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sábado, 25 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27351: Humor de caserna (216): BA 12, Bissalanca: os tomates... da horta do capelão: uma história pícara que mete a nossa querida enfermeira pqdt Giselda e o seu "olheiro" na BA 12, o ex-ten pilav Miguel Pessoa... Um pequena homenagem póstuma ao major capelão Abel Gonçalves (1931-2019), que foi chefe do serviço de assistência religiosa da FAP.




Padre Abel Gonçalves (Cinfáes, 1931 - Porto, 2019),
major capelão reformado. Fez duas comissões na Guiné 
(BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69). 
E depois na BA 12, Bissalanca (1970/74).



O capelão Abel Gonçalves, na Guiné, vestido com um traje tradicional masculino, o "bubu".
Fonte: cortesia de Bártolo Paiva Pereira - "O capelão militar na guerra colonial"
(Edição de autor, Vila do Conde, 2025), pág. 54.

Escreveu o padre Bártolo Paiva Pereira, seu superior hierárquico, que o capelão Abel não era "um militar rígido, sisudo"...  Era "uma capelão disponível, com 'cara de homem'. Foi assim que o conheci e com ele partilhei uma comissão de serviço na Guiné" (pág. 54)...E mais: "Não é no quadro da guerra  que o padre Abel se purifica. Mas no convívio solto e amigo com as  populações da Guiné,  que faz a sua catarse. Confessa que também aprendeu muito no convívio com os seus militares, a quem rende justa homenagem" (pág. 53).

 

Guiné> Bissalanca > BA 12 > s/d (c. 1972/74) > Uma enfermeira paraquedista, colhendo limões diretamente do limoeiro. Foto gentilmente cedida por Miguel Pessoa.. [Ele próprio acabou, em comentário ao poste P4065 (*) por identificar a enfermeira, que de resto é uma das protagonistas da história que se conta a seguir: a Giselda, Antunes, de solteira, Pessoa, de casada]

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 


1. Mensagem,  a seguir, do Miguel Pessoa (ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje cor pilav ref, casado com a Giselda (nenhum deles precisa de apresentações, porque são justamente o casal mais mediático da guerra da Guiné e, mais do que isso, o casal mais "strelado" do mundo: se vivessem nos EUA e tivessem feito a guerra do Vietname, já estariam há  muito no Guiness):


Data - 21 mar 2009

Luís:

(...) envio-te este texto ligeirinho, um pouco "revisteiro",  que, na minha ótica, embora não sendo escrito por nenhuma delas, me foi contado por uma das intervenientes, pelo que penso que talvez possas incluí-lo na série "As Nossas Queridas Enfermeiras Paraquedistas". 

(...) Embora eu goste de escolher os títulos dos meus textos, deixo ao teu critério a escolha do título para este trabalho, por recear que possa ser mal aceite aquele que eu escolhi.(,,,) (*)


Humor de caserna >  BA 12, Bissalanca: Os tomates... da horta do capelão

por Miguel Pessoa


No meu tempo na Guiné, os tomates do capelão da BA12 eram muito cobiçados, muito por culpa das nossas enfermeiras paraquedistas que, sempre que podiam, faziam uma colheita na horta que o padre A... mantinha junto à igreja da Base.

Era generalizada a opinião, entre quem deles se servia, de que os tomates do nosso capelão, embora pequenos, eram sumarentos e saborosos e enriqueciam qualquer salada. E sabe-se o gosto que o pessoal tinha por tudo o que lhe lembrasse a metrópole. E era vê-los a "deitar abaixo" uma saladinha feita com tomates fresquinhos, acabadinhos de apanhar...

É claro que o padre A... calculava perfeitamente quem eram os malandros (neste caso as malandras...) que lhe andavam a "derreter" a fruta, mas pactuava simpaticamente com a situação, dado ser por uma boa causa.

Mas não se ficava pelos tomates a razia que as enfermeiras paraquedistas faziam na fruta da base. Para além da fruta que iam comprando ao responsável pela horta da Base, lá iam marchando de vez em quando uns limões, uma papaia, que o pessoal a alimentar era muito e de bom apetite.

Nem o cajueiro do Comandante escapava (do Comandante é um modo de dizer, que estava junto ao comando da Base), sendo que, um dia, havendo uma escada à mão, duas enfermeiras (de que não vou referir os nomes...) resolveram atacar o dito cujo. 

