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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27325: A nossa guerra em números (41): quantos eram os elementos do serviço de saúde por batalhão ? E por companhia ? Médico, enfermeiro, auxiliar de enfermeiro, maqueiro...


Guiné > Região de Bafatá >Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) > Finete > Elementos da 1.ª secção do 2.º Gr Comb da CCAÇ 12 , num patrulhamento ofensivo ao Mato Cão, para montagem de segurança à navegação do rio Geba Estreito >

"Eu, Fernando Andrade Sousa, à esquerda, na primeira fila, com a mala de primeiros socorros, e a minha G-3 (nunca usei pistola), com malta de da 1ª secção do 2º Gr Comb, da CCAÇ 12. 

Além do Arménio Monteiro da Fonseca, de alcunha o "Campanhá" [que vive no Porto, em Campanhã], a secção era composta por: (i) soldado arvorado Alfa Baldé (Ap LGFog 3,7); e ainda os sold Samba Camará, Iéro Jaló, Cheval Baldé (Ap LGFog 8,9) [, à direita do Arménio), Aruna Baldé (Mun LGFog 8,9) [, à minha esquerda], Mamadú Bari, Sidi Jaló (Ap Dilagrama) (FF) [, dado como tendo sido fuzilado depois da independência], Mussa Seide, e Amadú Camará, todos fulas ou futa-fulas. Desta vez, o  comandante de  a secção foi  o fur mil arm pes inf Henriques [o nosso editor, Luís Graça], de óculos escuros, ao lado do Arménio". 

Foto (e legenda): © Fernando Andrade Sousa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Crachá da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)



1. Cada Batalhão  (Infantaria, Artilharia ou Cavalaria)  ou deveria ter, segundo as famosas NEP que ninguém conhecia:
  • quatro médicos (um por companhia);
  • quatro sargentos enfermeiros (um por companhia);
  • nove cabos auxiliares de enfermeiro (três por cada subunidade de quadrícula ou companhia operacional);
  • quatro maqueiros (só a CCS).
Na prática isso não acontecia, ou só muito raramente, vinham sempre desfalcadas de médicos e de 1ºs cabos auxiliares de enfermeiro. 

2. Pegando na História da Unidade do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74):

Constata-se que tinha 1 capelão (com o era a norma), mas não tinha médico quando chegou ao CTIG em 28/9/72 (o comando e a CCS) (com regresso a 27/9/1974).
  • a CCS levava um furriel enfermeiro;
  •  dois 1ºs cabos aux enf;
  • e dois sold maqueiros;
A 1ª C/BCAÇ 4612/71 desembarcou com:
  •  um fur mil enf;
  •  dois 1ºs cabos aux enf.
 A 2ª Companhia não tinha, originalmente, nem fur enf nem 1ºs cabos aux enf. 

A tinha um fur enf, e um 1º cabo aux enf.

Este batalhão vinha, pois, desfalcado de pessoal sanitário. Pelos complementos e recomplementos, que constam da história da unidade, vê-se que o pessoal de saúde teria maior taxa de turnover ou rotação... O então havia já, na metrópole, escassez deste pessoal...


3. Um batalhão, a que eu estive adido (de julho de 1969 a maio ou junho de 1970), o BCaç 2852 (Bambadinca, 1968/70), parecia ter o quadro orgânico completo:
  • a CCS tinha 3 médicos (mas eu só conheci um; também não tinha capelão);
  •  dispunha de um fur enf + um 1º cabo aux enf + 2 sold maqueiros (e ainda um 1º cabo de análise e depósito de águas);

Das companhias de quadrícula, a CCAÇ 2404, CCAÇ 2405 e CCAÇ 2406, verifico, pela história da unidade, que todas estavam dotadas de:
  • um fur enf;
  • três 1ºs cabos aux enf.
  • os soldados maqueiros só existiam nas CCS.
4. Outro batalhão, a que esteve adida a CCAÇ 12, o BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) tinha, a CCS: 
  • 2 alferes médicos (mas eu, em meados de 1970, só conheci um) (trazia também um capelão, o nosso amigo Arsénio Puim);
  • 1 fur mil enf;
  • 1 cabo aux enf;
  • 4 soldados maqueiros;
  • 1 cabo analista de águas.
As CART 2714 (Mansambo)  e 2715 (Xime)  tinham,  cada um delas:
  • 1 fur mil enf;
  • 3 cabos aux enf.
A CART 2716 (Xitole) só dispunha originalmente de 1 fur mil enf + 2 cabos aux enf.


5. Descendo ao nível de uma subunidade, como a CCAÇ 12, companhia de recrutamento local, que foi subunidade de intervenção ao serviço do BCAÇ 2852  (Bambadinca, 1969/70) e depois do BART 2917 (Bambadinca, 1970/71)...

Em comentário à publicação do álbum de Fernando Andrade Sousa que foi 1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, entre maio de 1969 e março de 1971), e mora na Trofa
, já escrevemos aqui me tempo o seguinte:

É inacreditável como é que a CCAÇ 12, uma subunidade de intervenção, só tinha dois enfermeiros operacionais para alinhar no mato, aliás, dois 1ºs cabos aux enf, o Fernando Sousa e o Carlos Alberto Rentes dos Santos.

E este último só por pouco tempo, já que foi trabalhar como carpinteiro (!) no reordenamento de Nhabijões!... 

O 1º cabo aux enf José Maria S. Faleiro foi cedo evacuado para a metrópole, por doença infetocontagiosa (hepatite, segundo creio) e só muito mais tarde foi substituído pelo 1º cabo aux enf Fernando B. Gonçalves [de quem já nem me lembro a cara].

Os alf mil medicos e os furrieis mil enfermeiros (como era o caso do nosso João Carreiro Martins, de resto já enfermeiro na vida civil ) não alinhavam no mato (!), sendo cada vez mais absorvidos pelas tarefas de prestação de cuidados de saúde às populações civis!... E não tinham mãos a medir!

Spínola parecia confiar apenas no HM 241, nos helicópteros da FAP e nas enfermeiras paraquedistas que vinham fazer as evacuações Ypsilon!... 

Mas é legítimo perguntar-se: quantos camaradas nossos não terão morrido por falta de primeiros socorros e reanimação no mato?!... 

A vida ali contava-se ao segundo... 

E nenhum de nós, graduados, capitão, alferes, furriéis ou cabos, tinha aprendido na academia militar, ou recruta e na especialidade (tratando-se de milicianos ou praças do cointingente geral) a fazer um simples garrote para estancar um ferimento de bala numa perna ou num braço!... Muito menos administrar um soro... Ou dar uma injeção de morfina!... É que os enfermeiros também eram alvos a abater, no caso de uma emboscada no mato...

