar alguns para Bissau, e acho que não foi só uma vez.

O pão de Bissau creio que era à base de farinha de arroz, deixava muito a desejar...

Já agora recordo que hoje, dia 22 de junho, foi um dia que ficou na memória de muitos. Foi na noite deste dia do ano de 1968 que na aldeia de Contabane, próximo de Aldeia Formosa, dois pelotões da CCaç 2382 sofreram o ataque que reduziu a aldeia a cinzas, depois foi uma trovoada que tudo transformou em lama. A CCaç 2382 estava havia pouco mais de um mês na Guiné. Muitos ficaram apenas com a roupa que tinham vestida e a G3 na mão. (...) (***)

(ii) José Manuel Cancela, 25/6/2017

(...) Não te cheguei a responder, no último mail que te mandei, acerca do tecido dos sacos de farinha, que o Geada distribuía às "beijudas" para confeccionarem tangas ou saiotes ... Como já deves ter adivinhado, era um modo de fazermos... acção psicossocial...

Como era a minha companhia que estava a tomar conta do quartel [de Buba], havia alguns postos, com uma certa relevância, nesta matéria, e não só o padeiro: o  dos géneros, as cantinas, as messes, e outros, que também tinham os favores das "beijudas".

No que respeita ao pão, o "Geada" era realmente um especialista, era a arte dele. E, coisa admirável, raramente recusava um pão, quando estava a sair do forno, a qualquer camarada.  (...)

(iii) José Manuel Cancela, 24/6/2017

(...) Se calhar o tempo acaba por trair a nossa memória. O meu camarada "Geada" nunca foi apontador de qualquer morteiro, não quero dizer que não o tivesse feito esporadicamente, mas a arma que lhe estava distribuída, quando saíamos do quartel, era uma G3 de fita, não me recordo do nome certo desta arma [HK 21].

O apontador do morteiro 60 era um camarada chamado Silva, que nos safou aquando do ataque à aldeia de Contabane, perto do Quebo, fez precisamente antes de ontem, Quarenta e Nove Anos!!! (...) (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

15 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17474: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca ... é Grande (108): Na Lourinhã, fui encontrar o ex-1º cabo at inf Alfredo Ferreira, natural da Murteira, Cadaval, que foi o padeiro da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70)... e que depois da peluda se tornou um industrial de panificação de sucesso, com a sua empresa na Vermelha (Luís Graça)

22 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17502: Memória dos lugares (360): Murteira, união das freguesias de Lamas e Cercal, concelho de Cadaval: monumento aos 61 ex-combatentes da guerra do ultramar (1954-1975): Cabo Verde (1), Angola (31), Índia (2), Timor (1) , Moçambique (12) e Guiné (14) (Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12, 1968/69)

(**) Último poste da série > 29 de junho de 2017 >  Guiné 61/74 - P17522: (De) Caras (88): O fur mil inf Hércules Arcádio de Sousa Lobo, natural da ilha do Sal, Cabo Verde, foi gravemente ferido pelo primeiro fornilho acionado no CTIG, às 9h00 do dia 3 de julho de 1963, na estrada São João-Fulacunda, vindo a morrer no HMP, em Lisboa, no dia 16, devido às graves queimaduras. Eu era o comandante da coluna (António Manuel de Nazareth Rodrigues Abrantes, ex-alf mi inf, CCAÇ 423, São João e Tite, 1963/65)

(***) Vd. postes de:

19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

27 de maio de  2010 > Guiné 63/74 - P6479: Histórias de Carlos Nery, ex-Cap Mil da CCAÇ 2382 (2): Noite longa em Contabane

29 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6489: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (15): A minha homenagem à enfermeira pára-quedista Ivone Reis que ficou em Contabane a cuidar dos feridos graves (Carlos Nery)

Guiné 61/74 - P17527: Tabanca Grande (440): Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017), ex-alf mil médico, CCAÇ 675 (Binta e Guidaje, 1964/66), nosso grã-tabanqueiro nº 747... Mais um camarada que não queremos que fique na vala comum do esquecimento


Cartoon > Homenagem ao ex-Alf Mil Médico Alfredo Roque Gameiro Martins Barata, da CCAÇ 675 (Binta e Guidaje, 1964/66), por parte do seu irmão, arquitecto, pintor e ilustrador José Pedro Roque Gameiro Martins Barata.

