Carlos Rios, ex-furriel mil, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67)
(…) Fui dos que passou pelas instalações e sofri as piores atribulações [n]aquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo (Texas), do Hospital Militar Principal (HMP).
Ali passei seis anos com imensas operações, vindo a ficar estropiado, de 1966 a 72.
O director era um déspota bem como a maioria do pessoal ligado àquilo que deveria ser o lenitivo para as misérias que nos atingiam mas que afinal se vinha a transformar como que um castigo por termos sido feridos. De tal maneira que já no Depósito de Indisponíveis, onde se encontrava o pessoal em tratamentos ambulatórios, termos sido metidos nas escalas de serviço, como se os doentes em tratamento estivessem numa Unidade.
Imagina um Oficial de dia, quase maneta, e eu próprio, já coxo, a fazer o içar da bandeira na porta de armas, vindo ao exterior a comandar a guarda e dar ordens militares para o caso. Fui um espectáculo macabro, eu só consigo andar com uma bengala. Calcula o ridículo.
No decrépito anexo não havia um espaço onde pudessemos ter um bocadinho de lazer, havendo apenas uma horrorosa cantina pequena para largas centenas de todo o tipo de doentes, cegos, amputados, loucos, etc...tudo á mistura.
Não podiamos estar nas camas depois das nove horas nem sair para o exterior antes das catorze, exceptuando os acamados. Era-nos sugerido, quase obrigado, que não andássemos fardados.
Enfim atribulações e peripécias dos pobres que eram arrancados às familias para servir alguém. (...) (**)
Rogério Cardoso, ex-fur mil, Cart 643, Águias Negras (Bissorã, 1964/66)
(…) Também eu passei as passas do Algarve no chamado Texas [na Rua da Artilharia 1]. Estive lá de fevereiro de 1966 a meados de 1967.
De facto o Director era uma pessoa intragável, assim como muito do pessoal lá destacado. Voltando ao director, assisti uma vez, ele dar uma bofetada num 2º sarg enf por ele não ter chamado á atenção de um fur mil que estava deitado em cima da cama, pelo meio da manhã. O homem até chorou, pela humilhação sofrida. (…)
(…) Estou lembrado de mais uma cena humilhante. Nós, sargentos, instalados no anexo Texas, frequentemente tínhamos consultas no HMP, à Estrela, estou a falar no ano 1966. A deslocação era feita numa carrinha Mercedes, salvo erro de 18 lugares.
Até aqui tudo bem, mas a nossa vestimenta era pior do que a de um recluso. Calças de cotim com dezenas de carimbos com uma estrela, com os dizeres HMP, camisa branca sem colarinho tipo moço de estrebaria, também com carimbos, casaco cinzento de golas largas (capote cortado a 3/4) e barrete branco de algodão, igual aos que os velhotes usavam para dormir no século XIX, além de sapatilhas brancas.
A nossa vestimenta era mais do que ridícula, os reclusos eram uns "pipis" comparando. Era o tratamento a que os combatentes que tiveram azar, eram sujeitos. (…) (**)
Jorge Picado, ex-cap mil, CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72
(...) No Hospital, Anexo (ou "Texas"), existente na Rua de Artilharia 1, tive as primeiras visões horríveis, do que me poderia esperar, qualquer que fosse o TO que me saísse na rifa.
Isto aconteceu talvez nos finais de setembro de 1969, quando estava a frequentar o CPC em Mafra. Aí funcionavam, não sei se outras, as consultas de Ortopedia, para onde fui encaminhado pelo Oficial Médico mil da EPI, face aos problemas da coluna lombar de que já padecia.
Para chegar à zona das consultas tinha de percorrer vários corredores (ou seria só um muito comprido, mas dividido por várias portas?), atulhados com macas ocupadas por estropiados brancos e negros, meio ao "Deus dará".
Da primeira vez fiquei meio "zonzo" com aquelas cenas e nas seguintes procurava chegar rapidamente ao local olhando par o ar...
Quanto ao Cap Med do QP, chefe da Ortopedia, fiquei com as piores recordações, respondendo-lhe "torto" e chamando-lhe a atenção que não estava a falar para um analfabeto, mas sim para um licenciado como ele, mas isso são outros contos. (...)(**)
António Tavares, ex-fur mil, CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)
(...) Em Janeiro de 1969 estive internado no anexo do Hospital Militar Principal, Rua Artilharia 1, onde vi e assisti a episódios sem classificação...
Impossível a sua descrição. (...) (**)
Armando Pires, ex-fur mil enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70 (...) Conheci o Hospital Militar Principal, à Estrela, e o Anexo, na Rua de Artilharia Um, a Campolide, em dois momentos diferentes da minha carreira militar: primeiro como internado (Março a Maio de 67) e a seguir como enfermeiro (Junho/67 a Outubro/68).
Em Outubro iniciei a formação do Batalhão [BCAÇ 2861] e em Fevereiro parti para a Guiné.
Vamos ao Hospital.
(i) A Estrela [HMP], após o início da guerra, foi equipada com o que de melhor havia e nela trabalhava obrigatoriamente a nata da classe médica portuguesa.
(ii) O Anexo de Campolide [na Rua Artilharia Um] funcionava como centro de recuperação para os mutilados, para os necessitados de apoio psiquiátrico e psicológico, também como linha de apoio a várias especialidades médicas da chamada "medicina geral", e ainda como "depósito de feridos ou doentes de guerra" em regime ambulatório... porque era preciso criar vagas para os casos mais graces no Hospital Principal.
Sim, têm razão quase todos os comentários que aqui foram produzidos sobre o Anexo. Decrépito, sem dignididade hospitalar, refeitório de miserável qualidade alimentar e roupas militares próximo da indigência humana.
Mas, atenção, o chamado serviço 6, no topo norte do Anexo, onde eram recebidos para convalescênça os mutilados, era um lugar à parte. Digno!
E já agora o pessoal. Por favor, não confundir os militares que ali eram colocados em serviço de linha com o pessoal médico e enfermeiros.
Sim, de acordo, o Director era uma besta!
E já agora, nada de exageros. Ali não eram despejados cadávares e feridos. Os mortos tinham uma capela enorme para os manter em ambiente de dignidade antes dos funerais.
Os feridos iam sempre, em primeiro lugar, ao Hospital Principal.
Muito, mas muito, haveria para dizer. Mas este é apenas o espaço de comentário e pareceu-me haver aqui algum exagero e alguma injustiça. Só isso. As minhas desculpas e o meu abraço, camarada. (...) (***)
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 26 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25215: As nossas geografias emocionais (22): O antigo Hospital Militar Principal (HMP), Lisboa, Estrela
(**) 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8455: Memória dos lugares (156): Texas, o anexo do Hospital Militar Principal, na Rua da Artilharia Um, em Lisboa (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / António Tavares)
(***) Vd. poste de 22 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8459: (Ex)citações (142): Em defesa do Hospital Militar Principal (Armando Pires, ex-Fur Mil Enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70)