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segunda-feira, 18 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23177: Humor de caserna (50): "O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. Conclusão: Siga a Marinha!": um documento do "Gasparinho" que ainda hoje nos suscita um sorriso amargo (António J. Pereira da Costa, cor art ref)



Guiné > Região do Oio > Nhamate > CART 3330 > 1971 > Uma peça de antologia do humor negro... castrense: "O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. Conclusão: Siga a Marinha!"  ...


1. Este documento foi-nos oportunamente remetido pelo António J. Pereira da Costa, cor art e membro da nossa Tabanca Grande, com a seguinte informação (*):

(...) Aqui vai uma nota escrita pelo célebre major Gaspar que inventou aquela expressão que ainda hoje usamos: Siga a Marinha!

In Os Anos de Guerra: 1961 - 1975: Os portugueses em África: Crónica Ficção e História. Organização de João de Melo - II Volume. S/l: Círculo de Leitores 1988. 190 (documento reproduzido com a devida vénia...).

Leiam-na com atenção e vejam se ela não é um tratado de logística da Guerra Colonial. É de um humor amargo, mas era a verdade. (...)


2. Fixação e revisão de texto, da responsabilidade do editor LG, de modo a tornar mais legível o conteúdo da mensagem:


Ministério do Exército | Comando Territorial Independente da Guiné

Mensagem nº 125/71 [classificada como Confidencial, Urgente), enviada pelo Comandante da CART 3330, SPM 6928, Cap Art José Joaquim Vilares Gaspar, dirigida ao Comandante da Engenharia, com conhecimento a CAOP1, RepOper/Com-Chefe, RepPop/Com-Chefe, RecAcap/Com-Chefe, e BCAÇ 2928. Entrada na Secretaria do Batalhão de Engenharia, nº 306, em 22/3/71.

Nhamate, 18 de Março de 1971.

Assunto - Quartel em Nhamate (ou mais propriamente abarracamento)

1. Exponho a V. Excia um dos assuntos mais vitais para a continuidade militar e humana de NHAMATE [, a leste de Binar: vd. carta de Bula].

2. Passo a descriminar [sic, em vez de discriminar]:

a) DEPÓSITO DE GÉNEROS

Quando chover fico sem pão pelo menos 15 dias. Julgo que não é muito agradável. Informo V. Excia que não como pão. Gordo estou eu.

E os outros géneros ? E os autos subsequentes ? Só problemas.

b) CASERNAS: 

Barracas de lona, todas oficialmente dadas incapazes. Na Birmânia, viveu-se assim 1 ou 2 meses. Os quadros vivem-no há 10 anos. E os milicianos (os meus, de certeza) “dão o litro” até ao fim. Os soldados dão tudo. Há que tudo lhes dar, na medida do possível.

c) CANTINA: 

E o tabaco ? Desde Napoleão e Fredy [diminuitivo de Frederico] da Prússia que o tabaco era uma das bases da eficiência do Exército. Como combater ou trabalhar sem o velho cigarrinho ? E outros géneros ? V.Excia, mais experiente, meditará sobre o assunto.

d) CASERNA DE CIMENTO: 

Único exemplar. Vou demoli-lo. Não tenho materiais. Solicito auxílio Engenharia.

e) MESS [sic, em vez de Messe]: 

Desde o início das chuvas desnecessita de garrafas de água. Basta as mesmas estarem abertas. Ponchos e gabardinas já temos.

f) CHAPAS DE ZINCO: 

Ao mínimo vento já voam no Quartel.

g) GABINETE D COMANDANTE E 1º SARGENTO: 

Com as chuvas eu e o 1º Sargento só temos a solução de entrar de escafandro, visto estar a 2 metros abaixo da superfície do solo.

h) O meu pessoal só pode transitar em canoas balantas. E alguns não sabem nadar. CONCLUSÃO: SIGA A MARINHA!


3. Este quartel tem se ser revisto por um Oficial de Eng[enharia], senão começo a construir um novo com os materiais dos REORD[ENAMENTOS], contra a norma, o que é aborrecido, contende com a disciplina e eu não gosto.

4. Agradecendo a boa atenção de V. Excia., gostaria de aqui ter como convidado um Senhor Oficial de Eng[enharia] a fim de concordar ou condenar as minhas asserções supras.

Cumprimentos,

O Comandante,
José Joaquim Vilares Gaspar, Cap Art



3. Comentário do editor LG:

Reproduzo, no essencial, o que escrevi na altura, há cerca de 14 nos atrás.

Repare-se no circuito da informação: uma simples mensagem, que devia ser de rotina, a pedir o apoio da Engenharia para se proceder a obras de reparação num aquartelamento  do interior (na realidade, um conjunto de barracos, como tantos outros), seguia para 6 (seis): o comandante do BENG 447,  com conhecimento a outras unidades,  incluindo três repartções do Com-Chefe!!!... 

Digam-me lá como se podia ganhar a guerra com tantos relés parasitas, porteiros, gate-keepers, típicos do disfuncionamento burocrático! ... 

De um exército em armas (que chegou aos 40 mil homens, no CTIG) quantos não haveria, do cabo ao sargento, do tenente ao coronel, com funções amanuenses, ligados à gestão da informação  e conhecimento?!

Milhares de homens, mangas de alpaca militares, escreviam notas como esta (seguramente menos geniais, divertidas, contundentes, demolidoras, corrosivas... como esta!), batiam-nas à máquina, expediam-nas, classificavam-nas, arquivavam-nas, retinham-nas, guardavam-nas na gaveta, analisavam-nas tardiamente, reencaminhavam-nas tarde e a más horas para o nível superior da hierarquia militar... 

Enfim, a maior parte das vezes estes homens não comunicavam devidamente, não recebiam resposta ou feedback positivo, continuavam perdidos e sós, nas Nhamates  e bu...rakos do mato da Guiné...

Pela primeira vez, em 2008, ouvi falar em Nhamate, na CART 3330 e no seu desconcertante e bravo comandante, o cap art Gaspar, tratado afetuosamente como "Gasparinhi"... 

Pergunta.se:

(i) será que a sorte dos homens que estavam em Nhamate melhorou ? 

(ii) será que nenhum morreu afogado na época das chuvas ? 

(iii) será que nunca lhes faltou o tabaquinho e a água de Lisboa

(iv) será que a Marinha seguiu mesmo ? 

(v) e o Gasparinho (que ternura de nome, posto pelos seus pares e usado pelos seus subordinados) não terá acabado na psiquiatria ? 