(Cortesia  do autor e do JERO -  José Eduardo Oliveira, ex-fur mil enf, da CCAÇ 675)


1. Aqui fica um comentário à morte do ex-alf mil  médico Alfredo Roque Gameiro Martins Barata, da CCAÇ 675 (Binta e Guidaje, 1964/66),  e uma sugestão, por parte do nosso editor-mor,  Luís Graça,  para que o seu nome passe doravante a figurar e a ser honrado na lista alfabética da nossa Tabanca Grande (*)... 

Pois que assim seja: o Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017) passará a ser o nosso grã-tabanqueiro n.º 747. (**)


JERO: antes de mais, aceita os meus votos de pesar pela morte, sempre prematura, de mais um bravo da Guiné. À família enlutada, transmite a nossa homenagem e o nosso apreço por este camarada, veterano, como tu, da CCAÇ 675, bem como o nosso pesar pela sua perda. 

Os furriéis enfermeiros como tu e os alferes médicos como o Alfredo Roque Gameiro Martins Barata,  a par dos 1.ºs  cabos aux enf que andavam connosco no mato, tinham, na Guiné, uma elevada cotação e eram camaradas particularmente respeitados e estimados. Sempre soubemos contar com vocês, pessoal de serviço de saúde militar, nas horas difíceis.

A vossa família maior, a CCAÇ 675, também está de luto. E com ela a Tabanca Grande. A ti, que és um talentoso escritor, e o porta-voz dos bravos da CCAÇ 675, já com perto de 140 referências no nosso blogue, deixa-me dizer-te que li, deliciado, este naco de prosa de primeira água que é a aventura e desventura da ida do Martins Barata de Binta até Bissau para apanhar o avião, e gozar as merecidas férias de um mês na metrópole. É um texto de antologia.

A preservação da memória do Martins Barata fica, deste modo, acautelada. Mas, na qualidade de fundador, administrador e "editor-in-chief" deste blogue, eu vou propor ao nosso incansável e sempre atento Carlos Vinhal que acrescente à lista dos nossos 746 grã-tabanqueiros o nome do Martins Barata. Vai diretamente para o nosso panteão onde estão já todos aqueles de nós que "da lei da morte se foram libertando". Penso que estou também a interpretar corretamente os sentimentos de toda a nossa Tabanca Grande. 


De resto, e como nós gostamos de dizer, com o nosso humor de caserna, "Não é o Panteão Nacional, é melhor, é... a Tabanca Grande"...

Carlos e Jero, são seis da manhã, estou na Madalena, Vila Nova de Gaia, e justamente também a ultimar a escrita da "oração fúnebre" que vou postar na página da família, "A Nossa Quinta de Candoz", e que gostaria, em nome da nome da família Carneiro, de eventualmente poder ler, no Tanatório de Matosinhos, a um sobrinho da minha mulher que morreu este fim de semana num brutal acidente na A41.  O Jorge Dinis (1962-2014), economista, gestor de empresas,  deixa viúva e duas filhas, estudantes, de 18 e 16 anos... e uma legião de amigos que iam desde o mundo da moda ao desporto automóvel.