Estavam elas neste preparo, penduradas nos ramos altos, quando passa o Comandante da Base, com o seu séquito.

O facto é que o Comandante não reconheceu "as intrusas", pois se viam apenas as calças do camuflado, pelo que invectivou energicamente as duas "delinquentes", julgando que eram soldados da Polícia Aérea; e as duas no topo da árvore também não reconheceram a voz do Comandante, pelo que reagiram verbalmente em termos que não vou reproduzir aqui...

Tendo as partes procedido à identificação mútua, o incidente acabou por ficar sanado, pese embora o Comandante tenha prosseguido a sua viagem resmungando contra a lata daquele pessoal, sublinhado por um sorriso complacente dos militares que o acompanhavam.

Miguel Pessoa


2. Comentário do editor LG:

Miguel:  esta tua historieta pícara já "tem barbas", foi publicada por nós há 16 anos (!) (*)...

Como eu  te disse na altura ao telefone,  nada como o humor de caserna, coisa que é muito própria, específica, única, como a própria expressão indica, da malta da tropa...(**)

O humor (talvez mais do que a sorte) é que protege os audazes... Que me perdoem os nossos camaradas dos comandos, se lhes estou a glosar a divisa Audaces fortuna juvat [A sorte protege os audazes]...

O humor (temperado q.b.) era, na Guiné, na BA 12 ou em Bambadinca, o nosso talismã, a nossa mezinha, o nosso amuleto mágico, o nosso cinto de segurança, o nosso cordão detonante, a nossa "droga"... contra as balas de amigos e inimigos, contra a costureirinha, contra a Kalash, contra o RPG, contra o Strela (ainda não o havia no meu tempo, sou mais velhinho do que tu...), contra o tédio, contra o desânimo, contra o medo, contra a desesperança dos dias, contra as abelhas, contra os mosquitos, contra o cozinheiro, contra o vagomestre, contra o sargento, contra o RDM, contra o capitão, contra o comandante, contra o Com-Chefe, contra Deus e o Diabo...

O género, que tu cultivas tão bem, neste e noutros teus textos bem humoarados, não é fácil, é preciso muito talento para não se cair na grosseria, na boçalidade, na alarvice, registos com que muitas vezes, mas injustamente, se confunde o humor de caserna...

Em suma, não é para todos, o humor de casetna enquanto género literário, é para ti, é para o Alberto Branquinho, é para o José Ferreira da Silva, era para o "alfero Cabral", e poucos mais...

De facto, grande cultivador deste género era  o nosso saudoso Jorge Cabral (1943-2021) a quem nunca, por nunca, ouvi dizer um palavrão, tanto lá como cá.  

Tudo isto para te dizer que os tomates da horta do capelão, surripiados pelas nossas queridas enfermeiras paraquedistas, continuam a ser  uma história de cinco estrelas, que merece ser republicada (os "periquitos" nunca a leram...) e  figurar numa próxima antologia do nosso humor de caserna...

 Obrigado, a ti e à tua transmontana.

Um pretexto também para a sua reedição é o facto de eu ter  identificado o teu/vosso capelão: na época era o Abel Gonçalves. 

De facto, esteve 4 anos na BA 12 (de agosto de 1970 a agosto de 1974). Fez duas comissões no CTIG como capelão (a primeira no exército, em 1967/69). Publicou o  livro "Catarase" (edição de autor, 2007). Tem meia dúzia de referèncias no nosso blogue.  

Diz dele o nosso crítico literário, Beja Santos:     

"O então alferes capelão Abel Gonçalves gosta do pícaro, e não esconde certos embaraços por que passou. O caso do banho, nuzinho diante de todos, ele que estava marcado pelo seminário, onde não podiam tirar as calças, senão debaixo da roupa da cama.

Um dos alferes comete a brejeirice, diz-lhe: "Sabes o que estavam os soldados a dizer? Que viram os limões ao capelão!”.

Não ficou sem resposta: “É para que fiquem a saber que os capelães também têm dessa fruta!”. (...)



Infelizmente o Pe. Abel Gonçalbes já morreu, em 1 de abril de 2019, aos 87 anos. Era natural de Pias, conselho de Cinfães, distrito de Viseu. nasceu no dia 1 de novembro de 1931 e foi ordenado Padre no dia 15 de agosto de 1958.

