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sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25061: Notas de leitura (1657): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (7) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
No rescaldo da Operação Tridente (1964) o então Comandante-chefe, Brigadeiro Louro de Sousa, decidira a criação de um destacamento numa das pontas da ilha do Como, Cachil. A vida deste destacamento tornou-se intolerável, tais e tantas eram as incursões dos grupos do PAIGC, cuja propaganda fazia alarde daquele "campo fortificado" de onde não se podia sair. O Comandante-chefe Schulz propôs ao Coronel Abecasis uma operação que levasse à erradicação das forças do PAIGC, a Operação Samurai. Foram mobilizados bastantes meios, sabia-se que o PAIGC dispunha de um sistema defensivo forte, como se veio a comprovar, mas os bombardeamentos deixaram os guerrilheiros moralmente em baixo. O que aqui se descreve são os preparativos dos meios aéreos que nela intervieram.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (7)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 2: Eles não conseguiram parar a nossa luta


Continuando a dar informações quanto ao armamento de que o PAIGC estava dotado em termos de sistema de defesa antiaérea, na continuação da Operação Estoque, a Força Aérea voltou duas noites depois, dois C-47 aproximaram-se da aldeia de Cassebeche, perto do Sul da ponta da Península de Quitafine. Apesar de o céu estar enevoado, o bombardeiro improvisado foi capaz de localizar e atacar o PAIGC, a despeito da reação antiaérea. Os dois C-47 largaram com sucesso bombas de 800 libras, vieram depois os Fiat e também encontraram uma reação no sistema de defesa antiaéreo, os alvos eram Cassebeche, Cabonepo, Cassacá e Camissorá. Um dos Fiat, pilotado pelo comandante dos Tigres, Tenente Egídio Lopes, regressou da sua missão atingido, era a primeira vez que um Fiat sofria danos em combate na Guiné. Devido à deterioração das condições atmosféricas, incluindo uma cobertura de nuvens até 900 pés, suspenderam-se as operações de dia, em 10 de agosto, mas naquela noite vieram os C-47 e bombardearam Cassebeche e a ilha de Canefaque, apesar da reação do PAIGC. No dia seguinte, os Fiat atacaram quatro outros locais antiaéreos, um Fiat foi forçado a aterragem de emergência no aeródromo de Cufar. A Operação Estoque terminou pelas 12 horas do dia 12 de agosto.

As aeronaves da Zona Aérea tinham feito 34 missões de combate e largaram 6800 libras de bombas e granadas incendiárias contra as posições do sistema antiaéreo do PAIGC, destruindo pelo menos uma metralhadora antiaérea. Mas o mais importante é que os ataques provocaram uma “desorientação moral” entre os guerrilheiros, como observou mais tarde o Coronel Abecasis: “Se não tínhamos destruído o sistema antiaéreo no Quitafine, tínhamos pelo menos provocado uma grande paralisação.”

Esta avaliação revelou-se prematura, uma vez que as chamadas zonas libertadas do Sul e as rotas de infiltração prosseguiram as suas ações; entretanto, o Grupo Operacional 1201 e os Tigres tinham aprendido uma série de lições relativamente ao emprego do Fiat. A Operação Estoque demonstrara a ineficácia dos foguetes de 2,75 polegadas contra as posições inimigas, as equipas do Fiat foram obrigadas a desenvolver outro tipo de perfis de fogo contra alvos precisos.

Apesar dos reversos temporários no Quitafine, o PAIGC continuava a desafiar a FAP noutros locais do Sul da Guiné, próximo da ilha do Como. Do final de agosto e até ao início de novembro de 1966, a guerrilha organizou uma sucessão de grandes ataques contra a guarnição portuguesa que estava no destacamento do Cachil, “o único, último e meio desmoronado bastião das nossas forças na ilha do Como Norte”, como observou o Coronel Abecasis. As forças da guerrilha também intensificaram a sua atividade antiaérea na região, quase derrubando um DO-27 numa missão de reconhecimento diurno. Temendo uma ofensiva da guerrilha mais forte com o intuito de expulsar as tropas portuguesas no Como, Schulz instruiu a Zona Aérea para planear uma resposta, destinada a “forçar o Inimigo a mudar de atitude.”

Para tal, o Coronel Abecasis e a sua equipa gizaram a Operação Samurai que mais tarde o comandante da Zona Aérea descreveu como “a operação mais ousada no teatro da Guiné.”

A Operação Samurai foi totalmente concebida como uma operação da Força Aérea, realizada em duas fases, com um empreendimento da Zona Aérea, primeiro, e depois um batalhão de paraquedistas no terreno. Na primeira fase, a aviação deveria fazer um esforço para atingir o sistema antiaéreo durante 3 dias, começando em 13 de novembro de 1966, para tirar benefício ou vantagem da Lua Nova, envolvia o Grupo Operacional 1201 com a sua frota de 8 Fiats, três C-47 e todos os operacionais T-6 e Alouette III, era a etapa inicial destinada a quebrar a resistência antiaérea. As Operações Resgate e Estoque tinham revelado a necessidade de precisão ao atacar estes alvos, sobretudo o ataque inicial com os C-47. A Operação Samurai devia utilizar o seu material bélico a menos de 4 mil pés, o que era suscetível de os deixar com um considerável risco. Estes ataques incluíam os acampamentos do PAIGC nas localidades de Cauane, Cachide, Cassacá e Caiar, bem como as rotas de abastecimento e de infiltração.

A segunda fase da Operação Samurai envolvia vários helicópteros que largavam as forças paraquedistas nos respetivos objetivos, a missão fundamental destas operações era de busca e destruição na ilha do Como. Estabeleceu-se em Cufar um apoio aéreo para auxiliar a ofensiva terrestre com coordenação em Bissalanca e com um posto de comando avançado em Catió. As aeronaves de serviço para apoiar os paraquedistas incluíam um par de Fiat em alerta terrestre em Bissalanca, um par de T-6 em alerta de 15 em 15 minutos em Cufar, havendo um DO-27 e um Alouette III em Cufar para eventuais evacuações. Ao longo de todas as fases de operação, um PCV DO-27 sobrevoou continuamente a área do objetivo, havia dois T-6 adicionais e um helicanhão em alerta. As aeronaves portuguesas foram também encarregas de operações noturnas de bombardeamento no centro do Como e operações de intervenção diurna noutros lugares da ilha, durante a operação. Assim que se deu por concluída a segunda fase, esperava-se que o Exército assumisse a responsabilidade pela reocupação do Como e pela erradicação de qualquer vestígio da presença do PAIGC. A Operação Samurai foi precedida por um esforço de reconhecimento de uma semana, a partir de 4 de novembro, abrangendo especialmente o Sul e o Oeste da ilha. Os Fiat voaram em missões de reconhecimento fotográfico de baixo nível, usando as suas câmaras de 70 mm para detetar alvos e ameaças, estas câmaras estavam dotadas de imagens de “claridade surpreendente”, segundo o Coronel Abecasis.