Em suma, já não estamos em guerra, mas a morte continua a fazer parte das nossas vidas. Vamos ter que saber continuar a olhá-la, olhos nos olhos, ontem como hoje, e a tentar fintá-la. Mas quando cairmos, que haja sempre um ou mais camaradas que não nos deixe enterrar na "vala comum do esquecimento". Alguns dos "provérbios" que usamos aqui, reforçam a nossa vontade de continuar a lutar contra o esquecimento da nossa geração que soube fazer a guerra e a paz (***)
  • Ainda pior do que o inferno da guerra, é o inverno do esquecimento dos combatentes. 
  • Camarada não tem que ser amigo: é o que dorme no mesmo buraco, na mesma cama, no mesmo abrigo. 
  • Camarada, que a terra da tua Pátria te seja leve! 
  • In Memoriam: para que não fiques, pobre camarada, na vala comum do esquecimento. 
  • Não deixes que o teu espólio de memórias vá parar à Feira da Ladra. 
  • Não fazemos a História com H grande, mas a História não se fará sem a nossa... pequena história. 
  • O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande! 
  • Para que os teus filhos e netos não digam, desprezando o teu sacrifício: "Guiné? Guerra do Ultramar? Guerra Colonial? Não, nunca ouvi falar!"... 
  • Sempre presentes, aqueles que da lei da morte já se foram libertando. 
  • Tabanca Grande: onde todos cabemos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos separa 
  • Tuga, que Deus te livre da doença do... alemão.

PS -  O nosso camarada Alfredo Roque Gameiro Martins Barata  era um dos 4 filhos o casal de artistas plásticos Jaime Martins Barata e Maria Emília (Màmia) Roque Gameiro, filha do pintor e e desenhador Alfredo Roque Gameiro
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17511: In Memoriam (299): Dr. Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017), ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 675, Binta e Guidaje, 1964/66 (José Eduardo R. Oliveira)

(**) Último poste da série > 18 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17484: Tabanca Grande (439): João Cerina, ex-Fur Mil da CCAV 1615/BCAV 1897, passou à disponibilidade em 1972 como Segundo-Sargento Miliciano, vive na Guiné-Bissau e é o 746.º Grã-Tabanqueiro da nossa tertúlia

Guiné 61/74 - P17526: Notas de leitura (973): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (1) Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
Não conheço na investigação da história da Guiné levantamento mais minucioso, ainda por cima para um período que não chega a 50 anos.
Um desastre militar em Bolor, no Norte da Guiné deixa os políticos de Lisboa siderados, dá-se a criação da província da Guiné Portuguesa, autónoma de Cabo Verde.

O ar do tempo é o da Conferência de Berlim, que se realizará anos depois: não há direitos históricos, quem quer ter colónias ocupa-as e administra-as. Assim se inicia numa atmosfera de turbulência, com levantamentos de diferentes etnias, a criação de uma capital em Bolama, surgem tensões graúdas com os franceses, os seus apetites não estão só no Casamansa, estão também no rio Grande.

Temos mais de 900 páginas para acompanhar as sagas ocorridas nesta sequência cronológica.

Um abraço do
Mário


A Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926, 
Por Armando Tavares da Silva (1)

Beja Santos

Dentre os mais importantes trabalhos historiográficos referentes à Guiné, é da mais elementar justiça pedir a atenção de todos os interessados para uma investigação de grande fôlego: “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016.

Que o leitor se previna: são mais de 960 páginas, uma belíssima apresentação gráfica, poder-se-á mesmo adjetivar que é inexcedível, um bom acervo fotográfico e um conjunto de mapas que facilitam a leitura de tão avultado miolo. O investigador escolheu aquele período peculiar que vai das primícias da autonomização da Guiné face a Cabo Verde até à chegada da Ditadura Nacional, correspondente na colónia a uma fase que prometia arranque económico, num quadro de uma certa pacificação, em que a administração colonial se estava a disseminar por pontos importantes no território.

O autor dá explicações para o seu trabalho: a escassez de estudos, a pretensão de dar a conhecer as razões que levaram as autoridades a empreender um conjunto de operações do foro militar que se sucederam no território durante dezenas de anos. A base principal do trabalho reside na documentação existente no Arquivo Histórico Ultramarino relativo à Guiné. Pretende igualmente o autor vincar a existência de dois grupos antagónicos que disputavam a vida económica e administrativa da Guiné.

