6 de Maio de 2005:
Luís:
Cá estamos nós sempre a falar da Guiné. Quer queiramos quer não, sempre foram quase dois anos das nossas vidas que lá ficaram.
Para tua actualização e correcção do mapa [do Sector L1] aqui vão as distâncias a partir de Bambadinca, que foram medidas em cima dos 73 mapas à escala 1/50000 que eu tenho de toda a Guiné, e que me custaram em 1994 e 1995, [a módica quantia de] 33 000$00 (só os malucos é que gastavam este dinheiro nisto).
Será que aquela terra, e aquela gente, merece isto? Em 1996 embarquei para a, agora, Guiné-Bissau, exactamente no dia em que fazia 25 anos da nossa partida de lá, 17 de Março [de 1971], tendo cobrado de honorários do Projecto que lá fui tratar... ZERO ESCUDOS + IVA. E ainda gastei uma semana das minhas férias. Volto a interrogar-me: aquela terra e aquela gente merecem ?
Vamos aos factos que aqui nos trazem aqui, as distâncias.
Desde Bambadinca...
à ponte do rio Undunduma > 4 Km
a Amedalai > 6 Km
à Ponte Coli > 7 Km
ao Xime > 11 Km
a Bafatá > 30 Km
a Samba Juli > 6 Km
a Mansambo > 18 Km
à Ponte dos Fulas (rio Pulon) > 33 Km
ao Xitole > 35 Km
ao Saltinho > 55 Km
Tenho lido, e relido, aqueles apontamentos que me enviaste do David Guimarães.
Cá vai um abraço.
Humberto
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 6 de maio de 2005
quinta-feira, 5 de maio de 2005
Guiné 63/74 - P13: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (2) Sousa de Castro / Luís Graça)
2 de Maio de 2005
Castro:
Recebi os 4 DVD. Estou a passá-los no meu computador portátil. Já vi os quatro por alto, parecem-me estar em boas condições de som e imagem. Estou muito emocionado ao visioná-los. Só falta sentir o cheiro da terra e da chuva. Mas aquele sorriso aberto dos guinéus é inconfundível. Estou-te muito grato pelo teu gesto, que é de amigo e camarada. Espero poder retribuir-te.
Já agora: quem é o autor do vídeo ? Isto é trabalho de profissional. E é um documento notável que deveria poder chegar ao conhecimento de todos os camaradas que andaram por todos estes sítios… Pelo sotaque, é tudo malta do norte, não é ? Vou continuar a ver os vídeos. Depois falamos mais. L.G.
3 de Maio de 2005:
Luís:
De facto parece trabalho de profissional. É um trabalho notável. O que acontece é que, se reparares, de vez em quando aparece um rapaz mais novo, é filho de um deles(que eu não conheço). Aproveitou essa viagem para fazer um trabalho para apresentar no curso de jornalismo.
A malta é essencialmente do Minho, do Norte, à excepção do que é mais alto. Esse é algarvio, foi furriel de TRMS. Estão aí ex-combatentes talvez mais velhos e da mesma idade que nós. No Xime o homem que está a falar é da minha companhia. Todos os outros, creio que são mais velhos do que eu. Como podes reparar, apesar de não nos conhecermos pessoalmente, é um prazer enorme para mim poder partilhar um documento sobre uma terra que nos tocou profundamente. Tenho facilitado cópias a várias pessoas que me parecem mostrar interesse por estas coisas. Dentro de pouco tempo o Guimarães irá receber uma cópia dos DVD.
3 de Maio de 2005:
Castro:
Cinco estrelas! Já vi os DVD que me mandaste. São seis horas de filme! De facto, percebi logo que era malta do Norte pelo à vontade, pela postura e pelo sotaque…Também percebi que era o filho de um deles o operador o vídeo, o filho do Albano Cardoso, um tipo que esteve em Guidage (e que gostava de fazer fotografia).
O teu camarada da CART 3494 que esteve no Xime é fácil de identificar, é um careca, de nome Lúcio, ex-bazuqueiro. Ele mostra, no filme, os restos do quartel, e é reconhecido por pessoas do vosso tempo, incluindo uma lavadeira…
Foi tocante para mim reviver a Guiné, com as belas imagem e a excelente banda sonora dos filmes.. Foi também a ocasião para conhecer o norte e o sul da Guiné, aonde nunca tive a oportunidade de ir…
O grupo é curioso porque inclui malta que esteve em todo o sítio, norte, leste e sul, e de diferentes anos (há um que esteve em Bafatá, logo no princípio da guerra). É comovente ver como os guinéus mantêm o cemitério dos tugas, caiado, impecável…
Reconheci, em Mansambo, um antigo soldado nosso, da CCAÇ 12, o Cherno, hoje com 17 filhos… Também reconheci as nossas instalações em Bambadinca… Gostei de recordar Bafatá, que está a precisar de ser reconstruída… Do Xitole, tenho menos recordações, uma vez que nunca lá vivi, ia lá só em colunas logísticas… Mas há também interessantes apontamentos para perceber a realidade de hoje…
Gostava de contactar o filho do Albano Cardoso (o tal de Guidage), e que hoje deve ser jornalista, não ? Talvez o Lúcio saiba alguma coisa dele…
Bem hajas! Um dia destes telefono-te. L.G.
5 de Maio de 2005:
Guimarães: Obrigado pelas tuas fotos da viagem à Guiné em 2001. Consegui abri-las todas, excepto a do Restaurante Lusófono, com o vosso grupo (tu, o enfermeiro, o Dr. Vilar e a família). É, de facto, um regalo para a vista… O puto que está contigo, no baga-baga, é filho do Vilar ?
Também já me tinham dito que as bolanhas na Guiné se estão a degradar e a salinizar e que muitas delas deram origem a plantações de caju… No nosso tempo, ainda havia, apesar da guerra, belas plantações de arroz, quer nas zonas controladas pelas NT quer nas regiões sob controlo do PAIGC (por exemplo, no Poindon…).
Não era por acaso que o Amílcar Cabral era engenheiro agrónomo. Sabias que antes da guerra a Guiné exportava arroz ? Era a base da alimentação das populações locais. Os meus soldados, que eram desarranchados, compravam um a dois sacos de arroz por mês. O pré de um soldado de 2ª classe era de 600 pesos. Tinham mais 24 pesos por dia (se não me engano), por serem desarranchados. Com 1200/1300 pesos (1 peso=1 escudo), compravam dois sacos de arroz (de 50 quilos, creio)… Todos eles eram casados, com uma ou mais bajudas…
É giro, no 3º DVD que o Castro me mandou (e que remonta a Novembro de 2000), reconheci em Mansambo um soldado da CCAÇ 12, Cherno Baldé, apontador de diligrama…Foi o Lúcio, bazuqueiro da companhia do Xime, colega do Castro, quem o reconheceu… Filmaram a casota dele e os filhos: duas mulheres, e 17 filhos, nem mais!... Como no tempo dos nossos avós! Alguém, por graça, lhe deu uma camisinha…
Tenho pena deste povo, que a assim não vai a lado nenhum… No entanto, não detectei no filme sinais aparentes de fome, o que já é bom… Mas a Guiné continua uma alta taxa de mortalidade infantil: creio que morrem 145 crianças em cada 1000, antes de atingirem um ano… Como estás na Segurança Social, talvez te interesse um a tese de mestrado que foi feita, em 1999, numa escola de saúde pública como a minha, mas no Rio de Janeiro. O autor é guineense, é o actual Director Geral de Saúde, Tomé Cá.
A tese, pelo que eu li muito por alto, parece-me interessante e metodologicamente correcta. O autor mostra um bom domínio do campo da epidemiologia e da estatística. Faz a análise de dados da mortalidade infantil no período de 1990-1995, desagregados por grupos étnicos (os principais da Guiné-Bissau: balantas, fulas, mandingas, manjacos, papéis…). Chamou-me a atenção sobretudo a variável etnológica: os diferentes grupos étnicos da Guiné-Bissau (que são mais de 30) têm diferentes atitudes, comportamentos, valores, representações da saúde/doença… Os dados daqui a uns tempos só terão interesse histórico. Não vou aqui discutir as limitações da base de dados em que o autor se apoiou. Mas ele também fez trabalho de campo, através de inquérito por questionário de saúde. Este tipo de trabalhos merecem ser divulgados. Sopbretudo por aqueles de nós que têm uma especial ligação à terra onde conhecemos o céu e o inferno, a guerra e a paz, a estação das chuvas e a estação seca, a savana arbustiva e floresta tropical... Os guinéus são um povo amável e hospitaleiro que bem merece todo o nossoa apoio e amizade. É tocante como, por exemplo, em Bambadinca, no 3º DVD, eles falam connosco, sem ressentimentos do passado, e ao mesmo tempo com esperança. São jovens militares, pertencentes ao exército da Guiné-Bissau, que não conheceram a guerra colonial, e que estão a falar com os tugas, seus irmons, ex-combatentes da guerra colonial... Trinta e tal anos depois!
Tomé Cá (1991) -
Determinantes das diferenças de mortalidade infantil entre as etnias da Guiné-Bissau, 1990-1995.
Tese de mestrado em saúde pública.
Rio de Janeiro: ENSP. 1991. 93 pp.
_______
O filme, realizado em Novembro de 2000, por ocasião de uma viagem de 16 dias à Guiné, em dois jipes, foi feita por um grupo de dez ex-combatentes, quase todos do Norte. O Sousa de Castro teve a gentileza de me facultar uma cópia para uso pessoal. Estou profundamente reconhecido ao autor do vídeo e aos companheiros desta inesquecível viagem de regresso à Guiné. Aqui fica a sequência das filmagens:
1º DVD: Introdução, Viagem para a Guiné, Cidade de Bissau, Hospital militar e arredores; Interior da Guiné: Cumuré, Jugudul, Xime.
2º DVD: Xime, Mansambo, Quebo (antiga Aldeia Formosa), Fonte Balana, Chamarra, Buba (Aldeia Turística), Destacamento de Buba, De norte para sul.