Sabemos hoje que acabou mesmo na psiquiatria e levou, ainda por cima,  dois anos de prisão disciplinar... Vejo que morreu cedo, coitado, em 1977... Um homem que tratava o Frederico da Prússia por Fredy merecia um estátua em Nhamate!

Tenho alguma relutância em classificar em poste na série Humor de Caserna... Embora ligeiro, soft, é o título que me acorreu primeiro... Mas podia ser outro qualquer, mais contundente, mais duro, mais agressivo, mais próximo do tempo e do lugar, algures na Guiné, longe do Vietname, como eu ironicamente costumava escrever, no tempo em que lá estive, em 1969/71.

4. Comentário adicional do António J. Pereira da Costa (*):

(...) Sobre este assunto quero acrescentar que não se tratava de uma situação de rotina, mas sim de um pedido para solução de um problema de instalações que se arrastava.

 Como podem ver,  o pedido era enviado às principais Repartições  do ComChefe que não estariam no circuito habitual para uma situação destas. Tratava-se, portanto, de fazer o "protesto" subir de tom para provocar a reacção de quem de direito. Sei que este desiderato foi atingido. 

Por mim considero este documento um verdadeiro tratado de logística, para além de uma prova de inteligêcia. (...)

26 de junho de 2008 às 23:07
_____________

Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 26 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2986: Humor de caserna (5): Siga a Marinha para Nhamate, mais abarracamento que aquartelamento (António José Pereira da Costa)

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23158: Humor de caserna (46): Histórias pícaras: O Gasparinho - Parte III (António J. Pereira da Costa / Luís Faria / José Afonso / José Borrego): (vi) Picagem automática: as rajadas de G3 em vez da pica; (vii) Mensagem-relâmpago: Quem viu passar as minhas chapas de zinco, levadas pelo tornado? (viii) Informo Vexa que Sexa passou na mecha


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Aspecto do edifício do Comando após o tornado de 25 de Abri... de 1971. A maior parte dos militares portugueses não estava famializarizado com as bruscas tempestades tropicais, os tornados, nem muito menos preparado para suportar o calor e a humidade do território... Até à natureza estava contra eles...

Foto (e legenda): Fernando Barata (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuamos  a recompilar histórias do (ou atribuídas ao) cap art José Joaquim Vilares Gaspar, o primeiro de três comandantes que teve a CART 3330 (Nhamate e Bula, 1970/72), entretanto promovido a major: ainda  no CTIG, seria 2.º cmdt do BA 7 e  faria uma breve passagem pelo COP 6, em Mansabá, antes de ser evacuado para a Metrópole, alegadamente por problemas psiquiátricos. (Vd. aqui os comentários ao Poste P23156, dos nossos camaradas António J. Pereira da Costa,  Carlos Vinhal e Francisco Baptista,) (*)

No CTIG ficou conhecido pelo "nick name" Gasparinho, sendo um oficial querido entre a sua tropa e até entre aqueles que o conheceram. Apesar de (ou talvez por) as suas "excentricidades". Faleceu por volta de 1977.

O António J. Pereira da Costa comentou (*):

(...) Fui amigo do major Gaspar. Procurarei fazer umas rectificações. Creio que foi em princípios de 1972, que o major Gaspar tomou o comando do COP 6, onde se demorou pouco tempo (talvez um mês). Efectivamente, numa ida a Bissau, ele e outro camarada, terão andado aos tiros à Bandeira, à passagem por Nhacra (?) , após o que foi evacuado para a Metrópole, com problemas psiquiátricos.

Do que sei dele vi que era um frequentador de bares. Porém tinha atenuantes pois andava naquela vida desde a passagem pelo Estado da Índia Portuguesa. Casou lá, com uma senhora indiana (inglesa) de quem se terá divorciado, em poucos anos.

Não esteve prisioneiro, mas a vida correu-lhe mal, por lá. Na Guiné, andaria, pois "destroçado e enojado" e eu acrescento cansado e saturado, sendo um homem inteligente e frontal, a vida que levava era-lhe penosa. Em Bissau na companhia do tal camarada que veio com ele de Mansabá, fez alguns distúrbios.

Conheci-o na EPA (Escola Prática de Artilharia), num curso que frequentámos com diversos camaradas e vi que estava claramente perturbado. As histórias que dele se contam têm (muitas) um fundo de verdade.(...) 

Eis mais um depoimento sobre ele, e mais uma história,  desta feita pelo nosso saudoso Luís Faria  (1948-2013), ex-fur mil inf MA,  CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) (Vd. poste P4657, de 8/7/2009).


Histórias pícaras > Gasparinho
 
(vi) Picagem automática: as rajadas de G3 em vez da pica

(...) Um dia, creio que pelo final da manhã, fomos surpreendidos por disparos de G3 vindos da direcção da estrada de Bissorã e cada vez mais próximos. Ficados à defesa, depara-se-nos uma nuvem de pó cada vez mais próxima, até que avistámos duas viaturas que a antecediam: da primeira, com a pica G3 na mão, apeia-se o Cap Gaspar (Gasparinho) que era por demais falado pelas estórias que dele se contavam e contam (já referenciadas neste Blogue) e que, veio de Nhamate ao nosso burgo, se bem recordo, em missão de cortesia apresentar os cumprimentos de boas-vindas ao Cap Mil Mamede e dar uma de conversa com o pessoal e uns copos à mistura bem bebidos!!

Apesar do pouco tempo em presença, recordo-o como um homem educado e alegre, simpático e bonacheirão, terra-a-terra sem papas na língua e valente, que me pareceu gozar com a guerra e com o sistema, em especial com a hierarquia dominante, (seria curioso ver a resposta que daria ao nosso AB, o Almeida Bruno!!) o quem julgo, contribuía em parte para a estima que a sua rapaziada lhe tinha e demonstrava. 

Podiam dizer que ele funcionava assim por estar bem encostado!? Que fosse? Não me pareceu nada dar-se ares de importante e muito menos egocêntrico, como outros!

Acabada a visita, lá se montaram ele e a sua rapaziada nas viaturas, qual vedeta cinéfila aos olhos do pessoal sorridente que presenciava a sua partida, na esperança de um regresso para breve, mas que não mais aconteceu. Foram na verdade umas horas diferentes e marcantes, pela positiva.

Pena não ter havido muitos como o Gasparinho, que com todos os seus defeitos e virtudes era ao que parece, um raio de sol para a sua Rapaziada e por aquelas terras de sofrimento. Que esteja em Paz! (...)

