Foto: © José Ferreira da Silva (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. O José Ferreira da Silva, ex-fur mil op esp / ranger, CART 1689 / BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), é sobejamente conhecido na Tabanca Grande como uma mestre na arte de contar histórias pícaras. E, claro, é um homem afável.
"Histórias Boas da Minha Guerra", em 3 volumes (publicadas sob a chancela da Chiado Editora), são a prova de que os antigos combatentes da Guiné, além de terem de ser bons operacionais, também sabiam escrever, com piada e talento , sobre muitas das suas peripécias da tropa e da guerra.O Silva da CART 1689, o nosso mestre do pícaro, é sempre desconcertante nas histórias "boas" que elegeu da sua vida militar: muitas delas são de antologia, como esta que voltamos aqui a reproduzir, em que o protagonista é "o Piteira, o ranger do Alentejo". Espero que gostem e comentem.
Por lapso, o autor chamou "rapel" à prova de "slide". Tomámos a liberdade de corrigir o erro.
O António Piteira, natural de Bencatel, próximo de Borba, era uma força da natureza. Conheci-o em Vendas Novas, durante o Curso de Artilharia. Irrequieto e provocador, vivia sempre em competição, parecendo querer afirmar-se em tudo.
Dizia-se que nas Caldas da Rainha, estando doente, não aceitou o resultado da prova de potência. Foi repeti-la, para baixar mais de 30 segundos.
Como era bom jogador de futebol, foi aproveitado para jogar como ponta de lança no Estrelas de Vendas Novas. Ainda como jogador do Lusitano de Évora, foi treinar ao Sporting e, segundo ele, como não lhe passavam a bola, abandonou o treino chamando-lhes "filhos da p...".
Mais de meio ano depois, em setembro de 1966, encontrámo-nos em Lamego para prestar provas para o curso de "ranger". Curioso que nem ele nem eu desejávamos lá ficar. Por isso, durante as provas de selecção, tudo fizemos para ficarmos em último lugar. Porém, de nada nos valeu essa artimanha e obrigaram-nos a ficar lá.
Inicialmente, o nosso relacionamento foi muito bom. Todavia, devido às suas aventuras e provocações, passávamos muito do tempo a discutir. Uma das coisas que ele gostava era de exibir as calças da farda de trabalho nº 3, abertas / descosidas entre as pernas.
Num dia muito frio de finais de novembro, estava anunciada a descida noturna em "slide", desde a torre da Sé para a parada. Pois o amigo Piteira descobriu logo ali mais uma forma de se exibir. Disse-me que deveria ser engraçado descer com o cigarro aceso que, com o movimento da descida, pareceria um cometa. E decidiu que ia fazer isso.
Entretanto, o Comandante chegou, acompanhado, como habitualmente, da sua mulher, ambos garbosamente vestidos de camuflados, cuidadosamente passados a ferro. Ela vinha já preparada, como sempre, para exemplificar como se devia fazer a descida em "slide" a qualquer maricas que acusasse falta de coragem. E o Comandante, sempre de mangas arregaçadas, mostrava a sua valentia, ainda que exibindo pêlos encrespados na evidente “pele de galinha” provocada pelo frio e, por vezes, através da voz entrecortada, devido ao “congelamento” dos maxilares.
Mal vi o Piteira pendurado no cabo do “slide", de pernas abertas, calças rotas denunciando o “aparelho recreativo” e o cigarro aceso na boca, larguei a fugir para a mata, escondendo-me na escuridão e jurando que, desta vez, não iria aparecer para “pagar” juntamente com ele a pena que lhe iria ser aplicada. Ele descia pelo cabo devagar, possivelmente para prolongar o espetáculo. Porém, o Comandante, de megafone na mão, logo exclamou:
–Ohhhh!!! – soaram, em espanto, as vozes da assistência, seguidas de algumas gargalhadas.
A sessão de "slide" acabou, e eu silenciosamente, fui-me introduzindo no quartel e meti-me na cama de baixo do beliche (a de cima era dele, porque fumava). Não sei onde ele esteve. O que sei é que, quando todos já dormiam, ele surgiu, apoiando-se aos armários, até chegar junto da cama. Não se aguentava de pé. Aninhou-se e caiu sobre a cama, ao meu lado, sem dizer uma palavra. Fui para a cama de cima.
Sempre que vejo o filme “Voando sobre um ninho de cucos” (um dos meus preferidos) identifico com o Piteira a personagem irreverente interpretada pelo Jack Nicholson. E quando ele vem para o dormitório, a regressar da sua última dose de tratamento de choque, eu penso:
(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)
Nota do editor:
7 comentários:
O que será feito do Piteira de Bencatel ?
Julgo que Bencatel é mais próximo de Vila Viçosa que de Borba.
Houve rapel no final da recruta CSM na EPC(Santarém) com o cabo ligado da Torre, no edifício do Comando, a um M47 no fim da terraplanagem, que era complicada a aterragem.
Valdemar Queiroz
Não chamaria rapel ao exercício da foto,penso que será slide o nome apropriado.
Rapel,é uma descida vertical utilizando cordas.No rapel apenas a ponta superior da corda está amarrada.Fiz rapel,bastantes vezes,na prática de cannyonnig em vários rios.
O Paulo Santiago tem razão, a legenda está incorreta:
slide
slide
|sláide|
nome masculino
1. [Fotografia] Imagem fotográfica positiva transparente colocada num suporte destinado a projecção de quadros inanimados em cinema, televisão, salas de conferência, aulas, etc.Imagem = DIAPOSITIVO
2. Página destinada a projecção, geralmente preparada e apresentada num programa informático de apresentações. = DIAPOSITIVO
3. [Desporto] Actividade que consiste em transpor uma depressão acentuada de terreno através de um cabo inclinado onde se aplica uma roldana.
etimologia Origem etimológica: palavra inglesa.
Plural: slides.
Palavras relacionadas: eslaide
"slide", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/slide.
Obrigado, Paulo, pelo reparo... Vou corrigir o poste.... LG
r
apel
rapel |à|
(ra·pel)
nome masculino
[Desporto] Actividade desportiva que consiste em descer uma superfície vertical utilizando cordas.
etimologia Origem etimológica:francês rappel.
Plural: rapéis.
"rapel", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/rapel.
Sim era o slide, também fui na confusão do rapel quando vi a imagem.
Daquela vez em Santarém, o grande "espectáculo" foi dado pelo Reinaldo, que por acaso era meu colega de trabalho, lutador de greco-romana e bom jogador de rugby, quando saiu da Torre preso apenas por um pé e assim percorreu uns metros endireitando-se já perto da chegada.
Valdemar Queiroz
Até admira, Valdemar-Olho-de-Lince!... Deixaste escapar esta, tu e o Ramiro da 35ª CCmds, o nosso querido camarada aveirense que, felizmente, está sempre atento às nossas gralhas... Obrigdao aos dois. E ao Paulo Santiago-Todo-O-Terreno.
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