Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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terça-feira, 17 de setembro de 2013
Guiné 63/74 - P12053: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (60): Nos trilhos da guerra
1. Em mensagem do dia 14 de Setembro de 2013, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) enviou-nos o 60.º episódio da sua série Viagem à volta das minhas memórias.
VIAGEM À VOLTA DAS MINHAS MEMÓRIAS (60)
1 - Nos “trilhos da guerra”
Introdução
Vinte e cinco longos meses passados na Guiné, em defesa da Bandeira Portuguesa, tiveram a sua origem em todo um trajecto preparatório que se espraiou por diversas regiões do, à altura, ”Portugal do Minho a Timor”.
No meu caso metropolitanas, essas andanças em aprendizagens diversas, que se estenderam por uns quinze meses, levaram-me por ordem cronológica, a Caldas da Rainha, a Lamego, a Tancos, a Évora e a Oeiras (Espargal) de onde saímos uma madrugada, para embarcar no Carvalho Araújo, que nos levaria num “cruzeiro” em mares por vezes alterosos, excursando por duas ilhas nos Açores e por Cabo Verde até nos largar no destino: Guiné
“Viagem à volta das minhas memórias” ficará com certeza menos incompleta se nela forem incorporadas lembranças deste período preparatório, também ele longo e recheado de momentos e peripécias que me ficaram retidos em memória, e que por vezes relembro com saudade e prazer.
Com um filho já a prestar serviço militar na Guiné, na hora da minha ida à inspecção, minha mãe dizia que a guerra não chegaria até mim, ao que meu Pai retorquia com um “vamos a ver…,vamos a ver?!”.
Filho “caçula” de cinco, quatro rapazes e uma rapariga, quatro anos me separavam do irmão seguinte, que estava mobilizado na Guiné (Alf - 3ª CCmds) e dez da irmã, a mais velha.
Com o filho ainda na Guiné, meus Pais viram o mais velho dos rapazes avançar para Angola (Alf -médico), ao que me parece saber em opção à faina do bacalhau que lhe teria sido proposta.
Entrementes, se não erro, o filho do meio, Alf Eng fica-se por Beirolas (material de guerra?).
Depois… bem, depois as dúvidas de meu Pai confirmaram-se e arranquei eu para a Guiné estando ainda meu irmão em Angola, a par do outro na Metrópole. Só dos Açores dei conhecimento por Bilhete Postal, o que quererá dizer que já estaria n Guiné quando meus Pais souberam! Achei, talvez mal, melhor assim. Explicarei posteriormente!
Assim, de 66 a 72 tiveram quatro filhos a prestar Serviço Militar, sendo que, em permanência e com sobreposições temporárias, um de três filhos mobilizado no Ultramar. Se fosse Enfermeira se calha nem a filha teria escapado! Não há dúvidas que, como tantos outros, a minha família deu um bom contributo para o esforço de guerra na defesa de um Hino e de uma Bandeira, símbolos que se sentiam.
Tendo “chumbado” a Matemática e Física no sétimo ano e como “manobra de recurso“ não ter corrido nada bem a prova de desenho no Instituto Engª Porto (?) (actual ISEP), não me foi possível ingressar na Medicina ou na Engenharia Técnica. Ponderada a situação, com possibilidade de adiamento de incorporação e já a trabalhar, optei por me voluntariar para a tarefa militar, já que a guerra parecia estar para durar. Ganharia tempo e como militar passaria a poder ter mais uma época de exames (mais facilitados?), creio que em Janeiro, o que acabou por me não ser possibilitado.
É facto que, se tudo tivesse corrido normalmente, minha Mãe acabaria por ter tido razão e eu não teria talvez ido para aquela guerra, já que estaria a cursar. Assim, o meu destino imediato:
CALDAS DA RAINHA - RI 5
Chegado antes da hora estipulada, um magote de Mancebos aguarda ao portao de entrada, mirando-se na esperança de reconhecimentos. Claro que os houve, alguns até seriam das mesmas terras. Quanto a mim, conterrâneo e amigo, julgo que só o A. Varela.
Não recordo já o seguimento, talvez partes burocráticas e apresentação distribuição por Companhias. A mim coube-me a 3.ª
Giacomino Mendes Ferrari era o Comandante do RI5.
Distribuída a Companhia, houve que escolher o beliche e respectiva cama, situação que me parece recordar, resolvida sem conflitos, pela generalidade da Mancebagem!
Nova fase da vida:
INSTRUENDO
Dos Instrutores recordo o nome do 1.º Cabo Mil Op Esp Henrique(s), nariz meio ”apapaigado”, inicialmente incisivo e meio duro mas… compreensivo. A mandar ”encher"… era useiro e vezeiro!! Até que gostei dele! Do Capitão e do Alferes, não lembro nada. Do outro Cabo Mil, recordo as feições ao tempo arruivado, mas do nome???
Começam as formaturas, a Ordem Unida, as aulas em semicírculo de armas e outras…
A injecção mata-cavalo a uma 6.ª feira e o recambiamento para casa com instruções para mexer bem o braço!!!
Depois, as marchas, os obstáculos… enfim a dureza vai aumentando gradualmente, a par de um entrosamento mais confiante entre os deveres e obrigações e a própria hierarquia.
A minha/nossa guerra havia começado e estaria para ficar durante longos meses.
Luís Faria
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Nota do editor
Último poste da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11142: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (59): "Está na mala", azimute: "peluda"
terça-feira, 13 de novembro de 2012
Guiné 63/74 - P10662: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (58): Bula - Pré-peluda
1. Em mensagem do dia 10 de Novembro de 2012, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) enviou-nos mais este episódio para a sua série.
Viagem à volta das minhas memórias (58)
Bula – Pré-peluda
Surpresa
Perguntava-me o José Dinis sobre Bubaque, em comentário ao meu “poste” anterior…
Terminados os “festejos” pelo final do trabalho de “mineiro” e recuperado dos seus efeitos, começava a ser hora de iniciar a preparação para a entrada na pré-peluda, ou seja abalançar-me para uns diazitos na sonhada e ansiada Bubaque, o que envolveria alguns trâmites de ordem burocrática e logística, a começar pela efectiva autorização superior e respectiva guia de marcha (?) assim como a procura e espera de transporte. Tudo isto levaria talvez dois ou três dias, com sorte.
Estando já no Cumeré a “FORÇA”, incluso creio o pessoal administrativo, já não recordo a quem me reportava, se ao Comando antigo, se ao novo, se a alguma das Companhias que nos foram substituir. Não sei.
Sei é que nos entretantos e sem que minimamente estivesse a contar, me incumbiram de um novo trabalho que me fez ficar ”puto da vida”. Demonstrar o meu desagrado protestando em nada resultou !!! Ordens… eram para ser cumpridas! Tinha é que interiorizar a situação, mentalizar-me e na hora não deixar que qualquer sentimento de revolta afectasse a concentração no trabalho a desenvolver.
Qual o mancomunado trabalho? Um “convite”, ao que recordo em exclusividade à minha pessoa, para levantar um campo de minas, relativamente pequeno é certo, lá para as bandas esquerdas de S. Vicente, nas bordagens de uma bolanha.
Era certo, lá se me iria a ante-gozada “pré-peluda” pelo cano abaixo. Ordens… eram ordens e estas vinham de cima. Porquê a mim? À altura apeteceu-me mandar tudo “p´ro car… ” e fugir… achei injusto, na minha óptica era injusto.
Assim, no dia e hora aprazados, vestido e calçado para o efeito e munido com a “ferramenta” habitual monto-me na viatura juntamente com a rapaziada da segurança comandada pelo então Cap. Salgueiro Maia.
Chegado e referenciado o campo, surpresa… era quase só lama e água!!!