Os acampamentos dos rebeldes em São Nicolau e Cauane foram reconhecidos com especial atenção pelo Fiat, enquanto os DO-27 voavam exaustivamente para pesquisar potenciais locais para pouso de helicópteros. Centenas de fotografias aéreas, incluindo imagens panorâmicas e estereoscópicas foram entregues ao recém-criado Centro de Campanha de Exploração Fotográfica em Bissalanca para identificação e análise de alvos em preparação para a próxima ofensiva terrestre. O esforço deste reconhecimento operacional foi elogiado pelo Comando da Zona Aérea por ter produzido informação de “valor extraordinário”. A operação contra os sistemas de defesa antiaérea do PAIGC começou pelas 22 horas do dia 13 de novembro, com bombardeiros noturnos C-47 a atingir a defesa antiaérea do PAIGC. Houve resposta à volta da base Cauane, mas era um fogo defensivo de pouca intensidade, nada comparado com o que se tinha visto nas Operações Resgate e Estoque. O primeiro bombardeamento transportava bombas de 15 e 50 kg, bem como granadas de iluminação de magnésio. Ao longo dos três dias seguintes, os Fiat e T-6 procuraram obter informações para as tropas paraquedistas. De acordo com relatórios das tropas portuguesas e dos prisioneiros do PAIGC, a ação aérea resultou na morte de 6 militantes e 20 desaparecidos, na destruição de “todos os objetivos militares” identificados durante o reconhecimento aéreo e os prisioneiros confessaram ter havido uma grande desmoralização como resultado do bombardeamento noturno.
Objetivos da Operação Estoque, agosto de 1966 (Matthew M. Hurley)
Aviões Fiat dispondo de rockets durante a Operação Estoque (Coleção José Nico)
Comandante dos Tigres, tenente Egídio Lopes (Coleção Egídio Lopes)
Operação Samurai, novembro de 1966 (Matthew M. Hurley, adaptado do relatório da Operação Samurai)

(continua)

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Notas do editor:

Post anterior de 5 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25038: Notas de leitura (1655): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (6) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 8 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25050: Notas de leitura (1656): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24905: Notas de leitura (1640): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Graças à disponibilidade do nosso confrade José Matos, que me facilitou uma cópia do segundo volume de o Santuário Perdido, inicia-se hoje, e com adaptação ou tradução livre o segundo volume, recentemente dado à estampa. Estamos em 1966, dá-se conta das tremendas dificuldades na operacionalidade da Força Aérea, o PAIGC alargou a sua área de atuação, crescem os efetivos das nossas Forças Armadas, numa tentativa de contrariar as hostilidades, as flagelações, a decomposição económica, a concentração das populações em destacamentos ou aldeamentos em autodefesa. Os autores, na introdução, contextualizam a situação militar e dão um quadro nada risonho do dispositivo da FAP. Como fizemos com o primeiro volume, vamos publicando em pequenas doses, até porque o livro de Hurley e Matos vem profusa e adequadamente ilustrado.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (1)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Contracapa do segundo volume
Texto da contracapa:

De 1963 a 1974, Portugal e os seus inimigos nacionalistas travaram uma guerra cada vez mais intensa pela independência da Guiné “portuguesa”, então uma colónia, hoje a República da Guiné-Bissau. Durante a maior parte do conflito, Portugal desfrutou de uma supremacia aérea praticamente incontestada e baseou cada vez mais a sua estratégia militar e o seu programa de pacificação política na singularidade desta vantagem. A Força Aérea Portuguesa (abreviadamente FAP) desempenhou de forma consequente um papel nevrálgico na guerra da Guiné. Com efeito, durante todo o conflito, a FAP – apesar dos muitos desafios que teve de enfrentar – provou ser o operacional militar mais eficaz e rápido contra o PAIGC, a força de guerrilha que lutava pela independência.

A guerra aérea pela Guiné representa um episódio notável na história do poder aéreo e por várias razões. Por exemplo, foi o primeiro conflito em que uma força de guerrilha utilizou misseis terra-ar. Além disso, o nível em que Portugal dependia do seu poder aéreo era tal que a sua neutralização contundente condenou a estratégia militar na região.

Em última análise, as perdas inesperadas da FAP em combate deram origem a uma cascata de efeitos que acabaram por mitigar a sua própria iniciativa operacional; a eficácia no campo de batalha das forças terrestres estava, até então, bastante dependente do apoio aéreo, era em si um apoio moral e psicológico e assegurava resiliência aos militares portugueses.

A guerra aérea na Guiné portuguesa representa assim uma ilustração convincente do valor – e das vulnerabilidades do poder aéreo, num contexto de guerra de guerrilhas, bem como dos impactos negativos que havia numa confiança excessiva na supremacia aérea.

Este é o segundo de três volumes da minissérie Santuário Perdido, examina a evolução do poder aéreo português e dos sistemas que a guerrilha instalou durante os anos mais ativos do conflito, isto à medida que ambos os lados procuravam meios e métodos para contrariar os esforços do outro. A obra está profusamente ilustrada com fotografias originais e inclui obras de arte a cores, especialmente encomendadas.
Índice
Abreviaturas
Hierarquia militar de oficiais e sargentos


Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

“O comando que me foi confiado não era ‘confortável’. Era necessário começar por reformar atitudes de espírito, lutar contra rotinas viciosas e criar uma máquina de guerra tão eficiente quanto possível, com os meios disponíveis.” (Coronel José Krus Abecasis, comandante da Zona Aérea da Guiné, 1965-67).

Em meados de 1966, a guerra na Guiné já estava no seu quarto ano e não alcançara os resultados previstos por Lisboa. Apesar do constante aumento de efetivos militares, após a eclosão da luta armada em janeiro de 1963, a guerrilha do PAIGC representava um desafio cada vez mais ousado ao domínio colonial português.

O PAIGC estava altamente motivado, habilmente liderado e cada vez mais bem armado. No verão de 1966 o PAIGC tinha recuperado das perdas sofridas durante as primeiras contraofensivas portuguesas e desencadeou uma contraofensiva de assédio militar a quartéis, destacamentos e aldeamentos em autovigilância, impôs perturbação económica em todo o território, contou com uma mobilização popular que se acolhia em áreas fronteiriças ou em determinados pontos dentro da colónia. Num relatório datado de julho desse ano, Arnaldo Schulz, governador e comandante-chefe das forças armadas na Guiné, escrevia num relatório que o inimigo persistia em ampliar as suas áreas de ação: “Não parece que lhe faltem recursos em termos de armas e munições e não há sinais de que a sua mão de obra se tenha reduzido.”

Nos dois anos anteriores, a atividade do PAIGC conhecera uma constante intensificação, especialmente no Sul, aí estava mais fortemente instalado e propagandeava o controlo de 50% de toda a Guiné. A pequena, inóspita e pobre de recursos Província Ultramarina era tida como o remanescente menos valioso do legado colonial de 500 anos de Portugal. Com efeito, desde a abolição do comércio atlântico de escravos, a Guiné tornara-se um défice permanente para o tesouro português, tinha apenas valor para um punhado de empresas que obtinham lucros com o cultivo do amendoim e do coconote. Apesar deste potencial económico anémico, e de haver um número insignificante de europeus ali a viver, o agravamento da situação representava a mais ameaça militar à continuação do domínio português no seu império, Arnaldo Schulz informou um oficial superior, em agosto de 1966, “se é verdade que a guerra do Ultramar não pode ser ganha na Guiné pode, por outro lado, ser completamente perdida lá.”