Luís Faria
 
O José Afonso, ex-fur mil at cav, CCAV 3420 (Bula, 1971/73), a companhia do Salgueiro Maia, já aqui outra variante desta  história: vd. (iii) Reconhecimento pelo fogo, na picada de Nhamate-Binar (**).

A história seguinte também foi aqui contada pelo José Afonso:


(vii) Mensagem-relâmpago: quem viu passar as minhas chapas de zinco, levadas pelo tornado ?


(...) Em Nhamate (, sede da CART 3330, 1970/72), como em toda a Guiné de vez enquanto aconteciam pequenos tornados, anunciando que pouco tempo depois iria chover torrencialmente. 

Uma das vezes voaram as chapas que cobriam algumas casernas do destacamento de Nhamate. 

Então o Capitão Gasparinho envia uma mensagem a todas as Unidades, com grau de urgência relâmpago, nos seguintes termos:
- Solicito e informem se viram passar as minhas chapas de zinco!

(O grau de urgência relâmpago obrigava a cessarem todas as comunicações rádio, pois era normalmente utilizado para pedir evacuações aéreas, quando havia vidas em perigo,) (...)

Há uma outra variante desta história, aqui conta pelo José Francisco Robalo Borrego (Poste P4628 de 2/7/2009);

(...) A certa altura o pessoal do BEng 447 foi colocar chapas de zinco nos telhados das casernas (barracões?) da companhia. 

Passados uns dias um tornado muito forte arrancou as ditas chapas e nunca mais ninguém as viu. O inevitável capitão Gaspar perguntou ao BEng por mensagem mais ou menos nestes termos: "Solicito informe se chapas colocadas nesta em tal data… regressaram à sua Unidade de origem" (...) 

José Borrego

A história seguinte também já foi contada pelo José Afonso:


(viii) Informo Vexa  que Sexa passou na mecha!

(...) Durante o período do Natal, o General Spínola visitava todas ou quase todas as tropas aquarteladas na Guiné, mesmo aquelas estacionadas em sítios mais perigosos. Deslocava-se quase sempre de Heli e um Heli-Canhão de apoio. Nestas deslocações toda a zona onde ele circulava e os sectores envolventes tinham instruções para toda a rede de rádios estar em escuta permanente. 

Como estava prevista a ida a Bula, o Comandante do Batalhão de Bula ordenou que a Companhia do Capitão Gaspar informasse a sede do Batalhão logo que os hélis sobrevoassem Nhamate e se deslocassem para Bula.

Considerando a importância da missão, o Capitão Gaspar achou conveniente ir pessoalmente para o rádio e, assim, logo que ouviu barulho dos hélis a aproximarem-se chamou o comando do Batalhão de Bula ao rádio e informou:
- Informo Vexa (vossa excelência) que Sexa (sua excelência) passou na mecha !!! Terminado.

No dia seguinte todas as unidades do Teatro de Operações da Guiné receberam a seguinte mensagem:
- A partir desta data é expressamente proibido o uso de abreviaturas SEXA e VEXA. (...)



[ Seleção / Revisão / Fixação de textos e títulos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]
___________


(**) Vd. poste 9 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23154: Humor de caserna (44): Histórias pícaras: O Gasparinho - Parte I (António J. Pereira da Costa / José Afonso): (i) Siga a marinha; (ii) E viva a Pátria! Viva o nosso General!... Puuum"!; (iii) Reconhecimento pelo fogo, na picada de Nhamate-Binar; (iv) Não há rádios AVP1? Então mandem-me... o Teixeira Pinto!

sábado, 9 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23154: Humor de caserna (44): Histórias pícaras: O Gasparinho - Parte I (António J. Pereira da Costa / José Afonso): (i) Siga a marinha; (ii) E viva a Pátria! Viva o nosso General!... Puuum"!; (iii) Reconhecimento pelo fogo, na picada de Nhamate-Binar; (iv) Não há rádios AVP1? Então mandem-me... o Teixeira Pinto!

Guiné > Região de Cacheu > Carta de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhamate, sede da CART 3330 (1970/72) com destacamentos em Manga, Changue e Unche... E ainda Ponta Cuboi (à direira(. À esquerda do mapa ficava João Landim. Na parte superior do mapa, a uns escassos quatro quilómetros, a noroeste de Binar, ficava uma base do PAIGC, o temível Choquemone.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)



Guiné > Região do Cacheu  > Binar > Nhamate > CCAÇ 13 > 1970 > Tratava-se de um reordenamento, tendo a população sido substraída ao controlo do PAIGC. As NT tiveram que construir um aquartelamento de raíz. Vivia-se em tendas. "A nossa missão junto da população foi calma, em geral mostrou-se afável e colaborante, embora fosse clara a tristeza por abandonarem a sua antiga casa. Notou-se alguma influência da guerrilha, pois dois elementos da população (guerrilheiros?) chegaram a desafiar abertamente a nossa autoridade, um acabou por ser preso e o outro por ser morto, depois destes incidentes, as relações com a população foram sempre excelentes. Este reordenamento, tinha não só o objectivo de retirar a população do controlo do PAIGC, mas também de reforçar a defesa nesta zona, dado que com os novos foguetões 122 mm, seria fácil à guerrilha atingir Bissau a partir daqui... " (Carlos Fortunato). Foto do álbum de  Adriano  Silva, ex-fur mil da CCaç 13 (Bissorã, 1969/71).

Foto (e legenda) : © Carlos Fortunato (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Às voltas com os "escritos" do José Afonso sobre o seu comandante, Salgueiro Maia (que morreu há 30 anos),  e os seus camaradas da CCAV 3420 (Bula, 1971/73), descobri, em postes já publicados, mas dispersos, várias referências ao cap art (depois promovido a major, 2.º camdt do BA 7) José Joaquim Vilares Gaspar, o primeiro de três comandantes que teve a CART 3330 (Nhamate e Bula, 1970/72).

É uma figura da qual se contam também "histórias pícaras", aqui lembradas por quem o conheceu  ou foi seu contemporâneo: casos do António J. Pereira da Costa, seu amigo, mas também  José Afonso,  José Borrego, Luís Faria... Achámos por bem recuperar essas histórias. Publicando um primeiro de vários postes na série "Humor de Caserna".