Nunca vi ninguém protestar por esta insólita situação. Aliás, protestava-se pouco. A nossa geração nasceu já com a canga em cima! A malta comia e calava
...

A política "Por uma Guiné Melhor" levou Spínola a "canibalizar", literalmente,  o seu próprio exército: alguns dos nossos melhores operacionais eram afetados a missões civis, como os reordenamentos, os postes militares escolares e os serviços de saúde! ... E mais: os nossos melhores operacionais (alferes e furrieis) iam para as "africanas"...

Spínola tinha pressa em "roubar" as populações ao PAIGC... Spínola sempre quis superar o Amílcar Cabral... Ficar na história da Guiné. E até de África. Não o deixaram, os capitães do MFA, fazer o referendo que ele tanto secretamente ambicionava. 

Não temos dúvidas que, taco a taco, ele ganharia ao Amílcar Cabral em 1972, antes de este ser assassinado. Miseravelmente, pelas suas próprias criaturas. 

Tinha os fulas e os manjacos e os felupes, a seu lado, e um parte dos balantas e mandingas e dos papéis. E a pouco e pouco reconquistaria o coração dos "guinéus". Era só uma questão de tempo... Mas ele tinha o tempo contra si!... O tempo histórico.  E depois do 25 de Abril de 1974, já era tarde... demais. 

Sim, Spínola queria conquistar os guinéus. Não pela força das armas mas pela força da razão e do coração. Ouvi este trocadilho por diversas vezes. 

Com a melhor das intenções, seguramente, mas a verdade é que Spínola e os spinolistas acabaram por desfalcar as companhias que andavam na "porrada"... 

Enfim, não sabemos  o que se passava com as tropas especiais,que tinham outro estatuto e poder reivindicativo... Seria interessante saber como estavam organizados os serviços de saúde nos destacamentos de fuzileiros especiais, nas companhias de comandos, no BCP 12...

Mais: a CCAÇ 12 é obrigada a participar diretamente no "projecto de recuperação psicológica e promoção social da população dos Nhabijões", ao tempo do BCAÇ 2852 (e depois do BART 2917), fornecendo uma equipa de reordenamentos e autodefesa, constituída pelos operacionais:
  • alf mil António Carlão (cmdt do 2º Gr Comb, transmontano, oriundo do CSM,  já falecido);
  • fur mil at inf Joaquim M. A. Fernandes (cmdt da 1ª seção do 4º Gr Comb; será ferido numa mina /AC à porta do reordenamento, em 1371/1971);
  • 1º cabo at inf Virgílio Encarnação (cmdt da 3ª seção do 4º Gr Comb);
  • sold arv at int Alfa Baldé;
  • (e adicionalmente) sold cond auto Manuel Costa Soares (morreu  na mesma mina A/C a 13/1/71 em Nhabijões; nunca conheceu a filha pequena que deixou na terra).

Foram tirar o respectivo estágio a Bissau, de 6 a 12 de Outubro de 1969, os quatro primeiros, estava  a CCAÇ 12 há três meses em Bambadinca, às ordens dos "veteranos" do  BCAÇ 2852...

Foram ainda requisitados à CCAÇ 12 dois carpinteiros, um  1º cab at inf (cujo nome ainda consegui saber) e próprio 1º cabo aux enf Carlos Albertos Rentes dos Santos.

A CCAÇ 12 tinham 24 operacionais (graduados e 1ºs cabos atiradores), 
metropolitanos ( os restantes eram especialistas), e uma centena de praças do recrutamento local, praticamente todos fulas,  distribuídos por 4 grupos de combate.

 Os especialistas, metropolitanos (condutores auto,  mecânicos, transmissões, cripto, enfermagem,  etc..) eram  menos de 4 dezenas elementos ( viemos todos, uns 60, no T/T Niassa em 24/5/ 1969; pertencia os á CCAÇ 2590).

Os 4 elementos operacionais brancos que são retirados à companhia (futura CCAÇ 12), representavam... um 1/6 do total!

Na prática, e durante muitos meses, o pobre do 1º cabo aux enf Fernando Andrade Sousa era o único a "alinhar no mato", dos 4 elementos iniciais da equipa de saúde!... (A CCAÇ 12 não tinha, de resto, soldados maqueiros, que só existiam nas CCS;  é possível que, por vezes, tenha alinhado o pessoal sanitário da CCS em operações a nível de batalhão.)

E o Fernando também tinha, além disso, de integrar as equipas de "ação psicossocial
" (!), por exemplo, as visitas às tabancas, vacinação, etc....

E mais: ia todos os dias para o posto de saúde quando estava em Bambadinca!... E ainda foi destacado, dois ou três meses, no princípio de 1970, para o Xime da CART 2520, que estava sem enfermeiro!...

Em conclusão foram homens como o Fernando Andrade Sousa, "marca car*lho...",, como se diz no Norte, que seguraram as pontas desta "p*ta... de guerra"!... 

Julgo que levou, no fim, um louvor, averbado na caderneta militar, como seria, de resto, da mais elementar justiça!... Era o mínimo que  o capitão lhe podia dar!

O Sousa vive na Trofa. E infelizmente não está  bem de saúde. Já não me reconhece quando lhe telefono. Era o campeão dos convívios anuais. Até há uns anos atrás não faltava a nenhum. É uma dor de alma, amigos e camaradas!
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 15 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27321: A nossa guerra em números (40): em 1967, no CTIG, existiam 76 tabancas em autodefesa, 350 com armamento distribuído, e 20 mil "mausers" (c. 12 mil em mãos de civis)

sábado, 10 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26787: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (10): Quando a "última" foi a "primeira"... A cap enf pqdt Maria de Lurdes Lobão, que fez história: em 16 de março de 1990, foi a primeira mulher a fazer de oficial de dia num estabelecimento militar, a Escola de Serviço de Saúde Militar (ESSM)

 



Cap enf pqdt Maria Lurdes Lobão, do último (9º) curso (1974).
(Cortesia de Fernando Miranda). Edição: LG (2025)


1. Foi a última das 46 enfermeiras paraquedistas. É do 9º (e último) curso (julho de 1974), que só formou uma, ela própria... Já não chegou a ir ao ultramar... Mas ficou na FAP... E em 1990 estava na Escola de Serviços de Saúde Militar (ESSM), com o posto de capitão. 