Para reprimir a luta armada em expansão, o efetivo das tropas mais que duplicou entre 1963 e 1966, passando de 9650 militares para 20.801, incluindo contingentes de forças especiais, como Comandos, Paraquedistas e Fuzileiros. As forças terrestres na Guiné, no entanto, sofriam de deficiências cronicas em preparação, equipamento e moral, comparativamente aos elementos da guerrilha, perfeitamente adaptados ao terreno e à vida no mato, bem adestrados para este tipo de guerra e dispondo de uma competente direção operacional, isto de acordo com uma avaliação feita em agosto de 1966 pelo general Venâncio Deslandes. Numa tentativa de corrigir este desequilíbrio, Deslandes considerava necessário criarem-se unidades especializadas de artilharia e impulsionar o rearmamento da Marinha, as embarcações navais deviam de expor de fogo intimidador e de apoio às forças terrestres; mas concluía a sua análise dizendo que “a forma mais simples e possivelmente mais rápida de atingir esse objetivo será o reforço do poder aéreo.”

O reforço aéreo iniciara-se em 1963, e daí a 1966 o número de aeronaves atribuídas à Guiné aumentou de 32 para 50. Número enganador, desmentido pelas deficiências sistemáticas que paralisavam a Força Aérea Portuguesa: escassez crónica de pilotos e pessoal de manutenção, insuficientes instalações de base e uma permanente falta de peças sobressalente e munições, isto de acordo com o coronel José Duarte Krus Abecasis, comandante da zona aérea de Cabo Verde e Guiné até janeiro de 1967. Havia escassez de motores para três aeronaves de transporte, os C-47 Dakota, apenas um estava operacional de forma confiável para operações em todo o país. Nesse ano de 1966 teve dificuldades de manutenção, com falhas mecânicas e escassez de peças que se refletiu na capacidade de a Força Aérea abastecer as forças terrestres. Depois de muitos protestos por parte dos oficiais da Força Aérea, a situação tendeu a melhorar no outono de 1967, mas sempre com incumprimentos. De acordo com o secretário-de-Estado para a Aeronáutica, Fernando Alberto de Oliveira, em 1968, “A Força Aérea não estava em condições de realizar regularmente todas as atividades de apoio que por leis lhes competia em exclusividade".

Os aeródromos e instalações conexas revelaram-se inadequados durante a primeira fase da guerra. A instalação principal da FAP e a sede da Zona Aérea em Bissalanca nem sequer fora designada como base aérea permanente, só o foi depois de maio de 1965, dois anos e meio após o início da luta; até então serviu como uma base de aeródromo de segundo nível. Mesmo quando mudou de nome para Base Aérea 12, necessitava de pessoal adequado, alojamento e abrigos para acomodar as novas aeronaves que chegavam ao longo de 1966. As defesas aéreas da base foram consideradas “irrelevantes” apesar do punhado de canhões obsoletos de 40 mm e 12,7 mm atribuídos ao único pelotão aéreo da BA12.
Instalações da Força Aérea Portuguesa na Guiné e Cabo Verde, 1961-1975 (Matthew M. Hurley)
Uma unidade do PAIGC no Sul da Guiné (Arquivo da Família Cristiana)
Arnaldo Schulz, governador e comandante-chefe das Forças Armadas, 1964 a 1968 (Coleção de José Matos)
Aquartelamento do Exército português (Coleção de José Matos)
Imagem com alguns meios navais utilizados na Guiné (Coleção Virgílio Teixeira)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24893: Notas de leitura (1639): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte I: a voz dos colonialistas republicanos nostálgicos e exilados

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24034: Notas de leitura (1549): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (15) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
Assim se chega ao fim deste primeiro volume, em 1964 o PAIGC dá sinal de vida às suas armas antiaéreas no Cantanhez, as forças portuguesas respondem com operações de bombardeamento e depois com forças (Operação Resgate, Operação Mercúrio, Operação Safari). 1965 será um ano sem perdas para a FAP, mas a guerra alastrou, o PAIGC consolidou-se no sul, no Morés, donde se dissemina até ao norte e ao Geba, está bem implantado no Corubal. Vamos agora esperar pelo segundo volume, assim que os autores tiverem a amabilidade de nos facultar. Bastava ler este volume I para perceber como muita gente que anda a escrever sobre a Guiné e a afirmar impudicamente que a governação Schulz foi atrabiliária, para se ver a ignorância que por aí vai, nem as memórias de José Krus Abecasis tiveram a oportunidade de ler.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (15)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois, dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Seguiu-se uma descrição sobre os comportamentos militares dos primeiros comandantes-chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental. Por fim, abordou-se a Operação Tridente, começa agora o período da governação Schulz. Pela narrativa destes autores, revela-se à puridade a ideia feita de que Schulz não tinha estratégia adequada para querer contrariar a ofensiva guerrilheira, adotou um modelo de disseminação da quadrícula que era totalmente partilhado por outros potências coloniais a enfrentar a insurgência, e, obviamente, apercebendo-se da natureza do terreno, teria de apostar no apoio aéreo e na capacidade dos bombardeamentos. E os autores explicam claramente as dificuldades surgidas com as aeronaves. Vamos continuar esse relato e acompanhar o período da governação Schulz, e procurar entender a natureza da resposta do PAIGC.

Em meados de 1964, o PAIGC dotara-se de armas de defesa aérea de 12,7 mm, entre elas o DShK ou “Degtyarov-Shpagina de grande calibre”, conseguiu danificar 42 aviões durantes os primeiros oito meses de 1964, foi a frota T-6 que sofreu o maior dano. A intensa atividade antiaérea do PAIGC continuou no ano seguinte. E à medida que o armamento do sistema antiaéreo se tornava mais eficaz, o PAIGC criou equipas de armas que poderiam agir de forma independente ou ligar-se a formações maiores para grandes operações. No início de 1965, o PAIGC tinha reorganizado a sua ala militar regular, as FARP, constituíram-se grupos autónomos de 17-25 combatentes cada, dois grupos formavam um bigrupo que se iria tornar a formação tática padrão das FARP. Cada bigrupo poderia ser reforçado com elementos da defesa aérea ou outras armas empregando morteiros, RPGs, canhões sem recuo, entre outros. Essas forças locais eram importantes para manter uma aparência de soberania do PAIGC nas chamadas zonas libertadas, um pilar fundamental do seu programa político.

O primeiro teste sério à capacidade do PAIGC blindar território “libertado” de ataque aéreo ocorreu na Península do Cantanhez. Em 6 de dezembro de 1965, um C-47 recebe uma autêntica barragem de fogo antiaéreo enquanto sobrevoava o sul da Guiné à noite e a uma altitude de 5000 pés. De acordo com os relatórios da operação, sugeria-se que o PAIGC tinha usado armamento antiaéreo mais pesado, seriam os canhões antiaéreos ZPU de 14,5 mm, era uma metralhadora com alcance de quase uma milha podendo fazer fogo até 4500 pés, o cano podia disparar 600 tiros por minuto. Como observou Krus Abecasis, o inimigo tinha escalado e procurava desafiar o domínio aéreo da Força Aérea, o incidente sobre o Cantanhez exigiu a ativação de uma estratégia, a Força Aérea ia responder ao desafio. Foram preparados planos para tal contingência e em 10 de dezembro Schulz aprovou a proposta de Abecasis para a Operação Resgate, nome escolhido com a intensão de restaurar a nossa liberdade de ação nos céus da Guiné. Schulz e Abecasis esperavam provocar estas equipas do sistema antiaéreo do PAIGC no Cantanhez, puseram em campo toda a gama da capacidade ofensiva: 2 C-47, 12 T-6, 3 Do-27, 2 helicópteros Alouette III e 2 P2V-5 (os Neptune chegaram a Bissalanca vindo das Ilha do Sal a 12 de dezembro trazendo consigo bombas de 325 kg para uso na operação). A Operação Resgate foi desencadeada a 17 de dezembro, um C-47 aproximou-se das posições antiaéreas à altitude de 400 pés, levava apagadas as suas luzes de navegação, atuava como isca, era um barulho destinado a provocar uma reação violenta dos sistemas antiaéreos, expondo as suas posições; atrás desta aeronave seguia outro C-47 que ia iluminar esses locais, a sua missão era identificar os alvos com mais precisão e simultaneamente atrapalhar a visão noturna dos artilheiros, este C-47 também vinha carregado de bombas de fragmentação de 50 kg e latas de napalm de 60 litros. A aeronave isca atraiu o fogo esperado, foram lançados flashes de magnésio e o primeiro bombardeiro Neptune chegou à área alvo dois minutos depois lançando bombas; os Neptunes despejaram as suas munições nos 50 minutos seguintes. Apesar da ferocidade do assalto, os artilheiros antiaéreos das FARP iam vomitando estilhaços de grande calibre contra os nossos aviões, como descreveu Krus Abecasis. Esta primeira onda de ataque foi seguida por mais três em dezembro a 18 de dezembro, completaram a primeira noite da Operação Resgate.

