sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23998: Notas de leitura (1545): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (13) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Aqui fica o repositório dos dois primeiros anos da governação Schulz, no tocante à sua estratégia que assentava fulcralmente num eficaz e permanente apoio aéreo, num modelo que ele reproduziu da presença francesa na Argélia, a disseminação em quadrícula do dispositivo terrestre, num máximo de território com população ou em zonas apreciadas como altamente dissuasoras para a presença de guerrilheiros, isto contando com a navegabilidade de grande parte dos rios (o Corubal passava a ser uma exceção, ainda havia transporte até à Ponta do Inglês inicialmente, e depois fazia-se o abastecimento por terra, a partir do Xime, acabou por se abandonar a posição), e fundamentalmente o apoio aéreo, Schulz apostava nos bombardeamentos e na surpresa da deslocação das forças helitransportadas. Aqui se conta as dificuldades que se sentiu e como se tornou evidente haver uma descoordenação entre Lisboa e Bissau.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (13)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois, dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Seguiu-se uma descrição sobre os comportamentos militares dos primeiros Comandantes-Chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental. Por fim, abordou-se a Operação Tridente, começa agora o período da governação Schulz.

O quinto capítulo da obra intitula-se “Eles Têm Unicamente o Céu”, e abre com uma citação: “Chegámos a uma escola do PAIGC… Tinham caído bombas perto: dois professores mostraram-me os seus fragmentos. As crianças cantavam uma canção, ‘Nós temos a terra, os portugueses têm unicamente o céu.”

O Brigadeiro Schulz veio enfrentar uma guerra em franca expansão na Guiné portuguesa, quando assumiu o comando da província, em maio de 1964. Apesar do resultado inicial da Operação Tridente parecer positivo, o PAIGC não abrandou a sua atividade no Setor Sul e foi aumentando nos outros. A ofensiva da guerrilha no Morés, em particular, era uma ameaça, exigia uma grande mobilização de forças no território. Um número crescente de benfeitores estrangeiros proporcionava ao PAIGC treino militar, apoio diplomático, santuário e ajuda material, incluía morteiros, metralhadoras antiaéreas, lança-granadas foguete e canhões sem recuo; o Congresso de Cassacá permitiu reforçar a unidade a determinação dos insurgentes. Schulz ia ter mais tropas e meios para recuperar a iniciativa ao PAIGC. Vinham forças terrestres e aéreas, incluindo paraquedistas e sobretudo o DO-27.

À medida que o número de aeronaves atribuídas à ZACVG aumentava, mais que duplicou o número de militares entre o início da guerra e a chegada de Schulz. O sistema político-militar ganhou coerência, no passado tínhamos um Governador, Vasco Rodrigues (1962-1964), e um Comandante-Chefe, Louro de Sousa, a separação de poderes revelara-se um erro absoluto. Com Schulz deu-se a conjugação de Governador e Comandante-Chefe, pode implementar uma abordagem mais abrangente e proceder a uma estratégia com o comando unificado, adotou o sistema de quadrícula anteriormente implementado pelas forças francesas na Argélia, a divisão do território em unidades militares autónomas, em cada um dos setores havia guarnições que operavam de forma independente sob as ordens de um Comandante de Batalhão, podendo solicitar forças de reação rápida. Foi um tipo de estratégia que contou fortemente com o poder aéreo, o que veio exigir uma extensa vigilância no ar para detetar a atividade inimiga; os helicópteros não só transportavam as forças especiais como davam apoio de fogo, e também dentro da lógica da quadrícula francesa criaram-se as ZLIFAs (abreviatura de Zona de Livre Intervenção da Força Aérea), estas eram estabelecidas em terrenos dominados por insurgentes ou áreas onde não havia nem forças portuguesas nem população civil; não havia necessidade de coordenação em missões de ataque e reconhecimento armado com as forças do Exército ou da Marinha; as ZLIFAs também foram estabelecidas ao longo de vias navegáveis e passagens de fronteira, tudo no intuito de dificultar o trânsito do PAIGC; como observou um General da FAP, José Francisco Nico, as ZLIFAs tinham por objetivo manter o inimigo em permanente estado de insegurança e privá-lo de iniciativa em áreas menos controladas pelas forças terrestres.

A estratégia de Schulz dependia da intimidação dos ataques helitransportados, mas na época ele tinha apenas três helicópteros Alouette II à sua disposição e as suas limitações impediam o seu uso em operações de assalto; para superar a cadência, o Governo encomendou vinte e um Alouette III em 1964, mas demoraram mais de um ano a chegar.