Foi capelão do Exército, acabando por ser transferido para a Força Aérea Portuguesa em 24 de novembro de 1969. Era major, esteve na Chefia do Serviço de Assistência Religiosa da FAP. passou à reforma em 14 de agosto de 1981 (Fonte: Ordinariato Castrense).

Miguel e Giselda, não sei se o padre Abel Gonçalves chegou a ler esta história. Ele devia conhecer o nosso blogue, através do Beja Santos. De qualquer, a sua republicação é também uma homenagem a ele e  a todos os nossos capelães que passaram pelo CTIG: 113 no total, 102 no exército, 7 na FAP e 4 na Marinha.

Que Deus, Alá e os bons irãs o tenham em bom descanso, lá o assento etéreo para onde vão as nossas almas, dizem os crentes.
(**) Último poste da série > 12 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27311: Humor de caserna (215): A minha... G3trudes: uma peça em 3 atos e um final feliz (José Teixeira, CCAÇ 2381, ex-1º cabo aux enf, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá , Empada, 1968/70)

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27293: Notas de leitura (1848): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte IV: "Até 1966 eram todos voluntários" (Luís Graça)

 

A legenda e a foto são do padre Bártolo Paiva Pereira... Vêm na página 23 do livro que estamos a recensear. Podem surpreender o leitor, se tivermos em conta que o autor é capelão major reformado, serviu nas Forças Armadas durante 30 anos e tem pelo menos duas condecorações (ele, por modéstia, não o diz). 

Além disso, "não se trata da despedida de um Batalhão, mas de um contingente da PSP; o fardamento (nomeadamente os capacetes com a estrela de seis pontas do respetivo crachá) e a presença do Ministro do Interior, Santos Júnior na ponta direita da foto assim o indiciam"
 (A explicação é dada pelo nosso  camarada Eurico Dias, ex-alf mil, CCaç 4142/72, "Os Herdeiros de Gampará", Gampará, 1972/74).

Fonte: "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira (ed. de autor, Vila do Conde, 2025, pag. 23).


1. Não é seguramente o padre Bártolo Paiva Pereira que aparece na foto a benzer (com o hissope ou o asperge) o guião de mais um  batalhão que partia para Angola, ou melhor, de um contingente da PSP (Polícia de Segurança Pública). 

Não lhe façam essa maldade, a  ele que passou pelos 3 TO (Angola, 4 anos, Guiné, 2 anos, Moçambique, 4 anos), que foi capelão do Copcon e do Regimento de Comandos da Amadora, em 1975,  que demonstra grande estima, afeto e admiração pelo seus militares, e em especial pelos seus "comandos", enfim, alguém que, voluntariamente (!), passou a 1/3 da sua vida ao serviço da sua "família militar"...  Enfim, um homem e sacerdote que diz: "A minha Pátria é o Hélder" (o 1º cabo que ia à sua frente, e que morreu numa emboscada, em Cabinda, em 1962, na floresta do  Maiombe, e que terá salvo a vido seu "capelão") (*)

Não se consegue identificar a unidade que parte para Angola. Mas sabemos que não é do Exército, e um contingente da PSP. Pela legenda, terá sido  nos anos de 1961/62, portanto ainda no princípio da guerra. 

Ampliando a imagem, vê-se que o capelão da foto é já graduado em capitão. O Bártolo ainda era nessa data um alferes, com 26/27 anos (será graduado em tenente em 1963, capitão em 1965 e em major já em 1973; além disso, a sua experiência como capelão militar é no Exército.

A fotografia que encima o capº 2 ("Assistência Religiosa às Forças Armadas: Orgânica e Pressupostos" (pp. 23-44) merece uma legenda crítica por parte do autor do livro, o padre Bártolo Paiva Pereira, hoje major na situação de reforma:

  "A fotografia que abre este capítulo, é uma provocação " (sic) (pág. 23).

Uma "provocação" ?  Não, na época, mas à luz dos dias de hoje... O "aggiormanento" da Igreja Católica, mal começara. (O Concílio Vaticano II, vai de 11/10/1962, 1ª sessão, até 8/12/1965, 4ª e última sessão)... 

O que o autor pretende dizer é que os capelães não serviam (nem podiam servir) para "turiferar a guerra e as máquinas de guerra" (pág. 39)...  "Turiferar", diz o dicionário é  "queimar incenso em honra de; incensar" (em sentido figurado,  adular; lisonjear).