Ao amanhecer, os T-6 começaram a fazer o reconhecimento, a verificar como se processava a infiltração e o abastecimento das FARP, quais as rotas que levavam àquela península. Na avaliação de resultados da primeira noite, o comandante da ZACVG concluiu que houvera êxito na missão, tinham sido descarregadas 30 toneladas de bombas nas posições do PAIGC.

A punição recomeçou duas noites depois, a 19 e 20 de dezembro, as aeronaves da FAP lançaram a segunda série de ataques na região do Cantanhez. Observou-se logo um declínio acentuado no fogo antiaéreo, presumivelmente devido aos danos causados durante a primeira noite da Operação Resgate. A FAP não perdeu nenhuma aeronave durante estes dias de operação, embora dois T-6 tenham sido atingidos no dia 19 e um P2V-5 ficou ligeiramente danificado pelas defesas antiaéreas durante a noite final da operação. Até ao fim do ano fizeram-se voos noturnos para avaliar os resultados, e havia o intuito de preparar uma operação conjunta para expulsar em definitivo o PAIGC do Cantanhez. Embora os sistemas antiaéreos do PAIGC estivessem piados, as FARP continuavam numa total liberdade de movimento naquela península densamente florestada e frequentemente inundada. Na sequência da Operação Resgate ocorreu a Operação Safari em 3 e 4 de janeiro de 1966, envolvendo paraquedistas e fuzileiros, fizeram vários desembarques simultâneos na Península de Cantanhez. Apesar de alguns sucessos iniciais, incluindo a destruição do que se considerou uma bases central das FARP, as forças portuguesas encontraram uma forte oposição e foram obrigadas a retirar-se. Retornou-se ao Cantanhez dois meses e meio depois, as forças portuguesas desembarcaram com a proteção de aeronaves, era a Operação Mercúrio, em 19 de março de 1966; pela primeira vez, alguns DO-27 foram utilizados para atacar, empregando granadas de mão como bombas de fragmentação improvisadas – um método não isento de riscos para o avião e a tripulação. A Operação Mercúrio foi considerada um sucesso tático, não encontrado resistência da guerrilha e não houve vítimas do lado português a assinalar.

Noutro lugar desta volátil Região Sul, em 1 de agosto de 1966, a ZACVG lançou a Operação Ribalta, com a duração de três dias, abarcando a fronteira sudeste com a República da Guiné, operação que foi precedida por bombardeamento noturno, procuraram afetar unidades guerrilheiras que flagelavam os destacamentos de Beli e Madina do Boé. A operação foi um êxito, os guerrilheiros sofreram 60 mortos e o remanescente das unidades de guerrilha teve de fugir.

Atenuou-se, mas não se destruiu esta dinâmica do PAIGC. Ao longo de 1966, a região sul iria permanecer como o teatro de guerra mais ativo, o PAIGC consolidava o seu controle em zonas pouco povoadas de florestas, pântanos e mato. As FARP também aumentaram a sua presença e atividades no noroeste da Guiné ao longo da fronteira com o Senegal, explorando a escassez de forças portuguesas na área. As FARP estavam bem instaladas na região do Morés e dali partiam operações para todo o oeste. No leste, o PAIGC encontrou forte resistência por parte da população Fula dominante, mas conseguiu estabelecer uma presença disruptiva no setor, fazia-o mediante forças que se infiltravam na fronteira e que depois regressavam aos seus santuários da Guiné-Conacri.

Felizmente para a ZACVG, 1965 foi um ano relativamente bem-sucedido, não se perdeu nenhuma aeronave desde dezembro de 1964. Um dos oficiais superiores que trabalhavam com Schulz, o Tenente-Coronel Castelo Branco descreveu os problemas que estavam a ser enfrentados pelas tropas portuguesas em carta enviada ao Comandante-Chefe: insuficiência de recursos em tropas, veículos, aeronaves e pilotos; a guerrilha estava profundamente entrincheirada no sul da Guiné. O tenente-coronel considerava que o Governo teria de se comprometer mais com uma guerra em grande escala que queria reconquistar a região e as gentes, e escrevia: “Em suma, o inimigo colocou a mão no nosso pescoço, como um bom lutador de judo, e estamos com imensa dificuldade de sair desta posição.” Ora, para grande desconforto da ZACVG, deu-se a retirada do F-86, as funções de apoio de fogo iam ser centradas nos velhos T-6. As FARP aumentavam a frequência da sua presença e as forças terrestres mostravam dificuldade em responder com oportunidade célere às atividades da guerrilha.

As iniciativas diplomáticas desenvolvidas por Lisboa junto de Paris e Bona tiveram sucesso, conseguia-se contornar o embargo de armas norte-americano, adquirindo aeronaves pelos parceiros europeus. Estava iminente a entrada em cena dos Fiat G.91 da República Federal Alemã e a entrega dos helicópteros Alouette III, o que trouxe algum otimismo tanto a Schulz como a Abecasis, supunha-se que estas aeronaves iriam trazer novas capacidades e fazer pender a balança graças a uma fase qualitativamente nova da guerra aérea, na Guiné Portuguesa.

Fim do volume I.


Um caça Fiat G.91
Uma metralhadora antiaérea Degtyarev de 12,7 mm
Guerrilheiros do PAIGC com uma arma antiaérea ZPU-4 de 14,5 mm
Metralhadora pesada ZPU-4.