Comecei a sentir a vida a andar para trás… logo nos primeiros lançamentos… a pica nada detectou na localização assinalada nem nas proximidades. Reconfirmadas as referências e diversificadas as experiências… manteve-se a situação. De repente, talvez a um passo ao lado do pé avisto uma e na proximidade… uma outra… plásticas, digamos a boiar, completamente deslocalizadas, que lá não estavam!!! A movimentação dos pés tê-las-iam feito deslocar? Assim sendo quereria dizer que mesmo picando centímetro a centímetro estava sujeito a pisar uma vadia.
Não, não ia “entrar numa fria”. Senti que não havia a mais pequena hipótese com e naquelas condições de levar a bom termo a empreitada, pelo que não estava nada disposto a arriscar na sorte e só na sorte.
Não, nem pensar, decidi. Já havia tido que bastasse.
Chamado o Capitão… mostro-lhe as “boiadoras” - que acabei por neutralizar - e o estado em que está o campo. Esclareço-o (como se fosse necessário?!) da periculosidade e exemplifico-lhe a quase impossibilidade da detecção que só por sorte, muita sorte mesmo, seria possível sem que houvesse um acidente.
Procura dar-me ânimo e incentivar-me ao levantamento. Para além do já explicado e demonstrado, refiro-lhe o estar a poucos dias de embarcar, ao que responde com um incisivo (do género) ”tem que ser feito”, que não me agradou nada, mesmo nada.
Já decidido pelo não, ao sair-me um agressivo (quase sic), “então levante-as o meu Capitão”, vi-me de imediato com uma porrada e a prolongar a comissão num qualquer “burako” do território. ”Fod…” devia ter sido diplomático… ou fingir que torcia um pé… ou um jeito nas costas… mas o que já tinha saído, ficava… paciência, assumiria as consequências como me tinham ensinado e desde miúdo cumpria.
Se bem recordo ficou a olhar para mim surpreso e bastante “chateado”, mas não tenho ideia de quaisquer mais palavras agressivas ou ameaças… estou em crer que nada disso houve. Fiquei à espera e a mentalizar-me para a “pancada”, coisa mais que natural por ter virado costas e me ter recusado a uma ordem directa, ainda para mais vinda de “cima”.
Bem, mas como havia aqueles meus pensamentos secretos (meter o xico)… não iria ter que me esforçar a decidir, já que após o que se passara, na certa ficaria decidido por “inerência”.
Daí a uns poucos dias e sem ter vislumbrado Bubaque, estava no Cumeré sem que tenha tido conhecimento de qualquer evolução sobre o acontecido, não sei porque… talvez pelas consciências terem trabalhado… apontando a clarividência.
Julgo que três dias depois e com uma ida a Bissau pelo meio, estaria a embarcar no “Boeing” dos TAM juntamente com a Rapaziada, rumo à PELUDA.
E José Dinis, assim foi a tal pré-peluda. BUBAQUE… nem por um canudo… só um sonho relaxante e lindo!
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10544: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (57): Bula - A guerra das minas (7): Bula - Minas, fim do suplício
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Guiné 63/74 - P10544: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (57): Bula - A guerra das minas (7): Bula - Minas, fim do suplício
1. Adivinha-se o fim desta série que o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) tem mantido com tanta regularidade.
Este episódio chegou até nós no dia 16 de Outubro de 2012:
Viagem à volta das minhas memórias (57)
Bula – Minas, fim do suplício!
Vista parcial de Bula
Foto: © Victor Garcia. Todos os direitos reservadosBubáque e “Peluda” à vista ?!
Os dias certamente pareceriam querer ficar cada vez mais longos e penosos, como que a querer resistir a um final de comissão de data marcada que se ia avizinhando.
Para além das actividades atribuídas e como sinal de final de comissão próximo, o Pessoal ia-se entretendo a fazer os caixotes em madeiras diversas mais ou menos valiosas e com volumetrias condicentes com a carga prevista, por norma grande. Desde gravuras, estatuetas, peles, panos, artesanato, roupas, rádios, máquinas, ventoinhas e sei lá que mais,… “coca-cola” verdadeira, “Perrier”… até peças de mobiliário nacarado asiático… tudo era encaixotado para ser despachado via marítima para a Metrópole. Claro, não podiam ser esquecidas as garrafas - distribuídas a pagantes e acumuladas ao longo dos meses - de uísques e licores, por vezes às dezenas e alguns de gabarito! Havia até negócio à conta das ditas, do tipo duas por uma ou até venda inflacionada devido à já inexistência ou à escassez de abastecimento em tempo útil. Depois de despachada, creio que pela Companhia, a caixotaria seria levantada em Alcântara (?).
Em data prevista, a CCAÇ 2791 no seu todo ou faseada, já não recordo, arrancou para o Cumeré onde iria aguardar o embarque para a Metrópole, rumo à “peluda”, deixando-me de certo modo “desenquadrado e abandonado ao destino” lá por Bula, ainda no exercício de funções mineiras. Mais tarde e se não protagonizasse um qualquer acidente, ir-me-ia juntar à Rapaziada da minha “FORÇA”.
Em dia que não registei, acabou finalmente o trabalho no campo de minas que havia estropiado uns tantos, demasiados, que deu cabo dos nervos a alguma boa gente que por lá cirandou e até a outra que por lá não tinha sequer posto os pés. Muitos milhares tinham sido levantadas. Tendo o meu contributo sido de mil e trinta e duas, a sensação de alívio, paz, tranquilidade e de certezas num futuro, só sentida se poderá entender!
Era hora de festejar o fim do suplício! Depois… dois ou três dias de recuperação e preparação já que de seguida… Bubaque,- que me tinham contado paradisíaca – se perfilava no horizonte próximo do meu pensamento como destino de uns poucos dias de descanso prometidos e a meu ver merecidamente ganhos. Com alguns “pesos” economizados no bolso iria ser, sonhava, uma pré-peluda à maneira, de “papo ao sol”, águas mornas e límpidas, peixinho fresco grelhado, bebida a contento, na certa boa companhia… enfim uns diazitos a não esquecerem! Seguir-se-ia o reencontro no Cumeré e o ”Boeing” dos TAM para a PELUDA!
Entremeados por bons momentos, aqueles meses tinham sido duros, bastante duros mas o passado já era e como se diz, ”tudo está bem quando acaba bem”. Pelo menos até ao momento assim acontecera comigo que, comparativamente, tinha sido um felizardo. Tirando uns sustos ou melhor, “cagaços” valentes e uma morteirada que mandei e me pôs a mão como uma bola, nem sequer um paludismozito apanhei.
Dizia, antes de começar a divagar (?!), que a data era para festejar e assim foi. Claro que o conceito de festejo, programado ou não, é subjectivo e variável em função do estado de espírito, dos meios e do meio, do momento e outros elementos susceptíveis de o condicionar. Para além dumas cervejolas frescas, não foi programado e foi acontecendo ao sabor dos impulsos e dos ditames mentais no momento, deixando-me em memória uma ou outra situação, se calhar para muitos e à luz de hoje, pouco próprias. Naquele contexto, aconteceram!
Luís Faria em Bula num momento musical
Terminado o trabalho e chegado ao quartel, talvez uma das primeiras coisas que aconteceram foi tomar uma banhoca. Sim, uma banhoca, já que não resisti ao impulso de me enfiar completamente vestido no bidão de água omnipresente à porta do quarto, talvez perante as bocas de alguns e espanto de outros.