3º DVD: Guidage, Binta, Farim, Jumbembem, Canjambri, Fajonquito; Zona leste: Bafatá, Bambadinca, Xitole; a sul da Guiné: Empada, Chugué, a caminho de Bedanda;
4º DVD: A caminho de Bedanda, Cacine, Gadamael Porto, Cobumba, Catió, Saltinho (A tabanca), Bissau.
Castro:
Recebi os 4 DVD. Estou a passá-los no meu computador portátil. Já vi os quatro por alto, parecem-me estar em boas condições de som e imagem. Estou muito emocionado ao visioná-los. Só falta sentir o cheiro da terra e da chuva. Mas aquele sorriso aberto dos guinéus é inconfundível. Estou-te muito grato pelo teu gesto, que é de amigo e camarada. Espero poder retribuir-te.
Já agora: quem é o autor do vídeo ? Isto é trabalho de profissional. E é um documento notável que deveria poder chegar ao conhecimento de todos os camaradas que andaram por todos estes sítios… Pelo sotaque, é tudo malta do norte, não é ? Vou continuar a ver os vídeos. Depois falamos mais. L.G.
3 de Maio de 2005:
Luís:
De facto parece trabalho de profissional. É um trabalho notável. O que acontece é que, se reparares, de vez em quando aparece um rapaz mais novo, é filho de um deles(que eu não conheço). Aproveitou essa viagem para fazer um trabalho para apresentar no curso de jornalismo.
A malta é essencialmente do Minho, do Norte, à excepção do que é mais alto. Esse é algarvio, foi furriel de TRMS. Estão aí ex-combatentes talvez mais velhos e da mesma idade que nós. No Xime o homem que está a falar é da minha companhia. Todos os outros, creio que são mais velhos do que eu. Como podes reparar, apesar de não nos conhecermos pessoalmente, é um prazer enorme para mim poder partilhar um documento sobre uma terra que nos tocou profundamente. Tenho facilitado cópias a várias pessoas que me parecem mostrar interesse por estas coisas. Dentro de pouco tempo o Guimarães irá receber uma cópia dos DVD.
3 de Maio de 2005:
Castro:
Cinco estrelas! Já vi os DVD que me mandaste. São seis horas de filme! De facto, percebi logo que era malta do Norte pelo à vontade, pela postura e pelo sotaque…Também percebi que era o filho de um deles o operador o vídeo, o filho do Albano Cardoso, um tipo que esteve em Guidage (e que gostava de fazer fotografia).
O teu camarada da CART 3494 que esteve no Xime é fácil de identificar, é um careca, de nome Lúcio, ex-bazuqueiro. Ele mostra, no filme, os restos do quartel, e é reconhecido por pessoas do vosso tempo, incluindo uma lavadeira…
Foi tocante para mim reviver a Guiné, com as belas imagem e a excelente banda sonora dos filmes.. Foi também a ocasião para conhecer o norte e o sul da Guiné, aonde nunca tive a oportunidade de ir…
O grupo é curioso porque inclui malta que esteve em todo o sítio, norte, leste e sul, e de diferentes anos (há um que esteve em Bafatá, logo no princípio da guerra). É comovente ver como os guinéus mantêm o cemitério dos tugas, caiado, impecável…
Reconheci, em Mansambo, um antigo soldado nosso, da CCAÇ 12, o Cherno, hoje com 17 filhos… Também reconheci as nossas instalações em Bambadinca… Gostei de recordar Bafatá, que está a precisar de ser reconstruída… Do Xitole, tenho menos recordações, uma vez que nunca lá vivi, ia lá só em colunas logísticas… Mas há também interessantes apontamentos para perceber a realidade de hoje…
Gostava de contactar o filho do Albano Cardoso (o tal de Guidage), e que hoje deve ser jornalista, não ? Talvez o Lúcio saiba alguma coisa dele…
Bem hajas! Um dia destes telefono-te. L.G.
5 de Maio de 2005:
Guimarães: Obrigado pelas tuas fotos da viagem à Guiné em 2001. Consegui abri-las todas, excepto a do Restaurante Lusófono, com o vosso grupo (tu, o enfermeiro, o Dr. Vilar e a família). É, de facto, um regalo para a vista… O puto que está contigo, no baga-baga, é filho do Vilar ?
Também já me tinham dito que as bolanhas na Guiné se estão a degradar e a salinizar e que muitas delas deram origem a plantações de caju… No nosso tempo, ainda havia, apesar da guerra, belas plantações de arroz, quer nas zonas controladas pelas NT quer nas regiões sob controlo do PAIGC (por exemplo, no Poindon…).
Não era por acaso que o Amílcar Cabral era engenheiro agrónomo. Sabias que antes da guerra a Guiné exportava arroz ? Era a base da alimentação das populações locais. Os meus soldados, que eram desarranchados, compravam um a dois sacos de arroz por mês. O pré de um soldado de 2ª classe era de 600 pesos. Tinham mais 24 pesos por dia (se não me engano), por serem desarranchados. Com 1200/1300 pesos (1 peso=1 escudo), compravam dois sacos de arroz (de 50 quilos, creio)… Todos eles eram casados, com uma ou mais bajudas…
É giro, no 3º DVD que o Castro me mandou (e que remonta a Novembro de 2000), reconheci em Mansambo um soldado da CCAÇ 12, Cherno Baldé, apontador de diligrama…Foi o Lúcio, bazuqueiro da companhia do Xime, colega do Castro, quem o reconheceu… Filmaram a casota dele e os filhos: duas mulheres, e 17 filhos, nem mais!... Como no tempo dos nossos avós! Alguém, por graça, lhe deu uma camisinha…
Tenho pena deste povo, que a assim não vai a lado nenhum… No entanto, não detectei no filme sinais aparentes de fome, o que já é bom… Mas a Guiné continua uma alta taxa de mortalidade infantil: creio que morrem 145 crianças em cada 1000, antes de atingirem um ano… Como estás na Segurança Social, talvez te interesse um a tese de mestrado que foi feita, em 1999, numa escola de saúde pública como a minha, mas no Rio de Janeiro. O autor é guineense, é o actual Director Geral de Saúde, Tomé Cá.
A tese, pelo que eu li muito por alto, parece-me interessante e metodologicamente correcta. O autor mostra um bom domínio do campo da epidemiologia e da estatística. Faz a análise de dados da mortalidade infantil no período de 1990-1995, desagregados por grupos étnicos (os principais da Guiné-Bissau: balantas, fulas, mandingas, manjacos, papéis…). Chamou-me a atenção sobretudo a variável etnológica: os diferentes grupos étnicos da Guiné-Bissau (que são mais de 30) têm diferentes atitudes, comportamentos, valores, representações da saúde/doença… Os dados daqui a uns tempos só terão interesse histórico. Não vou aqui discutir as limitações da base de dados em que o autor se apoiou. Mas ele também fez trabalho de campo, através de inquérito por questionário de saúde. Este tipo de trabalhos merecem ser divulgados. Sopbretudo por aqueles de nós que têm uma especial ligação à terra onde conhecemos o céu e o inferno, a guerra e a paz, a estação das chuvas e a estação seca, a savana arbustiva e floresta tropical... Os guinéus são um povo amável e hospitaleiro que bem merece todo o nossoa apoio e amizade. É tocante como, por exemplo, em Bambadinca, no 3º DVD, eles falam connosco, sem ressentimentos do passado, e ao mesmo tempo com esperança. São jovens militares, pertencentes ao exército da Guiné-Bissau, que não conheceram a guerra colonial, e que estão a falar com os tugas, seus irmons, ex-combatentes da guerra colonial... Trinta e tal anos depois!
Tomé Cá (1991) -
Determinantes das diferenças de mortalidade infantil entre as etnias da Guiné-Bissau, 1990-1995.
Tese de mestrado em saúde pública.
Rio de Janeiro: ENSP. 1991. 93 pp.
_______
O filme, realizado em Novembro de 2000, por ocasião de uma viagem de 16 dias à Guiné, em dois jipes, foi feita por um grupo de dez ex-combatentes, quase todos do Norte. O Sousa de Castro teve a gentileza de me facultar uma cópia para uso pessoal. Estou profundamente reconhecido ao autor do vídeo e aos companheiros desta inesquecível viagem de regresso à Guiné. Aqui fica a sequência das filmagens:
1º DVD: Introdução, Viagem para a Guiné, Cidade de Bissau, Hospital militar e arredores; Interior da Guiné: Cumuré, Jugudul, Xime.
2º DVD: Xime, Mansambo, Quebo (antiga Aldeia Formosa), Fonte Balana, Chamarra, Buba (Aldeia Turística), Destacamento de Buba, De norte para sul.
3º DVD: Guidage, Binta, Farim, Jumbembem, Canjambri, Fajonquito; Zona leste: Bafatá, Bambadinca, Xitole; a sul da Guiné: Empada, Chugué, a caminho de Bedanda;
4º DVD: A caminho de Bedanda, Cacine, Gadamael Porto, Cobumba, Catió, Saltinho (A tabanca), Bissau.
quarta-feira, 4 de maio de 2005
Guiné 63/74 - P12: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina) (Luís Graça)
1. Em tempos comentei, em 5 de Agosto de 2002, nos Fóruns do Público > Cidadania - Mutilações sexuais: Salvem as meninas da Guiné (um tema de discussão que hoje só está disponível em arquivo), o seguinte post publicado originalmente por Barbarian Girl, em 16 de Maio de 2002:
"Estou indignada com o que acabo de ler, numa reportagem do Público, assinada pela Sofia Branco. Não imaginava, na minha jovem e santa ignorância, que em pleno Século XXI ainda se praticassem mutilações sexuais como a excisão do clitóris nas meninas como parte dos rituais de iniciação à vida adulta...
"O mais espantoso é que isto se passa num país irmão(!), onde se fala (?) português, que foi um colónia portuguesa(!), por onde passaram muitos portugueses. Mais: se calhar estas práticas continuam a fazer-se em Portugal, no seio das famílias guineenses islamizadas que por cá se vão instalando, com a complacência ou a conivência de muita gente, a começar pelas autoridades de saúde.