Conta aqui um episódio que pode parecer "anedótico", mas que a fez entrar, pelo menos,  na história da vida militar e quiçá na história da mulher portuguesa : terá sido a primeira mulher a fazer o serviço de oficial de dia, em 16 de março de 1990, dezasseis anos depois do 25 de Aril de 1974!

É natural de Vila Real, transmontana, portanto. Vive em Lisboa. Tem página no Facebook (Maria Lurdes Lobão).


Foto da página do Facebook da Maria Lurdes Lobão (Com a devida vénia...),
 Edição:  LG (2025)

A criação do corpo de enfermeiras paraquedistas remonta a 1 de junho 1961 (início do 1º curso, onde ingressou, entre outras, a nossa grã-tabanqueira Maria Arminda Santos, hoje tenente, reformada). 

Fizeram-se 9 cursos e formaram-se 46 enfermeiras paraquedistas. Tal como os capelães, eram graduadas (em sargentos ou alferes, conforme as qualificações profissionais de origem: Curso de Auxiliar de Enfermagem e Curso Geral de Enfermagem, respetivamente). Elas são as pioneiras. O ingresso nas mulheres nas Forças Armadas Portugueses, através do serviço militar voluntário, vai ser um processo lento. A Força Aérea foi o primeiro ramo a admitir mulheres, em 1988, através da criação de vagas para mulheres no serviço militar voluntário. O Exército e a Marinha seguiram-se em 1992.



Excerto de:
"Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pãg, 437  (com a devida vénia)






Excerto de:
"Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pp. 340/341  (com a devida vénia)




2. Perguntámos à IA: 

"É verdade que a Capitão Enfermeira Paraquedista Maria de Lurdes (ou Lourdes)  Lobão foi a primeira mulher a exercer funções de oficial de dia num estabelecimento militar, neste caso, na  então Escola de Serviços de Saúde Militar (ESSM), em Lisboa, no dia 16 de março de 1990 ?"

O nosso "Big Brother", que  tem a mania que sabe tudo (ou somos nós que lhe atribuímos ingenuamente a omnisciência...), não conseguiu responder a essa pergunta concreta. Tanta a Gemini IA / Google como a Perplexiti IA e o ChatGPT disseram-nos mais ou menos isto:;

(i) com base nos resultados de pesquisa fornecidos, não há confirmação documental ou referência explícita que comprove que a Capitão Enfermeira Paraquedista Maria de Lurdes (ou Lourdes)  Lobão foi a primeira mulher a exercer funções de oficial de dia na então Escola de Serviços de Saúde Militar (ESSM), em Lisboa, no dia 16 de março de 1990;

(ii) os resultados consultados abordam genericamente a presença e o papel pioneiro das enfermeiras paraquedistas nas Forças Armadas Portuguesas, destacando que desde 1961 algumas mulheres ocuparam funções militares, especialmente na área da saúde militar e como paraquedistas;

(iii) todavia, não foi identificado nenhum documento ou referência específica ao feito mencionado, nem ao nome de Maria de Lourdes (ou Lourdes)  Lobão associado a essa função ou data em particular.

Portanto, com a informação disponível, não é possível confirmar a veracidade da afirmação sobre Maria de Lurdes (ou Lourdes) Lobão e o seu papel pioneiro na ESSM em 16 de março de 1990. Caso existam fontes adicionais ou documentação interna das Forças Armadas, estas não foram localizadas nos resultados apresentados.

3. Comentário do editor LG: 

Não pudemos explorar o "Diário de Lisboa", disponível "on line", porquanto faltam dois  números da coleção (posteriores à data em causa, 16 de março de 1990, logo por azar  os dos dias 17 e 18; o jornal. de resto, será extinto nesse ano, a última edição foi a de 30 de novembro de 1990; começou a publicar-se em 1921.

Achamos, todavia,  que o depoimento da nossa camarada Maria Lurdes Lobão é fidedigno e consistente. E ninguém lhe tira dos louros desse dia (histórico) para as mulheres portuguesas que só ao fim de muitos séculos é que começavam a entrar no "androceu" (por analogia com o "gineceu", a parte da casa reservada às mulheres na Grécia antiga...).  

É, além disso, e sobretudo,  uma história bem humorada e bem contada. Parabéns, Lurdes Lobão, saúde e longa vida!... LG
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segunda-feira, 5 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26767: História de vida (61): Eugénia Sousa (Ribeira Grande, Stº Antão, 1935 - Sesimbra, 2025): cap enf pqdt ref, cofundadora da Escola de Serviço de Saúde Militar (ESSM)


Capa do livro "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), 439 pp (com a devida vénia)



Eugénia do Espírito Santo Sousa, cap enf pqdt ref (Ribeira Grande, Santo Antão,
Cabo Verde, 1935 - Sesimbra, 2025)




1. Infelizmente não temos nenhum regosto da passagem da Eugénia Sousa pelo TO da Guiné. Ela acaba de morrer, aos 89 anos (*). Publicou dois pequenos textos no livro supracitado, de que também é coautora. Foi enf pqdt durante 12 anos. Ainda estava na FAP no início dos anos 80, com o posto de capitão. Pertenceu ao grupo dos fundadores da Escola do Serviço de Saúde Militar (ESSM). Solteira, vivia em Sersimbra.

A ESSM foi criada pelo Decreto-Lei nº 266/79,de 2 de agosto, como estabelecimento de ensino técnico-militar, funcionando na directa dependência do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Foi herdeira das, entretanto extintas, Escola de Enfermagem da Armada e Escola do Serviço de Saúde do Exército. O seu primeiro regulamento foi aprovado pela Portaria n.º 582/80, de 10 de setembro.

A Eugénia deixou este apontamento biográfico no livro acima citado, pp. 40/41, que tomamos a liberdade de reproduzir.

  •  nasceu na ilha de Sto. Antão, na vila (hoje cidade) de Ribeira Grande, também conhecida por Povoação (**);
  • teve uma infância e adolescência difíceis;
  • só aos 20 anos pôde viajar para Portugal, tendo-se fixado em Penafiel:
  • tirou o curso de auxiliar de enfermagem no Porto e depois o curso geral de enfermagem, em Lisboa;
  • em 1962, fez o 2º curso de enfermeiras-paraquedistas.

Recorde-se que, em 9 cursos (1961, 1962, 1963, 1963, 1964, 1966, 1967, 1970, 1972 e 1974) formaram-se 46 enfermeiras paraquedistas, as primeiras mulheres a integrar as fileiras deas Forças Arnmadas Portuguesas.