E é na interrogação final com que termina o texto que se pretende marcar a existência de tal “problema” e, para ele, atrair a atenção do leitor. É de facto no termo do seu livro, que depois de abordar uma paz que tinha durado uns escassos 30 anos, a que se seguiria a eclosão da guerrilha que culminou na independência do Estado da Guiné-Bissau, que o autor questiona: “Seria o ressuscitar do conflito de interesses e das velhas tensões que estiveram na base das questões de Bissau de 1891, 1894 e 1915?”. A seu tempo, se procurará contestar tal questionamento, tanto no que respeita a existência dos dois grupos antagónicos como na inexistência de qualquer relação entre a guerrilha e o que se passara em poderosos conflitos havidos em Bissau, muitas décadas antes.

No capítulo introdutório, a súmula apresentada é sugestiva, tocando em aspetos essenciais: continua a não haver precisão quanto à data da chegada dos portugueses ao território do que foi a colónia da Guiné e é hoje a Guiné-Bissau; facto é que os portugueses estabeleceram relações com os potentados indígenas e que a partir da segunda metade do século XVI a presença portuguesa era um facto, ali se comerciava em concorrência com franceses, ingleses e holandeses. Os ingleses tudo tentaram para estabelecer feitorias na Guiné, privilegiaram Bolama, a colónia falhou rotundamente, o clima vitimou-os, ensaiaram continuar em Bolama houve que recorrer à sentença arbitral do Presidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant.

Seguiram-se os franceses, nas suas cobiças no Casamansa, virão a ter sucesso nas suas pretensões na Convenção Luso-Francesa que definirá os traços essenciais da Guiné Portuguesa. E a Conferência de Berlim gerou um novo paradigma político: Portugal deixaria de se limitar a uma presença periférica, teria de conseguir uma ocupação efetiva, ter uma administração presente na colónia, cuidar do bem-estar das populações, zelar pela economia do território, pelas exportações.

 É dentro desta sequência cronológica definida pelo autor que estamos em 1878-1879, há uma visita do Governador-geral de Cabo Verde, o Ministro Thomaz Ribeiro recomenda ao Governador um plano de administração e a toma de medidas “que possam levantar aquele ubérrimo país do abatimento, do quase esquecimento em que tem jazido”.

O Governador responde com relatório, descreve detalhadamente o estado geral das fortificações de Bissau, Cacheu, Geba, Bolama, Colónia e Buba, havia os pequenos redutos de defesa em Ziguinchor, Farim, Bolor e ainda outros pontos. Sugere-se um pessoal militar à volta de um batalhão de caçadores com a força de 400 praças e uma companhia de artilharia com 100 praças europeias; havia ainda a considerar o apoio para uma força militar naval, composta de uma pequena canhoneira a vapor e três lanchões a vapor.

Em Bolor, no norte do território, tribos revoltadas tinham atacado e arrasado a população, havia incidentes no presídio de Geba e é neste contexto que ocorre em Dezembro 1878 o chamado desastre de Bolor, uma chacina que deixou os políticos de Lisboa em grande consternação, tomou-se a decisão de transformar a Guiné em província independente, o governo da província teria a sua sede na ilha de Bolama, transferiam-se de Cabo Verde para a Guiné um efetivo militar e o governo ficava autorizado a organizar uma bateria de artilharia para guarnecer as fortalezas da província da Guiné, bem como a adquirir alguns barcos de vapor.

O primeiro Governador da Guiné Portuguesa foi o Tenente-Coronel Agostinho Coelho, que toma posse em Bolama no início de Maio de 1879. É uma frase de organização do território em que a Guiné fica dividida em quatro concelhos administrados por oficiais militares, as sedes dos conselhos seriam Bolama, Bissau, Cacheu e Bolola; o concelho de Bolama compreendia a povoação denominada “Colónia”, na ilha de Orango e todos os estabelecimentos de qualquer caráter oficial que viessem a existir no arquipélago dos Bijagós; o concelho de Bissau compreendia a vila de S. José e o presídio de Geba; o concelho de Cacheu incluía a praça e os presídios de Farim e Ziguinchor e as povoações de Mata, Bolor e outras desta última dependência; o concelho de Bolola compreendia Santa Cruz de Buba e todos os mais pontos que viessem a ser ocupados no rio Grande, não se escondia haver muitos pontos ocupados e de domínio duvidoso ou mesmo não existente.