Este é um velho debate, entre a "corporação" e os historiadores, que ultrapassa o âmbito desta simples recensão. Segundo o autor, esta "cerimónia de despedida", esta encenação, centrada na figura do capelão, benzendo guiões e flâmulas, terá sido de "curtíssima duração" (sic) (pág. 23).

Não nos parece: visionámos vídeos antigos da RTP Arquivos (um de 1961 e outro de 1971): em ambos ainda vamos encontrar o capelão perfeitamente integrado na cerimónia de despedida, munido da sua "caldeirinha de água benta" e do "hissope" (ou asperge):
(vídeo 2' 17'')  (sem som)

"Vila Nova de Gaia, Serra do Pilar, contingente militar do Regimento de Artilharia Pesada Nº 2 (RAP 2) recebe a bênção e guião durante a cerimónia de despedida, a propósito da sua partida em missão de serviço para o Ultramar".
(vídeo 2' 44'') (sem som)

"Vila Nova de Gaia, Serra do Pilar, contingente militar do Regimento de Artilharia Pesada Nº 2 (RAP 2) recebe a bênção, guiões e flâmulas durante a cerimónia de despedida, a propósito da sua partida em missão de soberania para o Ultramar".

No espaço de 10 anos a cerimónia não mudou, pelo menos na Serra do Pilar, no RAP2: os militares já não usam é capacetes de aço... mas o capelão não dispensa a caldeirinha da água benta e o hissope...

Fica-se com a ideia de que o autor, enquanto capelão, perdeu um pouco o contacto com o "terreno", ao  passar, na Guiné, em 1965/67,  a chefiar o serviço religioso, a trabalhar no QG/CTIG ou a viver  no  "Vaticano" (o edifício ou moradia onde estava instalado o capelão-chefe, em Bissau), longe dos quartéis do mato). (Curiosamente, ainda não descobrimos a localização do "Vaticano", na Bissau Velha.)

Neste 2º capítulo faz-se também o "historial" da capelania militar, desde a I Grande Guerra. Dispensamo-nos de entrar aqui em grandes detalhes. Mas recomendamos a sua leitura a quem quiser saber mais sobre o tema.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > 1941 > O primeiro Natal passado na ilha. Foto: arquivo de Luís Henriques (1920-2012) / Luís Graça (202o)


Foto (e legenda): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Também houve (e muitos, algumas dezenas de milhares de) expedicionários na II Guerra Mundial. Alguns dos nossos pais estiveram em Cabo Verde, outros nos Açores, ou na Madeira, quiçá em Angola e Moçambique.

Estranhas-se,  por isso, que, no auge da "glória" do Estado Novo, no princípio dos anos 40, não houvesse capelões militares,  ou pelo menos um embrião de serviço de assistência religiosa aos nossos militares, destacados em missão de soberania para as ilhas atlânticas (Madeira, Açores, Cabo Verde) bem  para outras partes do império (nomeadamente Angola e Moçambique). Diz o autor:

"Portual não entrou na 2ª guerra mundial (1939-145). Por isso, não houve capelães destacados para esse conflito mundial" (pág. 24)...

Não é bem assim, estimado padre Bártolo, está a esquecer-se do caso de Timor onde, numa lista dos cerca de uma centena de portugueses mortos durante a ocupação japonesa (1942-1945),  há pelo menos quatro padres católicos:
  • Padre António Manuel Pires, missionário (assassinado em Ainaro, a 2 de outubro de 1942);
  • Padre Norberto de Oliveira Barros, missionário (idem);
  • Padre Abílio Caldas. missionário, natural de Timor (assassinado em Barique, em data ignorada):
  • Padre Francisco Madeira, issionário (foragido, morto no mato, na região de Lacluta, em data ignorada).
E de entre os mais de 40 mil timorenses que se estima terem morrido (ou sido mortos), durante a ocupação japonesa, muitos seguramente seriam católicos ou cristãos.

Ficamos a saber, isso sim, é que "só em 29 de maio de 1966 foi erigida canonicamente a Diocese Castrense", por acordo entre a Santa Sé  e o Governo de Portugal (pág. 24), sendo essa data a da "oficialização" do serviço  de assistência religiosa nas Forças Armadas, cinco anos e tal depois do início da guerra em Angola. 

O primeiro bispo castrensne seria o próprio Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira. E só no ano seguinte, 1967, se realizou o 1º curso  de capelães.

Isto quer dizer que até então todos os capelães militares eram voluntários, foi o caso do padre Bártolo.