"Nunca vi ninguém denunciar esta coisa horrorosa. Vocês sabiam disto, vocês tinham conhecimento disto ? Tenho vergonha da minha ignorância e do meu silêncio involuntariamente cúmplice. Por isso vejo-me na obrigação de publicar aqui, com a devida vénia, o artigo da Sofia Branco, apesar da sua extensão. O que podemos fazer para ajudar a salvar as meninas da Guiné ? Refiro-me a nós, mulheres portuguesas, a começar pelas universitárias. Bárbara".
2. Retomo e desenvolvo o comentário que então fiz ao texto que lançou este tema de discussão nos Fóruns do Publico.pt > Cidadania:
A Sofia Branco volta a este tema, com um notável e bem documentado dossiê. Parabéns ao Públicoe à Sofia por este excelente trabalho de jornalismo de investigação. Parabéns pela sua sensibilidade, empenhamento e rigor no tratamento deste tema marginal.
Espero que a Bárbara tenha lido a reportagem ou tome conhecimento do dossiê, disponível on line, nos dossiês do Público.pt: Sofia Branco (2002)- O holocausto silencioso das mulheres a quem continuam a extrair o clítoris. Público. 4 de Agosto de 2002)
Não é difícil a qualquer um de nós, homens e mulheres formatados pela cultura do Ocidente, ficarmos hoje siderados e indignados pelo conhecimento da prática da Mutilação Genital Feminina (abreviadamente, MGF). Aconteceu-me comigo, quando há trinta e tal anos a descobri na Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), nomeadamente entre os fulas (a principal tribo islamizada do território e um dos mais importantes aliados dos tugas).
Só estranho é que a indignação, de que se faz eco o director do Público, no seu editorial de ontem, chegue tão tarde a Portugal. Durante décadas e décadas, todos nós, portugueses (autoridades coloniais, tropas, oficiais do quadro, milicianos, soldados, marinheiros, capelães militares, missionários, comerciantes, antropólogos, médicos, professores, jornalistas...), convivemos com esta realidade. Uns melhor, outros pior. A festa do fanado era difícil de passar despercebida a qualquer branco que conhecesse minimamente o chão fula e o seu povo, ou que convivesse com a ppoluação das tabancas, como era o meu caso.
Na Guiné, entre 1969 e 1971, na Zona leste, nunca vi os tugas (a começar por Spínola e a sua brilhante entourage de especialistas em acção psicossocial, com alguma formação portanto em ciências da saúde e em ciências sociais e humanas) minimamente preocupados com aquilo que hoje é uma evidente violação dos direitos humanos, além de um problema de saúde pública. Dir-me-ão que o Governador e Comandante-Chefe tinha mais que fazer do que usar a sua reconhecida autoridade e prestígio junto dos fulas para influenciar algumas das suas práticas mais aberrantes... Não creio, por outro lado, que no staff do brihgadeiro e, mais tarde, general Spínola houvesse suficiente sensibilidade sócio-antropológica para o problema da MGF que todos os anos matava e mutilava crianças guineenses.
Na época em que lá estive (entre Maio de 1969 e Março de 1971) também não os vi sequer preocupados com a simples promoção do estatuto da mulher guineense. A psico, a famosa acção psicológica, tinha muito popuco de promoção social... Do Minho a Timor, a festa do fanado (e a MGF praticada em pleno mato pelas fanatecas ou excisadoras, fora dos olhares profanos, dessacralizadores, dos homens) fazia parte do folclore ultramarino e era aceite pelos nossos antropólogos, formados pelo ISCPU - Instituto Superior de Ciências Políticas e Ultramarinas, em nome do relativismo cultural. Falava-se, de resto, eufemisticamente em circuncisão, e nomeadamente masculina (enquanto a feminina era praticamente ignorada ou escamoteada)!
E, no entanto, durante a guerra colonial o povo fula foi praticamente todo ele militarizado, mobilizado e martirizado em nome da defesa da pátria comum (que era obviamente uma ficção do regime político que tanto oprimia os tugas da metrópole como os nharros das colónias). A grande maioria dos soldados da minha Companhia de Caçadores nº 12 (CCAÇ 12) eram de origem fula.
Os fulas também foram vítimas da guerra (todos eles, homens, mulheres e crianças!), já que as suas aldeias, também elas, estavam organizadas em autodefesa e, por isso, eram potenciais alvos dos ataques da guerrilha do PAIGC. Os fulas deram o principal contingente da tão sonhada força africana com que Spínola queria ganhar a guerra (ou pelo menos ganhar tempo...).
Hoje é fácil cairmos na tentação de diabolizar os fulas (o principal esteio da comunidade muçulmana guineense, a par dos seus rivais históricos, os mandingas) não só pelo erro histórico da aliança dos seus chefes tribais com o colonialismo dos tugas (e que nós corrompíamos, de uma maneira ou de outra) como pelo seu modo cruel de dominação sexual, social e económica das mulheres.
Dito isto, que fique claro, aos olhos dos meus amigos guineenses, fulas, futa-fulas, mandingas ou outros, que a MGF no meu país é um crime. E como tal deve ser prevenida e reprimida. Parafraseando o editorial do Público, não há, não pode haver, respeito pela identidade multicultural dos povos que incentive, tolere, ignore ou escamoteie as violações dos direitos universais.
Qual é a situação actual na Guiné ? Embora a excisão (nas raparigas) e a circuncisão (nos rapazes) continue a ser uma prática corrente, tem-se procurado formas alternativas à MGF, valorizando os aspectos culturais e simbólicos da festa do fanado e não discriminando as fanatecas (para quem a festa do fanado é o seu sustento e a sua razão de ser).
Segundo fontes da OMS, citadas pela União Parlamentar Internacional(UPI), estimava-se nos finais da década de 1990 que a "average prevalence could be 50% and affect 100% of Muslim women. It is reportedly 70 to 80% for the Fula and Mandigue women. In urban areas, it is estimated that 20 to 30% of girls and women have been mutilated. However, the IPU has no first-hand official statistics or other details on this subject".
Alguns sítios sobre a MGF (Mutilação Genital Feminina):
Afrol News >
Alternatives to female genital mutilation in Guinea-Bissau
Amnistia Internacional >
Female Genital Mutilation - A Human Rights Information
Commission ontarienne des droits de la personne >
Politique sur la mutilation génitale féminine (MGF)
Inter-Parlamentay Union /Union Interparlementaire >
Female Genital Mutilation >
Legislation and other national provisions:
Gabon, Gambia, Germany, Ghana, Guinea, Guinea-Bissau
OMS, Genebra >
WHO Health Topics >
Female Genital Mutilation
Publico-pt > Dossiers >
Mutilação Genital Feminina
Religious Tolerance >
Female Genital Mutilation (FGM)
in Africa, The Middle East & Far East > Debates about FGM
"Estou indignada com o que acabo de ler, numa reportagem do Público, assinada pela Sofia Branco. Não imaginava, na minha jovem e santa ignorância, que em pleno Século XXI ainda se praticassem mutilações sexuais como a excisão do clitóris nas meninas como parte dos rituais de iniciação à vida adulta...
"O mais espantoso é que isto se passa num país irmão(!), onde se fala (?) português, que foi um colónia portuguesa(!), por onde passaram muitos portugueses. Mais: se calhar estas práticas continuam a fazer-se em Portugal, no seio das famílias guineenses islamizadas que por cá se vão instalando, com a complacência ou a conivência de muita gente, a começar pelas autoridades de saúde.
"Nunca vi ninguém denunciar esta coisa horrorosa. Vocês sabiam disto, vocês tinham conhecimento disto ? Tenho vergonha da minha ignorância e do meu silêncio involuntariamente cúmplice. Por isso vejo-me na obrigação de publicar aqui, com a devida vénia, o artigo da Sofia Branco, apesar da sua extensão. O que podemos fazer para ajudar a salvar as meninas da Guiné ? Refiro-me a nós, mulheres portuguesas, a começar pelas universitárias. Bárbara".
2. Retomo e desenvolvo o comentário que então fiz ao texto que lançou este tema de discussão nos Fóruns do Publico.pt > Cidadania:
A Sofia Branco volta a este tema, com um notável e bem documentado dossiê. Parabéns ao Públicoe à Sofia por este excelente trabalho de jornalismo de investigação. Parabéns pela sua sensibilidade, empenhamento e rigor no tratamento deste tema marginal.
Espero que a Bárbara tenha lido a reportagem ou tome conhecimento do dossiê, disponível on line, nos dossiês do Público.pt: Sofia Branco (2002)- O holocausto silencioso das mulheres a quem continuam a extrair o clítoris. Público. 4 de Agosto de 2002)
Não é difícil a qualquer um de nós, homens e mulheres formatados pela cultura do Ocidente, ficarmos hoje siderados e indignados pelo conhecimento da prática da Mutilação Genital Feminina (abreviadamente, MGF). Aconteceu-me comigo, quando há trinta e tal anos a descobri na Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), nomeadamente entre os fulas (a principal tribo islamizada do território e um dos mais importantes aliados dos tugas).
Só estranho é que a indignação, de que se faz eco o director do Público, no seu editorial de ontem, chegue tão tarde a Portugal. Durante décadas e décadas, todos nós, portugueses (autoridades coloniais, tropas, oficiais do quadro, milicianos, soldados, marinheiros, capelães militares, missionários, comerciantes, antropólogos, médicos, professores, jornalistas...), convivemos com esta realidade. Uns melhor, outros pior. A festa do fanado era difícil de passar despercebida a qualquer branco que conhecesse minimamente o chão fula e o seu povo, ou que convivesse com a ppoluação das tabancas, como era o meu caso.