Infelizmente não temos nenhuma foto dele, nem grande informação sobre a vida do militar e do homem. Julgamos que antes da Guiné terá passado por Angola e Moçambique. Infelizmente também já morreu, há muito (c. 1977).

No sítio Memórias d'África e d'Oriente, encontrámos a seguinte referência bibliográfica:

[84547]  GASPAR, José Joaquim Vilares
Aí estão eles... carta do meu amigo Luís de Sá / José Joaquim Vilares Gaspar
In: Polícia Moçambique. - nº 6 (Nov. 1968), p. 7-8, il.
Descritores: Moçambique | Literatura
Cota: 3166|IICT


Histórias pícaras > O Gasparinho


(i) Siga a Marinha!

O primeiro a falar dele no nosso blogue, em 2007, no poste da sua apresentção à Tabanca Grande (*),  foi  o António J. Pereira da Costa, seu amigo, também ele da arma de artilharia, a propósito da famosa expressão "Siga a Marinha" (cuja autoria lhe é atribuída, indevidamente ou não, veremos isso mais tarde):

(...) Esta frase foi inventada pelo capitão José Joaquim Vilares Gaspar, mais tarde major, ainda na Guiné (no GA 7) e falecido por volta de 1977. Era o célebre Gasparinho de Quibaxe (Angola) de quem se contam muitos ditos e anedotas, quase todas verdadeiras, embora incríveis.

Salgueiro Maia fala dele no seu livro  [Capitão de Abril - Histórias da Guerra do Ultramar e do 25 de Abril, 1994]   (...) e na Fotobiografia da Guerra Colonial (Circulo de Leitores) (...)  transcreve-se uma nota que ele escreveu, na Guiné, expondo a situação do seu quartel em Nhamate, "mais propriamente abarracamento": Siga a Marinha que o Exército já lá está e Força Aérea já anda no ar há meia-hora. (...)

Era assim que ele a dizia. Talvez um desabafo ou uma crítica ou até um bordão para se sentir vivo. Não o dizia com qualquer espécie de humor. Conheci-o bem. Era um homem sério, muito inteligente, bom condutor de homens e com uma capacidade de crítica muito apurada, mas que bebia bastante. Além disso, a inteligência e a capacidade de crítica são uma mistura explosiva" (*)


(ii) E viva a Pátria! Viva o nosso General!... Puuum"...

Outra referência a este militar, carinhosamente conhecido como Gasparinho, foi feita pelo José Afonso, ex-fur mil at cav, CCAÇ 3420 (Bula, 1971/73) quando esteve destacado em Nhamate com o seu 3.º Gr Comb, de 19 a 24 de Novembro de 1971, fazendo segurança a Bissau.  Fou nessa altura que ouviu os militares da CART 3330 (que guarnecia Nhamate e mais os seus destacamentos: Manga, Unche e Changue).

(...) Achamos estranho quando no primeiro dia, ao pôr-do-sol, toca o clarim para a formatura do arriar da Bandeira. É formada a secção em frente mas o engraçado é que depois da bandeira descida, em vez de o Furriel mandar direita volver, manda meia volta volver. E, nesta posição, de costas para o pau da bandeira, cantava-se:
- E viva a Pátria, viva o nosso General! 

Ao mesmo tempo mandavam como que um coice e gritavam:
- Puuum!!! (...)

O Comandante desta Companhia, a CART 3330 (vd. ficha a unidade a seguir),  inicialmente foi o célebre Capitão Gaspar, mais conhecido por Gasparinho, que como foi promovido a Major foi para a COP de Mansabá. 

Na altura que estivemos em Nhamate, o Capitão Gaspar já não estava mas as histórias contadas são hilariante e nem parecem ser reais. Eis algumas delas:

(iii) Reconhecimento pelo fogo, na picada de Nhamate-Binar

Semanalmente de Nhamate ia uma coluna a Binar buscar os reabastecimentos. 

Era uma longa picada que deveria ser picada devido à hipótese de haver minas na zona. Isso não se fazia. Ou se montava uma HK21 na primeira viatura e se varria a picada à rajada ou então o Capitão Gasparinho picava-a à rajada de G3, tendo para isso sempre ao lado um homem que assim que acabava um carregador de imediato lhe passava outra G3. 

Era como ele dizia o reconhecimento pelo fogo.


(iv) Não há rádios AVP1? Então mandem-me... o Teixeira Pinto!

Em Junho de 1971, Bissau é atacado por foguetões de 122 mm. 

À Companhia do Capitão Gaspar, a CART 3330,  é dada ordem para ocupar a Ponta Cuboi com um Pelotão, evitando outra possível flagelação de Bissau. Era difícil a esta Companhia dividir-se por 4 locais e a Companhia também não tinha rádios para o pessoal a destacar.

O Capitão Gaspar pedia muitas vezes através de mensagem algum material de que necessitava. Como já era demais conhecido em todas as Repartições de Bissau, quase nunca lhe era dado um sim. Desta vez pediu rádios AVP1. Responderam-lhe que Teixeira Pinto tinha sido o homem que havia pacificado a Guiné e conseguiu fazê-lo sem rádios. Resposta por mensagem:
- Então mandem-me o Teixeira Pinto.

Teixeira Pinto não veio mas o Capitão teve de cumprir a missão. Depois do Pelotão ter saído para Ponta Cuboi, enviou nova mensagem para Bissau:

Em referência às vossas mensagens, informo missão cumprida. Solicito autorização contratar 40 guardas-nocturnos a fim de garantir segurança às minhas posições.

O Pelotão de Ponta Cuboi fazia rotação entre os 4 locais da Companhia e patrulhava a zona 24 horas por dia. Ao sair para este patrulhamento, o Pelotão saía de modo muito original, com os homens equipados e armados em coluna de dois, cantando em coro, ao ritmo da marcha:

Cá vai a 30
Com arquinhos e balões
Vai P’rá Ponta Cuboi
Ver passar os foguetões!

(Continua)

2. Ficha de unidade:

Companhia de Artilharia n.º 3330

Identificação: CArt 3330

Unidade Mob: RAL 3 - Évora

Cmdt: Cap Art José Joaquim Vilares Gaspar | Cap Mil lnf José Alberto Palma Sardica ! Cap Mil Inf José Vicente Teodoro de Freitas

Divisa: -

Partida: Embarque em 14Dez70; desembarque em 20Dez70 | Regresso: Embarque em 13Dez72

Síntese da Actividade Operacional

Após a realização da lAO, de 04Jan7J a 30Jan71, no CMl, em Cumeré, seguiu em 02Fev71 para Nhamate, a fim de efectuar o treino operacional e sobreposição com a CCaç 2529.