(...) "De início os capelães eram mobilizados na base do voluntariado. Aconteceu comigo e com muitos outros. 

As Forças Armadas pediam à Igreja um sacerdote para enquadrar os seus batalhões. E a Igreja arquitetou um plano militarmente bizarro, pastoralmente muito acertado. (...) 

A Igreja nunca concedeu padres ao Estado, apenas os emprestava por um período de vinte anos, ou até se alcançar o poste de major. Findo esse tempo, voltavam à diocese. A imposição aparece com o primeiro Curso Oficial de Capelães, em 1967 (...) (pág. 52, negritos do autor).

E parece que essa medida eclesiástica não foi de todo pacífica:

(...) "Começa a obrigatoriedade  da mobilização. Começa o conflito eclesiástico. Começa o sarilho  da relação de muitos padres com os seus superiores religiosos, Começa o choro da  consciência  de alguns reverendos que não desejavam  exercer a pastoral castrense  em clima de guerra" (pág, 52)...

Temos no nosso blogue várias histórias desse conflito, que começa por ser um conflito de consciência... 

O padre Bártolo também refere e analisa o caso de vários antigos capelães, três dos quais mais polémicos, o meu  primo Horácio Fernandes, o Padre Mário de Oliveira (ou Mário da Lixa) e o Arsénio Puim... Todos eles membros da nossa Tabanca Grande. O Mário da Lixa, já falecido, infelizmente. Os outros dois acabaram por pedir a "redução ao estado laical", um tabu antes do Concílio Vaticano II. (**)

 (Continua)
___________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. postes anteriores da série:




(**) Poste anterior da série > 29 de setembro de 2025 > 7 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27291: Notas de leitura (1847): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte II: "Ó Beatle, queres mesmo ir para a Guiné ?", perguntou-lhe o antigo patrão, o sr. António Muchaxo... (Luís Graça)

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27276: Notas de leitura (1845): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte III: "A minha Pátria é o Hélder" (Luís Graça)




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Fonte: Excertos de Bártolo Paiva Pereira - "O capelão militar na guerra colonial". Edição de autor, Vila do Conde, 2025, pp. 13-18.


1. São as páginas talvez mais pessoais, mais sentidas, do autor:  com 26 anos, minhoto, solteiro, sacerdote católico, acabado de ordenar (há ano e meio), "soldado sem instrução", oferece-se para o serviço religioso do exército em 1961, já em plena guerra de Angola, 

Graduado em alferes capelão, segue com o BCAÇ 321 para Angola em outubro de 1961. Descobre uma nova "família", a sua terceira (depois da família biológica e do seminário).  E descobre que a sua Pátria é o Hélder... 

No dia 27 de maio de 1962, sete meses depois de chegar a Angola, participava voluntariamente numa operação, em Cabinda. "Caímos numa emboscada, na localidade de Sanda Massala, norte de Cabinda. À minha frente, o Hélder, cai atingido e logo morreu" (pág. 17). 

Se calhar foi ali, nesse dia, que o padre Bártolo descobriu verdadeiramente o que era a Pátria. Não, não é uma figura de retórica, a Pátria são  as pessoas, as pessoas que têm uma identidade, um rosto, uma história de vida:

(...) "A minha Pátria andava mal definida no coração (...). O meu patriotismo nunca me levou às terras carismáticas do mundo e dos homens. Nem aos Lugares Santos. Nunca visitei o cemitério de Vimieiro. Nem me sai da cabeça a cova, onde enterrámos o Hélder" (...) (pág. 17).

(...) A cova onde enterrámos o Hélder foi logo ali, após o inimigo nos deixar. O seu corpo, mais tarde, foi recuperado por camaradas, que cumpriram  um dever militar" (...) (pág. 18). 

Mas o autor não acrescentou que os restos mortais do  1º cabo Hélder Tavares Amaral, foram inumados em Sanda Massala (no cemitério local ?), Cabinda, Angola, a 8 mil km da sua terra natal, Vila Cortês da Serra, Gouveia.

Foi o único morto do batalhão... Comenta o antigo capelão,citando o filósofo alemão Peter Sloterdijk: "A ossatura simboliza o fim que cada ser vivo traz já consigo". E acrescenta, agora da sua lavra: "Em teatro de operações, deixar 'essa ossatura' brada aos céus. Aconteceu, infelizmente, com muitos cadáveres. no início da guerra, onde tudo era mais precipitado que arrumado" (pág. 19).