Na Guiné, entre 1969 e 1971, na Zona leste, nunca vi os tugas (a começar por Spínola e a sua brilhante entourage de especialistas em acção psicossocial, com alguma formação portanto em ciências da saúde e em ciências sociais e humanas) minimamente preocupados com aquilo que hoje é uma evidente violação dos direitos humanos, além de um problema de saúde pública. Dir-me-ão que o Governador e Comandante-Chefe tinha mais que fazer do que usar a sua reconhecida autoridade e prestígio junto dos fulas para influenciar algumas das suas práticas mais aberrantes... Não creio, por outro lado, que no staff do brihgadeiro e, mais tarde, general Spínola houvesse suficiente sensibilidade sócio-antropológica para o problema da MGF que todos os anos matava e mutilava crianças guineenses.
Na época em que lá estive (entre Maio de 1969 e Março de 1971) também não os vi sequer preocupados com a simples promoção do estatuto da mulher guineense. A psico, a famosa acção psicológica, tinha muito popuco de promoção social... Do Minho a Timor, a festa do fanado (e a MGF praticada em pleno mato pelas fanatecas ou excisadoras, fora dos olhares profanos, dessacralizadores, dos homens) fazia parte do folclore ultramarino e era aceite pelos nossos antropólogos, formados pelo ISCPU - Instituto Superior de Ciências Políticas e Ultramarinas, em nome do relativismo cultural. Falava-se, de resto, eufemisticamente em circuncisão, e nomeadamente masculina (enquanto a feminina era praticamente ignorada ou escamoteada)!
E, no entanto, durante a guerra colonial o povo fula foi praticamente todo ele militarizado, mobilizado e martirizado em nome da defesa da pátria comum (que era obviamente uma ficção do regime político que tanto oprimia os tugas da metrópole como os nharros das colónias). A grande maioria dos soldados da minha Companhia de Caçadores nº 12 (CCAÇ 12) eram de origem fula.
Os fulas também foram vítimas da guerra (todos eles, homens, mulheres e crianças!), já que as suas aldeias, também elas, estavam organizadas em autodefesa e, por isso, eram potenciais alvos dos ataques da guerrilha do PAIGC. Os fulas deram o principal contingente da tão sonhada força africana com que Spínola queria ganhar a guerra (ou pelo menos ganhar tempo...).
Hoje é fácil cairmos na tentação de diabolizar os fulas (o principal esteio da comunidade muçulmana guineense, a par dos seus rivais históricos, os mandingas) não só pelo erro histórico da aliança dos seus chefes tribais com o colonialismo dos tugas (e que nós corrompíamos, de uma maneira ou de outra) como pelo seu modo cruel de dominação sexual, social e económica das mulheres.
Dito isto, que fique claro, aos olhos dos meus amigos guineenses, fulas, futa-fulas, mandingas ou outros, que a MGF no meu país é um crime. E como tal deve ser prevenida e reprimida. Parafraseando o editorial do Público, não há, não pode haver, respeito pela identidade multicultural dos povos que incentive, tolere, ignore ou escamoteie as violações dos direitos universais.
Qual é a situação actual na Guiné ? Embora a excisão (nas raparigas) e a circuncisão (nos rapazes) continue a ser uma prática corrente, tem-se procurado formas alternativas à MGF, valorizando os aspectos culturais e simbólicos da festa do fanado e não discriminando as fanatecas (para quem a festa do fanado é o seu sustento e a sua razão de ser).
Segundo fontes da OMS, citadas pela União Parlamentar Internacional(UPI), estimava-se nos finais da década de 1990 que a "average prevalence could be 50% and affect 100% of Muslim women. It is reportedly 70 to 80% for the Fula and Mandigue women. In urban areas, it is estimated that 20 to 30% of girls and women have been mutilated. However, the IPU has no first-hand official statistics or other details on this subject".
Alguns sítios sobre a MGF (Mutilação Genital Feminina):
Afrol News >
Alternatives to female genital mutilation in Guinea-Bissau
Amnistia Internacional >
Female Genital Mutilation - A Human Rights Information
Commission ontarienne des droits de la personne >
Politique sur la mutilation génitale féminine (MGF)
Inter-Parlamentay Union /Union Interparlementaire >
Female Genital Mutilation >
Legislation and other national provisions:
Gabon, Gambia, Germany, Ghana, Guinea, Guinea-Bissau
OMS, Genebra >
WHO Health Topics >
Female Genital Mutilation
Publico-pt > Dossiers >
Mutilação Genital Feminina
Religious Tolerance >
Female Genital Mutilation (FGM)
in Africa, The Middle East & Far East > Debates about FGM
terça-feira, 3 de maio de 2005
Guiné 63/74 - P11: O Sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (2) (Luís Graça)
Extractos de História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II, pp. 4-5.
2.5. População
2.5.1. Estrutura étnica
Os grupos étnicos mais representativo do Sector L1 / Zona Leste são os fulas, futa-fulas e nandingas, concentrando-se estes últimos em especial na parte sul de Badora e em Bambadinca. Há ainda uns núcleos importantes de balantas em Nhabijões, Santa Helena, Mero e Bissaque [na região do Geba Estreito entre o Xime e Bambadinca].
A maior concentração populacional é a de Badora. A única área despovoada é a de Corubal, a leste da estrada Mansambo-Xitole, excluindo a zona compreendida entre Xitole e Saltinho.
2.5.2. Grau de controlo
Sob controlo IN, estão todas as populações que vivem na área compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal (balantas e beafadas) e ainda na região de Madina/Belel e Cassarandi/Sinchã Banir, a NW do [regulado do]Cuor (mandingas e balantas).
Sob duplo controlo, consideravam-se até há pouco apenas os núcleos populacionais de Nhabijões, agora reordenados [situação reportada ao início de 1971, tendo o reordenamento copmeçado em finais de 1969] e as tabancas da margem sul do Geba Estreito.
Todas as outras populações do Sector L1 estão sob controlo das nossas autoridades administrativas e militares.
2.5.3. Colaboração dos fulas com as NT
Os fulas, que são a maior etnia do sector, desde o princípio da guerra que se têm mostrado fiéis as NT mas a sua colaboração é profundamente influenciada por vários factores.
Apontam-se como factores positivos:
(i) o tradicional respeito dos fulas às nossas autoridades;
(ii) a rivalidade existente entre a etnia fula e as restantes etnias da Guiné, especialmente os mandingas e os balantas;
(iii) e ainda a hostilidade dos chefes fulas em relação ao PAIGC.
E como factores negativos:
(i) a ausência de um sentimento de nacionalidade;
(ii) a islamização;
(iii) o receio do potencial IN;
(iv) e sobretudo o estado de regressão em que a etnia fula se encontra (em virtude da estrutura tribal em que vive, da poligamia e economia de autoconsumo que pratica, da vida contemplativa que adopta, da perda de qualidades de trabalho, etc.).
Mas duma maneira geral a população fula do sector (e em especial a dos regulados de Xime e Badora) tem prestado colaboração activa as NT, aceitando a autodefesa, alistando-se voluntariamente no Exército e nas forças militarizadas, combatendo o IN e resistindo aos seus ataques.
Embora não haja uma fronteira étnica definida, o fula mostra grande apego ao seu chão donde não quer ser desenraizado.
(Continua)
__________
Alguns sítios interessantes sobre a Guiné-Bissau de hoje, o seu puzzle étnico, os seus problemas de desenvolvimento sustentado, a democracia, a saúde pública, etc.
Africanidade Website
Ca, Tome.
Determinantes das diferenças de mortalidade infantil
entre as etnias da Guine-Bissau, 1990-1995.[Tese de Mestrado].
Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz.
Escola Escola Nacional de Saúde Pública. 1999. 91 p.
Guiné-Bissau.com
Guinée-Bissau.net >
Bissau, capital da Guiné-Bissau (em francês)
Guinée-Bissau.net >
Etnias da Guiné-Bissau (em francês)
Guinée-Bissau.net >
Fotos da Guiné-Bissau (1995-2002) (Legendas em francês)
2.5. População
2.5.1. Estrutura étnica
Os grupos étnicos mais representativo do Sector L1 / Zona Leste são os fulas, futa-fulas e nandingas, concentrando-se estes últimos em especial na parte sul de Badora e em Bambadinca. Há ainda uns núcleos importantes de balantas em Nhabijões, Santa Helena, Mero e Bissaque [na região do Geba Estreito entre o Xime e Bambadinca].
A maior concentração populacional é a de Badora. A única área despovoada é a de Corubal, a leste da estrada Mansambo-Xitole, excluindo a zona compreendida entre Xitole e Saltinho.
2.5.2. Grau de controlo
Sob controlo IN, estão todas as populações que vivem na área compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal (balantas e beafadas) e ainda na região de Madina/Belel e Cassarandi/Sinchã Banir, a NW do [regulado do]Cuor (mandingas e balantas).
Sob duplo controlo, consideravam-se até há pouco apenas os núcleos populacionais de Nhabijões, agora reordenados [situação reportada ao início de 1971, tendo o reordenamento copmeçado em finais de 1969] e as tabancas da margem sul do Geba Estreito.
Todas as outras populações do Sector L1 estão sob controlo das nossas autoridades administrativas e militares.
2.5.3. Colaboração dos fulas com as NT
Os fulas, que são a maior etnia do sector, desde o princípio da guerra que se têm mostrado fiéis as NT mas a sua colaboração é profundamente influenciada por vários factores.
Apontam-se como factores positivos:
(i) o tradicional respeito dos fulas às nossas autoridades;
(ii) a rivalidade existente entre a etnia fula e as restantes etnias da Guiné, especialmente os mandingas e os balantas;
(iii) e ainda a hostilidade dos chefes fulas em relação ao PAIGC.
E como factores negativos:
(i) a ausência de um sentimento de nacionalidade;
(ii) a islamização;
(iii) o receio do potencial IN;
(iv) e sobretudo o estado de regressão em que a etnia fula se encontra (em virtude da estrutura tribal em que vive, da poligamia e economia de autoconsumo que pratica, da vida contemplativa que adopta, da perda de qualidades de trabalho, etc.).
Mas duma maneira geral a população fula do sector (e em especial a dos regulados de Xime e Badora) tem prestado colaboração activa as NT, aceitando a autodefesa, alistando-se voluntariamente no Exército e nas forças militarizadas, combatendo o IN e resistindo aos seus ataques.