Depois de certamente ter ido ao petisco civil e regressado ao quartel, já pela noite recordo acabar no bar a pedir um “cocktail” especial, composto por uma medida de tudo o que continha o vasilhame exposto nas prateleiras do bar. Em conformidade com o pedido e sob meu controlo, foram entrando no agitador medida após medida de diferentes uísques e licores, de águas-ardentes, brandies, bagaço… até que é dado por terminado. A única medida que não foi considerada foi a do “Elsève Balsam” (?) - champô de ovo. Sob protesto e incredulidade (?!) do “barman”, não recordo o nome, e ante a minha ordem… acabou por ser também incluído na mistura, talvez deva antes dizer… mixórdia! Os passos seguintes foram emborcar a mistela, perante a expectativa dos presentes.
Tempos após e já noite adentro vejo-me meio zig meio zag , em cuecas, a jogar um jogo a céu aberto, em que o objectivo era manter à raquetada uma bola em movimento circular à volta duma haste vertical a que estava ligada por um cordão ou corrente (?).
Claro que a “mixórdia” já fazia os seus efeitos e os rodopios que os falhanços na bola me obrigavam a fazer, levavam-me a por vezes percorrer uns metros em busca do equilíbrio, acabando sentado no chão! Por fim o apelo da cama acabou por ser mais forte.
Ao acordar pela manhã seguinte senti um mal-estar horrível e uma agitação mais que anormal, parecendo-me que as veias iam rebentar. Estou f… é a merda do champô que me anda no sangue, pensei resolvendo ir tomar um banho na tentativa de acalmar. Qual quê, pareceu-me ficar pior… as veias pareciam rebentar… assustei-me de verdade e não recordo se acompanhado ou não dirigi-me para o posto-médico ali próximo. Só lembro que de imediato abri (arrombei?) a porta do médico Alf. Cruz e… acordei fresco e firme como o aço, não sei quanto tempo depois, como se nada tivesse acontecido.
Nova vida estava prestes a começar. Pensamentos secretos de “meter o chico” iriam esperar resolução mais tarde. Iria depender de auto análise mais aprofundada e da situação a encontrar na Metrópole.
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10360: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (56): Bula - A guerra das minas (6): A "sentinela"
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Guiné 63/74 - P10360: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (56): Bula - A guerra das minas (6): A "sentinela"
1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 4 de Setembro de 2012:
Amigo Carlos
Diziam-me e penso ser verdadeiro que, naquela guerra os “Unimog” e outras viaturas militares, à falta de gasolina aceitavam qualquer tipo de álcool como combustível. Vinho inclusive! Parece-me que tinham até um comutador?
Bom, vem isto ao caso porque o tipo de combustível que tem sido gasto nesta “Viagem à volta das minhas memórias” está a entrar nas reservas que e aproveitando as descidas só irão permitir-me chegar ao destino. A ser verdade as viaturas poderem usar combustível do tipo “tintol verdasco” de que gosto e havendo postos de abastecimento… bom, talvez me disponha e consiga conduzir-me numa outra viatura mais ligeira em passeio à aventura, sem destino e ao destino.
Como se dizia na minha terra em troca do ver-se-á: “depois verá-se!”
Espero que tenhas tido e aproveitado umas boas e calmas mini-férias.
Um abraço para ti e outro para a Rapaziada, com votos de saúde e qualidade de vida.
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (56)
Bula- guerra das minas 6
A “sentinela!”
Como de outras vezes em que recordo estes momentos, revivo-os e um arrepio percorre-me o corpo.
Na minha perspectiva e à altura, no intuito e esperança de se conseguir viver com alguma normalidade a anormalidade daquele enfileiramento de dias e mais dias em que palmilhávamos na monstruosidade de extensão e densidade daquele campo de minas, julgava que o melhor a fazer era assumir e mentalizar que o momento ou o segundo seguinte podia marcar a diferença numa vida ainda jovem mas já envelhecida.
A par, havia que interiorizar fortemente as já anteriormente abordadas medidas preventivas e não condescender na sua aplicação, pois eram fatores de esperança na ultrapassagem de obstáculos e desastres recorrentes, na não paralisação por receios ou medos, no acreditar e seguir em frente.
Vem isto ao caso pela especificidade de uma situação vivida conjuntamente pelo António Matos (P4296 de 7MAI09) e por mim, que passarei a referir com alguns pormenores que na certa continuarão a ter registo vivo na minha memória ao longo do tempo.
Já bem avançados no campo e com o final da campanha mineira de certo modo à vista, já não recordo por qual dos dois, a mina metálica portuguesa (fragmentação) procurada é localizada. Era um valente “cú de boi” que se apresentava meio escondida por um tufo de vegetação e bastante incrustada no “sopé da encosta” dum bagabaga que por ali tinha nascido naqueles passados anos. Parecia até que as formigas, cientes dos tempos que se viviam, tinham construído ali a sua nova cidadela com o fito de aumentar a sua segurança contra intrusos e acabaram por envolver esta “sentinela” assassina num abraço de reciprocidade protectora!
Por oferecimento altruísta de ajuda expresso por um de nós, creio que do A. Matos, o certo é que nos achamos de facas nas mãos a esgravatar minuciosamente e em conjunto o condomínio formigueiro em volta da “sentinela”, com o intuito da sua neutralização e posterior “sequestro”!
Era uma acção difícil e de risco, sabíamo-lo bem e como tal usamos de toda a precaução e tempo exigível em conformidade. Creio que não nos passou sequer pela cabeça e como tal não nos questionamos sobre a hipótese do rebentamento provocado sob controlo. Não sei porque, talvez por não ser possível ou outra razão qualquer, não recordo.
De volta da mina, o primeiro passo seria cavilha-la logo que possível, o que se tornou um bastante moroso e dificultado por parte do sistema de percussão e até os orifício superior (primário) de cavilhamento estar parcialmente obstruído não permitindo meter a cavilha e o inferior lateral (secundário) não estar visível.
Com paciência, muita sensibilidade e calma, fomos aligeirando o abraço desbastando o bagabaga, acabando por desobstruir o orifício primário e conseguir espaço para enfiar a cavilha, se bem que não correctamente, por impossibilidade ao momento. Continuamos o trabalho atento e meticuloso de desencastamento do engenho, acabando por pôr a descoberto o orifício lateral de segurança secundária. De seguida dou início a introdução da cavilha que finalizaria a neutralização do percutor do engenho e nos permitiria desencarcerá-lo à vontade. Aponto-a mas não chego a coloca-la…!
“CLICK” … este som macabro em simultâneo com uma ligeira pancada sentida nos dedos, transporta-me (nos) a um silêncio absoluto… talvez do “Além”?
O sangue fugiu para os pés deixando a lividez espraiar-se num suor gelado que nos alagou. Olhamo-nos mudos e incrédulos. Onde estávamos? Ainda por cá? Como? O que tinha acontecido de errado?
Os cigarros começam a queimar-se. Olho para a mina e vejo que a cavilha superior, que por impossibilidade só estava parcialmente enfiada, está completamente torcida e vergada de viés pelo percutor. Por milagre aguentou!
Julgo que sentados e mudos com olhar distante e incrédulo, vão-se somando cigarros. Ninguém se terá apercebido do acontecido.
Muito… pouco? O tempo vai passando e os cigarros sucedem-se.
O Cangalhas, Alf OE em comando local por mais velho, atira-nos um mais ou menos “vamos a levantar…!?”
“Que o pariu!”…depois… depois consumamos o “sequestro” e recomeçamos a levantar minas!
Na sua memória o António Matos tem registado que a mina não detonou por envelhecimento, apodrecimento. Talvez!
Na minha e conforme narro, ainda que deficientemente colocada a cavilha não saltou e aguentou, ficando toda torcida de viés mas empancando o percutor que realmente desceu um pouco na manga guia. Teria descido o suficiente para percutir?
Hoje, como à altura, não tenho resposta para o disparo ter acontecido mas… aconteceu, simplesmente!
Luís Faria
____________
Notas de CV:
Foto: © António Matos (2009). Direitos reservados - Com a legenda: O nosso camarada António Matos manuseando uma mina portuguesa.