Em 28Fev71, assumiu a responsabi Iidade do referido subsector de Nhamate, com destacamentos em Changue e Unche, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 2898 e depois do BCav 8320/72, sendo especialmente orientada para a coordenação dos trabalhos dos reordenamentos das populações da área e sua promoção socioeconómica.

Em 300ut72, foi rendida pela 2." Comp/BCav 8320/72, por troca, e foi deslocada para Bula, ainda na dependência do BCav 8320/72, onde permaneceu até 27Nov72, como subunidade de intervenção e reserva do sector e em serviço de guarnição.

Em 27Nov72, foi substituída em Bula por dois pelotões da 2.a Comp/BCav 8320/72 c seguiu para Cumeré, onde se manteve a aguardar o embarque de regresso.

Observações . Tem História da Unidade (Caixa n." 99 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág. 476.
_________

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21921: Tabanca Grande (515): António Afonso de Melo Graça, ex-Fur Mil Cav do EREC 2641 (Bula, Nhamate, Mansabá e Bachile, 1970/72) que se senta no lugar 837 da nossa Tertúlia


1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano António Afonso de Melo Graça(*), ex-Fur Mil Cav do EREC 2641 (Bula, Nhamate, Mansabá e Bachile, 1970/72), com data de 13 de Fevereiro de 2021, com a sua apresentação à Tertúlia:

Boa tarde Camarada

Aqui vai a minha inscrição. Anexo as duas fotos.

Especialidade: Reconhecimento Panhard (EBR) na EPC, Santarém no último trimestre de 1969. 
Colocado no RC3, Estremoz, início Janeiro 1970 para o IAO, com mobilização para os Dragões de Angola.

Apresentado a 7 de Janeiro 1970 são dados 6 dias de licença a BFIE, finda a qual redireccionado para o RC7, Lisboa. Já não ia para Angola, porque a Guiné precisava de nós...

Em Fevereiro de 1970 fui "encaminhado" para a Escola Prática de Engenharia, em Tancos, para fazer um curso em Minas e Armadilhas. Regresso a Lisboa (onde residia) ao RC7 para nova especialização, agora nas AML Panhard.

Em 8 de Agosto 1970 parte o EREC 2641 (2.ªfase) no n/m "Carvalho Araújo" para a Guiné. Escala no dia 14 o Mindelo, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde. Chegados "quais periquitos" a Bissau no dia 17 de Agosto 1970. No mesmo dia, sediados em Bula.

Durante a comissão de serviço fiz destacamentos em Nhamate, Mansabá e no Bachile.

Regresso a Lisboa a 24 de Junho 1972, voo num 707 da Força Aérea.

Após a chegada da Guiné fiz a licenciatura em Economia no ISE (ex ISEF). Durante 36 anos fui professor, os últimos 24 no activo a desempenhar funções de Presidente do Conselho Directivo da Escola Secundária Alfredo da Silva, no Barreiro.

Actualmente estou reformado.

Saudações.
António Afonso de Melo M. F. Graça

Parada do Quartel de Bula, Setembro de 1970 > Com a Panhard distribuída

********************

2. Comentário do editor CV:

Caro Afonso de Melo, sê bem-vindo à Tertúlia.

Permite-me que seja portador de um abraço de boas-vindas para ti, da tertúlia e dos editores deste Blogue, que te desejam boa estadia entre nós.

Permite-me um apontamento pessoal porque pertenci à madeirense CART 2732, unidade de quadrícula em Mansabá entre Abril de 1970 e Fevereiro de 1972.

Devo-te portanto muito, porque muitas foram as vezes que nos fizeste segurança nas inúmeras colunas auto que fazíamos para Sul, Mansoa, e para norte, K3, principalmente durante as obras de asfaltagem do itinerário entre o Bironque e o Rio Cacheu, em frente a Farim. Acredita que para além da segurança efectiva que nos proporcionava, o EREC 2641 muito contribuiu para o nosso conforto emocional nas deslocações quase diárias que éramos obrigados a fazer.

Tenho bem na memória aquela trágica noite de 12 de Novembro de 1970, com alguns estragos dentro do aquartelamento, como a enfermaria atingida, produto das armas pesadas do PAIGC, mas com piores consequências na tabanca onde arderam algumas moranças e pereceram 14 civis.

Como tu, também fiz um Curso de Minas e Armadilhas em Tancos, o meu o XXXIII, que decorreu entre Outubro e Dezembro de 1969.

Contamos contigo para registares aqui as tuas memórias e a actividade do teu EREC, não só na minha área de acção mas também nos outros locais onde os teus préstimos foram garantidamente importantes.

Deixo-te o meu abraço
Carlos Vinhal

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Notas do editor:

(*) - Vd. poste de 3 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21846: O nosso livro de visitas (208): Afonso de Melo, ex-fur mil cav, EREC 2641 (Bula, 1970/72)

Último poste da série de 18 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21914: Tabanca Grande (514): Eduardo Ablu, ex-fur mil, CCAV 678 (Ilha do Sal, Bissau, Fá Mandinga, Ponta do Inglês, Bambadinca, Xime, 1964/66): senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 836

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5822: Estórias avulsas (27): Do Cumeré a Canquelifá (João Adelino Aves Miranda, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/73)




1. O nosso Camarada João Adelino Aves Miranda, 1° Cabo Radiotelegrafista, da 1ª Cia do BCAÇ 4610/73 - Cumeré, Canquelifá, Nhamate -, 1974, actualmente emigrado na Alemanha, enviou-nos, com data de 15 de Fevereiro de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,

A minha curta passagem pela Guiné está de alguma forma preenchida de recordações, na sua maioria boas.


Do Cumeré a Canquelifá


No entanto, recordo-me, por exemplo, de que quando acabei o IAO no Cumeré e me tive de juntar ao resto da Cia, creio que em Piche, eu e outros camaradas fomos enviados para o aeroporto e, quando lá chegámos, deparámos com um NorthAtlas a voltar, de uma viagem, para trás, com um problema técnico num dos motores.

Ouvimos dizer que ia ser resolvido o problema, e que, depois do avião levar ao seu destino os soldados que nele viajavam, regressaria para nos levar a nós.

Não queiram saber o desatino que foi entre a maioria da malta, ouvindo-se aqui e ali: “Eu não entro naquele avião nem morto”.