Armas da ESSM

 


In "Nós, enfermeiras paraquedistas", op. cit, 2014, pp. 40/41.

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Notas do editor LG:


(**) Último poste da série > 20 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26705: História de vida (60): A esloveno-americana Vilma Kracun, n. 1947, membro nº 900 da nossa Tabanca Grande (João Crisóstomo, grão-tabanqueiro nº 432)

domingo, 4 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26763: In Memoriam (546): Eugénia do Espírito Santo Sousa, cap enf pqdt (Ribeira Grande, Santo Antão, Cabo Verde, 1935 - Sesimbra, 2025): era do 2º curso (1962) e passou pelos 3 teatros de operações


 Eugénia do Espírito Santo Sousa,  cap  enf pqdt (Ribeira Grande, Santo Antão, 

Cabo Verde, 1935 - Sesimbra, 2025)


1. Faleceu, no Hospital Militar das Forças Armadas,  em 28 de abril passado,  aos 89 anos (iria completar os 90 em 13 de novembro próximo), a Eugénia (*). 

Foi enfermeira paraquedista durante 12 anos, passou pelos TO de Angola, Guiné e Moçambique. Fez parte do 2º Curso (1963) (que formou 5 enfermeiras pqdt).  

Foi nomeada em 1982 para prestar serviço, a partir de 1/1/1982,  na Escola do Serviço de Saúde Militar, com o posto de "capitão enfermeiro paraquedista (001373-A)", nos termos do Decreto-Lei nº 266/79, de 2 de agosto (**), e da Portaria nº 257/81, de 11 de março.

2. A notícia, triste, foi-nos dada pela Maria Arminda Santos, pessoalmente e pela sua página no Facebook.  (A Arminda, do 1º curso, 1961, é a decana das antigas enfermeiras paraquedistas, e membro, nº 500,  da nossa Tabanca Grande, desde 23/5/2011).

O corpo da Eugénia repousa no cemitério de Aiana, Sesimbra, no talhão dos combatentes, segundo informação do Aristides Santos, nosso amigo no Facebook e antigo 2º srgt pqdt do Regimento de Caçadores Paraquedistas (que deixou em 1970).

A Eugénia participou, com dois textos, no livro "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014). 

Reproduzimos aqui, em sua homenagem, o que ela escreveu, no Cap XII ("Olhando para trás...", pág. 391) (com a devida vénia). 

Oportunamente publicaremos um outro texto seu, autobiográfico. Por informação da Maria Arminda, sabemos que a Eugénia não tinha filhos, ficou solteira, tendo apenas uma sobrinha (que vive nos EUA e veio ao funeral).


(Seleção, digitalização, edição da foto: LG)


Sesimbra > Cemitério de Aiana  > 2 de maio  de 2025 > No funeral da Eugénia, as antigas camaradas paraquedistas, da esquerda para a direita: (i)  Lourdes Lobão (é já do último curso, o 9º, de 1974, não foi ao Ultramar); (ii) Aura; (iii) Arminda: (iv) Cristina; e (v) Giselda.

Foto: Serrano Rosa (com a devida vénia)

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Notas do editor LG:


(**) Decreto-Lei n.º 266/79, de 2 de agosto. Artigo 1.º É criada a Escola do Serviço de Saúde Militar (ESSM), que será um estabelecimento de ensino técnico-militar, funcionando na directa dependência do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA).

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26025: S(C)em Comentários (48): O quarto dos horrores... no "Anexo de Campolide" do HMP (Excerto do livro "Cabra Cega", 2015, de A. Marques Lopes, 1944-2024)


Guiné > Bissau > HM 241 > c. maio/ junho de 1972 > Gravemente ferido em combate, em 14/5/1972, o José Maria Pinela esteve aqui internado dois meses, sendo sendo evacuado para o HMP, em Lisboa donde teve alta em 6/4/1973. É hoje DFA (Deficiente das Forças Armadas).

É caso para perguntar;: quantos de nós passaram por aqui ? quantos cá morreram ? quantos foram transferidos para o HMP ? quantos foram parar ao "Texas", o "Anexo de Campolide" ? quantos passaram por Alcoitão ? quantos "viajaram" até Hamburgo?

Foto (e legenda): © José Maria Pinela (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Não temos falado aqui suficientemente e em voz alta (!) dos nossos "hospitais militares" (o HM 241, Bissau, o HMP, Lisboa, incluindo o seu famigerado "Anexo de Campolide", o Centro de Reabilitação de Alcoitão, que pertencia à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Hospital Militar de Hamburgo, e outros "pesadelos") (*)

Este excerto do livro do A. Marques Lopes ("Cabra Cega, 2015) merece ser relido e comentado (**). Não pode passar sem comentários. E se tiver cem comentários, melhor, é sinal que ainda estamos vivos... (***).


O quarto dos horrores... no "Anexo de Campolide" do HMP

por A. Marques Lopes


(...) À medida que ia andando espreitava para os quartos e camaratas. O que via deixava-me estarrecido e sem fala, não havia palavras perante tal panorama. Havia alguns que pareciam melhor, mas vi homens sem pernas, outros sem braços, uns cegos e, destes, alguns sem mãos ou sem braços também. Ainda bem que não era para falar com eles que ia. Só de ver já era impressionante. Se tivesse de os ouvir contar como foi, estavam stressados de certeza, devia ser terrível.

Ia tão com intenção de só ver o Fragata que não me passara pela cabeça que, no quarto dele, podia encontrar igual panorama. E encontrei mesmo quando lá cheguei e vi as quatro camas. 

Fiquei especado à porta, atónito. O Fragata estava com uma perna engessada, numa cama estava um sem mãos e a cara com manchas esverdeadas, noutra um sem pernas e, fora o que me deixara estarrecido, vi numa das camas um tronco de homem com uma cabeça.

(...) Enquanto falava com o Fragata, ia dando umas miradas aos outros que lá estavam e via-os interessados na conversa. Acabei por ficar familiarizado com aquele ambiente e mais calmo. Senti-me mais à-vontade.

 – Como é que foste ferido?  –perguntei ao que não tinha mãos.

 – Era o furriel de minas e armadilhas e… já sabe. Estava a desmontar uma armadilha e ela rebentou-me nas mãos.

– Aí o Quim está fodido. Nem uma punheta pode bater – disse o Fragata.

E riu-se, o sem pernas também. Menos o tronco com cabeça. Mas o Quim não se desmanchou.

 
– Trabalho mais e melhor sem mãos do que vocês com elas. Quando a minha Zulmira cá vem vocês vêem bem quanto tempo passo com ela ali no quarto do truca-truca.