Embora não haja uma fronteira étnica definida, o fula mostra grande apego ao seu chão donde não quer ser desenraizado.
(Continua)
__________
Alguns sítios interessantes sobre a Guiné-Bissau de hoje, o seu puzzle étnico, os seus problemas de desenvolvimento sustentado, a democracia, a saúde pública, etc.
Africanidade Website
Ca, Tome.
Determinantes das diferenças de mortalidade infantil
entre as etnias da Guine-Bissau, 1990-1995.[Tese de Mestrado].
Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz.
Escola Escola Nacional de Saúde Pública. 1999. 91 p.
Guiné-Bissau.com
Guinée-Bissau.net >
Bissau, capital da Guiné-Bissau (em francês)
Guinée-Bissau.net >
Etnias da Guiné-Bissau (em francês)
Guinée-Bissau.net >
Fotos da Guiné-Bissau (1995-2002) (Legendas em francês)
domingo, 1 de maio de 2005
Guiné 61/74 - P10: Memórias de Fá, Xime, Enxalé, Porto Gole, Bissá, Mansoa (Abel Rei)
Abel Rei (n. 1945), ex-combatente da Guiné (1967/68), natural da Maceira, Leiria, e actualmente residente em Embra, Marinha Grande.
Fonte: © Carlos Barros (2005) Portal da Marinha Grande
Amigos & camaradas:
Se não conhecem, tomem nota de um sítio que descobri na Net. É de um camarada que vive na Marinha Grande e que andou pelos nossos lados, entre Fevereiro de 1967 e Novembro de 1968. O nome dele é Abel de Jesus Carreira Rei. Conta a sua história de ex-combatente num portal da Marinha Grande, dirigido por Carlos Barros: Marinha Grande > Palavras & Imagens > Personalidades Marinhenses > Biografias > A > Abel de Jesus Carreira Rei.
Com a devida vénia e os nossos agradecimentos (pela foto e pelos excertos de texto), aqui vai o endereço: Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné - 1967/1968).
"O nosso destino era uma ligeira patrulha nas matas de Seé, a pouco mais de 10 Kms de percurso [do Enxalé]. O andamento foi decorrendo normal e sem incidentes até cerca das seis da manhã, altura em que detectámos algumas folhas junto a uma árvore -a sentinela avançada do inimigo, que tinha ido dar o alarme.
"A seguir era a entrada numa bolanha rodeada de espessa mata, feita em corrida: tínhamos detectado tropas inimigas - que no momento em que eu chegava à zona de morte (vista depois) - faziam a entrada numa mata do nosso lado esquerdo. Esses mesmos acabavam de fazer uma patrulha, ou então deveriam vir dum suspeito acampamento, perto da nossa viatura, imobilizada na emboscada de 10 de Abril (?). Fiz logo fogo, assim como toda a frente do meu grupo, sendo nessa ocasião feridos alguns inimigos (...).
"Entretanto, nós avançávamos pela mata dentro, mas a escassos metros o inimigo esperava-nos! Então o tiroteio foi intenso, com o inimigo a cercar-nos. Tivemos de retroceder. Mas, uma vez fora da mata, os tiros e rebentamentos sucediam-se de todos os lados; eram feridos cinco elementos nossos, entre eles o capitão da outra companhia.
"Depois avançámos ao longo da mata, com as forças inimigas bem instaladas, e a fazer fogo constante sobre nós. Num momento de maior aflição era deixado o capitão e alguns homens nessa dita zona de morte. Eu, nesse momento, estava no meio da bolanha oferecendo um alvo fácil, ouvindo assobiar rajadas e roquetadas, e via os meus companheiros a passarem por mim; pois tinha sido dos primeiros, e só fiquei para trás, na altura em que reparei que todos fugiam em direcção a Bissá, sem se importarem com a rectaguarda. Gritei, pedi que recuassem!... E vi os turras correrem para os que estavam em perigo. (Mais tarde, disse um soldado de nome Pombinho, de quem eu trazia a arma - "os turras avançaram, mandando-lhe levantar as mãos e ordenando que se rendesse". A resposta dele foi uma rajada com uma arma de um ferido, obrigando-os a fugir para o mato).
"O tiroteio continuava com as nossas forças dispersas pelo mato, havendo dois grupos de combate que tinham ido dar uma volta ainda maior, e reagrupando aqueles que ainda estavam na zona de fogo.
"À frente tudo corria, para Bissá. Atrás ficavam duas armas: uma pesada, MG e uma ligeira, G3. E, o pior de tudo, um homem da outra companhia era apanhado à mão pelo inimigo! (Mais tarde falou-nos de Conakry, via rádio, a informar-nos que se encontrava bem)(1).
"Enquanto a maior parte chegava a Bissá, com dois feridos graves a perderem sangue, entre outros, apareciam no local de combate dois bombardeiros, dando em seguida algumas rajadas para a mata, onde nessa altura se encontravam já os grupos de combate, que tinham vindo em socorro, orientando-se pelo tiroteio. Seguidamente aterrava um helicóptero, protegido pelos bombardeiros, para evacuar o capitão e mais dois homens também feridos por uma roquetada, enquanto lhe faziam segurança.
"Partimos de Bissá às duas da tarde, mas só os que podiam andar - lá seriam evacuados quatro homens feridos e dois exaustos - pois ainda lá ficaram três ou quatro que não podiam caminhar. Eu, apesar de ter poucas esperanças em aguentar essas três horas de andamento, abalei disposto a cobri-las, pois trazia no pensamento unicamente o nome de Porto Gole! Fomos encontrar os bombardeiros, a meio do percurso, não tendo [tido] mais chatices com o inimigo. Cansado e sem forças, fui o primeiro a chegar a Porto Gole".
13. O último registo do diário são os preparativos para o regresso a casa, depois de 22 meses de comissão. E as últimas confidências, já escritas no N/M Uíge, em 19 e 20 de Novembro de 1968:
"No mato, enquanto fazia emboscadas ou patrulhas, os apontamentos do meu livrinho, que trazia sempre comigo no dolmã, saíram algumas vezes incompletos e com falta de acção e estilo. A minha escassa formação primária não me proporcionou melhores ideias. Tudo o que ficou escrito, não se tratou senão de simples partes vividas, onde a realidade dava lugar a maiores esclarecimentos.
Fonte: © Carlos Barros (2005) Portal da Marinha Grande
Amigos & camaradas:
Se não conhecem, tomem nota de um sítio que descobri na Net. É de um camarada que vive na Marinha Grande e que andou pelos nossos lados, entre Fevereiro de 1967 e Novembro de 1968. O nome dele é Abel de Jesus Carreira Rei. Conta a sua história de ex-combatente num portal da Marinha Grande, dirigido por Carlos Barros: Marinha Grande > Palavras & Imagens > Personalidades Marinhenses > Biografias > A > Abel de Jesus Carreira Rei.
Com a devida vénia e os nossos agradecimentos (pela foto e pelos excertos de texto), aqui vai o endereço: Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné - 1967/1968).
Diz o autor: "Esta é a história verdadeira que eu escrevi: não a história que eu gostaria de escrever".
Trata-se de um diário que vai do dia 1 de Fevereiro de 1967 a 19 de Novembro de 1968.
E aqui ficam alguns apontamentos (corrigi, aqui e ali, a pontuação e a gramática, sem atraçoiar o pensamento do autor).
"Levantámo-nos eram três da manhã e saímos finalmente de Bissau, sem irmos lá, subindo o rio Geba acima, pelas seis horas, numa LDG (Lancha de Desembarque Grande), sendo patrulhados por marinheiros. O pormenor mais importante desta viagem foi na altura em que os homens da tripulação destruíram uma canoa dos turras, com seis tiros, obrigando toda a malta a deitar-se instintivamente.
"Desembarcámos em Bambadinca pelas treze horas, e daí seguimos para Fá [Mandinga], onde iria ser o nosso primeiro aquartelamento na Guiné. Depois dum refrescante banho, já depois de o sol se pôr, numa fonte de água fresca próxima do quartel - e, segundo dizem, a melhor da província - comemos a primeira refeição cerca das dez horas da noite. Apesar da fome que passámos, o nosso maior inimigo, neste início, é o calor, pois vínhamos do frio e qu1ase todos o sentimos".
2. Em 21 de Fevereiro de 1967, o nosso homem está destacado no Xime, aquartelamento da CCAÇ 1550:
"Neste quartel de Xime, onde temos permanecido desde a saída de Fá, está-se em contacto permanente com os indígenas, que vivem à entrada numa tabanca, com enorme população, sendo alguns deles soldados dum pelotão de nativos. Já percorri a mesma, e tive o primeiro contacto com as bajudas(raparigas adolescentes nativas), em companhia de camaradas mais velhos, que pertencem à Companhia de Caçadores nº 1550, cá destacada, e comecei a [papaguear] o crioulo. Como curiosidade tive nos braços um garoto mulato, talvez fruto da passagem dos primeiros militares brancos, por cá, no início da guerra."
3. Em 25 de Fevereiro o autor vai em patrulha estacionada no Enxalé, a CART 1439… O Enxalé ficava a norte do Rio Geba, em frente ao Xime. Também passei/passámos, a malta da CCAÇ 12, pela grande privação de água nesta região. Escreve o nosso cabo, quando regressa de Porto Gole ao Enxalé:
"Hoje pude avaliar quão grandes teriam sido as dificuldades que os nossos antecessores sofreram, e eu ainda terei de sofrer (?). A água, que costuma ser bebida com comprimidos e filtrada, bebeu-se por todos, sofregamente, sem olhar a limpeza e origem. Bebia-se todo o líquido que nos aparecia, quer nas poças do terreno, ou nos poucos cursos de água, fosse ele da cor que fosse!"…
4. Em 12 de Março, o baptismo de fogo na região do Xime. O autor não nos dá indicações precisas onde se desenrolou a operação, diz apena foi a "este do Xime"...