Outros chegaram à conclusão de que, se o aparelho fosse e viesse, seria sinal de que a avaria tinha sido bem reparada.

De facto a aeronave foi e veio, e levou-nos também ao nosso destino sem problemas.

Continuo na dúvida se realmente o destino do avião era Piche ou Nova Lamego, mas estou mais inclinado para a segunda hipótese.

Logo que chegamos, tínhamos à nossa espera uma coluna auto, na qual embarcamos, e vieram avisar-nos que, muito provavelmente, iríamos encontrar ao longo da picada elementos do PAIGC, mas que, em princípio, não haveria qualquer problema, já que nesta altura estávamos no pós 25 de Abril.

Por via das dúvidas acharam melhor seguirmos com a arma em pronta a fazer fogo.

De facto encontrámos alguns elementos do PAIGC, com uma cara muito séria a olhar para nós, o que me deixou muito pouco à vontade.

Enfim, chegámos a Canquelifá e fomos recebidos pelos velhinhos como verdadeiros VIPS, tivemos direito a “reportagens televisionadas pela RTP” e tudo (estão a imaginar aquelas câmaras de televisão feitas de caixas de papelão).

Depois prestaram-nos as “honras da casa”, mostrando-nos o aquartelamento e alguns buracos no chão da parada, feitos (segundo eles nos diziam) por mísseis. Como a guerra tinha acabado, não me assustei muito.

Eu pensava, até ter lido aqui no blogue que ouve tiroteio em algumas zonas da Guiné depois do 25 de Abril, que tinham cessado completamente as hostilidades na Guiné, e dizia-o, então, a toda a gente com quem conversava.

Puro engano meu, pelo que tenho vindo a constatar.

Assim, fiz a minha estadia de um mês e sete dias, se não me falha a memória, a dormir em cima de umas tábuas durante esse período, porque os velhinhos fizeram o “favor” de levar com eles os colchões do quartel.

Durante esse tempo recebíamos a visita de soldados do PAIGC, com certeza para estabelecer os trâmites da entrega do destacamento com o nosso Capitão.

Lamento não ter fotografias dessa entrega, nem qualquer outra foto de Canquelifá.


Bissau > Bissalanca > Junto do avião > Eu em pé, à esquerda, e, ao meu lado, o Sold radiotelegrafista Guimarães, o Cantineiro da Cia (cujo nome não recordo), o 1° Cabo Operador Cripto Rijo. Em baixo, o 1° Cabo Radiotelegrafista Dinis e a seu lado o Sold Radiotelegrafista Magalhães.

Um abraço,
João Miranda
1° Cabo Radiotelegrafista da 1ª Cia, BCAÇ 4610/73


Emblema e guião de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5710: Tabanca Grande (201): João Adelino Aves Miranda, ex-1.ª Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/73 (Guiné 1974)



1. O nosso Camarada João Adelino Aves Miranda, 1° Cabo Radiotelegrafista, da 1ª CCAÇ do BCAÇ 4610/73 - Cumeré, Canquelifá, Nhamate -, 1974, actualmente emigrado na Alemanha, enviou-nos com data de 24 de Janeiro de 2010, a seguinte mensagem:


Camaradas,

Chamo-me João Adelino Aves Miranda e fui 1° Cabo Radiotelegrafista da da 1ª Companhia do BCAÇ 4610/73, Canquelifá, Nhamate, tendo embarcado no navio Niassa, no dia 9 de Abril de 74, embora o navio só tenha zarpado passados dois dias, a 11 de Abril, derivado ao atentado à bomba de que foi alvo.



Chegados à Guiné, fomos para o Cumeré, onde fizemos o IAO, e, cerca de um mês mais tarde, eu e outros especialistas seguimos num NordAtlas para Nova Lamego.


Aí chegados, transitamos para uma coluna auto que nos levou para Canquelifá, onde nos juntámos ao resto da companhia.

Sei também que estive em Nhamate.

Depois à medida que íamos entregando os destacamentos ao PAIGC, fomos regressando a Bissau, a pouco e pouco, em curtas viagens e consequentes estadias.

Mas depois irei contando o pouco que ainda me lembro. Quanto ao facto de aderir à Tabanca Grande seria uma honra se mo permitissem.

Para regressarmos a Portugal, embarcamos em Pijiguiti, no navio Uíge, em 14 de Outubro de 1974.

O mais curioso e engraçado é que tu e eu viajamos juntos, neste regresso a casa, ou seja viemos juntos para Portugal, pois segundo o que acabamos de descobrir na nossa troca de e-mails, naestat viagm do Uíge embarcaram em Bissau, 3 batalhões o meu 4610/73 (4 companhias), o 4510/73 (só com 1 companhia) e o teu 4612/74 (3 companhias).


Estou a viver na Alemanha e quando vou a Portugal de férias, fico em Torres Vedras, por isso, em relação ao nosso reencontro pessoal não fica esquecido, garanto-te.

Um abraço,
Joao Miranda
1° cabo radiotelegrafista da 1ª Cia do BCAÇ 4610/73


2. Camarada João Miranda, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, quero dizer-te que é sempre com alegria que recebemos notícias de um periquito, que esteve na Guiné, e, mais ainda quando ele está na diáspora.


Tal como o Luís Graça já referiu em anteriores textos colocados em postes no blogue, eu, tu e todos aqueles que constituíram a geração dos últimos “guerreiros” do Império, temos alguma coisa a contar para memória futura e colectiva, deste período sangrento da História de Portugal, que foi a Guerra do Ultramar.

Eu, pessoalmente, costumo afirmar que entregamos, incondicionalmente, ao IN aquele pedaço de terra, onde centenas de Camaradas nossos (irmãos, primos, amigos, etc.), que haviam falecido em combate, para que alguns pudessem dizer: “Isto aqui é Portugal!”

12 anos de manutenção de um legado histórico, mantido com muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sofrimento, morte…

Não apontando culpas a ninguém em especial (quem sou eu para as fazer), apenas me dói, bem no fundo da alma, ver nos últimos 35 anos o modo como os políticos portugueses tratam aqueles que, nos seus 21/22/23 anos, deram o seu melhor, como podiam e sabiam, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e enfiados em autênticos buracos feitos no lodo em meios completamente hostis e perigosíssimos…

Aguardamos que nos contes aquilo que ainda lembras e se tiveres fotografias daquele tempo, como por exemplo da entrega dos aquartelamentos, envia-nos para publicação.