Vd. último poste da série de 15 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10268: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (55): Bula - A guerra das minas (5) - Um jogo de "apanhadinha"
Amigo Carlos
Diziam-me e penso ser verdadeiro que, naquela guerra os “Unimog” e outras viaturas militares, à falta de gasolina aceitavam qualquer tipo de álcool como combustível. Vinho inclusive! Parece-me que tinham até um comutador?
Bom, vem isto ao caso porque o tipo de combustível que tem sido gasto nesta “Viagem à volta das minhas memórias” está a entrar nas reservas que e aproveitando as descidas só irão permitir-me chegar ao destino. A ser verdade as viaturas poderem usar combustível do tipo “tintol verdasco” de que gosto e havendo postos de abastecimento… bom, talvez me disponha e consiga conduzir-me numa outra viatura mais ligeira em passeio à aventura, sem destino e ao destino.
Como se dizia na minha terra em troca do ver-se-á: “depois verá-se!”
Espero que tenhas tido e aproveitado umas boas e calmas mini-férias.
Um abraço para ti e outro para a Rapaziada, com votos de saúde e qualidade de vida.
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (56)
Bula- guerra das minas 6
A “sentinela!”
Como de outras vezes em que recordo estes momentos, revivo-os e um arrepio percorre-me o corpo.
Na minha perspectiva e à altura, no intuito e esperança de se conseguir viver com alguma normalidade a anormalidade daquele enfileiramento de dias e mais dias em que palmilhávamos na monstruosidade de extensão e densidade daquele campo de minas, julgava que o melhor a fazer era assumir e mentalizar que o momento ou o segundo seguinte podia marcar a diferença numa vida ainda jovem mas já envelhecida.
A par, havia que interiorizar fortemente as já anteriormente abordadas medidas preventivas e não condescender na sua aplicação, pois eram fatores de esperança na ultrapassagem de obstáculos e desastres recorrentes, na não paralisação por receios ou medos, no acreditar e seguir em frente.
Vem isto ao caso pela especificidade de uma situação vivida conjuntamente pelo António Matos (P4296 de 7MAI09) e por mim, que passarei a referir com alguns pormenores que na certa continuarão a ter registo vivo na minha memória ao longo do tempo.
Já bem avançados no campo e com o final da campanha mineira de certo modo à vista, já não recordo por qual dos dois, a mina metálica portuguesa (fragmentação) procurada é localizada. Era um valente “cú de boi” que se apresentava meio escondida por um tufo de vegetação e bastante incrustada no “sopé da encosta” dum bagabaga que por ali tinha nascido naqueles passados anos. Parecia até que as formigas, cientes dos tempos que se viviam, tinham construído ali a sua nova cidadela com o fito de aumentar a sua segurança contra intrusos e acabaram por envolver esta “sentinela” assassina num abraço de reciprocidade protectora!
Por oferecimento altruísta de ajuda expresso por um de nós, creio que do A. Matos, o certo é que nos achamos de facas nas mãos a esgravatar minuciosamente e em conjunto o condomínio formigueiro em volta da “sentinela”, com o intuito da sua neutralização e posterior “sequestro”!
Era uma acção difícil e de risco, sabíamo-lo bem e como tal usamos de toda a precaução e tempo exigível em conformidade. Creio que não nos passou sequer pela cabeça e como tal não nos questionamos sobre a hipótese do rebentamento provocado sob controlo. Não sei porque, talvez por não ser possível ou outra razão qualquer, não recordo.
De volta da mina, o primeiro passo seria cavilha-la logo que possível, o que se tornou um bastante moroso e dificultado por parte do sistema de percussão e até os orifício superior (primário) de cavilhamento estar parcialmente obstruído não permitindo meter a cavilha e o inferior lateral (secundário) não estar visível.
Com paciência, muita sensibilidade e calma, fomos aligeirando o abraço desbastando o bagabaga, acabando por desobstruir o orifício primário e conseguir espaço para enfiar a cavilha, se bem que não correctamente, por impossibilidade ao momento. Continuamos o trabalho atento e meticuloso de desencastamento do engenho, acabando por pôr a descoberto o orifício lateral de segurança secundária. De seguida dou início a introdução da cavilha que finalizaria a neutralização do percutor do engenho e nos permitiria desencarcerá-lo à vontade. Aponto-a mas não chego a coloca-la…!
“CLICK” … este som macabro em simultâneo com uma ligeira pancada sentida nos dedos, transporta-me (nos) a um silêncio absoluto… talvez do “Além”?
O sangue fugiu para os pés deixando a lividez espraiar-se num suor gelado que nos alagou. Olhamo-nos mudos e incrédulos. Onde estávamos? Ainda por cá? Como? O que tinha acontecido de errado?
Os cigarros começam a queimar-se. Olho para a mina e vejo que a cavilha superior, que por impossibilidade só estava parcialmente enfiada, está completamente torcida e vergada de viés pelo percutor. Por milagre aguentou!
Julgo que sentados e mudos com olhar distante e incrédulo, vão-se somando cigarros. Ninguém se terá apercebido do acontecido.
Muito… pouco? O tempo vai passando e os cigarros sucedem-se.
O Cangalhas, Alf OE em comando local por mais velho, atira-nos um mais ou menos “vamos a levantar…!?”
“Que o pariu!”…depois… depois consumamos o “sequestro” e recomeçamos a levantar minas!
Na sua memória o António Matos tem registado que a mina não detonou por envelhecimento, apodrecimento. Talvez!
Na minha e conforme narro, ainda que deficientemente colocada a cavilha não saltou e aguentou, ficando toda torcida de viés mas empancando o percutor que realmente desceu um pouco na manga guia. Teria descido o suficiente para percutir?
Hoje, como à altura, não tenho resposta para o disparo ter acontecido mas… aconteceu, simplesmente!
Luís Faria
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Notas de CV:
Foto: © António Matos (2009). Direitos reservados - Com a legenda: O nosso camarada António Matos manuseando uma mina portuguesa.
Vd. último poste da série de 15 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10268: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (55): Bula - A guerra das minas (5) - Um jogo de "apanhadinha"
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Guiné 63/74 - P10268: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (55): Bula - A guerra das minas (5) - Um jogo de "apanhadinha"
1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 8 de Agosto de 2012:
Amigo Carlos
Envio-te mais um troço de “Viagem…”que, como sempre, foca e retrata o mais fielmente possível a realidade de momentos e pormenores talvez subjectivos, que não foram e julgo não serão esquecidos, neste caso talvez não tanto pelo acontecimento em si mas pelo insólito (?) das envolventes. Costuma dizer-se que …”não lembra (va) ao diabo”? Pois neste caso… pelo visto, lembrou!
Como julgo que andas por “férias aos bocados” como eu, cá te mando o meu abraço com amizade e votos de saúde e bem-estar.
Para a Rapaziada atabancada um outro abraço e tudo de bom.
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (55)
Bula - guerra das minas (5)
Um jogo de “apanhadinha”
Creio que nenhum dos “Eleitos” gostava e muito menos queria, abandonar a procura de uma mina e dá-la como detonada ou perdida sem esgotar, em seu entender, todas as hipóteses viáveis de a encontrar e neutralizar. Muitas vezes acontecia andar-se tempos infindos à procura de um desses engenhos deslocalizado, situação potencialmente perigosa que obrigava a redobrados cuidados e domínio sobre emoções. Nesse espaço de tempo podia ser relativamente fácil acontecerem estados de espírito que iam do desânimo ao eufórico. A meu ver, nestas e noutras situações o autocontrolo e descanso eram essenciais na ajuda à prevenção do desastre.