"Seriam talvez sete da manhã quando a linha da frente, donde eu fazia parte, detectou duas minas escondidas na picada, logo de imediato assinaladas e desactivadas. Entretanto, mais à frente o inimigo que, supomos, sabia das nossas manobras, vinha ao nosso encontro para nos montar emboscadas. Nós demos de caras com eles abrindo o nosso primeiro homem, à frente, fogo de rajada com a G3.
"Eles responderam de imediato com rajadas de metralhadoras e bazucadas, que caíam já bastante perto de nós. O local não nos ajudou, por só haver uma picada estreita, na qual seguíamos em linha, e que era ladeada por espesso capim alto. Do inesperado embate houve escasso recuo, para logo de seguida nós lhes fazermos frente, com morteiradas e rajadas que fizeram o inimigo bater em retirada.
"Foi histórico, para mim, este dia em que as ouvi cantar por cima da minha cabeça".
5. De 19 a 23 de Março, participa numa dramática operação ao Burontoni, na região do Xitole (Op Guindaste). As NT fazem 8 mortos, “confirmados no terreno”, e capturam material de guerra. Mas o ronco tem sempre custos para os tugas: mais uma vez o sofrimento devido ao cansaço e a falta de água…
"Retirámos, deixando tudo em chamas, em passo acelerado, tendo alguns desmaiado, em parte devido ao calor, mas também por falta de água, contando-se entre eles o nosso capitão e um sargento. Quando tornámos a passar pelo riacho, que sabíamos existir, parecíamos que estávamos loucos, procurando a água com ânsia, mesmo com ela quase preta, do calcar dos nossos pés. Lá estivemos mais de uma hora, para abalarmos depois, bastante mais frescos, a caminho de Dembataco, onde chegámos às sete e tal da noite. Pelo caminho, encontrámos mais uma nascente, com um curso de água, onde parámos e nos abastecemos de novo. Mais uma vez, corridas loucas ao encontro de água, e como sempre a ser preciso penetrar nela para a possuir: e eram sempre duas rações que tinha de arranjar; a minha e a do meu colega Saraiva, dos Moínhos de Carvide, que vinha completamente abatido, e o qual ajudei nas últimas horas de marcha, amparando-o e trazendo-lhe o seu equipamento (...).
"Parti de Dembataco, tremendamente abatido e exausto, em direcção à estrada do Xitole-Bambadinca, depois de passarmos uma ponte de paus ligados uns aos outros. Aí deveriam estar umas viaturas que nos levariam a Fá. Não estavam. Partimos aos tombos até Bambadinca, onde chegámos à meia-noite e foram só os teimosos do meu grupo de combate; os outros lá ficaram a aguardar as viaturas. Mas nós, uma vez chegados, tornámos atrás a fazer segurança às viaturas, que iam buscar os nossos colegas que, entretanto, se tinham posto a caminho por ser perigosa a sua permanência no local onde ficaram.
"Chegámos ao quartel à uma da manhã, e assim terminou a Operação Guindaste na zona Burontoni".
6. Em 15 de Abril de 1967, as NT sofrem um duro revés em Porto Gale… 7 mortos:
"Dia trágico, este, para quantos se encontravam no 'Inferno' de Bissá!
"Em Porto Gole, estando de serviço à meia-noite, ouvi fortes rebentamentos, e enormes clarões, lá para as bandas de Bissá. Contudo não pude averiguar ao certo o local, onde durante mais de uma hora [houve] constante tiroteio (...). Procurámos entrar em contacto pela via rádio, mas eles não deram sinal, pelo que deduzimos ser alguma operação apoiada com os obuses de Mansoa, como muitas vezes estamos habituados (...).
"De manhã, e como estava previsto, saíram os homens, que na véspera tinham chegado, mais alguns deste destacamento, cuja missão era levar para Bissá um abastecimento de alimentos e munições (...).
"Partiram às seis e às sete chegaram cá civis para nos informarem de que Bissá tinha sido atacado e havia feridos a necessitarem de ser evacuados de helicóptero, pois o rádio deles estava avariado desde o princípio e não podia dar comunicação para nós, e o nosso, naquele momento para cúmulo do azar, também não obteve ligação com o Comando em Enxalé, tendo de ir pessoal em duas viaturas até lá levar a mensagem, demorando portanto, o socorro.
"Por volta do meio-dia e picos, chegou o primeiro helicóptero, e para espanto nosso, com mortos e não feridos, como supúnhamos! Depois mais três aterragens: foram sete mortos no total, todos africanos.
"Houve mais cinco feridos, sendo quatro nativos do Pelotão da Polícia Administrativa, e um branco da nossa companhia, que foi evacuado para Bissau.
"Mas aconteceu o que não esperávamos, e eu confesso: apesar de estar cá há pouco tempo, vieram-me as lágrimas aos olhos. Houve choro de todos, com gritos e desmaios das mulheres que, como que adivinhando o que aconteceu, entraram de rompante dentro do destacamento, numa altura em que procedíamos à pesagem de peixe fresco chegado do rio... Tinha morrido um capitão de 2ª linha, mais seis homens nativos, todos pertencentes à Polícia Administrativa e todos eles com as famílias cá na Tabanca em Porto Gole. Morria o homem, em quem se tinham fortes esperanças, para acabar com a guerrilha inimiga na zona, o capitão Abna Na Onça, por ser corajoso e respeitado por negros e brancos. Um homem que desde o início da guerra vinha enfrentando, com máxima inteligência, aqueles que o fizeram sofrer, matando-lhe toda a família (...).
7. Em 14 de Maio de 1967, estamos em Bissá, um aquartelamento com oito abrigos, arame farpado e iluminação a… petromax!... E onde há alferes milicianos chicos (como também havia no nosso tempo!)…
Por outro lado, vejam, no registo do dia 12 de Junho de 1967, como era perigoso brincar com armadilhas!
8. Em 16 de Setembro, quatro mortos numa mina anticarro:
Em Outubro de 1967 a série negra continua, com mais mortos…
9. Em 29 de Novembro de 1967, há o relato de uam dramática operação à região de Madina [Madina / Belel, no regulado do Cuor].
" (...) Partimos à meia-noite do dia 27, com uma ração de combate por cada dois homens, e a caminho dum acampamento de turras, situado em Madina, onde eles tinham bastantes armas pesadas, entre elas, um ou dois morteiros 82 e canhão sem recuo (?).
E aqui ficam alguns apontamentos (corrigi, aqui e ali, a pontuação e a gramática, sem atraçoiar o pensamento do autor).
"Levantámo-nos eram três da manhã e saímos finalmente de Bissau, sem irmos lá, subindo o rio Geba acima, pelas seis horas, numa LDG (Lancha de Desembarque Grande), sendo patrulhados por marinheiros. O pormenor mais importante desta viagem foi na altura em que os homens da tripulação destruíram uma canoa dos turras, com seis tiros, obrigando toda a malta a deitar-se instintivamente.
"Desembarcámos em Bambadinca pelas treze horas, e daí seguimos para Fá [Mandinga], onde iria ser o nosso primeiro aquartelamento na Guiné. Depois dum refrescante banho, já depois de o sol se pôr, numa fonte de água fresca próxima do quartel - e, segundo dizem, a melhor da província - comemos a primeira refeição cerca das dez horas da noite. Apesar da fome que passámos, o nosso maior inimigo, neste início, é o calor, pois vínhamos do frio e qu1ase todos o sentimos".
2. Em 21 de Fevereiro de 1967, o nosso homem está destacado no Xime, aquartelamento da CCAÇ 1550:
"Neste quartel de Xime, onde temos permanecido desde a saída de Fá, está-se em contacto permanente com os indígenas, que vivem à entrada numa tabanca, com enorme população, sendo alguns deles soldados dum pelotão de nativos. Já percorri a mesma, e tive o primeiro contacto com as bajudas(raparigas adolescentes nativas), em companhia de camaradas mais velhos, que pertencem à Companhia de Caçadores nº 1550, cá destacada, e comecei a [papaguear] o crioulo. Como curiosidade tive nos braços um garoto mulato, talvez fruto da passagem dos primeiros militares brancos, por cá, no início da guerra."
3. Em 25 de Fevereiro o autor vai em patrulha estacionada no Enxalé, a CART 1439… O Enxalé ficava a norte do Rio Geba, em frente ao Xime. Também passei/passámos, a malta da CCAÇ 12, pela grande privação de água nesta região. Escreve o nosso cabo, quando regressa de Porto Gole ao Enxalé:
"Hoje pude avaliar quão grandes teriam sido as dificuldades que os nossos antecessores sofreram, e eu ainda terei de sofrer (?). A água, que costuma ser bebida com comprimidos e filtrada, bebeu-se por todos, sofregamente, sem olhar a limpeza e origem. Bebia-se todo o líquido que nos aparecia, quer nas poças do terreno, ou nos poucos cursos de água, fosse ele da cor que fosse!"…
4. Em 12 de Março, o baptismo de fogo na região do Xime. O autor não nos dá indicações precisas onde se desenrolou a operação, diz apena foi a "este do Xime"...
"Seriam talvez sete da manhã quando a linha da frente, donde eu fazia parte, detectou duas minas escondidas na picada, logo de imediato assinaladas e desactivadas. Entretanto, mais à frente o inimigo que, supomos, sabia das nossas manobras, vinha ao nosso encontro para nos montar emboscadas. Nós demos de caras com eles abrindo o nosso primeiro homem, à frente, fogo de rajada com a G3.
"Eles responderam de imediato com rajadas de metralhadoras e bazucadas, que caíam já bastante perto de nós. O local não nos ajudou, por só haver uma picada estreita, na qual seguíamos em linha, e que era ladeada por espesso capim alto. Do inesperado embate houve escasso recuo, para logo de seguida nós lhes fazermos frente, com morteiradas e rajadas que fizeram o inimigo bater em retirada.
"Foi histórico, para mim, este dia em que as ouvi cantar por cima da minha cabeça".