O autor reporta às forças navais no início deste primeiro governo da província da Guiné, o surgimento de problemas com forças nativas, as pretensões territoriais francesas à volta do rio Grande, a sublevação de tropas e trata, a questão da Guiné como depósito de degredados. Inicia-se a delimitação da Guiné e avançam-se medidas para tratados que permitam mais harmonia entre o colonizador e o colonizado. Enquanto decorre esta tentativa de organização do território e se procura responder às pressões francesas, encetam-se esforços para a pacificação do Forreá que culminará com um tratado de paz. Mas os problemas de pacificação estavam para durar, houve levantamento dos Beafadas de Jabadá, chegou-se a um compromisso.

Em 1881, Agostinho Coelho cede a governação a Pedro Ignácio de Gouveia.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17513: Notas de leitura (972): “A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17525: Parabéns a você (1280): Manuel Maia, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17521: Parabéns a você (1279): José Firmino, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 2585 (Guiné, 1969/71) e Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil, Pel Mort Ind 912 (Guiné, 1964/66)

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17524: Facebook...ando (46): o pesadelo da... festa do carneirinho (Joaquim Peixoto, prof ensino básico, reformado, Penafiel; ex-fur mil MA, CCAÇ 3414, "Os Falcões de Sare Bacar", Bafatá e Sare Bacar, 1971/73)





Penafiel > Corpo de Deus - Festa das Cidade de Penafiel > Cortejo do Carneirinho > 14 de junho de 2017 > O senhor professor Joaquim Peixoto convidou os seus ilustres amigos e camaradas para assistirem ao lindo cortejo e inteirarem-se desta tradição, única no País, "com a promessa de seguidamente rumarmos ao 'Ramirinho' para saborearmos o que de bom há nesta região"...

Fotos e texto: Página do Facebook do nosso camaradas Joaquim Carlos Rocha Peixoto [professor do ensino básico reformado, residente em Penafiel, ex-fur mil inf MA, CCAÇ 3414, Os Falcões de Sare Bacar (Bafatá e Sare Bacar, 1971/73, régulo da tabanca de Guilamilo, freguesia de Polvoreira, concelho de Guimarães].
O casal Peixoto, ambos professores do ensino
básico, reformados, dois dos nossos grã-tabanqueiros:
ele, Joquim, ela, Margarida.
Foto do Manuel Carmelita (2010)

1. Penafiel > O Pesadelo... do Dia do  Carneirinho

por Joaquim Peixoto


Hoje acordei mais cedo e um certo nervoso tomou conta de mim. Sim, era o dia do carneirinho, mas eu já o recebo há tantos anos que não sei por que motivo estou nervoso.

A verdade é que convidei alguns amigos para virem apreciar este cortejo. Queria que os meus amigos, tudo pessoas ilustres, vissem o carneirinho que os meus alunos me iam oferecer. O grupo de amigos era composto por um ilustre escritor, com alguns livros publicados, três fotógrafos (um deles fotojornalista desportivo), um Presidente de um Bando, um ex-enfermeiro, outros que vinham por curiosidade e outros que vinham “ só “ para comer.

Queria que os meus amigos ouvissem os meus alunos a gritarem bem alto:
- Viva o Professor Peixoto!!!

Como estava a dizer, levantei-me cedo e fui para as ruas de Penafiel escolher o melhor local para ver o desfile. Ainda o trânsito não estava interrompido e as ruas muito desertas. Passado muito tempo começaram a aparecer os meus amigos. Escolhemos um local estratégico. Finalmente o desfile dos alunos com os carneirinhos ia começar. À frente vinha a Serpe e os bombos. Embora o barulho fosse ensurdecedor lá expliquei aos amigos o que era e representava a Serpe.

Passaram, em primeiro lugar, os alunos dos infantários. Carneirinhos muito bem enfeitados e os miúdos a darem “ vivas “ às Educadoras de Infância.

Iam passando os carneirinhos. Uns iam em carros de supermercados, outros em tractores engalanados com bandeiras e flores. Cada vez que passava um carneirinho bem enfeitado, eu dizia para os amigos:
- Quando vier o meu, vão todos ficar admirados.