Disse no (P9850 de 4 de Maio) …Nos ”cú de boi” era bom tomarem-se estas precauções preventivas, eu tomava-as, pois uma das coisas passíveis de acontecer e que não queria, seria por exemplo, exasperado pelo esforço e ao mesmo tempo contente por ter conseguido encontrá-la e levantá-la, agarrar na mina e “fungá-la” no chão ou no caixote de recolha acompanhada talvez dum “cabrona f.d.p.” ainda por cima sem antes a neutralizar, ou pinchar em cima dela a chamar-lhe nomes feios, dar-lhe uma biqueirada à guarda-redes… exagero o que digo ?… pois será, mas aconteceu!
Estávamos ao que me parece recordar, já para finais do campo quando num jogo de “apanhadinha” andavam uma “italiana” fugida e escondida e atrás dela procurando-a sem descanso e resultado, um Furriel “Eleito” que ia gastando o tempo, esgotando a paciência e julgo que a serenidade também. Expressões caserneiras na certa iam sendo sibiladas, maneira fácil e normal de aliviar alguma tensão acumulada, enquanto a busca continuava e se ia prolongando pelo tempo.
A dada altura é bem audível a quem trabalhava nas proximidades, manifestações de entusiasmo e regozijo fazendo com que “vizinhos” como eu desviassem o olhar e atenção para o que se estava a passar e lhe visse na mão a “italiana” finalmente apanhada e a expressão de contentamento vitorioso e de “dever cumprido” estampada no rosto.
Sol de pouca dura para este amante da bola, escalabitano e por isso mesmo alcunhado de Santarém, já que de imediato e surpreendentemente, atira a mina ao ar e acompanhado de algo como um “cabrona” bem sonoro, desfere-lhe uma biqueirada à guarda-redes!
O “BUMM …” é em simultâneo e o Santarém cai por terra.
A mina era de sopro, plástica e não teria sido neutralizada . A pouca sorte ajudou, dadas e a meu ver , as poucas (?) probabilidades de acertar no percutor, como julguei ter acontecido. Ninguém mais se feriu, a não ser psicologicamente.
Ajudo a levá-lo para a estrada para receber os primeiros cuidados médicos. A perna estraçalhada daquele jeito não é bom nem fácil de se ver. Os odores misturam-se e as moscas vindas do nada e atraídas aparecem como que a querer coreografar pela negativa mais uma tragédia em cena.
Lívido e calmo pelo menos aparentemente, não se lhe ouve praticamente um queixume, um gemido. A dada altura diz com serenidade e com um meio sorriso que recordo, como que aceitando sem revolta o resultado de um acto da sua e só sua responsabilidade(?!):
(quase sic) “…nunca mais vou poder jogar futebol!...”
Interveniente no drama e talvez emocionado perante o espectáculo, o Enfermeiro pareceu-me hesitar na procura do melhor sitio na perna onde espetar a agulha para administrar a injecção (morfina?) e julgando que ele estava com receio de causar dor(?) falo-lhe, à minha maneira, mais ou menos assim:
- Espete em qualquer sitio… ele não vai sentir nada!
É evacuado com destino ao aquartelamento donde seguirá para Bissau. Acompanho-o na ambulância, o que virá a influenciar e alterar o meu dia-a-dia durante tempo e levará a fazer-me uma pergunta que até hoje continua, e na certa continuará, sem resposta! Talvez me venha a referir a este assunto mais tarde, a ver vamos!
Nunca mais soube nada deste homem de têmpera, espero que a vida lhe tenha sorrido e que possa ter dado e ainda dar umas biqueiradas na bola, jogo de que ele gostava!
Luís Faria
Foto: © Victor Garcia (2009). Todos os direitos reservados.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10117: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (54): Bula - A guerra das minas (4) - Imprevistos
Amigo Carlos
Envio-te mais um troço de “Viagem…”que, como sempre, foca e retrata o mais fielmente possível a realidade de momentos e pormenores talvez subjectivos, que não foram e julgo não serão esquecidos, neste caso talvez não tanto pelo acontecimento em si mas pelo insólito (?) das envolventes. Costuma dizer-se que …”não lembra (va) ao diabo”? Pois neste caso… pelo visto, lembrou!
Como julgo que andas por “férias aos bocados” como eu, cá te mando o meu abraço com amizade e votos de saúde e bem-estar.
Para a Rapaziada atabancada um outro abraço e tudo de bom.
Luís Faria
Vista parcial do Quartel de Bula
Viagem à volta das minhas memórias (55)
Bula - guerra das minas (5)
Um jogo de “apanhadinha”
Creio que nenhum dos “Eleitos” gostava e muito menos queria, abandonar a procura de uma mina e dá-la como detonada ou perdida sem esgotar, em seu entender, todas as hipóteses viáveis de a encontrar e neutralizar. Muitas vezes acontecia andar-se tempos infindos à procura de um desses engenhos deslocalizado, situação potencialmente perigosa que obrigava a redobrados cuidados e domínio sobre emoções. Nesse espaço de tempo podia ser relativamente fácil acontecerem estados de espírito que iam do desânimo ao eufórico. A meu ver, nestas e noutras situações o autocontrolo e descanso eram essenciais na ajuda à prevenção do desastre.
Disse no (P9850 de 4 de Maio) …Nos ”cú de boi” era bom tomarem-se estas precauções preventivas, eu tomava-as, pois uma das coisas passíveis de acontecer e que não queria, seria por exemplo, exasperado pelo esforço e ao mesmo tempo contente por ter conseguido encontrá-la e levantá-la, agarrar na mina e “fungá-la” no chão ou no caixote de recolha acompanhada talvez dum “cabrona f.d.p.” ainda por cima sem antes a neutralizar, ou pinchar em cima dela a chamar-lhe nomes feios, dar-lhe uma biqueirada à guarda-redes… exagero o que digo ?… pois será, mas aconteceu!
Estávamos ao que me parece recordar, já para finais do campo quando num jogo de “apanhadinha” andavam uma “italiana” fugida e escondida e atrás dela procurando-a sem descanso e resultado, um Furriel “Eleito” que ia gastando o tempo, esgotando a paciência e julgo que a serenidade também. Expressões caserneiras na certa iam sendo sibiladas, maneira fácil e normal de aliviar alguma tensão acumulada, enquanto a busca continuava e se ia prolongando pelo tempo.
A dada altura é bem audível a quem trabalhava nas proximidades, manifestações de entusiasmo e regozijo fazendo com que “vizinhos” como eu desviassem o olhar e atenção para o que se estava a passar e lhe visse na mão a “italiana” finalmente apanhada e a expressão de contentamento vitorioso e de “dever cumprido” estampada no rosto.
Sol de pouca dura para este amante da bola, escalabitano e por isso mesmo alcunhado de Santarém, já que de imediato e surpreendentemente, atira a mina ao ar e acompanhado de algo como um “cabrona” bem sonoro, desfere-lhe uma biqueirada à guarda-redes!
O “BUMM …” é em simultâneo e o Santarém cai por terra.
A mina era de sopro, plástica e não teria sido neutralizada . A pouca sorte ajudou, dadas e a meu ver , as poucas (?) probabilidades de acertar no percutor, como julguei ter acontecido. Ninguém mais se feriu, a não ser psicologicamente.
Ajudo a levá-lo para a estrada para receber os primeiros cuidados médicos. A perna estraçalhada daquele jeito não é bom nem fácil de se ver. Os odores misturam-se e as moscas vindas do nada e atraídas aparecem como que a querer coreografar pela negativa mais uma tragédia em cena.
Lívido e calmo pelo menos aparentemente, não se lhe ouve praticamente um queixume, um gemido. A dada altura diz com serenidade e com um meio sorriso que recordo, como que aceitando sem revolta o resultado de um acto da sua e só sua responsabilidade(?!):
(quase sic) “…nunca mais vou poder jogar futebol!...”