Admirei-me pois não imaginava que a tropa se preocupasse em cuidar desse aspecto com os feridos que ali tinha. Se calhar era um esquema organizado por eles, também podia ser. 

Virara-me para o que não tinha pernas e ia-lhe perguntar mas ele antecipou-se.

 
–Era condutor auto-rodas e uma mina que rebentou por baixo da GMC,  levou-me as pernas. Mesmo assim, meu alferes, tive mais sorte que ali o Casqueiro  – apontou para o de tronco e cabeça. – Ele conduzia um Unimog, que é muito mais leve, e a mina levou-lhe tudo. Pernas, braços e tomates. E até o deixou surdo.

Fiquei silencioso. Além dos mortos, até tinha entre eles uns amigos, havia estes jovens com a vida desfeita, sem hipóteses do futuro que podiam vir a ter se não os metessem naquela guerra. O Casqueiro sobretudo. Estava ali, rosto fixo sem ouvir nada da conversa deles. Era um homem-saco só podendo abrir a boca para lhe meterem comida e água. Já reparara que devia ter uma fralda, de certeza que era onde fazia as necessidades. As deste muito mais, mas os outros também tinham ficado com grandes limitações. O Fragata safara-se, e graças ao inimigo. À vista disto já não era a estupidez ou as barbaridades como se fazia a guerra que me perturbavam, era a guerra em si, e sobretudo esta sem sentido que deixava tantos sem futuro.

(,,,) Os outros notaram como eu estava. O Fragata quis amenizar. Era palerma, às vezes, mas era bom rapaz. Eu sabia disso.

– Eu aqui, meu alferes, sou o anjo deles  – disse –. Ali ao Quim sou eu que lhe abro a carcela quando ele quer mijar. Mas não lhe pego na gaita! – os outros riram-se.  – O Fragoso não, que o gajo tem mãos para arrear as calças. O Casqueiro não é preciso tratar dele, ele faz tudo sozinho  – riram-se todos. – Tenho é que chamar o enfermeiro quando o gajo se borra e mija todo. É cá um pivete!  – os outros riram-se novamente. –  E à noite? Nem queira saber.  Quando estes gajos se põem a sonhar com minas e emboscadas não me deixam dormir. Tenho de os acordar e chamar o enfermeiro para lhes espetar uma agulha.

Já vira, já vira a malta inutilizada e traumatizada ali despejada. Aquelas piadas eram um intervalo curto nas suas horas longas de angústia e desespero. Tinha de sair dali.

–  Vou-me embora. Mas antes diz-me lá, ó Fragata, ainda bebes mijo?

– Não goze comigo, meu alferes. Agora é só cerveja.(....)

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)

______________

Nota do editor:

(*) Vd. postes de:


17 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24074: (De) Caras (195): Em 1975, cinco anos depois, saí do Hospital Militar Principal com as marcas da mina A/P, armadilhada, que me mudou completamente a vida: estava destroçado, cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda (Manuel Seleiro, 1º cabo, Pel Caç Nat 60, DFA, São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70)

26 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22847: Memória dos lugares (434): Hospital Militar de Hamburgo, onde estiveram internados, para tratamento e reabilitação, camaradas nossos deficientes como o Quebá Soncó (CCAÇ 1439) e o António Dias das Neves (CCAV 2486): não se sabe quantos, mas devem ter sido algumas centenas de um total de mais de 1800 "amputados", entre 1964 e 1974

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25219: As nossos geografias emocionais (23): O Hospital Militar Principal (HMP), à Estrela, e o Anexo, a Campolide, que eu conheci (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / Antóno Tavares / Armando Pires)

Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > O saudoso Carlos Filipe (Porto, 1950-Lisboa, 2017), radiomontador, CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74): esteve internado 32 dias em Bissau, no HM 241, antes de ser evacuado, com hepatite, para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde iria permanecer 173 dias...

Foto (e legenda);  © Juvenal Amado (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Eis alguns comentários (que republicamos) de camaradas nossos que conheceram o Hospital Militar Principal (HMP), à Estrela, e o seu anexo, em Campolide, na Rua da Artilharia Um, vulgo "Texas".

Antes, porém, convém lembrar que o HMP era constituído nos anos 60/70 por várias áreas fisicamente separadas (*), incluindo o Anexo, a Campolide, na rua  Artilharia 1.



Figura 1 – Esquema do HMP, evidenciando as três áreas geograficamente separadas:  a área 1 (o "núcleo histórico"), na Calçada da Estrela, contíguo ao Jardim da Estrela; a área 2 (nas traseiras da Basília da Estrela); e a área 3, delimitada pelo início da Av Infante Santo (no sentido descendente) e a Rua de Santo António à Estrela (que inclui o edifício de 12 pisos, a Casa de Saúde da Família Militar, construído já 8 em 1973).  O Anexo, a Campolide, não consta aqui desta figura.

(Com a devida vénia... Fonte: Anuário do HMP de 2004, citado por major Rui Manuel Pereira Fialho, "Alterações na estrtutura do Hospital Militar Principal", Revista Militar n.º 2566 - Novembro de 2015, pp 909 - 918. (Disponível aqui em pdf: https://www.revistamilitar.pt/artigopdf/1064).


Carlos Rios, ex-furriel mil, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67)

(…) Fui dos que passou pelas instalações e sofri as piores atribulações [n]aquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo (Texas), do Hospital Militar Principal (HMP).

Ali passei seis anos com imensas operações, vindo a ficar estropiado, de 1966 a 72. 

O director era um déspota bem como a maioria do pessoal ligado àquilo que deveria ser o lenitivo para as misérias que nos atingiam mas que afinal se vinha a transformar como que um castigo por termos sido feridos. De tal maneira que já no Depósito de Indisponíveis, onde se encontrava o pessoal em tratamentos ambulatórios, termos sido metidos nas escalas de serviço, como se os doentes em tratamento estivessem numa Unidade.

Imagina um Oficial de dia,  quase maneta,  e eu próprio, já coxo, a fazer o içar da bandeira na porta de armas, vindo ao exterior a comandar a guarda e dar ordens militares para o caso. Fui um espectáculo macabro, eu só consigo andar com uma bengala. Calcula o ridículo.

No decrépito anexo não havia um espaço onde pudessemos ter um bocadinho de lazer, havendo apenas uma horrorosa cantina pequena para largas centenas de todo o tipo de doentes, cegos, amputados, loucos, etc...tudo á mistura. 