Passaram os alunos do meu amigo Carlos Rocha. O carneirinho ia muito bem ornamentado. Os fotógrafos não paravam de tirar fotos. Eu ia avisando:
- Não gastem o rolo todo. Esperem que venham os meus alunos.

Não valeu de nada este meu aviso. Continuavam a fotografar tudo. O cortejo ia passando há muito tempo, e os meus alunos não apareciam com o animal. Comecei a ficar preocupado. Cartazes a falarem dos Professores José, Isabel Laura, Miguel etc… Do Professor Peixoto … nada.

Passou o último… As lágrimas vieram-me aos olhos. Estava desanimado e envergonhado. Desanimado por não ver os meus alunos a compreenderem o meu trabalho. Envergonhado, porque o que iriam dizer os meus amigos. Tentaram animar-me. Dizia um:
- Talvez o carneiro tenha fugido e os alunos andem a procurá-lo.

Logo outro dizia:
- Devem-se ter enganado no caminho e ido para outro lado.

Um enfermeiro das Medas queria dar-me uma “pastilha” para me acalmar. Nada disto me animava até que veio o Zé Manel da Régua com a piadinha do costume:
- Seria o Cancela que o apanhou?!!!

Não gostei nada da piada. O amigo Cancela não era capaz de me roubar o carneirinho (*). Ele não estava na Guiné. Para me animarem iam-me dando palmadas nas costas. Uma, talvez fosse com mais força chamou-me a atenção e ouvi a minha mulher a dizer:
- ACOOOOORDA!!!. Estás a ter um pesadelo!

Acordei. Claro que tinha que ser um pesadelo. Já estou reformado há seis anos. Virei-me para o outro lado para tentar dormir. Não conseguia adormecer. Porque seria? Levantei os olhos. Olhei para o relógio da mesinha de cabeceira: onze horas da madrugada. (**)

2. Nota do editor:

Segundo a página oficial da Câmara Municipal de Penafiel,  "o cortejo do Carneirinho, tradição única no país, que remonta ao ano de 1880, [marca] o início das festas da cidade [, que são na semana do feriado no Corpo de Deus], onde centenas de crianças, de várias escolas do 1.º ciclo do concelho, [percorrem] as avenidas principais da cidade. Cada turma leva consigo o seu carneirinho, enfeitado, que por sua vez, será oferecido ao seu Professor, como sinal de gratidão e respeito. O cortejo concentrar-se-á no Largo Conde Torres Novas, vulgarmente designado por Campo da Feira, percorrendo depois as principais ruas da cidade, enchendo de cor e alegria o primeiro dia de comemorações da festa da cidade."
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17438: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (43): O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos

Guiné 61/74 - P17523: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje", da autoria do 2.º Sargento Ref António dos Anjos, Tipografia Académica, Bragança, 1937 (1): Até à pág. 14 (Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto)


Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > 1908 > "Bissau: Soldados em grupo dentro da fortaleza"... Foto proveniente do Arquivo Histórico Militar, que nos chegou pela mão do nosso camarada Carlos Cordeiro, açoriano,  professor universitário. Ainda hoje a fortaleza está coberta de poilões centenários como este, seguramente contemporâneos das "campanhas de pacificação" da Guiné, do 1.º Tenente Oliveira Muzanty (1908) e do capitão Teixeira Pinto (1913-1915).

Foto: Arquivo Histórico Militar  (com a devida vénia...)


Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > c. 1970 > Parque da cidade com a estátua de Oliveira Muzanty e, ao fundo, a Casa Gouveia, dois símbolos do "colonialismo"... A estátua foi apeada (e provavelmente destruída) depois da independência da Guiné-Bissau. "Estupidamente", acrescente-se... Não há história sem memória, e a história da Guiné-Bissau, não começou com a "gloriosa luta" do PAIGC contra os "tugas"... Oliveira Muzanty e todos os "tugas", colonialistas e anticolonialistas, fazem parte da história da Guiné-Bissau. Tal como as legiões romanas, o direito romano e o latim fazem parte da história de Portugal e da identidade dos portugueses... Todos os iconoclastas são fundamentalistas e terroristas... Porque, afinal, só há uma terra e uma humanidade... O esclavagismo, o colonialismo, o fascismo, o nacionalismo, o chauvinismo, e todos os demais ismos, incluindo o racismo e a estupidez dos iconoclastas, não têm pátria...