Interveniente no drama e talvez emocionado perante o espectáculo, o Enfermeiro pareceu-me hesitar na procura do melhor sitio na perna onde espetar a agulha para administrar a injecção (morfina?) e julgando que ele estava com receio de causar dor(?) falo-lhe, à minha maneira, mais ou menos assim:
- Espete em qualquer sitio… ele não vai sentir nada!
É evacuado com destino ao aquartelamento donde seguirá para Bissau. Acompanho-o na ambulância, o que virá a influenciar e alterar o meu dia-a-dia durante tempo e levará a fazer-me uma pergunta que até hoje continua, e na certa continuará, sem resposta! Talvez me venha a referir a este assunto mais tarde, a ver vamos!
Nunca mais soube nada deste homem de têmpera, espero que a vida lhe tenha sorrido e que possa ter dado e ainda dar umas biqueiradas na bola, jogo de que ele gostava!
Luís Faria
Foto: © Victor Garcia (2009). Todos os direitos reservados.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10117: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (54): Bula - A guerra das minas (4) - Imprevistos
quinta-feira, 5 de julho de 2012
Guiné 63/74 - P10117: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (54): Bula - A guerra das minas (4) - Imprevistos
1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 1 de Julho de 2012:
Amigo Carlos Vinhal
Como deverás estar a ir de férias e para que descanses um pouco da “fazedura” das malas e te entretenhas (?!), cá vai mais um troço de “Viagem…” que mandarás para a valeta, assim o julgues.
À rapaziada que à falta de melhor faz (ia dizer goza, mas se calha era chato!!) férias… saúde, boa viagem, boa estadia, bom descanso e DIVIRTAM-SE
Abraços
Luís Faria
Bula - guerra das minas (4)
Imprevistos
Logo aos primeiros dias no campo minado, estou em crer não estar muito errado ao dizer terceiro, um “Eleito” não esfacela um membro mas é crivado por estilhaços na cara.
Mais BUMMM… iriam acontecer por aqueles dias de inferno e altura houve em que a incerteza e o receio provocados pelas dificuldades na detecção de muitas minas começou a fazer com que a moralização que animava(?) o grupo “mineiro” praticamente caísse por terra para muitos, acabando por acontecer um “Briefing” com o Comandante e os “Eleitos”, onde se tentou ajuizar dos porquês e procurou arranjar uma solução de modo a serem minimizados os danos. O maior problema eram as bastantes e pequenas minas plásticas italianas que estavam deslocalizadas à toa e muitas das vezes difíceis de encontrar dada a sua dimensão e só serem detectáveis pela pica ou pelo pezinho, sendo claro que neste ultima situação relativamente fácil de acontecer, perdoem a ironia, se economizava tempo e trabalho na sua neutralização !!
É bom de ver que a reunião não passou de uma sessão de “psícola” não se encontrando solução alguma ou por outra, como “perguntar não ofende (?)” ainda aventei, santa ingenuidade a minha, da possibilidade de um veículo rebenta – minas, aquele do género bulldozer com correntes rotativas que já à altura existiam, pelo menos noutros exércitos e que poderia ser usado na maior parte do campo. É claro que fui logo perguntado “você está maluco…?” para propor uma tal solução e em pensamento na certa, se era parvo ou imbecil! Para além de não ter achado graça nenhuma, fiquei foi com a impressão de que o homem me “tirou o azimute”! A ver iria.
Perante a resposta e o tom, deduzi que a nossa Engenharia não tinha essa maquinaria nem outra, que um brinquedo desses seria muito caro e como tal, havia substitutos bem mais baratos tais como a nossa cabecinha pensante, as nossas mãozinhas c’as picas e facas em conjugação c’os nossos pezinhos, à mesma eficientes na resolução do problema, mas de manutenção e eventual “oficina” talvez bem mais em conta! A relação custo – benefício era (é?) normalmente decisora da opção.
Pelo meio de BUMM… e mais BUMM, sinónimos de estropiação e mais estropiação, situações que não tenciono abordar à excepção de uma, por a meu ver ser inédita, lá fomos carpindo e digerindo muito mal os dias negros que nos iam assolando. Mais não aconteceram por, sei lá, até porque para alem das contingências “normais", imprevistos potenciadores de desastre aconteciam. Um que hoje recordo e tentarei descrever, pode talvez fazer rir ou pelo menos sorrir ao imaginar-se a cena, mas à altura… podia bem ter descambado em tragédia, bem grande se a dimensão fosse outra.
No meio do campo minado e em dia acalorado andam os “Eleitos” atarefados nas suas lides. Por lá me encontro também, armado com faca e pica e ataviado só com calção e as omnipresentes nessas situações, botas em couro de meio cano alto.
Em pé e peganhento de suor olho para o céu limpo, talvez num daqueles descansos em que era useiro para descompressão, quando dou por uma “formação” de abelhinhas logo ali, que velozmente se aproximam.
Aviso mas não sei se alguém me ouve já que de imediato a minha plena atenção se fixa na visita indesejada de todas ou pelo menos uma parte delas, que começam a passear-se umas pela cabeça e tronco a nú, outras esvoaçando e zunindo em prevenção e algumas fazendo explorações mais alongadas. Destas, uma mais militante, talvez com óculos de visão nocturna ou sensibilizada por qualquer odor atractivo (?) resolve inspeccionar mais a fundo e entra pelo parco e escuro(?) espaço entre o cano da bota e a canela.
Já tinha estado em situações idênticas, quer na minha terra como na Guiné em Capó (P-4031 de14 de Março de 2009) e conforme os ensinamentos adquiridos sabia bem que a hora era do ficar estático e “não pestanejar sequer” ou em gíria castrense “não mexe nem que um cara… lhe passe pela boca”(!) . Seria a única hipótese na tentativa de não sofrer ataque.
Concentrado ao máximo, um dos meus grandes problemas era conseguir ficar estático de modo a evitar que a “bendita que entrou pelo cano” fosse apertada e me brindasse com uma ferroada que em sequência provocasse um movimento instintivo que incitasse as outras ao ataque e aí podia estar feito, já que para alem das ferroadas, para o BUMM… era só preciso descontrolo e umas passadas ou nem tanto!
Após breve tempo que me pareceu infindo, as “queridas” deram às asas sem causar mossa, tendo a inspectora ainda ficado um pouco mais talvez a verificar algo de pormenor ou nauseada, obrigando-me a manter a postura de respeito submisso! Quanto aos “Eleitos” nada recordo mas creio que acabaram por não ser alvos e se calha ficaram a “gozar (!!) o prato”, digo eu !?
Imagine-se agora se o ataque tivesse sido em grande escala e múltiplo, como aconteceu em “Capó”, originando a debandada quase geral… podia causar um verdadeiro desastre. Felizmente assim não aconteceu e mais um dia que podia ter sido negro, foi ganho.
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10006: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (53): Bula - A guerra das minas (3) - Acontecia... Bummm!!!
Amigo Carlos Vinhal
Como deverás estar a ir de férias e para que descanses um pouco da “fazedura” das malas e te entretenhas (?!), cá vai mais um troço de “Viagem…” que mandarás para a valeta, assim o julgues.
À rapaziada que à falta de melhor faz (ia dizer goza, mas se calha era chato!!) férias… saúde, boa viagem, boa estadia, bom descanso e DIVIRTAM-SE
Abraços
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (53)
Bula - guerra das minas (4)
Imprevistos
Logo aos primeiros dias no campo minado, estou em crer não estar muito errado ao dizer terceiro, um “Eleito” não esfacela um membro mas é crivado por estilhaços na cara.