(Continua)






Excertos da caderneta militar do nosso camarada Bártolo Paiva  Gonçalves Pereira (pág. 35)

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Nota do editor LG:

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27274: Notas de leitura (1844): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte II: "O silêncio de Salazar foi o início da guerra em Angola" (Luís Graça)

 


Angola > Cabinda > BCAÇ 321 (1961/64) > c. 1962 > O alferes graduado capelão Bártolo Paiva Pereira na foresta de Maiombe

Foto (e legenda): © Bártolo Paiva Pereira  (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Capa do último livro de Bártolo Paiva Pereira (n. 1935, Santo Tirso). 
Edição de autor, Vila do Conde, 2025, 120 pp.


1. Neste livro de memórias e que é também a apologia da capelania militar (ou da "pastoral castrense") (*), o autor escreve:

"O 'nosso Capelão' , assim nos tratam os militares, é modo carinhoso , revelador dum caráter  familiar de muita proximidade e estima entre a classe militar. Eu, como centenas de colegas, aceitei ser esse 'nosso Capelão', durante a guerra colonial, sem o cinismo da heroicidade, o que permitiu às ideias não resvalarem para idiotices" (pág. 11).

Major do exército, ao fim de 30 anos de serviço nas Forças Armadas como capelão  o padre Bártolo PaivaPereira publica este livro no 64º aniversário da sua 1ª mobilização para Angola... 

E foi essa comissão que o marcou de maneira indelével.  Dedica-lhe as primeiras páginas, as mais pessoais, e ao fim ao cabo as únicas do livro, embora tenha passado também por outros teatros de operações (Guiné e Moçambique).

Na Guiné, de que fala pouco, ou quase nada, sabemos que não foi propriamente capelão, mas sim capelão-chefe do serviço religioso do CTIG, entre dezembro de 1965 e fevereiro de 1968. Não sabemos, por exemplo, se alguma vez saiu de Bissau...

De resto não chegou a conhecer  lá  o brigadeiro e depois general António Spínola, governador e comandante-chefe que rendeu o general Arnaldo Schulz. (Sobre este, seu comandante,  não tem uma única palavra.)

Angola terá sido foi a sua "eleita do coração", passou lá quatros anos, de acordo com a informação que encontrei no portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar. 

No livro, falta uma resenha com o seu CV militar. Sabemos que foi  capelão de duas unidades em Angola:

  • BCaç 321 (nov 61 / jan 64);
  • GAC 1 (Grupo de Artilharia de Campanha) (mar 64 / dez 65).

Passou igualmente quase quatro anos em Moçambique (set 71 / jun 75).

Ainda de acordo com a mesma fonte, foi graduado em alferes capelão em 1961, tenente em 1963, capitão em 1965 e major em 1973. De 1975 a 1981 foi ainda capelão no Regimento de Comandos da Amadora e depois no Instituto dos Pupilos do Exército, tendo-se reformado como major do Exército em 1981. Vive hoje em Vila do Conde. É natural de Santo Tirso.

Na realidade, o próprio autor define o propósito e delimita o âmbito do livro: não é propriamente a sua história de vida, embora contenha notas autobiográficas, é essencialmente "um livro sobre o perfil e o múnus do Capelão Militar, destacado para o conflito", ou seja, para a "guerra colonial" (sic),  mas em que também se fala de lembranças e de amizades, de pessoas que ele foi conhecendo, "quando servi o Exército, em África",  durante a guerra colonial e em tempo de paz" (pág. 87)... 

No cap 5 (Pessoas & Acontecimentos, pp.  87 e ss.), o padre Bártolo evoca militares que são figuras públicas  (do Carlos Matos Gomes ao Jaime Neves, do Otelo ao Salgueiro Maia, do Spínola ao Costa Gomes), todas já falecidas com exceção do gen Ramalho Eanes. Pelo menos os três primeiros (Matos Gomes, Jaime Neves e Otelo), ele conheceu-os, foi capelão deles.

Também  evoca (e traça o perfil de) 10 dos capelães militares, seus pares, alguns dos quais seus subordinados, entre os quais o conhecido Padre Mário da Lixa, já falecido: "Viveu comigo na Guiné, na Chefia do Serviço, cumprindo os dias de prisão a que foi submetido" (pág. 57).