OBS: - As quatro imagens acima apresentadas foram retiradas do trabalho de José Matos intitulado “A GUERRA DAS ANTIAÉREAS NA GUINÉ (1965/1970)”, com a devida vénia
Quadro da penetração do PAIGC em meados de 1966 (Matthew M. Hurley)
Quadro que reporta as perdas em combates e acidentes de aeronaves na Guiné (1962-1966)
F-86 destruído em 31 de maio de 1963, na sequência de um bombardeamento que correu mal (Arquivo Histórico da Força Aérea)
À atenção do leitor: estes dois volumes de memórias de José Krus Abecasis continuam a ser leitura fundamental para análise do comportamento da FAP na Guiné, neste período
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Notas do editor

Vd. Postes anteriores de:

6 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23956: Notas de leitura (1540): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11) (Mário Beja Santos)

13 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23979: Notas de leitura (1542): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (12) (Mário Beja Santos)

20 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23998: Notas de leitura (1545): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (13) (Mário Beja Santos)
e
27 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24015: Notas de leitura (1547): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (14) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24023: Notas de leitura (1548): História de Portugal e do Império Português, Volume II, por A. R. Disney; Guerra e Paz Editores, 2011 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24015: Notas de leitura (1547): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (14) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Este texto de recensão centra-se nas alterações introduzidas em 1965 pelo novo Comandante da zona aérea, Coronel Krus Abecasis, destinadas a melhorar a eficácia da informação e a encontrar as respostas mais adequadas entre a força aérea e as forças terrestres; o novo comandante procurou uma resposta satisfatória para os bombardeamentos noturnos, envidou esforços para adaptar o C-47 a bombardeiro noturno. O que traz à discussão o modo como ao longos destes anos o PAIGC procurava mitigar os efeitos por vezes devastadores dos bombardeamentos; e igualmente se vê que as armas que utilizava eram ineficazes para danificar os aviões, a artilharia antiaérea demorou a chegar mas a resposta portuguesa não se fez esperar, toda essa artilharia foi completamente inutilizada, como adiante se verá.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (14)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois, dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Seguiu-se uma descrição sobre os comportamentos militares dos primeiros Comandantes-Chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental. Por fim, abordou-se a Operação Tridente, começa agora o período da governação Schulz. Pela narrativa destes autores, revela-se à puridade a ideia feita de que Schulz não tinha estratégia adequada para querer contrariar a ofensiva guerrilheira, adotou um modelo de disseminação da quadrícula que era totalmente partilhado por outros potências coloniais a enfrentar a insurgência, e, obviamente, apercebendo-se da natureza do terreno, teria de apostar no apoio aéreo e na capacidade dos bombardeamentos. E os autores explicam claramente as dificuldades surgidas com as aeronaves. Vamos continuar esse relato e acompanhar o período da governação Schulz, e procurar entender a natureza da resposta do PAIGC.

Vimos como o novo comandante da ZACVG, Krus Abecasis, liderou alterações de fundo para melhorar a coordenação com as outras forças militares e com a rede dos comandos aéreos, instituiu-se um mecanismo permanente de coordenação entre as diferentes forças intervenientes no teatro de operações, assegurando comunicações em tempo real e as forças de superfície, criou-se um comando com ligação a Nova Lamego para apoiar as operações terrestres no Leste da Guiné; havia em Bissalanca uma força de alerta completa, incluindo dois T-6 prontos a intervir. Os autores pormenorizam toda a orgânica montada por Krus Abecasis.

Apesar das medidas expeditas tomadas para uma melhor coordenação ar-terra, não se esbateram completamente as dificuldades entre os ZACVG e as outras forças. O PAIGC primava por ataques rápidos e pronta fuga, desaparecendo no interior das matas, o apoio aéreo muitas vezes chegava tarde, o que originava queixas e críticas do Exército à Força Aérea. Mas o balanço da nova coordenação foi substancialmente positivo, apesar de se terem mantido dificuldades sérias em abastecer as forças de superfície por via aérea. Lembram os autores que o transporte aéreo era a única opção disponível em 85 por cento do território, e sem o apoio da FAP muitas unidades isoladas não poderiam sobreviver. No entanto, o défice de transporte aéreo que já se manifestara durante a Operação Tridente, não desapareceu. 14 dos 20 DO-27 permaneciam paralisados por razões não especificadas e 3 C-47 estavam constantemente indisponíveis devido a exigências de inspeção ou manutenção em Portugal. Ora o C-47 Dakota revelou-se fundamental para o abastecimento das forças portuguesas dispersas pela Guiné. Krus Abecasis procurou minimizar o tempo de inatividade do C-47 devido a requisitos de manutenção, e estabeleceu um circuito regular de abastecimento pelo C-47 para unidades destacadas em Nova Lamego, Farim, Bafatá e Tite, dia sim, dia não. Nos lugares onde as forças portuguesas dependiam de transporte naval, os T-6 eram rotineiramente encarregues de escoltar as lanchas, especialmente na região sul. Krus Abecasis tomou igualmente medidas para melhorar a capacidade de ataques noturnos da FAP, que nos dois primeiros anos da guerra se tinham limitado a um punhado de missões de bombardeamento pelos P2V-5, mas os Neptune eram muito poucos e não impediam o entusiasmo do PAIGC pela escuridão. Abecasis estudou o modo como a Força Aérea dos EUA usavam os C-47 modificados como armas noturnas no Sudoeste Asiático. Ele pediu às OGMA em Alverca para supervisionar a conversão do C-47 em bombardeiro noturno, para poder levar bombas de diferente calibre. Estas alterações tornaram possível a realização de bombardeamentos noturnos em altitudes seguras e produziram resultados até ao final do ano, reforçaram a “guerra antiaérea”, que opôs uma capacidade de destruição da defesa aérea das FARP que procuravam cercear a sua ação aérea. Grandes teóricos do movimento revolucionário como Mao Zedong, Giap e Guevara classificavam a defesa aérea como uma das prioridades da guerrilha, considerações que se aplicavam singularmente à Guiné onde o poder aéreo era notoriamente soberano. O PAIGC distribuía um manual para os seus quadros dizendo que se deviam desenvolver maneiras eficazes de derrotar os aviões inimigos, havia que conhecer as debilidades dos aviões, evitar os seus pontos fortes e explorar as suas fraquezas.

No início da guerra, os aviões eram um terror inultrapassável para a maioria dos militantes do PAIGC. Os bombardeamentos aéreos no Morés eram de tal modo aterradores que os aldeões decidiram internar-se na floresta do Oio, contrariando as ordens da direção do PAIGC. Cabral e os seus colaboradores buscavam uma resposta para tão tremendo desafio. As medidas de defesa inicialmente adotadas repetiam procedimentos que tinham sido usados por guerrilheiros na Malásia, Indochina e outros lugares, caso do emprego de folhagem natural, camuflagem, cobertura da escuridão para se protegerem dos aviões, evitavam-se as áreas abertas e procuravam-se tomar medidas para garantir a ocultação da observação aérea em viagens de dia.

Os camponeses, por exemplo, construíam coberturas de galhos de árvores para se esconderem sempre que ouviam aviões a aproximarem-se das bolanhas onde plantavam arroz, enquanto os guerrilheiros e os habitantes procuravam esconder-se no arvoredo ou ficar parados para impedir a deteção no ar; normalmente vestidos de indumentária escura, os guerrilheiros procuravam confundir as tripulações deitando-se entre troncos de árvore queimados; em área húmidas ou perto de cursos de água, os insurgentes emergiam na água e respiravam através de palhinhas improvisadas; em áreas dominadas pelo PAIGC, uma das medidas adotadas pelas populações eram extensas trincheiras de proteção, recorrendo-se a um sistema de alerta rudimentar que consistia em tambores usados para anunciar a aproximação das aeronaves, e, como já adotados noutros ambientes por insurgentes, o PAIGC assentava as suas bases numa rede dispersa de habitações camufladas, tudo para dificultar a sua localização do ar. Uma diretiva do PAIGC que veio a ser apreendida pelas forças portuguesas, reiterava a ordem permanente de Cabral para que as unidades do PAIGC não permanecessem numa determinada área mais do que dois dias consecutivos. Quem desobedecesse podia ser punido – primeiro pela FAP e, depois, pelo alto-comando do PAIGC.