Mais BUMMM… iriam acontecer por aqueles dias de inferno e altura houve em que a incerteza e o receio provocados pelas dificuldades na detecção de muitas minas começou a fazer com que a moralização que animava(?) o grupo “mineiro” praticamente caísse por terra para muitos, acabando por acontecer um “Briefing” com o Comandante e os “Eleitos”, onde se tentou ajuizar dos porquês e procurou arranjar uma solução de modo a serem minimizados os danos. O maior problema eram as bastantes e pequenas minas plásticas italianas que estavam deslocalizadas à toa e muitas das vezes difíceis de encontrar dada a sua dimensão e só serem detectáveis pela pica ou pelo pezinho, sendo claro que neste ultima situação relativamente fácil de acontecer, perdoem a ironia, se economizava tempo e trabalho na sua neutralização !!
É bom de ver que a reunião não passou de uma sessão de “psícola” não se encontrando solução alguma ou por outra, como “perguntar não ofende (?)” ainda aventei, santa ingenuidade a minha, da possibilidade de um veículo rebenta – minas, aquele do género bulldozer com correntes rotativas que já à altura existiam, pelo menos noutros exércitos e que poderia ser usado na maior parte do campo. É claro que fui logo perguntado “você está maluco…?” para propor uma tal solução e em pensamento na certa, se era parvo ou imbecil! Para além de não ter achado graça nenhuma, fiquei foi com a impressão de que o homem me “tirou o azimute”! A ver iria.
Perante a resposta e o tom, deduzi que a nossa Engenharia não tinha essa maquinaria nem outra, que um brinquedo desses seria muito caro e como tal, havia substitutos bem mais baratos tais como a nossa cabecinha pensante, as nossas mãozinhas c’as picas e facas em conjugação c’os nossos pezinhos, à mesma eficientes na resolução do problema, mas de manutenção e eventual “oficina” talvez bem mais em conta! A relação custo – benefício era (é?) normalmente decisora da opção.
Pelo meio de BUMM… e mais BUMM, sinónimos de estropiação e mais estropiação, situações que não tenciono abordar à excepção de uma, por a meu ver ser inédita, lá fomos carpindo e digerindo muito mal os dias negros que nos iam assolando. Mais não aconteceram por, sei lá, até porque para alem das contingências “normais", imprevistos potenciadores de desastre aconteciam. Um que hoje recordo e tentarei descrever, pode talvez fazer rir ou pelo menos sorrir ao imaginar-se a cena, mas à altura… podia bem ter descambado em tragédia, bem grande se a dimensão fosse outra.
No meio do campo minado e em dia acalorado andam os “Eleitos” atarefados nas suas lides. Por lá me encontro também, armado com faca e pica e ataviado só com calção e as omnipresentes nessas situações, botas em couro de meio cano alto.
Em pé e peganhento de suor olho para o céu limpo, talvez num daqueles descansos em que era useiro para descompressão, quando dou por uma “formação” de abelhinhas logo ali, que velozmente se aproximam.
Aviso mas não sei se alguém me ouve já que de imediato a minha plena atenção se fixa na visita indesejada de todas ou pelo menos uma parte delas, que começam a passear-se umas pela cabeça e tronco a nú, outras esvoaçando e zunindo em prevenção e algumas fazendo explorações mais alongadas. Destas, uma mais militante, talvez com óculos de visão nocturna ou sensibilizada por qualquer odor atractivo (?) resolve inspeccionar mais a fundo e entra pelo parco e escuro(?) espaço entre o cano da bota e a canela.
Já tinha estado em situações idênticas, quer na minha terra como na Guiné em Capó (P-4031 de14 de Março de 2009) e conforme os ensinamentos adquiridos sabia bem que a hora era do ficar estático e “não pestanejar sequer” ou em gíria castrense “não mexe nem que um cara… lhe passe pela boca”(!) . Seria a única hipótese na tentativa de não sofrer ataque.
Concentrado ao máximo, um dos meus grandes problemas era conseguir ficar estático de modo a evitar que a “bendita que entrou pelo cano” fosse apertada e me brindasse com uma ferroada que em sequência provocasse um movimento instintivo que incitasse as outras ao ataque e aí podia estar feito, já que para alem das ferroadas, para o BUMM… era só preciso descontrolo e umas passadas ou nem tanto!
Após breve tempo que me pareceu infindo, as “queridas” deram às asas sem causar mossa, tendo a inspectora ainda ficado um pouco mais talvez a verificar algo de pormenor ou nauseada, obrigando-me a manter a postura de respeito submisso! Quanto aos “Eleitos” nada recordo mas creio que acabaram por não ser alvos e se calha ficaram a “gozar (!!) o prato”, digo eu !?
Imagine-se agora se o ataque tivesse sido em grande escala e múltiplo, como aconteceu em “Capó”, originando a debandada quase geral… podia causar um verdadeiro desastre. Felizmente assim não aconteceu e mais um dia que podia ter sido negro, foi ganho.
Luís Faria
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10006: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (53): Bula - A guerra das minas (3) - Acontecia... Bummm!!!
quarta-feira, 6 de junho de 2012
Guiné 63/74 - P10006: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (53): Bula - A guerra das minas (3) - Acontecia... Bummm!!!
1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 3 de Junho de 2012:
Caro amigo Vinhal
Um abraço com desejo que a saúde e o bem-estar te assistam.
Por saber que o trabalho dá saúde e promove o bem-estar, espero contribuir para tal enviando-te mais um apontamento de “Viagem…”se calhar merecedor de “rodinha” para alguns eventuais leitores mais emocionáveis, talvez até “Eleitos” no mesmo ou noutros cenários e a quem desde já peço desculpa por eventualmente interferir em campos guardados na memória.
Saúde e um abraço para todos
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (53)
Bula - guerra das minas (3)
Acontecia
BUMMM!!!
O estrondo de um rebentamento ali muito próximo deixou-nos expectantes…
Os dias iam-se acumulando vagarosamente no depósito dos passados e no dos a ultra-passar, estes com recortes de dor e sofrimento para uns, de mágoas e tristezas para outros, de inseguranças e receios para uns outros, julgo de esperança para todos.
Eram dias encimados em dias, que se iam transpondo na fragilidade de um “arame suspenso” e em tensão de alto risco, esticado e sem rede de segurança por sobre uma arena também ela potenciada de riscos sérios.
A “barra de equilíbrio” usada para ir dando passos e conseguir transpor esse arame, era basicamente feita de serenidade, atenção e contenção, ingredientes que dada a natureza humana, nem sempre sendo conseguidos vinham a causar a perda de equilíbrio que provocava o desastre, podendo o mesmo também acontecer e sem se conhecer o porquê, ou pura e simplesmente o “arame” rebentar e sem aviso, o BUMMM… do rebentamento inesperado ali ao lado deixava-nos expectantes do e a quem tinha acontecido!
Os dias negros em que situações destas aconteciam, continuo a falar por mim, em que o estropiamento de um companheiro acontecia e nos marcava, tinham que ser arrumados não no depósito dos passados mas no dos a ultrapassar e fechados com as chaves da Fé e da Esperança, único modo de se ir conseguindo enfrentar e viver os vindouros.
A acontecer o desastre, esperava-se ao menos ficar com a articulação do joelho, de modo a acabar por do mal, o menos, poder andar sem muleta! Daí e nestas lides eu usar sempre as minhas botas em couro de meio cano alto e ajustadas, que acreditava poderem vir a contribuir na protecção e nesse sentido.
Botas que usava nas minas
Dizia-se até que na desdita (aos “felizardos” certamente) seriam aplicadas próteses na Alemanha, que imitavam a carne e que até permitiam correr e jogar futebol. Para as caneladas deveria ser óptimo, este incentivo de truz!!!!
Em confrontos nas matas daquela terra já tinha presenciado e vivido diversas situações em que companheiros ficaram feridos com gravidade e de morte. Foram momentos difíceis que houve que ultrapassar mas que se não esquecem e ficam para sempre na memória pormenores (?) subjectivos gravados com nitidez, de imagens que se vão esbatendo ao longo do tempo.