Não podiamos estar nas camas depois das nove horas nem sair para o exterior antes das catorze, exceptuando os acamados. Era-nos sugerido, quase obrigado, que não andássemos fardados. 

Enfim atribulações e peripécias dos pobres que eram arrancados às familias para servir alguém. (...) (**)

Rogério Cardoso, ex-fur mil, Cart 643, Águias Negras (Bissorã, 1964/66)

(…) Também eu passei as passas do Algarve no chamado Texas [na Rua da Artilharia 1]. Estive lá de fevereiro de 1966 a meados de 1967.

De facto o Director era uma pessoa intragável, assim como muito do pessoal lá destacado. Voltando ao director, assisti uma vez, ele dar uma bofetada num 2º sarg enf por ele não ter chamado á atenção de um fur mil que estava deitado em cima da cama, pelo meio da manhã. O homem até chorou, pela humilhação sofrida. (…)

 (…) Estou lembrado de mais uma cena humilhante. Nós, sargentos, instalados no anexo Texas,  frequentemente tínhamos consultas no HMP, à Estrela, estou a falar no ano 1966. A deslocação era feita numa carrinha Mercedes, salvo erro de 18 lugares. 

Até aqui tudo bem, mas a nossa vestimenta era pior do que a de um recluso. Calças de cotim com dezenas de carimbos com uma estrela, com os dizeres HMP, camisa branca sem colarinho tipo moço de estrebaria, também com carimbos, casaco cinzento de golas largas (capote cortado a 3/4) e barrete branco de algodão, igual aos que os velhotes usavam para dormir no século XIX, além de sapatilhas brancas.

A nossa vestimenta era mais do que ridícula, os reclusos eram uns "pipis" comparando. Era o tratamento a que os combatentes que tiveram azar, eram sujeitos. (…)  (**)


Jorge Picado, ex-cap mil, CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72


(...) No Hospital, Anexo (ou "Texas"),  existente na Rua de Artilharia 1, tive as primeiras visões horríveis, do que me poderia esperar, qualquer que fosse o TO que me saísse na rifa. 

Isto aconteceu talvez nos finais de setembro de 1969, quando estava a frequentar o CPC em Mafra. Aí funcionavam, não sei se outras, as consultas de Ortopedia, para onde fui encaminhado pelo Oficial Médico mil da EPI, face aos problemas da coluna lombar de que já padecia.

Para chegar à zona das consultas tinha de percorrer vários corredores (ou seria só um muito comprido, mas dividido por várias portas?), atulhados com macas ocupadas por estropiados brancos e negros, meio ao "Deus dará". 

Da primeira vez fiquei meio "zonzo" com aquelas cenas e nas seguintes procurava chegar rapidamente ao local olhando par o ar...

Quanto ao Cap Med do QP, chefe da Ortopedia, fiquei com as piores recordações, respondendo-lhe "torto" e chamando-lhe a atenção que não estava a falar para um analfabeto, mas sim para um licenciado como ele, mas isso são outros contos. (...)(**)


António Tavares, ex-fur mil, CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)


 (...) Em Janeiro de 1969 estive internado no anexo do Hospital Militar Principal, Rua Artilharia 1, onde vi e assisti a episódios sem classificação...

Impossível a sua descrição. (...) (**)

Armando Pires, ex-fur mil enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70

(...) Conheci o Hospital Militar Principal, à Estrela, e o Anexo, na Rua de Artilharia Um, a Campolide, em dois momentos diferentes da minha carreira militar: primeiro como internado (Março a Maio de 67) e a seguir como enfermeiro (Junho/67 a Outubro/68).

 Em Outubro iniciei a formação do Batalhão  [BCAÇ 2861] e em Fevereiro parti para a Guiné. 

Vamos ao Hospital. 

(i) A Estrela [HMP], após o início da guerra, foi equipada  com o que de melhor havia e nela trabalhava obrigatoriamente a nata da classe médica portuguesa. 

(ii) O Anexo de Campolide [na Rua Artilharia Um] funcionava como centro de recuperação para os mutilados, para os necessitados de apoio psiquiátrico e psicológico, também como linha de apoio a várias especialidades médicas da chamada "medicina geral", e ainda como "depósito de feridos ou doentes de guerra" em regime ambulatório... porque era preciso criar vagas para os casos mais graces no Hospital Principal.  

Sim, têm razão quase todos os comentários que aqui foram produzidos sobre o Anexo. Decrépito, sem dignididade hospitalar, refeitório de miserável qualidade alimentar e roupas militares próximo da indigência humana. 

Mas, atenção, o chamado serviço 6, no topo norte do Anexo, onde eram recebidos para convalescênça os mutilados, era um lugar à parte. Digno! 

E já agora o pessoal. Por favor, não confundir os militares que ali eram colocados em serviço de linha com o pessoal médico e enfermeiros.

Sim, de acordo, o Director era uma besta! 

E já agora, nada de exageros. Ali não eram despejados cadávares e feridos. Os mortos tinham uma capela enorme para os manter em ambiente de dignidade antes dos funerais. 

Os feridos iam sempre, em primeiro lugar, ao Hospital Principal. 

Muito, mas muito, haveria para dizer. Mas este é apenas o espaço de comentário e pareceu-me haver aqui algum exagero e alguma injustiça. Só isso. As minhas desculpas e o meu abraço,  camarada. (...) (***)

 ____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25215: As nossas geografias emocionais (22): O antigo Hospital Militar Principal (HMP), Lisboa, Estrela

(**) 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8455: Memória dos lugares (156): Texas, o anexo do Hospital Militar Principal, na Rua da Artilharia Um, em Lisboa (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / António Tavares)

(***) Vd. poste de 22 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8459: (Ex)citações (142): Em defesa do Hospital Militar Principal (Armando Pires, ex-Fur Mil Enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25215: As nossas geografias emocionais (22): O antigo Hospital Militar Principal (HMP), Lisboa, Estrela


Fachada do Hospital Militar Principal,  Lisboa, â Estrela, s/d .  



Hospital Militar Principal de Lisboa 
(Igreja e antigo Convento de Nossa Senhora da Estrela)


Fonte: Adapt de Município de Lisboa


1. Quantos de nós passaram por aqui, pelo HMP, que não se resumia a este antigo edif´ciio conventual ?  Do complexo hospitalar da Estrela, fazai ainda parte o Anexo de Campolide... Algns andaram pelo HMP , em tratamento, recuperação e convalescença, um, dois ou até mais anos...  

Importa então relembrar a história do antigo Hospital Militar Principal (HMP) (que encerrou definitivamente em 2013) (*)... 