Emblema e guião de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:


quarta-feira, 8 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4657: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (17): Dias em Binar -2

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 4 de Julho de 2009:

Carlos Vinhal

Aos Homens da Ponte da Tabanca Grande - Paquete das Recordações - e a todos os embarcados, não enjoados ou enjoados, mando o meu abraço e um bem-haja.
Mando também esta bagagem de “ Viagem…” na esperança que sirva para atenuar algum enjoo ou que pelo menos não o provoque ou agrave!

Até breve
Luís Faria


Dias em Binar – 2

Um a um os dias iam passando, por norma em batalhas com a mosquitada, com a canícula e com a falta de abastecimentos. Não recordo porque havia esta falta. Talvez por a estrada para Bula ser perigosa e tivesse que ser picada quase na sua totalidade, o que obrigava à respectiva segurança nas orlas das matas de entrada para o Choquemone? Por sermos só um grupo meio desfalcado, não sendo suficiente para as tarefas exigidas?? Não recordo, é uma branca!!

Na verdade a minha passagem por Binar está envolvida por um denso nevoeiro com algumas abertas. Espero bem que alguém que por lá tivesse andado dê uma ajuda na dispersão desta nevoeirada. Tenho esperança!


O Primata voador

Nessas abertas, para além do já narrado em poste anterior vejo a nossa camarata, num dos pavilhões, com as camas encimadas pelos omnipresentes dosséis aramados com pendentes anti-mosquito e cirandando por cima deles um pequeno e refilão macaco sagui (?) , pertença e companheiro do Fur Mil Madaleno, que muito o estimava. O bicho era um tanto agressivo mas ao mesmo tempo dado e não desdenhava uma boa brincadeira, se para aí estivesse virado!

A brincar a brincar, um a certa ocasião mandou-me uma dentada, o que provocou uma reacção rápida: uma punhada forte no dossel onde ele estava sentado, pela lei física da acção/reacção, fez com que o bichano não tivesse tido tempo de se agarrar e fosse catapultado, qual homem-bala para o espaço, conseguindo por sorte (?) ficar pendurado no travejamento de sustentação do telhado, que ainda ficava a uma considerável altura!

Como o primata voador de lá saiu não recordo, mas teve ajuda com certeza! Recordo sim a fúria do meu amigo Madaleno perante a situação. Quanto ao atleta voador, durante algum tempo, sempre que me via os seus olhos faiscavam, guinchava e dava às pernas e braços para longe.

Claro que a situação acabou por ter certa piada, e passou a ser normalíssimo vermo-nos, Madaleno incluído, a fazer do mosquiteiro catapulta, se bem que de modo mais suave. De início o bicho não descolava da rede, tal a força com que se agarrava com as patitas, mas quando se apercebeu que ninguém lhe queria fazer mal, começou a alinhar… e era um gozo apreciar a técnica elevatória equilibrista do artista e a sua aterragem, sempre uma incógnita!!

Afinal ele, a vedeta, também gostava de dar espectáculo e dos mimos que ganhava de seguida, desde que a catapulta não fosse accionada por alguém que aparentasse estar chateado!! Podia não conseguir agarrar o travejamento…!!!


Picagem automática

Um dia, creio que pelo final da manhã, fomos surpreendidos por disparos de G3 vindos da direcção da estrada de Bissorã e cada vez mais próximos. Ficados à defesa, depara-se-nos uma nuvem de pó cada vez mais próxima, até que avistámos duas viaturas que a antecediam: da primeira, com a pica G3 na mão, apeia-se o Cap Gaspar (Gasparinho) que era por demais falado pelas estórias que dele se contavam e contam (já referenciadas neste Blogue**) e que, veio de Nhamate ao nosso burgo, se bem recordo, em missão de cortesia apresentar os cumprimentos de boas-vindas ao Cap Mil Mamede e dar uma de conversa com o pessoal e uns copos à mistura bem bebidos!!

Apesar do pouco tempo em presença, recordo-o como um homem educado e alegre, simpático e bonacheirão, terra-a-terra sem papas na língua e valente, que me pareceu gozar com a guerra e com o sistema, em especial com a hierarquia dominante, (seria curioso ver a resposta que daria ao nosso AB, o Almeida Bruno!!) o que julgo, contribuía em parte para a estima que a sua rapaziada lhe tinha e demonstrava. Podiam dizer que ele funcionava assim por estar bem encostado!? Que fosse? Não me pareceu nada dar-se ares de importante e muito menos egocêntrico, como outros!

Acabada a visita, lá se montaram ele e a sua rapaziada nas viaturas, qual vedeta cinéfila aos olhos do pessoal sorridente que presenciava a sua partida, na esperança de um regresso para breve, mas que não mais aconteceu. Foram na verdade umas horas diferentes e marcantes, pela positiva.

Pena não ter havido muitos como o Gasparinho, que com todos os seus defeitos e virtudes era ao que parece, um raio de sol para a sua Rapaziada e por aquelas terras de sofrimento. Que esteja em Paz!

Com um abraço
Luís Faria
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4619: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (16): Dias em Binar - 1

(**) Vd. poste de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4628: Estórias avulsas (38): Histórias passadas na Guiné (José Borrego)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4628: Estórias avulsas (12): Histórias passadas na Guiné (TCor José Francisco Robalo Borrego)

1. Mensagem de José Francisco Borrego (*), Ten Cor na Reserva, que pertenceu ao Grupo de Artilharia n.º 7 de Bissau e ao 9.º Pel Art, Bajocunda (Guiné, 1970/72), com data de 29 de Junho de 2009:

Caríssimo Carlos,

Desculpa lá mais esta trabalheira! Começamos a puxar pela memória e depois vêm à superfície factos passados há quase 40 anos!

Faço votos para que te encontres bem na companhia da Excelentíssima Família. Ainda não foi este ano que nos conhecemos pessoalmente. Uns problemas domésticos impediram a minha ida ao convívio de 20 de Junho de 2009, que pelos vistos correu às mil maravilhas! Se Deus quiser para o ano, vou fazer os possíveis para estar presente.

Um abração de muita amizade do
José Borrego


HISTÓRIAS PASSADAS NA GUINÉ

Caríssimo Carlos Vinhal,

já faz algum tempo que não te aborrecia com trabalho deste género. Andei à procura nos recantos da memória e encontrei meio amarelas, mais umas histórias passadas na Guiné no período, 1970-1972, dando mais um contributo para o enriquecimento do património histórico e social da nossa Tabanca Grande. Se achares conveniente faz o favor de as publicar.