No entretanto, impôs-se um equilíbrio mais severo dos recursos, em 1964 a FRELIMO lançava o seu primeiro ataque em setembro, a FAP ia ser comprometida com o um terceiro teatro de operações, ainda mais longínquo. Agravando ainda mais as dificuldades da FAP, os aviadores portugueses na Guiné foram privados dos seus mais potentes aviões de combate, deu-se a retirada dos F-86 fornecidos pelos EUA. De janeiro a agosto de 1964, os aviões Sabre tiveram um total de 577 saídas, das quais 430 foram missões operacionais de ataque e apoio de fogo; em comparação, os T-6 tiveram quase o dobro de saídas durante o mesmo período. Contudo, os Sabres, provaram ser o apoio de fogo por excelência, dada a sua velocidade, poder de fogo e capacidade de resposta pronta. O Tenente-Coronel Manuel Barbeitos de Sousa voou na última missão de um Sabre em 20 de outubro de 1964.

Esta diminuição de meios aéreos preocupava Schulz que sustentava a sua estratégia no poder aéreo, em particular a capacidade da FAP fornecer apoio de fogo às forças de superfície, os T-6 sozinhos eram notoriamente insuficientes neste contexto. Os responsáveis da FAP recomendaram a substituição do T-6 por aeronaves movidas a hélice, caso do Corsair, o Skyraider ou o T-28 Trojan, propostas que nunca foram verdadeiramente consideradas. Os decisores em Lisboa puseram a hipótese de substituição dos F-86 por F-84 ou P2V-5 que estavam a servir em Angola, hipótese que se revelou impraticável devido às potenciais repercussões diplomáticas. O Governo português chegou a um acordo com a República Federal Alemã para a compra de 65 caças que eram cópias licenciadas do F-86 produzidos no Canadá e que foram considerados menos propensos à atenção negativa dos EUA. Mas a venda foi detetada e os EUA vetaram o acordo. Lisboa aceitou mais tarde uma oferta alemã para transferir um lote de Fiat G-91 que se iriam mostrar mais adequados para operações ar-terra na Guiné. O acordo com a Fiat satisfez o comando da ZACVG, juntou-se uma equipa de mecânicos a Leipheim, na Alemanha Ocidental, para ações de formação e treino no Fiat G-91, isto no final de 1965. Até lá, a FAP tinha de confiar no lento, venerável e vulnerável T-6. Nessa conjuntura, o PAIGC ia estendendo as suas atividades por quase toda a província, incluindo o Setor Leste nas áreas despovoadas ou escassamente povoadas.

De janeiro a novembro de 1965, as FARP flagelações, emboscadas e outras atividades de guerrilha, incluindo áreas que não tinham sido anteriormente afetadas pela sua guerrilha. O PAIGC e as FARP mantinham uma luta militar implacável na parte Sul do território.

No contexto internacional, a Organização da Unidade Africana reconheceu o PAIGC como o único movimento de libertação legítimo da Guiné portuguesa, isto em março de 1965, era uma tomada de posição que iria assegurar ao PAIGC mais apoio.

Quando o Coronel Krus Abecasis chegou a Bissalanca como novo Comandante da ZACVG, em julho de 1965, deparou-se-lhe de imediato com uma situação estratégica intrigante. O PAIGC continuava a expandir-se e a intensificar as suas operações por toda a Guiné, tinha a iniciativa e a surpresa do seu lado, atacava onde queria e quando queria. Exigia-se uma resposta vigorosa, mas a zona aérea carecia de meios, Abecasis reestruturou o Comando e mais tarde acabou por observar que a relação operacional da FAP com os seus serviços da Guiné revelava descoordenação. Dois anos antes de assumir o comando, Abecasis visitara Bissalanca e descobrira essas desconexões e deu o exemplo de que havia pedidos urgentes de apoio aéreo que eram aprovados por escalões de comando superiores sem previamente se verificar se havia disponibilidade de aeronaves e de tripulação.

Chegara-se ao cúmulo de os pilotos estarem em missões sem nenhuma ideia da disposição das forças terrestres que estavam a apoiar ou do seu movimento. Abecasis concluiu a sua avaliação pedindo um sistema de trabalho que lhes assegurasse uma maior flexibilidade e um conhecimento mais detalhado do alvo e uma melhor compreensão das possibilidades e limitações que eram impostas à aviação.

Arnaldo Schulz, Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné Portuguesa, 1964-1968 (Coleção José António Viegas)
Guerrilheiro do PAIGC sobraçando um RPG-2, pronto a disparar (Coleção Alberto Grandolini)
Pilotos alemães e portugueses em Oldenburg, ação de formação em Fiat G-91 (Arquivo Histórico da Força Aérea)
Tenente Fernando Moutinho num Fiat G-91 (Coleção Fernando Moutinho)
Sala de operações em Bissalanca, onde diariamente eram planeadas e analisadas as missões (Coleção Fernando Moutinho)

(continua)
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Notas do editor:

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