O edifício  (qeu vemos na foto) começou por ser,   originalmente,  um convento beneditino, fundado em 1572 e dedicado a Nª Sra. da Estrela. 

Em 1615, muito próximo deste, é fundado o Mosteiro de S. Bento da Saúde (no sítio onde é hoje o Palácio de São Bento) (**) . O primitivo convento da Estrela será, entretbato, transformado em colégio e casa de estudo da Ordem.

Em 1624 construiu-se no Convento das Janela Verdes, o Hospital Real Militar da Corte, mais tarde transferido para o colégio de Nossa Senhora da Estrela, passando a designar-se por Hospital Militar de Lisboa.

Com a Restauração e a guerra peninsular, a partir de 1640, desenvolve.se o Serviço de Saúde Militar e criam-se Hospitais de Guarnição.

O edifício da Estrela, tal como outras construções da cidade, fortemente abalado pelo terramoto de 1 de novemvro de 1755. Anos depois, em 1797, passa para as mãos do Estado, acolhendo um hospital militar que será utilizado por tropas auxiliares britânicas (ma também pelas tropas de Junot).

Em 1836, por parecer da 
Comissão de Saúde Militar, o  Hospital Militar Permanente instala-se definitivamente no edifício da Estrela.

Com a evolução dos tempos o Hospital foi alargando as suas instalações e em 1898 anexou-se a ala que dá para a Rua de S. Bernardo, para no ano seguinte alguns dos seus serviços serem instalados na "cerca" do Convento do Sagrado Coração de Jesus (Basílica da Estrela).

Em 1926, passa a designar-se Hospital Militar Principal. No ano seguinte, na "cerca",nas traseiras da Basílica da Estrela, será instalada a Escola do Serviço de Saúde Militar (ESSM)-

Posteriormente, com a abertura da Avenida Infante Santo, em 1950, ficou a referida "cerca" dividida ao meio: os pavilhões de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e o Laboratório de Análises Clínicas vão ficar no lado nascente (lado esquerdo da Infante Santo, quando se desce); o Bloco Operatório e o Pavilhão da Família Militar, construído na década de 1940, situam-se no lado poente (lado direito da Infante Santo, no sentido descendente) (***)

Sem entrar em detalhes, sobre a sua estrutura física e orgânica, que se foi alargando ao longo do tempo, o HMP (constituído por diversas áreas e diversos edificios, e com graves problemas de circulação "intra-hospitalar") vai ter um papel importante durante a guerra de África (1961/75). 
Faz parte das "geografias emocionais" de alguns de nós (****).

Em 1961, o Aquartelamento de Campolide deixou de ser ocupado pelo Regimento de Artilharia n.º 1, sendo aí instalado o Centro Ambulatório de Doentes e Convalescentes, anexo do HMP (conhecido como o Anexo de Campolide), face ao grande número de evacuados do Ultramar.

Em 18 de Outubro de 1973 foi inaugurado a Casa de Saúde da Família Militar, localizada na "cerca" do hospital, com 12 pisos.

Em 1991 procedeu-se à concentração hospitalar dos três corpos de edifícios dispostos em volta do Largo da Estrela, de forma a permitir a alienação do referido Anexo de Campolide que se tornou desnecessário.

Durante a década de 90 o Hospital responde aos desafios da medicina moderna efectuando obras e melhoramentos em diversas áreas. O Hospital Militar de Belém como hospital complementar, integra os seus serviços clínicos no funcionamento hospitalar global.

Em 2009, avançava-se com um projeto para a criação de um Hospital Único das Forças Armadas. Porém, o Hospital Militar da Estrela acabaria por fechar em 2013. O seu destino ficou incerto. 

Anos depois, em 2022, o antigo convento e depois hspital militar, adjacente ao Jardim da Estreka, reabriu portas como espaço cultural, com o nome “House of Neverless” , prometendo eventos, workshops e formações. Tem dois pisos dedicados ao teatro e um terceiro para a academia. 
 
Fontes: 
Adaptado de página do Exército > Hospital Militar Principal > Historial

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de fevereiro de  2024 > Guiné 61/74 - P25210: Os nossos seres, saberes e lazeres (616): Visita técnica no âmbito da minha Ordem Profissional, a OET (Ordem dos Engenheiros Técnicos), à chamada "Linha Circular" do Metro de Lisboa (Hélder Valério de Sousa)

(**)  Mosteiro de São da Saúde de Lisboa > Historial 

(...) O Mosteiro de São Bento da Saúde de Lisboa era masculino, e pertencia à Ordem e Congregação de São Bento.

Também designado por Mosteiro de São Bento da Saúde de Lisboa, Mosteiro de São Bento de Lisboa, Mosteiro de São Bento o Velho.

Em 1581, os monges beneditinos que estavam instalados no Mosteiro de Nossa Senhora da Estrela de Lisboa, decidiram construir um novo edifício, na quinta da Saúde, também em Lisboa.

Em 1598, foram iniciadas as obras, pelo Geral da Ordem Beneditina, frei Baltazar de Braga, segundo o projecto do arquitecto Baltazar Álvares.

Em 1615, a 8 de Novembro, a comunidade transferiu-se para a quinta da Saúde. A invocação do Mosteiro teve a sua origem nesta nova residência, o qual viria a ser designado por São Bento de Lisboa ou por São Bento da Saúde de Lisboa.

A partir de 1755, os monges foram obrigados a ceder uma parte das suas instalações para vários fins. De 1755 a 1856, e de 1769 a 1772, foi sede da Patriarcal de Lisboa. Em 1757, e nos anos seguintes, serviu de instalação à Academia Militar. Em 1796 e 1798, serviu de prisão de pessoas notáveis. Entre 1797 e 1801, serviu de instalação ao Batalhão de Gomes Freire de Andrade. Entre 1756 e 1990, acolheu o Arquivo da Torre do Tombo.

Em 1822, os monges tiveram de abandonar o mosteiro, indo para o Mosteiro de São Martinho de Tibães de onde regressaram em 1823.

Em 1833, abandonaram o edifício definitivamente quando este foi cedido para local de reunião das Cortes Constituintes.

Em 1834, no âmbito da "Reforma geral eclesiástica" empreendida pelo Ministro e Secretário de Estado, Joaquim António de Aguiar, executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837), pelo Decreto de 30 de Maio, foram extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens religiosas, ficando as de religiosas, sujeitas aos respectivos bispos, até à morte da última freira, data do encerramento definitivo.