5. De 19 a 23 de Março, participa numa dramática operação ao Burontoni, na região do Xitole (Op Guindaste). As NT fazem 8 mortos, “confirmados no terreno”, e capturam material de guerra. Mas o ronco tem sempre custos para os tugas: mais uma vez o sofrimento devido ao cansaço e a falta de água…
"Retirámos, deixando tudo em chamas, em passo acelerado, tendo alguns desmaiado, em parte devido ao calor, mas também por falta de água, contando-se entre eles o nosso capitão e um sargento. Quando tornámos a passar pelo riacho, que sabíamos existir, parecíamos que estávamos loucos, procurando a água com ânsia, mesmo com ela quase preta, do calcar dos nossos pés. Lá estivemos mais de uma hora, para abalarmos depois, bastante mais frescos, a caminho de Dembataco, onde chegámos às sete e tal da noite. Pelo caminho, encontrámos mais uma nascente, com um curso de água, onde parámos e nos abastecemos de novo. Mais uma vez, corridas loucas ao encontro de água, e como sempre a ser preciso penetrar nela para a possuir: e eram sempre duas rações que tinha de arranjar; a minha e a do meu colega Saraiva, dos Moínhos de Carvide, que vinha completamente abatido, e o qual ajudei nas últimas horas de marcha, amparando-o e trazendo-lhe o seu equipamento (...).
"Parti de Dembataco, tremendamente abatido e exausto, em direcção à estrada do Xitole-Bambadinca, depois de passarmos uma ponte de paus ligados uns aos outros. Aí deveriam estar umas viaturas que nos levariam a Fá. Não estavam. Partimos aos tombos até Bambadinca, onde chegámos à meia-noite e foram só os teimosos do meu grupo de combate; os outros lá ficaram a aguardar as viaturas. Mas nós, uma vez chegados, tornámos atrás a fazer segurança às viaturas, que iam buscar os nossos colegas que, entretanto, se tinham posto a caminho por ser perigosa a sua permanência no local onde ficaram.
"Chegámos ao quartel à uma da manhã, e assim terminou a Operação Guindaste na zona Burontoni".
6. Em 15 de Abril de 1967, as NT sofrem um duro revés em Porto Gale… 7 mortos:
"Dia trágico, este, para quantos se encontravam no 'Inferno' de Bissá!
"Em Porto Gole, estando de serviço à meia-noite, ouvi fortes rebentamentos, e enormes clarões, lá para as bandas de Bissá. Contudo não pude averiguar ao certo o local, onde durante mais de uma hora [houve] constante tiroteio (...). Procurámos entrar em contacto pela via rádio, mas eles não deram sinal, pelo que deduzimos ser alguma operação apoiada com os obuses de Mansoa, como muitas vezes estamos habituados (...).
"De manhã, e como estava previsto, saíram os homens, que na véspera tinham chegado, mais alguns deste destacamento, cuja missão era levar para Bissá um abastecimento de alimentos e munições (...).
"Partiram às seis e às sete chegaram cá civis para nos informarem de que Bissá tinha sido atacado e havia feridos a necessitarem de ser evacuados de helicóptero, pois o rádio deles estava avariado desde o princípio e não podia dar comunicação para nós, e o nosso, naquele momento para cúmulo do azar, também não obteve ligação com o Comando em Enxalé, tendo de ir pessoal em duas viaturas até lá levar a mensagem, demorando portanto, o socorro.
"Por volta do meio-dia e picos, chegou o primeiro helicóptero, e para espanto nosso, com mortos e não feridos, como supúnhamos! Depois mais três aterragens: foram sete mortos no total, todos africanos.
"Houve mais cinco feridos, sendo quatro nativos do Pelotão da Polícia Administrativa, e um branco da nossa companhia, que foi evacuado para Bissau.
"Mas aconteceu o que não esperávamos, e eu confesso: apesar de estar cá há pouco tempo, vieram-me as lágrimas aos olhos. Houve choro de todos, com gritos e desmaios das mulheres que, como que adivinhando o que aconteceu, entraram de rompante dentro do destacamento, numa altura em que procedíamos à pesagem de peixe fresco chegado do rio... Tinha morrido um capitão de 2ª linha, mais seis homens nativos, todos pertencentes à Polícia Administrativa e todos eles com as famílias cá na Tabanca em Porto Gole. Morria o homem, em quem se tinham fortes esperanças, para acabar com a guerrilha inimiga na zona, o capitão Abna Na Onça, por ser corajoso e respeitado por negros e brancos. Um homem que desde o início da guerra vinha enfrentando, com máxima inteligência, aqueles que o fizeram sofrer, matando-lhe toda a família (...).
7. Em 14 de Maio de 1967, estamos em Bissá, um aquartelamento com oito abrigos, arame farpado e iluminação a… petromax!... E onde há alferes milicianos chicos (como também havia no nosso tempo!)…
Por outro lado, vejam, no registo do dia 12 de Junho de 1967, como era perigoso brincar com armadilhas!
8. Em 16 de Setembro, quatro mortos numa mina anticarro:
Em Outubro de 1967 a série negra continua, com mais mortos…
9. Em 29 de Novembro de 1967, há o relato de uam dramática operação à região de Madina [Madina / Belel, no regulado do Cuor].
" (...) Partimos à meia-noite do dia 27, com uma ração de combate por cada dois homens, e a caminho dum acampamento de turras, situado em Madina, onde eles tinham bastantes armas pesadas, entre elas, um ou dois morteiros 82 e canhão sem recuo (?).
"Chegámos por volta das dez e meia da manhã. Por essa altura, começou a sobrevoar a zona uma avioneta com um major de operações. Depois de mais de uma hora parados, e a suportar toda a intensidade do sol escaldante, fomos obrigados a avançar para o objectivo. Nessa ocasião fazia-se a entrada numa bolanha cheia de água.
"Mas os nossos corpos caíram!... Fomos quatro evacuados. Cerca de vinte homens ficaram a fazer a segurança ao helicóptero. Todos os outros iam a caminhar para o objectivo. Levantámos, no meio do capim com mais de três metros de altura, e assim que partimos, toda a zona era alvo de fortes rebentamentos, lançados pelo inimigo, para liquidar os homens que eles sabiam estar nesse local em que o helicóptero subiu.
"O tiroteio sucedia-se cobrindo aqueles matos! Tínhamos chegado ao fim do percurso, e decerto a sermos sempre observados pelo inimigo. Agora era o mais difícil: atacar e fazer a retirada; que é onde se juntam todos os sacrifícios, que são cada vez maiores, na medida em que reduzem as nossas capacidades.
"Os homens que ficaram atrás comigo, contaram que foram obrigados a retirar para fugir ao fogo dos turras, que batiam a zona. Perderam-se... Os outros, que o capitão (de nome, Figueiredo) obrigou a irem contra as trincheiras do inimigo - apontando-lhes a sua arma, com ameaça de disparo, se não avançassem - sofriam dois mortos e três feridos. Não lhes foi possível trazer os mortos (um soldado nativo das milícias e o próprio guia), pois o fogo era intenso.
"Chegaram já de noite, divididos em dois grupos, aqui ao quartel, tendo andado perdidos uns dos outros. Vinham estafados".
10. No final de Dezembro de 1967, o nosso cabo Rei está destacado no Enxalé e a 23 relata a sua viagem a Bafatá, para fazer compras d Natal!
"Fui até Bafatá no dia 23, para comprar bebidas, doces e frutas, para festejarmos o dia de Natal e a passagem de ano. Foi a primeira vez que visitei uma cidade da Guiné!
"Fomos uns quantos de Enxalé, até às margens do rio Geba, percorrendo o rio, de canoa cerca de três quilómetros, até ao quartel do Xime, onde com mais alguns elementos, em viatura auto, nos fizemos à estrada, percorrendo cerca de sessenta quilómetros, passando por Bambadinca, depois a zona de Fá e finalmente Bafatá. Regressámos a Enxalé já de noite, atravessando uma bolanha com dois quilómetros e meio de extensão, e com água a cobrir-nos a cintura.
"Não vou deixar aqui as minhas impressões, sobre aquela cidade, pois que lá não achei nada de especial: somente pequenina! Uma cidade, onde a sua base é o comércio, desfrutando do progresso da guerra, e onde a mesma não faz sentir os seus efeitos destruidores.
"A seguir veio o Natal, vivido no meio de boa disposição, com bastante camaradagem e optimismo entre o grupo. Houve uma ligeira ceia - pois era preciso estarmos atentos ao inimigo - onde não faltou o velho amigo [o bacalhau ? o vinho ?], o vinho do Porto, e demais bebidas, juntamente com bolos, nozes, pinhões, passas de uvas, etc. E até umas filhoses feitas por mim.
"No dia 28, os turras vieram cá visitar-nos, durante alguns minutos, durante os quais nos defendemos, não ocorrendo desse ataque nada de grave a assinalar".
11. Em Fevereiro de 1968, o nosso cabo goza as suas merecidas férias em Bissau, hospedado na pensão Chantre... Nesse mês, a base aérea de Bissalanca tinha sido atacado pelo PAIGC... E em frente a Bissau, Tite é atacada:
"Quando me encontrava numa noite destas, pelas onze horas, a passear junto à área do Porto Marítimo de Bissau, começou-se inesperadamente, como sempre, a ouvir o rebentar de granadas potentes, e a vê-las lançar ao ar as suas mortíferas estilhaçadas incandescentes... Era mais um ataque terrorista a um destacamento na área de Tite".
12. Em 1968, a escrita do diário torna-se mais rara. Em 1 de Junho de 1968 há outra dramática descrição de um contacto com o IN, de que resultou entre outras baixas a captura de um elemento das NT:
"O meu sono e o dos meus camaradas foi perturbado à uma da madrugada! E, passadas duas horas, saímos juntamente com a companhia presentemente cá destacada, para fins operacionais.
"Mas os nossos corpos caíram!... Fomos quatro evacuados. Cerca de vinte homens ficaram a fazer a segurança ao helicóptero. Todos os outros iam a caminhar para o objectivo. Levantámos, no meio do capim com mais de três metros de altura, e assim que partimos, toda a zona era alvo de fortes rebentamentos, lançados pelo inimigo, para liquidar os homens que eles sabiam estar nesse local em que o helicóptero subiu.