Numa primeira leitura, rápida e agradável, o livro pareceu-me desigual e fragmentado. É  um homem lido, culto, vivido oriundo de uma diocese como a de Braga (reconhece "a diferença de mentalidade e cultura" entre a sua diocese e a de Lisboa, ao tempo do Cardeal Cerejeira)... 

Enfim, é um padre que serviu duas "senhoras", duas instituições poderosas, a Igreja e o Exército, a Cruz e a Espada, e de quem, aos 90 anos, não se pode esperar um  livro abertamente crítico.  Para já, pretende colmatar uma lacuna: há centenas e centenas de livros sobre a guerra colonial, e tão poucos são os que falam do papel do capelão militar, queixa-se ele  (pág. 39).

É um livro de afetos e de doutrina (sobre a pastoral castrense). Mas, com a sua vasta experiência de vida, de 90 anos, como homem, cidadão, sacerdote e capelão militar, ainda é de esperar que ele publique a sua autobiografia, ou pelo menos um livro com as suas memórias mais pessoais. Tem, além disso, 30 anos  passados na Suíça, como sacerdote, no seio da comunidade lusófona, emigrante.


2. Curiosamente o autor é mais crítico  em relação à figura do António Salazar e à elite política do Estado Novo: (...) "o Salazarismo não acordou para a descolonização, cometendo o erro irreparável duma guerra perdida" (pág. 32). 

Mais:  Salazar terá ignorado todos os sinais de alerta em relação a Angola... "Esse silêncio de Salazar é sinal do início da guerra" (pág. 33).

(...) "Angola possuía muito e produzia bastante, exportava pouco e roubavam tudo. A sua riqueza (...) serviu  para uma desumana exploração do povo, anos a fio. (...) (pág. 32). 

É interessante a análise que o autor faz sobre os antecentes, as causas próximas  e  as  causas remotas da guerra. No se coíbe  de afirmar que "em Angola, a guerra começa no coração avarento da burguesia austral", isto é, na sua subordinação "aos interesses do capital financeiro" (pág. 34).

Mas onde está o seu coração ?... Sem sombra de dúvidas, na sua "3ª família", a família miliar, que vem a seguir à família consanguínia e da família do seminário...

Para já,  o que mais gostei foi o seu primeiro apontamento, a sua partida para Angola, aonde chega numa manhã de Todos-os-Santos, 1 de novembro de 1961. 

A bordo do T/T Vera Cruz,com "muita festa", com ele a tocar ao piano, a contragosto, a canção "Angola é nossa", vão três batalhões de infantaria (pelo que sabemos, o BCAÇ 317 e o BCAÇ 325, além do BCAÇ 321, que o autor, certamente por lapso, contabiliza em 3 mil homens, o que excedia em muito a lotação normal do Vera Cruz, que era de c. 1250 passageiros  + mais 300/350 tripulantes).

Tomamos a liberdade, e com a sua autorização, de reproduzir alguns excertos em próximo poste. (**)

(Continua)

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(**) Poste anterior da série > 29 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27268: Notas de leitura (1843): "Vestígios Portugueses no Senegal", edição da Embaixada de Portugal em Dacar, 2008 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Giuiné 61/74 - P27254: Notas de leitura (1841): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)


 Capa do último livro de Bártolo Paiva Pereira, padre da diocese de Braga, capelão militar, capelão-chefe do CTIG (1965/67); nascido em 1935, em Santo Tirso,  foi ordenado sacerdote em 1959, em Braga; foi capelão militar desde 1961, em Angola, e serviu nas Forças Armadas durante 30 anos (um caso raro de dedicação á Pastoral Castrense; é hoje major do exército na situação de reforma;  também exerceu o seu múnus espiritual no seio da diáspora portuguesa na Suíça; é autor de uma dezena de livros; vive em Vila do Conde, é vizinho e amigo do nosso camarada Virgílio Teixeira.

Esta última obra, que acaba de sair,  é edição de autor (Vila do Conde, 2025, 120 pp.). A capa é de Joaquim António Salgado de Almeida. Depósito legal nº 548769/25. Não tem ISBN. Impressão: Gráfica São João, Fajozes, Vila do Conde. 

O autor não tem endereço de email. Não sabemos se o livro está à venda. Nem como adquiri-lo.  Um exemplar autografado foi gentilmente oferecido ao nosso blogue. Agradecemos ao autor e ao Virgílio Teixeira, que no-lo enviou pelo correio. 