Os bens foram incorporados nos Próprios da Fazenda Nacional.

Localização / freguesia: Lapa (Lisboa, Lisboa) (...)


(***) Vd. artigo "Alterações na estrtutura do Hospital Militar Principal", do major Rui Manuel Pereira Fialho, publicado na Revista Militar N.º 2566 - Novembro de 2015, pp 909 - 918. (Disponível aqui em pdf: https://www.revistamilitar.pt/artigopdf/1064)

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24507: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (1): CIOE / Rangers - Especialidade em Lamego (Parte 1)

João Moreira, instruendo do 1.º pelotão da 1.ª Companhia, no RI 5.
O Comandante de Pelotão era o Ten Sidónio Ribeiro da Silva e o Comandante de Companhia era o Ten Carvalho.
Foram os dois mobilizados para a Guiné


"A MINHA IDA À GUERRA"

1 - CIOE / RANGERS - ESPECIALIDADE (Parte 1)

João Moreira[1]


Em Abril, após a recruta no RI 5, fui para o CIOE, em Lamego, para tirar a especialidade de operações especiais, mais conhecida por "rangers".

Para quem não passou pelo CIOE não terá a noção da dureza da especialidade. Por isso vou contar algumas situações que "só acontecem lá".
RI 5 - Caldas da Rainha - Da esquerda para a nossa direita: João Moreira, Castro, Seco e Jorge. Os outros três não me lembro o nome deles mas também eram do 1.º Pelotão.

Aproveitávamos o sol, para estudar para os testes e para engraxar as botas, para não haver castigos. Como podem ver,  tive um par de botas novas e um par de botas antigas, que apertavam com fivelas. Os 3 primeiros (eu, Castro e Seco) fomos para Lamego. Eu fui para o hospital militar e perdi a especialidade. Eles completaram a especialidade e depois foram para os "comandos". Seguidamente foram mobilizados para Moçambique, donde regressaram sem problemas.

Quando chegámos a Lamego fomos instalados numa camarata que ficava ao cimo de uma escadaria com cerca de 30 a 40 degraus, que tinha de ser subida e/ou descida sempre que tínhamos que lá ir fazer qualquer coisa. 

 Para além do fardamento que nos estava distribuído, desde que assentamos praça, deram-nos farda camuflada, farda azul, do género da usada pelos especialistas das viaturas de combate usadas em cavalaria.

Como isso fosse pouco, ofereceram-nos 1 G3, 1 Mauser e 1 canhangulo, mais botas de lona como as usadas na Guiné e botas que apertavam com fivelas.

Para nossa distração e sanidade mental a caserna estava equipada com aparelhagem sonora, e para nos "divertir" tocava 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Para facilitar a memorização da letra dessa música, era sempre a mesma que tocava (desde o primeiro ao último dia da especialidade).

Como não queriam aborrecer-nos, de vez em quando paravam a música e proclamavam os "mandamentos do ranger" que eram 10, tal como na religião Católica Apostólica Romana.

Para não cairmos na "monotonia", de vez em quando - no meio da música privada e durante a noite - surgia uma voz que dizia qualquer coisa deste género:

"RANGER TENS 3 MINUTOS PARA FORMAR NA PARADA EXTERIOR COM A FARDA X, A ARMA Y E AS BOTAS Z", etc.

E os rangers, que estavam cansados dos "trabalhos diários", tinham que dormir com um ouvido alerta, para poderem levantar-se e cumprir as ordens enviadas por altifalante.

Depois de nos prepararmos, tínhamos que fechar os armários com os aloquetes, descer a tal escadaria de 30 ou 40 degraus, atravessar a parada exterior em passo de corrida - não se podia andar a passo na parada - e apresentar-se ao comandante do pelotão que estava à nossa espera.
De acordo com o atraso éramos "premiados" com 30, 40 ou mais "completas" - ainda se lembram quais os exercícios que as compunham e quantas eram de cada exercício?

Como os instruendos se queixavam que era pouco tempo, os comandantes diziam que era o tempo mais que suficiente, porque ainda dava para fumar um cigarro.

Deu-nos algumas dicas de como proceder para chegar à parada dentro do tempo previsto e ainda poderem fumar o tal cigarro:

  • Dormir com os armários abertos. O receio do roubo foi esconjurado com a pena que estava destinada a quem tentasse roubar. E realmente nunca ouvi ninguém queixar-se de ter sido roubado.
  • Nos 3 ganchos do armário colocar uma das 3 fardas, exceto a nº 2.
  • Nos cantos dos armários colocar 1 das 3 armas.
  •  Calçar as meias.
  • Vestir as calças e prendê-las com o cinto igual ao que usávamos na Guiné para enfiar os carregadores.
  • Enfiar o quico.
  • Pegar na arma e na camisa.

Durante o trajeto até ao local da formatura vestia e apertava a camisa e as calças. Chegados ao local da formatura,  acendia o cigarro, apertava as botas e esperava que o tempo se esgotasse enquanto acabava de fumar.

Ao fim de 3 ou 4 semanas, fui ao médico, porque já não suportava as dores na coluna e perdia a acção muscular.

Eu queria dizer ao médico o nome da minha anomalia mas não me ocorria o nome, porque naquele tempo dizia-se em latim (spina bífida). O médico do CIOE era ortopedista, e pelos sintomas disse que era uma espinha bífida congénita, e aí já pude confirmar o nome. Pediu-me a radiografia e o relatório, porque com aquele problema eu não tinha condições para ser militar, muito menos "ranger".

Quando viu a radiografia e o relatório, disse que me ia mandar para o hospital militar regional, do Porto, porque ele não podia fazer nada.

Chegado ao Porto, e ao hospital militar na Boavista,  fizeram-me os exames e confirmaram a minha deficiência, mas, em vez de mandarem para o hospital principal em Lisboa,  deram-me alta. Regressei a Lamego, e mandaram-me para casa porque tinha perdido a especialidade por faltas

Em Julho voltei ao CIOE, em Lamego. Fui logo falar com o médico, para tentar resolver a situação sem ter que perder a especialidade.

Em resultado do que se tinha passado no hospital, no Porto, o médico optou por pedir a minha reclassificação por não ter condições físicas para a especialidade.

Mas, como eu não tinha "cunha",  atribuíram-me a especialidade de atirador de cavalaria e lá segui eu para a Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde se repetiu o meu martírio.


(continua)
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Nota do editor

[1] - Vd. poste de 20 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24490: Tabanca Grande (550): João de Jesus Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), que se vai sentar no lugar 878 do nosso poilão