Em fins de 1970 (Outubro?), apresentou-se no Grupo de Artilharia n.º 7 (GA7) o Senhor major Gaspar, acabado de ser promovido, para assumir as funções de 2.º comandante do Grupo. O major Gaspar também conhecido por Gasparinho, comandava a Companhia de Artilharia 3330, estacionada em Nhamate e mais tarde em Bula. Era uma Companhia independente, cuja unidade mobilizadora foi o extinto Regimento de Artilharia n.º3 (RAL n.º3) em Évora.

O comandante do GA7 era o Senhor tenente-coronel Ferreira da Silva que tinha por alcunha o Assassino da Voz Meiga, porque ao dirigir-se aos seus subordinados fossem eles oficiais, sargentos ou praças tinha por hábito tratá-los por “filho”; "Ó filho isto, ó filho aquilo"... mas na hora de administrar a justiça e disciplina (RDM) era um “pai” pouco meigo.

Um dia tratou o major Gaspar por “filho” e, como este gostava pouco de paternalismos, terá advertido o comandante que pai só tinha um e que não admitia que o voltasse a tratar com tal “afecto”.

Devido ao feitio do comandante, ou talvez não, o certo é que não morriam de amores um pelo outro e segundo se dizia tinham muitas divergências e acesas discussões.

No dia de todos os Santos era tradição fazer-se uma formatura geral com representantes dos três Ramos das Forças Armadas em frente ao Palácio do Governador da Província, salvo erro.

A representação do Exército coube ao GA7 com a incumbência de enviar uma força para a cerimónia do dia de finados, força essa, que sob a responsabilidade do major Gaspar terá chegado ligeiramente atrasada ao local da formatura,  o que desagradou profundamente ao comandante perante o olhar das altas entidades.

Como cmdt e responsável máximo, o ten cor  Ferreira da Silva terá feito uma chamada de atenção ao major Gaspar, que não tendo gostado da “repreensão” em público, desatou aos berros e com insultos ao cmdt, sendo retirado do local por um oficial conhecido, pondo termo ao espectáculo deplorável!

Para quem conhecia a personalidade do major Gaspar, aquilo foi uma atitude perfeitamente natural em linha com o seu temperamento. Para a época era, ou parecia ser, um oficial desinibido, frontal e, por vezes, desafiador da disciplina. Dizia-se que na sua folha se serviços tinha tantos louvores como castigos e que gozava de alguma simpatia, junto do Senhor General António de Spínola, devido às suas características peculiares.

No regresso à Unidade os dois comandantes discutiram o incidente anteriormente ocorrido, tendo ambos chegado, ou quase chegado, a vias de facto e a situação só não foi mais grave, porque um oficial se intrometeu entre os dois.

Perante a insubordinação do major Gaspar o cmdt mandou chamar o Sargento da Guarda para prender o major, mas este dizia ao 1.º sargento que não podia prendê-lo, porque não estava em flagrante delito. 

Este episódio durou algum tempo em que um mandava avançar o Sargento da Guarda e o outro mandava-o recuar... Houve até quem dissesse que o sargento da guarda,  impaciente e nervoso,  terá suplicado: "Meus comandantes, decidam-se lá, porque, segundo o Regulamento, o comandante da guarda não pode abandonar, o distrito da guarda, por muito tempo". Tal era o desconforto…!

Face ao sucedido o escalão superior procedeu ao respectivo processo disciplinar e criminal, acabando os dois por serem punidos com penas de prisão.

Contam-se muitas histórias a respeito do major Gaspar, o Gasparinho,  e que ainda hoje são motivo de boa disposição entre camaradas que tiveram o privilégio de servir sob o seu comando na Guiné. A propósito, socorrendo-me da memória aí vão três deliciosas:

1. Na época das chuvas os abrigos/locais de trabalho do major Gaspar e do seu 1.º sargento ficaram completamente inundados. O diligente major Gaspar (ainda capitão) não perdeu tempo e enviou um rádio (mensagem) para o escalão superior, solicitando com máxima urgência dois escafandros para entrarem nos abrigos, visto nem ele, nem o 1.º sargento saberem nadar…

2. A certa altura o pessoal do BEng 447 foi colocar chapas de zinco nos telhados das casernas (barracões?) da companhia. Passados uns dias um tornado muito forte arrancou as ditas chapas e nunca mais ninguém as viu. O inevitável capitão Gaspar perguntou ao BEng por mensagem mais ou menos nestes termos: Solicito informe se chapas colocadas nesta em tal data… regressaram à sua Unidade de origem…

3. Também se dizia que o seu substituto na companhia um dia telefonou-lhe a perguntar se tinha assuntos pendentes para resolver, ao que o major Gaspar respondeu que pendente só tinha os tomates…

Um homem com estas atitudes só podia ser diferente e muito considerado pelo seu refinado sentido de humor. Humor que em tempos de guerra é necessário e fundamental para o moral das tropas. Nem só de pão vive o homem…

Esta também é gira: O comandante um certo dia, depois do almoço, foi ver o andamento das obras a decorrer no quartel e ao aproximar-se do sargento encarregado das mesmas, disse:

- Ó filho as obras não andam?

Ao que o sargento respondeu:

- Saiba V.Exª. meu comandante, que as obras não têm nem nunca tiveram pernas para andar.

Perante tal resposta o cmdt da CCS teve de interceder pelo sargento (que nesse dia devia estar com os azeites) mas ainda assim foi de castigo, para o mato, uns meses.

Nota 1: O original das histórias é capaz de estar um bocado adulterado, devido ao muito uso, mas penso que o essencial está intacto.

Nota 2: O GA7 era uma Unidade de Guarnição Normal sediada em Bissau - Santa Luzia. Recebia militares de rendição individual (nomeadamente oficiais, sargentos e cabos especialistas); os soldados na sua larga maioria pertenciam ao recrutamento da Província e tinha à sua responsabilidade os pelotões de Artilharia de Obus 14, 11,4, 10,5 e 8,8 cm, respectivamente, disseminados pelo TO da Guiné, assim como as Baterias de Artilharia Antiaérea.

Infelizmente, o major Gaspar já faleceu. Curvo-me perante a sua memória e paz à sua alma.

Linda-a-Velha, 29 de Junho de 2009

Um abração para todos os camaradas de armas, da Tabanca Grande, espalhados pelo mundo com votos de muita saúde.