"O tiroteio sucedia-se cobrindo aqueles matos! Tínhamos chegado ao fim do percurso, e decerto a sermos sempre observados pelo inimigo. Agora era o mais difícil: atacar e fazer a retirada; que é onde se juntam todos os sacrifícios, que são cada vez maiores, na medida em que reduzem as nossas capacidades.
"Os homens que ficaram atrás comigo, contaram que foram obrigados a retirar para fugir ao fogo dos turras, que batiam a zona. Perderam-se... Os outros, que o capitão (de nome, Figueiredo) obrigou a irem contra as trincheiras do inimigo - apontando-lhes a sua arma, com ameaça de disparo, se não avançassem - sofriam dois mortos e três feridos. Não lhes foi possível trazer os mortos (um soldado nativo das milícias e o próprio guia), pois o fogo era intenso.
"Chegaram já de noite, divididos em dois grupos, aqui ao quartel, tendo andado perdidos uns dos outros. Vinham estafados".
10. No final de Dezembro de 1967, o nosso cabo Rei está destacado no Enxalé e a 23 relata a sua viagem a Bafatá, para fazer compras d Natal!
"Fui até Bafatá no dia 23, para comprar bebidas, doces e frutas, para festejarmos o dia de Natal e a passagem de ano. Foi a primeira vez que visitei uma cidade da Guiné!
"Fomos uns quantos de Enxalé, até às margens do rio Geba, percorrendo o rio, de canoa cerca de três quilómetros, até ao quartel do Xime, onde com mais alguns elementos, em viatura auto, nos fizemos à estrada, percorrendo cerca de sessenta quilómetros, passando por Bambadinca, depois a zona de Fá e finalmente Bafatá. Regressámos a Enxalé já de noite, atravessando uma bolanha com dois quilómetros e meio de extensão, e com água a cobrir-nos a cintura.
"Não vou deixar aqui as minhas impressões, sobre aquela cidade, pois que lá não achei nada de especial: somente pequenina! Uma cidade, onde a sua base é o comércio, desfrutando do progresso da guerra, e onde a mesma não faz sentir os seus efeitos destruidores.
"A seguir veio o Natal, vivido no meio de boa disposição, com bastante camaradagem e optimismo entre o grupo. Houve uma ligeira ceia - pois era preciso estarmos atentos ao inimigo - onde não faltou o velho amigo [o bacalhau ? o vinho ?], o vinho do Porto, e demais bebidas, juntamente com bolos, nozes, pinhões, passas de uvas, etc. E até umas filhoses feitas por mim.
"No dia 28, os turras vieram cá visitar-nos, durante alguns minutos, durante os quais nos defendemos, não ocorrendo desse ataque nada de grave a assinalar".
11. Em Fevereiro de 1968, o nosso cabo goza as suas merecidas férias em Bissau, hospedado na pensão Chantre... Nesse mês, a base aérea de Bissalanca tinha sido atacado pelo PAIGC... E em frente a Bissau, Tite é atacada:
"Quando me encontrava numa noite destas, pelas onze horas, a passear junto à área do Porto Marítimo de Bissau, começou-se inesperadamente, como sempre, a ouvir o rebentar de granadas potentes, e a vê-las lançar ao ar as suas mortíferas estilhaçadas incandescentes... Era mais um ataque terrorista a um destacamento na área de Tite".
12. Em 1968, a escrita do diário torna-se mais rara. Em 1 de Junho de 1968 há outra dramática descrição de um contacto com o IN, de que resultou entre outras baixas a captura de um elemento das NT:
"O meu sono e o dos meus camaradas foi perturbado à uma da madrugada! E, passadas duas horas, saímos juntamente com a companhia presentemente cá destacada, para fins operacionais.
"O nosso destino era uma ligeira patrulha nas matas de Seé, a pouco mais de 10 Kms de percurso [do Enxalé]. O andamento foi decorrendo normal e sem incidentes até cerca das seis da manhã, altura em que detectámos algumas folhas junto a uma árvore -a sentinela avançada do inimigo, que tinha ido dar o alarme.
"A seguir era a entrada numa bolanha rodeada de espessa mata, feita em corrida: tínhamos detectado tropas inimigas - que no momento em que eu chegava à zona de morte (vista depois) - faziam a entrada numa mata do nosso lado esquerdo. Esses mesmos acabavam de fazer uma patrulha, ou então deveriam vir dum suspeito acampamento, perto da nossa viatura, imobilizada na emboscada de 10 de Abril (?). Fiz logo fogo, assim como toda a frente do meu grupo, sendo nessa ocasião feridos alguns inimigos (...).
"Entretanto, nós avançávamos pela mata dentro, mas a escassos metros o inimigo esperava-nos! Então o tiroteio foi intenso, com o inimigo a cercar-nos. Tivemos de retroceder. Mas, uma vez fora da mata, os tiros e rebentamentos sucediam-se de todos os lados; eram feridos cinco elementos nossos, entre eles o capitão da outra companhia.
"Depois avançámos ao longo da mata, com as forças inimigas bem instaladas, e a fazer fogo constante sobre nós. Num momento de maior aflição era deixado o capitão e alguns homens nessa dita zona de morte. Eu, nesse momento, estava no meio da bolanha oferecendo um alvo fácil, ouvindo assobiar rajadas e roquetadas, e via os meus companheiros a passarem por mim; pois tinha sido dos primeiros, e só fiquei para trás, na altura em que reparei que todos fugiam em direcção a Bissá, sem se importarem com a rectaguarda. Gritei, pedi que recuassem!... E vi os turras correrem para os que estavam em perigo. (Mais tarde, disse um soldado de nome Pombinho, de quem eu trazia a arma - "os turras avançaram, mandando-lhe levantar as mãos e ordenando que se rendesse". A resposta dele foi uma rajada com uma arma de um ferido, obrigando-os a fugir para o mato).
"O tiroteio continuava com as nossas forças dispersas pelo mato, havendo dois grupos de combate que tinham ido dar uma volta ainda maior, e reagrupando aqueles que ainda estavam na zona de fogo.
"À frente tudo corria, para Bissá. Atrás ficavam duas armas: uma pesada, MG e uma ligeira, G3. E, o pior de tudo, um homem da outra companhia era apanhado à mão pelo inimigo! (Mais tarde falou-nos de Conakry, via rádio, a informar-nos que se encontrava bem)(1).
"Enquanto a maior parte chegava a Bissá, com dois feridos graves a perderem sangue, entre outros, apareciam no local de combate dois bombardeiros, dando em seguida algumas rajadas para a mata, onde nessa altura se encontravam já os grupos de combate, que tinham vindo em socorro, orientando-se pelo tiroteio. Seguidamente aterrava um helicóptero, protegido pelos bombardeiros, para evacuar o capitão e mais dois homens também feridos por uma roquetada, enquanto lhe faziam segurança.
"Partimos de Bissá às duas da tarde, mas só os que podiam andar - lá seriam evacuados quatro homens feridos e dois exaustos - pois ainda lá ficaram três ou quatro que não podiam caminhar. Eu, apesar de ter poucas esperanças em aguentar essas três horas de andamento, abalei disposto a cobri-las, pois trazia no pensamento unicamente o nome de Porto Gole! Fomos encontrar os bombardeiros, a meio do percurso, não tendo [tido] mais chatices com o inimigo. Cansado e sem forças, fui o primeiro a chegar a Porto Gole".
13. O último registo do diário são os preparativos para o regresso a casa, depois de 22 meses de comissão. E as últimas confidências, já escritas no N/M Uíge, em 19 e 20 de Novembro de 1968:
"No mato, enquanto fazia emboscadas ou patrulhas, os apontamentos do meu livrinho, que trazia sempre comigo no dolmã, saíram algumas vezes incompletos e com falta de acção e estilo. A minha escassa formação primária não me proporcionou melhores ideias. Tudo o que ficou escrito, não se tratou senão de simples partes vividas, onde a realidade dava lugar a maiores esclarecimentos.
"E acabei por impor a mim próprio a chamada memória selectiva, e omitir factos tão ruins que eu nem os conseguia descrever, e com a sua omissão convencer-me de que nunca aconteceram.
"A minha missão não foi das mais árduas, outros houve que sofreram muito mais. Para esses, irá decerto o carinho de todos quantos nos rodearam através das escassas notícias referidas além-mar.
"Nada paga tão imensa alegria, a de podermos regressar ao lar e esquecermos tantas e tantas horas que passámos sem dormir, atentos ao inimigo, e depois de o termos aguentado, acarinharmos os nossos camaradas feridos, ou chorarmos os mortos.
"A minha missão não foi das mais árduas, outros houve que sofreram muito mais. Para esses, irá decerto o carinho de todos quantos nos rodearam através das escassas notícias referidas além-mar.
"Nada paga tão imensa alegria, a de podermos regressar ao lar e esquecermos tantas e tantas horas que passámos sem dormir, atentos ao inimigo, e depois de o termos aguentado, acarinharmos os nossos camaradas feridos, ou chorarmos os mortos.
"A estes últimos, os heróis desconhecidos desta guerra, aqueles que mais ninguém recordará, a não ser os pais, irmãos, esposas e filhos... a estes, a minha modesta homenagem que se resume em desejar-lhes Eterno Descanso. Irmãos de meses difíceis desta tropa, a minha lembrança por vocês perdurará (...) eternamente, pois eu podia ter sido um de vós!"
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Nota de L.G.
(1) Presumo que tenha sido libertado, juntamente com os outros prisioneiros portugueses, na sequência da invasão, em 25 de Novembro de 1969, de Conakry, pelas forças comandadas por Alpoim Galvão (Op Mar Verde).
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Nota de L.G.
(1) Presumo que tenha sido libertado, juntamente com os outros prisioneiros portugueses, na sequência da invasão, em 25 de Novembro de 1969, de Conakry, pelas forças comandadas por Alpoim Galvão (Op Mar Verde).
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