Foto: © Benjamim Durães (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O nosso camarada, o "veteraníssimo" Alberto Nascimento [na foto à direita] (ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 84 (Bambadinca, 1961/63), enviou-nos um pequeno livro, em formato PDF, datado de 1937, de autoria do 2.º Sargento reformado António dos Anjos, para publicarmos no nosso Blogue.

Trata-se de um opúsculo que tem um título do tamanho de um comboio ("Resumo do que era a Guiné Portuguesa e há vinte anos e o que é hoje:  para cujo progresso muito contribuiu o capitão de infantaria João Teixeira Pinto", 97 pp. ).

O ficheiro que nos chegou é proveniente da digitalização de uma cópia pessoal que está nas mãos do Alberto Nascimento e que lhe terá sido entregue por um familiar, um amigo ou simples conhecido do autor, já falecido, António dos Anjos, um transmontano de boa cepa, como muitos dos militares que por andaram nesta época.

Trata-se de uma edição de autor. O livro foi impresso na Tipografia Académica, Bragança. Os acontecimentos relatados por ele remontam às "campanhas de pacificação" dos princípios do séc. XX. Não sabemos em que ano o autor terá morrido. Terá nascido por volta de 1890, a ser vivo teria agora quase 130 anos. Em 1953, ainda estaria vivo, tendo publico um livrinho de versos: "Campanhas, resistências na Guiné: heroicidades" (ed. autor, Bragança, tip Académica).

Depois de ponderados os prós e os contras, e não são sabendo ao certo se a obra é do domínio público, decidimos a sua publicação no nosso blogue, baseados no seguintes pressupostos e fundamentos:
(i) a obra foi há publicada há 80 anos, mas o autor deve ter morrido há menos de 70;
(ii) os nossos leitores (e nomeadamente os camaradas que fizeram a dura guerra da Guiné entre 1961 e 1974) têm o "direito" de conhecer este livrinho;
(iii) o autor, que é um camarada nosso, mais velho, quis publicamente fazer uma homenagem a um português, o Cap Inf Teixeira Pinto, sob cujas ordens serviu; e
(iv) o 2.º Sargento António dos Anjos, reformado à data da publicação deste seu livrinho de memórias, viveu 25 anos na Guiné, conheceu-a, de palmo a palmo, é credor do nosso apreço e admiração.

Para o efeito vamos publicar 10 postes com uma média de 9 páginas em formato JPG.

Agradecemos ao camarada Alberto Nascimento a possibilidade de dar a conhecer e divulgar desta obra já com 80 anos, esperando que desperte a atenção (e os comentários) dos nossos leitores.

O editor,
Carlos Vinhal

PS - Síntese: o autor oferece-se para uma comissão de serviço de dois anos na colónia da Guiné e acaba por lá ficar 25 anos. Desembarca em Bissau em 29/3/1911. Na altura, havia uma surto de febre amarela que terá feito bastantes vítimas. Nas 15 primeiras páginas, recapitula, de memória, algumas das principais rebeliões dos povos da Guiné desde 1844 até às "campanhas de pacificação" dos finais da monarquia e princípios da República. O paciente e conhecedor leitor irá, por certo, identificar facilmente e desculpar algumas gralhas, erros e imprecisões: por exemplo, topónimos (Bafatá e não Rafatá, p. 9), onomástica (Muzanty e não Mozanti)...

Recorde-se que nesta época, estava  à frente dos destinos da província o Governador João Augusto de Oliveira Muzanty (1906-1909), 1.º Tenente da Marinha. Sobre as campanhas de Oliveira Muzanty, nos anos de 1907-08, vd., aqui texto do José Martins.



(Continua)