Oportunamente faremos mais notas de leitura. Esta é uma primeira apresentação. Para já temos a devida autorização para reproduzir excertos que possam interessar aos amigos e camaradas da Guiné.



Dedicatória autografada ao editor LG. Infelizmente o autor não conhece o nosso blogue.Mas registamos, com apreço, a oferta de um  exemplar do livro que iremos divulgar. Temos a sua autorização para o reproduzir no todo ou em parte. Interessa-nos particularmente a sua visão e o seu testemunho sobre o papel dos capelães militares durante a guerra colonial.

O capelão padre Bártolo Paiva Pereira (nascido em Lama, Santo Tirso, a 3 de setembro de  1935) conheceu o cap cav comando Carlos Matos Gomes (1946-2025), no Regimento de Comandos da Amadora, quando ali era capelão, a convite do então tenente-coronel, graduado em coronel, Jaime Neves (1936-2013). Já na altura era capelão graduado em major. Para um conhecimento detalhado do seu currículo militar, como capelão, vd. o portal UTW - Dos Veteramos da Guerra do Ultramar.



Índice da obra: demasiado descritivo e detalhado, ocupando 5 páginas e meia de uma obra que tem 120 pp., e é ilustrado com cerca de 2 dezenas de imagens.



Padre Bártolo Paiva Pereira
(n. 1935). Vive em Vila do Conde.
Foto: Virgínio Teixeira (2025)

1. No essencial, o livro, parcialmente autobiográfico e memorialístico, tem 6 capitulos: 1. Manhã de Todos os Santos: novembro de 1961; 2. Assistência religiosa às Forças Armadas; 3. O capelão  militar: perfis; 4. Ter uma Pátria na cabeça dói muito; 5. Pessoas & acontecimentos; e 6.  Para evangelizar não é preciso  aportuguesar.

O livro lê-se muito bem, num ápice. O autor escreve bem,  é expressivo, e tem uma excelente memória para quem já está na casa dos 90. Enviei anteontem, 23 do corrente, ao Virgílio Teixeira, uma primeira mensagem, que ele fará o favor de dar a ler ao nosso padre Bártolo:

Virgílio: fui levantar hoje o livro aos correios (na Lourinhã). Mas já estou em Alfragide. Fico-te muito grato pela gentileza. A ti e ao nosso capelão... Dei uma vista de olhos. Já percebi que o autor é pessoa lida, culta, experiente, viajada, frontal, inteligente...

Vou fazer várias notas de leitura (**) e reproduzir alguns excertos mais relevantes para a malta do blogue. É um testemunho imprescindível para a história 
da capelania militar. 

Tem, naturalmente, algumas inexatidões. Mas só vi por alto. Por exemplo, o padre Arsénio Puim, açoriano, capelão no meu tempo, em Bambadinca, só deixou o sacerdócio em 1979 (tenho que confirmar). Vou mandar alguns textos sobre ele, para o padre Bártolo o conhecer.

O Mário de Oliveira foi, sem dúvida, um homem e um padre mais polémico. Ainda ao tempo do Bártolo, e do gen Arnaldo Schulz. Depois de vir da Guiné, e antes de ir para a Lixa, foi pároco da freguesia onde se situa a nossa quinta de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses. Conheci-o no meu...casamento, no dia 7 de agosto de 1976. Lá em Candoz, já ele tinha saído desta paróquia.

Enfim, com tempo e vagar falaremos dos nossos capelães, todos eles estimados. O seu papel não era fácil. Dá os parabéns ao teu amigo, e nosso camarada. E que Deus lhe dê vida e saúde para poder continuar a escrever, a publicar e a partilhar connosco memórias de uma vida cheia. É um exemplo notável de como podemos continuar a caminhar na nossa picada da vida, a partir do km 90, de maneira ativa, proativa, produtiva e saudável. (...)

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Notas do editor LG:

(*) Vd. postes de:


14 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27218 Efemérides (467): Homenagem do povo de Vila do Conde, no passado dia 9, ao Padre Bártolo Paiva Gonçalves Pereira, capelão-chefe no CTIG (1966/67) e autor do recente livro de memórias "O Capelão Militar na Guerra Colonial" (Virgílio Teixeira, ex-Alf Mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, 1967/69)

(**) Último poste da série > 22 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27241: Notas de leitura (1840): Mais perguntas do que respostas nestas fotografias em tempos de Império (Mário Beja Santos)