Outras medidas de defesa passiva passavam pela tática conhecida por “abraçar o inimigo”, ou seja, combater a partir de posições tão próximas das forças portuguesas de tal modo que a aviação não pudesse largar as suas bombas. E para minimizar ainda mais as oportunidades de deteção e destruição, muitas atividades de apoio ao PAIGC ou às populações amigas, como era o caso do cultivo de arroz, processavam-se principalmente à noite. As unidades armadas do PAIGC preferiam operar na escuridão para evitar a intervenção da Força Aérea. Abecasis sublinhava que a noite era o grande aliado do inimigo. O PAIGC espalhava com frequência informação para alerta dos seus militares e população civil, mostravam-se fotografias horríveis de vítimas e danos, insistia-se na tomada de medidas para haver uma defesa agressiva por parte dos combatentes das FARP, mobilizaram-se quadros móveis e comités da aldeia para campanhas de educação da defesa civil em massa. Até os livros escolares produzidos pelo PAIGC traziam avisos sobre os perigos dos bombardeamentos aéreos.

A destruição de aviões dava um importante impulso moral aos guerrilheiros, era uma forma de abalar o conceito de superioridade e invulnerabilidade. Em inflexão estratégica, o PAIGC encorajava que a resistência armada devia incluir lançamento dos RPG- 2 e 7 para atingir os aviões, o que se revelava ineficaz. O PAIGC recorreu aos seus amigos para montar sistemas de defesa aérea e foi assim que surgiram armas pesadas como as do tipo soviético SG-43 Goryunov, que foram reportadas pela primeira vez pelas autoridades portuguesas em 18 de julho de 1963. Eram armas de pouca ajuda e não podiam meter medo mesmo ao velho T-6 Harvard da Segunda Guerra Mundial, contra os aviões a jato os canhões de 7,62 mm não tinham qualquer eficácia.


Circuito de fornecimento dos C-47, 1965 (Matthew M. Hurley)
O C-47 Dakota foi fundamental para fornecer as forças portuguesas dispersas por toda a Guiné (Coleção Virgílio Teixeira)
Arma antiaérea DShK 12,7 mm (Arquivo da Defesa Nacional)
Guerrilhas do PAIGC a receber instrução sobre o uso da DShK (Arquivo da Defesa Nacional)

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 20 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23998: Notas de leitura (1545): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (13) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 23 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24007: Notas de leitura (1546): História de Portugal e do Império Português, Volume II, por A. R. Disney; Guerra e Paz Editores, 2011 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23998: Notas de leitura (1545): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (13) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Aqui fica o repositório dos dois primeiros anos da governação Schulz, no tocante à sua estratégia que assentava fulcralmente num eficaz e permanente apoio aéreo, num modelo que ele reproduziu da presença francesa na Argélia, a disseminação em quadrícula do dispositivo terrestre, num máximo de território com população ou em zonas apreciadas como altamente dissuasoras para a presença de guerrilheiros, isto contando com a navegabilidade de grande parte dos rios (o Corubal passava a ser uma exceção, ainda havia transporte até à Ponta do Inglês inicialmente, e depois fazia-se o abastecimento por terra, a partir do Xime, acabou por se abandonar a posição), e fundamentalmente o apoio aéreo, Schulz apostava nos bombardeamentos e na surpresa da deslocação das forças helitransportadas. Aqui se conta as dificuldades que se sentiu e como se tornou evidente haver uma descoordenação entre Lisboa e Bissau.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (13)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois, dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Seguiu-se uma descrição sobre os comportamentos militares dos primeiros Comandantes-Chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental. Por fim, abordou-se a Operação Tridente, começa agora o período da governação Schulz.

O quinto capítulo da obra intitula-se “Eles Têm Unicamente o Céu”, e abre com uma citação: “Chegámos a uma escola do PAIGC… Tinham caído bombas perto: dois professores mostraram-me os seus fragmentos. As crianças cantavam uma canção, ‘Nós temos a terra, os portugueses têm unicamente o céu.”

O Brigadeiro Schulz veio enfrentar uma guerra em franca expansão na Guiné portuguesa, quando assumiu o comando da província, em maio de 1964. Apesar do resultado inicial da Operação Tridente parecer positivo, o PAIGC não abrandou a sua atividade no Setor Sul e foi aumentando nos outros. A ofensiva da guerrilha no Morés, em particular, era uma ameaça, exigia uma grande mobilização de forças no território. Um número crescente de benfeitores estrangeiros proporcionava ao PAIGC treino militar, apoio diplomático, santuário e ajuda material, incluía morteiros, metralhadoras antiaéreas, lança-granadas foguete e canhões sem recuo; o Congresso de Cassacá permitiu reforçar a unidade a determinação dos insurgentes. Schulz ia ter mais tropas e meios para recuperar a iniciativa ao PAIGC. Vinham forças terrestres e aéreas, incluindo paraquedistas e sobretudo o DO-27.

À medida que o número de aeronaves atribuídas à ZACVG aumentava, mais que duplicou o número de militares entre o início da guerra e a chegada de Schulz. O sistema político-militar ganhou coerência, no passado tínhamos um Governador, Vasco Rodrigues (1962-1964), e um Comandante-Chefe, Louro de Sousa, a separação de poderes revelara-se um erro absoluto. Com Schulz deu-se a conjugação de Governador e Comandante-Chefe, pode implementar uma abordagem mais abrangente e proceder a uma estratégia com o comando unificado, adotou o sistema de quadrícula anteriormente implementado pelas forças francesas na Argélia, a divisão do território em unidades militares autónomas, em cada um dos setores havia guarnições que operavam de forma independente sob as ordens de um Comandante de Batalhão, podendo solicitar forças de reação rápida. Foi um tipo de estratégia que contou fortemente com o poder aéreo, o que veio exigir uma extensa vigilância no ar para detetar a atividade inimiga; os helicópteros não só transportavam as forças especiais como davam apoio de fogo, e também dentro da lógica da quadrícula francesa criaram-se as ZLIFAs (abreviatura de Zona de Livre Intervenção da Força Aérea), estas eram estabelecidas em terrenos dominados por insurgentes ou áreas onde não havia nem forças portuguesas nem população civil; não havia necessidade de coordenação em missões de ataque e reconhecimento armado com as forças do Exército ou da Marinha; as ZLIFAs também foram estabelecidas ao longo de vias navegáveis e passagens de fronteira, tudo no intuito de dificultar o trânsito do PAIGC; como observou um General da FAP, José Francisco Nico, as ZLIFAs tinham por objetivo manter o inimigo em permanente estado de insegurança e privá-lo de iniciativa em áreas menos controladas pelas forças terrestres.

A estratégia de Schulz dependia da intimidação dos ataques helitransportados, mas na época ele tinha apenas três helicópteros Alouette II à sua disposição e as suas limitações impediam o seu uso em operações de assalto; para superar a cadência, o Governo encomendou vinte e um Alouette III em 1964, mas demoraram mais de um ano a chegar.

No entretanto, impôs-se um equilíbrio mais severo dos recursos, em 1964 a FRELIMO lançava o seu primeiro ataque em setembro, a FAP ia ser comprometida com o um terceiro teatro de operações, ainda mais longínquo. Agravando ainda mais as dificuldades da FAP, os aviadores portugueses na Guiné foram privados dos seus mais potentes aviões de combate, deu-se a retirada dos F-86 fornecidos pelos EUA. De janeiro a agosto de 1964, os aviões Sabre tiveram um total de 577 saídas, das quais 430 foram missões operacionais de ataque e apoio de fogo; em comparação, os T-6 tiveram quase o dobro de saídas durante o mesmo período. Contudo, os Sabres, provaram ser o apoio de fogo por excelência, dada a sua velocidade, poder de fogo e capacidade de resposta pronta. O Tenente-Coronel Manuel Barbeitos de Sousa voou na última missão de um Sabre em 20 de outubro de 1964.

Esta diminuição de meios aéreos preocupava Schulz que sustentava a sua estratégia no poder aéreo, em particular a capacidade da FAP fornecer apoio de fogo às forças de superfície, os T-6 sozinhos eram notoriamente insuficientes neste contexto. Os responsáveis da FAP recomendaram a substituição do T-6 por aeronaves movidas a hélice, caso do Corsair, o Skyraider ou o T-28 Trojan, propostas que nunca foram verdadeiramente consideradas. Os decisores em Lisboa puseram a hipótese de substituição dos F-86 por F-84 ou P2V-5 que estavam a servir em Angola, hipótese que se revelou impraticável devido às potenciais repercussões diplomáticas. O Governo português chegou a um acordo com a República Federal Alemã para a compra de 65 caças que eram cópias licenciadas do F-86 produzidos no Canadá e que foram considerados menos propensos à atenção negativa dos EUA. Mas a venda foi detetada e os EUA vetaram o acordo. Lisboa aceitou mais tarde uma oferta alemã para transferir um lote de Fiat G-91 que se iriam mostrar mais adequados para operações ar-terra na Guiné. O acordo com a Fiat satisfez o comando da ZACVG, juntou-se uma equipa de mecânicos a Leipheim, na Alemanha Ocidental, para ações de formação e treino no Fiat G-91, isto no final de 1965. Até lá, a FAP tinha de confiar no lento, venerável e vulnerável T-6. Nessa conjuntura, o PAIGC ia estendendo as suas atividades por quase toda a província, incluindo o Setor Leste nas áreas despovoadas ou escassamente povoadas.

De janeiro a novembro de 1965, as FARP flagelações, emboscadas e outras atividades de guerrilha, incluindo áreas que não tinham sido anteriormente afetadas pela sua guerrilha. O PAIGC e as FARP mantinham uma luta militar implacável na parte Sul do território.

No contexto internacional, a Organização da Unidade Africana reconheceu o PAIGC como o único movimento de libertação legítimo da Guiné portuguesa, isto em março de 1965, era uma tomada de posição que iria assegurar ao PAIGC mais apoio.

Quando o Coronel Krus Abecasis chegou a Bissalanca como novo Comandante da ZACVG, em julho de 1965, deparou-se-lhe de imediato com uma situação estratégica intrigante. O PAIGC continuava a expandir-se e a intensificar as suas operações por toda a Guiné, tinha a iniciativa e a surpresa do seu lado, atacava onde queria e quando queria. Exigia-se uma resposta vigorosa, mas a zona aérea carecia de meios, Abecasis reestruturou o Comando e mais tarde acabou por observar que a relação operacional da FAP com os seus serviços da Guiné revelava descoordenação. Dois anos antes de assumir o comando, Abecasis visitara Bissalanca e descobrira essas desconexões e deu o exemplo de que havia pedidos urgentes de apoio aéreo que eram aprovados por escalões de comando superiores sem previamente se verificar se havia disponibilidade de aeronaves e de tripulação.

Chegara-se ao cúmulo de os pilotos estarem em missões sem nenhuma ideia da disposição das forças terrestres que estavam a apoiar ou do seu movimento. Abecasis concluiu a sua avaliação pedindo um sistema de trabalho que lhes assegurasse uma maior flexibilidade e um conhecimento mais detalhado do alvo e uma melhor compreensão das possibilidades e limitações que eram impostas à aviação.

Arnaldo Schulz, Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné Portuguesa, 1964-1968 (Coleção José António Viegas)
Guerrilheiro do PAIGC sobraçando um RPG-2, pronto a disparar (Coleção Alberto Grandolini)
Pilotos alemães e portugueses em Oldenburg, ação de formação em Fiat G-91 (Arquivo Histórico da Força Aérea)
Tenente Fernando Moutinho num Fiat G-91 (Coleção Fernando Moutinho)
Sala de operações em Bissalanca, onde diariamente eram planeadas e analisadas as missões (Coleção Fernando Moutinho)

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 13 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23979: Notas de leitura (1542): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (12) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23997: Notas de leitura (1544): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte IX: o vagomestre e o petisco que não podia ser para todos: o caso da mão de vaca com grão...

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23956: Notas de leitura (1540): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Os autores passam em revista as facilidades e impossibilidades verificadas para a aquisição de aeronaves, houve uma enorme flexibilidade por parte das autoridades francesas e alemãs ocidentais, foram inúmeras as reticências britânicas e norte-americanas, estas exigiam a declaração formal de que as aeronaves a adquirir jamais iriam ser utilizadas em solo africano; neste trabalho também fica claro o desempenho da FAP na Operação Tridente, como é observado no texto aquela operação nunca teria chegado a bom porto sem o apoio dado aos desembarques, a cadeia de bombardeamentos, os abastecimentos de emergência e o transporte de sinistrados. Penso igualmente que para o blogue é uma fonte de enriquecimento as imagens que Hurley e Matos inscreveram no seu livro e que tiveram a amabilidade de as deixar fixar no nosso blogue.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Estamos exatamente num momento em que os autores abordam os comportamentos militares dos primeiros comandantes-chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental.

Está historicamente comprovado que o Brigadeiro Louro de Sousa falou inteiramente verdade em Lisboa, perante o Conselho Superior de Defesa Nacional, em 1963, justificando a urgência em reforços e envio de recursos para travar os ímpetos da guerrilha, fundamentava as suas posições com relatórios tanto das forças terrestres, como navais e aéreas, caso do Coronel Krus Abecasis que era o Chefe-de-Estado-Maior da 1.ª Região Aérea. Este identificou as deficiências mais críticas na organização e operacionalidade da FAP: havia muito pouca cooperação entre os serviços e uma supercentralização das cadeias de comando. Observou ele também uma ausência de coordenação entre os pilotos e as forças terrestres, havia uma concentração de informações nos níveis mais altos do comando, mas os pilotos ignoravam-nas. Foram questões gradualmente resolvidas nos anos seguintes pela introdução de vários mecanismos organizacionais que visavam melhorar a coordenação entre as diferentes forças e entre os escalões de comando.

Há também a registar a melhoria na disponibilidade de aeronaves dadas as boas relações militares e políticas com os governos da França e da Alemanha Ocidental. Dizem os autores que Paris procurou com caráter de urgência, tendo uma força nuclear independente fora da NATO, estabelecer uma estação de rastreamento no meio do Atlântico para o seu incipiente programa de mísseis balísticos, escolheu-se a Ilha das Flores como a base ideal, assinou-se um acordo em 7 de abril de 1964, este acordo de arrendamento da base das Flores teve um impacto positivo na ajuda militar francesa. A França tornou-se no principal fornecedor de armas a Portugal entre 1964 e 1971. Como lembrou o ex-Chefe de Estado-Maior da FAP (1977-1984), o General Lemos Ferreira, “não foi difícil para Portugal comprar material de guerra francês. Que eu saiba, nunca levantaram qualquer problema.” E assim se deu o fornecimento de um número impressionante de helicópteros Alouette III, recém-construídos, o primeiro dos quais foi entregue em 1963. O Alouette III iria desempenhar um papel fundamental na evolução da guerra na Guiné.

O apoio da Alemanha Ocidental à FAP não foi menos importante que o da França. Em 1960, o Ministério da Defesa da RFA identificou a necessidade de uma base de formação, depósito de logística e instalações a fixar como área de retaguarda continental da NATO. Lisboa ofereceu-se para construir uma instalação específica em Beja, que foi inaugurada em 21 de outubro de 1964, designada por Base Aérea N.º 11. Beja tornou-se na primeira base aérea estrangeira alemã, desde a Segunda Guerra Mundial, estará operacional até ao final da década de 1980. O acordo que levou à criação da base de Beja assegurou a entrega por parte de Bona de aeronaves, apesar de um embargo de armas da Alemanha Ocidental a Portugal, após o início das hostilidades em Angola. No final de 1963, o Ministério da Defesa da Alemanha Ocidental concordou na entrega de 46 DO-27 novos e usados e 70 T-6, com grandes descontos, sobretudo para os DO-27. Embora tivesse ficado estipulado que as aeronaves permaneceriam em Portugal e seriam usadas em defesa dos interesses da NATO, o governo português encontrou um expediente dizendo que a defesa do Ultramar servia os interesses da NATO. No final da década de 1960, a RFA tinha vendido ou alugado mais de 200 aeronaves à FAP incluindo os DO-27 e T-6, 40 caças Fiat G.91 e 15 Noratlas, aeronaves que serviram em África.

Lisboa encontrou parceiros menos dispostos a fornecer aeronaves, casos do Reino Unido e dos EUA. Entre 1962 e 1964 Portugal tentou adquirir vários tipos de aviões de combate britânicos, incluindo 6 bombardeiros Canberra, 15 bombardeiros Hunter e, pelo menos, uma dúzia de helicópteros de dimensão média Wessex ou Whirlwind. Lisboa elevou o nível dos seus pedidos, mas o Reino Unido recusou fazer acordo justificando o embargo com as guerras que Portugal travava em África, isto a despeito da Grã-Bretanha inicialmente ter estado inclinada a permitir a venda. O Reino Unido insistiu sempre que Lisboa desse a garantia que os bombardeiros não seriam usados em África, Lisboa recusou. O embargo de armas imposto pelos Estados Unidos da América parecia que iria dificultar tudo, invocava-se sempre a NATO, ficava interdita qualquer venda se qualquer das aeronaves fosse utilizada em África. Quando se soube que havia aviões norte-americanos em África, as relações entre Lisboa e Washington ficaram seriamente comprometidas. Franco Nogueira insistia que as aeronaves eram necessárias para dissuadir as frequentes “intrusões do espaço aéreo da Guiné Portuguesa no Senegal”. O principal aliado de Portugal na NATO suspendeu toda as entregas de todas as aeronaves e materiais prometidos no âmbito do Programa de Assistência Militar, incluindo peças de reposição e equipamentos de manutenção. Além dos F-86 terem ficado formalmente interditos, ameaçou-se o embargo aos P2V-5, F-84 e DC-6. Para atenuar as tensões existentes, Lisboa aceitou as exigências norte-americanas e reencaminhou os Sabre para a metrópole no final de 1964. A partida dos F-86 deixaria a FAP sem nenhum avião a jato na Guiné por quase 2 anos.

No último trimestre de 1963, a situação militar estava profundamente delicada, a guerrilha e a sua propaganda falavam na existência da República Independente do Como, o PAIGC deslocara centenas de militantes para esta região onde deixara de haver presença portuguesa. A dita República Independente incluía 3 ilhas: Como, Caiar, Catunco, separadas por canais estreitos, representava um ambiente clássico para operações de guerrilha. Os comandos militares portugueses tomaram nota dos dois riscos: o efeito da propaganda em meios internacionais e o facto destas ilhas estarem bem posicionadas para ataques e emboscadas em todo o Sudoeste da Guiné e poderem perseguir o tráfego marítimo ao longo da costa Sul. As crescentes bases do PAIGC eram também excelentes pontos de partida para a penetração da Península de Tombali e, a partir daí, em todo o Oeste da Guiné. Esta força de centena de homens do PAIGC era comandada por Nino Vieira acolitado por um grupo de 15 assessores militares ou observadores da República da Guiné. A 13 de dezembro de 1963, o Ministério da Defesa Nacional deu luz verde à Operação “Tridente”. O plano previa uma invasão anfíbia ao longo de múltiplos eixos, apoiada por forças aéreas e navais, o objetivo era ocupar as três ilhas e destruir ou obrigar o PAIGC a abandonar os redutos. Não vale a pena aqui voltar a desenvolver o decurso da operação.

O Comandante-Chefe Louro de Sousa revelava otimismo quanto ao sucesso da operação, otimismo que era igualmente compartilhado pela FAP, o comandante da ZACVG, Coronel Francisco Delgado, deu o seu aval ao plano geral das operações, direcionando as suas unidades para: proteger as zonas de desembarque, em cooperação com a marinha, realizar reconhecimento aéreo, evacuação médica, abastecimento de emergência e fornecer um posto de comando aerotransportado. Antes dos primeiros desembarques (14 de janeiro) foram lançados panfletos nas ilhas, alertando a população civil, era uma tentativa para reduzir as baixas de não combatentes, apesar da perda de surpresa operacional que tal alerta inevitavelmente causava. Os F-86, T-6, bombardeiros P2V-5 foram destacados para os bombardeamentos aéreos, enquanto os Do-27, Auster e os Dakota iriam cumprir as inúmeras funções de apoio; pelo menos um C-47 também foi colocado em serviço e três Alouette III foram envolvidos na operação, foi num desses helicópteros que viajou o ministro da Defesa, General Gomes de Araújo até ao comando de operação na fragata Nuno Tristão, ali se construiu uma plataforma improvisada para a aterragem de helicópteros.

Foram frequentes as avarias dos F-86 na Guiné, os motores tiveram que ser reenviados para Portugal depois de aproximadamente 200 horas de operação (Coleção Touricas)
Dois Alouette III em atividade operacional, no canto esquerdo está um Do-27 (Coleção Tiago Nóbrega)
Portugal tentou comprar bombardeiros Canberra B.2 no princípio dos anos 1960, mas a venda nunca se materializou, acabou-se por comprar aeronaves B-26 (Coleção Fred Willemsen)
Em 1964, Portugal foi obrigado a retirar os F-86 da Guiné devido à decisão norte-americana (Arquivo Histórico da Força Aérea)
Guerrilheiros do PAIGC na Ilha do Como (Coleção Alberto Grandolini)
Guerrilheiro do PAIGC a colocar uma mina antipessoal (Coleção Alberto Grandolini)
Operação Tridente, janeiro-março de 1964 (Matthew M. Hurley)
Chegada do ministro da Defesa Nacional, general Gomes de Araújo, à fragata Nuno Tristão (Arquivo Histórico da Marinha)

(continua)

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Notas do editor:

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28 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23745: Notas de leitura (1511): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

7 de Novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23769: Notas de leitura (1514): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

11 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23776: Notas de leitura (1515): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (3) (Mário Beja Santos)

18 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23794: Notas de leitura (1519): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (4) (Mário Beja Santos)

25 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23815: Notas de leitura (1522): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (5) (Mário Beja Santos)

2 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23839: Notas de leitura (1526): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (6) (Mário Beja Santos)

9 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)

16 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)

23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

30 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23938: Notas de leitura (1539): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (2) (Mário Beja Santos)