Honestamente, por maior que fosse o choque sentido não era de me deixar abater e de deixar transparecer emoções ou constrangimentos na presença dos feridos, fosse qual fosse a sua gravidade. Achava e continuo a achar que esse tipo de reacções, naturais e comuns é certo, provocavam um efeito negativo no ferido e até em expectantes, podendo levar inclusive a laxismos e desorientações que não podiam ter lugar nessas ocasiões, pelo que e a meu ver, em especial quem exercia funções de comando deveria conseguir controlo sobre essas emoções
Nesses momentos de dor e incerteza para o ferido, julgo até que agravada de solidão em ausência da família, a hora deveria ser de tentar interromper esse estado de espírito, de incentivar não demonstrando preocupação em demasia, quiçá “chistando” até com o acontecido ou com as consequências.
Recordo a propósito uma “converseta” sic ou quase, com “eleito” estropiado:
- Oh Faria, dá-me água...
- Bai -te f…Queres água p’ ra quê? Entra-te pela boca e sai-te pela perna…”!??! (segundo o que parecia saber, naquelas situações não deveriam beber?)
Usei-o a meu ver com resultados positivos. Se o ferido fosse eu, não gostaria de sentir a meu lado a imagem do “carpidor” que olhava o desgraçadinho do coitado, do que pena, do que está f…! Quereria era sentir iniciativa, confiança, segurança, naturalidade, despacho. Bom, mas como disse era assim que pensava e sentia e como tal adoptava esse tipo de conduta que poderia ser criticável, bem sei. Ainda hoje assim acontece.
À excepção da morte ocorrida no Balanguerez (P7172) provocada por um RPG directo, digo com sinceridade, o que sentia em presença dos feridos pelas minas era diferente, bastante diferente e mais intenso do que os acontecidos nas matas, em combate. Eram ferimentos ”feios” que impressionavam pelo estado e aspecto.
A vista do membro estraçalhado, à mistura com aquele odor a sangue e carne queimada a explosivo era realmente perturbador e continuo a falar por mim, difícil de encarar e esquecer, desencadeava um turbilhão de emoções. Na verdade para se conseguir controlar e manter o equilíbrio emocional em presença, havia que fazer um grande esforço de “alheamento” e contenção para não deixar transparecer essas emoções.
Posteriormente e a mais das vezes, podia-se extravasar toda essa contenção. O bar não fugia, a viola repousava pelo quarto, o abraço, palavras de amizade e apoio aconteciam!
No quartel a ambulância era esperada e recebida com ansiedade, curiosidade, comoção e até por descontrolo emocional causador de distúrbios psíquicos (?), como chegou a acontecer causando para a vida feridas nunca bem cicatrizadas.
Já o disse, para mim foram os tempos mais desgastantes e dos mais difíceis porque passei nessa guerra, que por Graça acabou por me poupar e ao que sinto até ver, não me deixou feridas mal cicatrizadas do corpo ou psicológicas.
Luís Faria
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 4 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9850: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (52): Bula - A guerra das minas (2) - Os "eleitos"
Caro amigo Vinhal
Um abraço com desejo que a saúde e o bem-estar te assistam.
Por saber que o trabalho dá saúde e promove o bem-estar, espero contribuir para tal enviando-te mais um apontamento de “Viagem…”se calhar merecedor de “rodinha” para alguns eventuais leitores mais emocionáveis, talvez até “Eleitos” no mesmo ou noutros cenários e a quem desde já peço desculpa por eventualmente interferir em campos guardados na memória.
Saúde e um abraço para todos
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (53)
Bula - guerra das minas (3)
Acontecia
BUMMM!!!
O estrondo de um rebentamento ali muito próximo deixou-nos expectantes…
Os dias iam-se acumulando vagarosamente no depósito dos passados e no dos a ultra-passar, estes com recortes de dor e sofrimento para uns, de mágoas e tristezas para outros, de inseguranças e receios para uns outros, julgo de esperança para todos.
Eram dias encimados em dias, que se iam transpondo na fragilidade de um “arame suspenso” e em tensão de alto risco, esticado e sem rede de segurança por sobre uma arena também ela potenciada de riscos sérios.
A “barra de equilíbrio” usada para ir dando passos e conseguir transpor esse arame, era basicamente feita de serenidade, atenção e contenção, ingredientes que dada a natureza humana, nem sempre sendo conseguidos vinham a causar a perda de equilíbrio que provocava o desastre, podendo o mesmo também acontecer e sem se conhecer o porquê, ou pura e simplesmente o “arame” rebentar e sem aviso, o BUMMM… do rebentamento inesperado ali ao lado deixava-nos expectantes do e a quem tinha acontecido!
Os dias negros em que situações destas aconteciam, continuo a falar por mim, em que o estropiamento de um companheiro acontecia e nos marcava, tinham que ser arrumados não no depósito dos passados mas no dos a ultrapassar e fechados com as chaves da Fé e da Esperança, único modo de se ir conseguindo enfrentar e viver os vindouros.
A acontecer o desastre, esperava-se ao menos ficar com a articulação do joelho, de modo a acabar por do mal, o menos, poder andar sem muleta! Daí e nestas lides eu usar sempre as minhas botas em couro de meio cano alto e ajustadas, que acreditava poderem vir a contribuir na protecção e nesse sentido.
Botas que usava nas minas
Dizia-se até que na desdita (aos “felizardos” certamente) seriam aplicadas próteses na Alemanha, que imitavam a carne e que até permitiam correr e jogar futebol. Para as caneladas deveria ser óptimo, este incentivo de truz!!!!
Em confrontos nas matas daquela terra já tinha presenciado e vivido diversas situações em que companheiros ficaram feridos com gravidade e de morte. Foram momentos difíceis que houve que ultrapassar mas que se não esquecem e ficam para sempre na memória pormenores (?) subjectivos gravados com nitidez, de imagens que se vão esbatendo ao longo do tempo.
Honestamente, por maior que fosse o choque sentido não era de me deixar abater e de deixar transparecer emoções ou constrangimentos na presença dos feridos, fosse qual fosse a sua gravidade. Achava e continuo a achar que esse tipo de reacções, naturais e comuns é certo, provocavam um efeito negativo no ferido e até em expectantes, podendo levar inclusive a laxismos e desorientações que não podiam ter lugar nessas ocasiões, pelo que e a meu ver, em especial quem exercia funções de comando deveria conseguir controlo sobre essas emoções
Nesses momentos de dor e incerteza para o ferido, julgo até que agravada de solidão em ausência da família, a hora deveria ser de tentar interromper esse estado de espírito, de incentivar não demonstrando preocupação em demasia, quiçá “chistando” até com o acontecido ou com as consequências.
Recordo a propósito uma “converseta” sic ou quase, com “eleito” estropiado:
- Oh Faria, dá-me água...
- Bai -te f…Queres água p’ ra quê? Entra-te pela boca e sai-te pela perna…”!??! (segundo o que parecia saber, naquelas situações não deveriam beber?)
Usei-o a meu ver com resultados positivos. Se o ferido fosse eu, não gostaria de sentir a meu lado a imagem do “carpidor” que olhava o desgraçadinho do coitado, do que pena, do que está f…! Quereria era sentir iniciativa, confiança, segurança, naturalidade, despacho. Bom, mas como disse era assim que pensava e sentia e como tal adoptava esse tipo de conduta que poderia ser criticável, bem sei. Ainda hoje assim acontece.
À excepção da morte ocorrida no Balanguerez (P7172) provocada por um RPG directo, digo com sinceridade, o que sentia em presença dos feridos pelas minas era diferente, bastante diferente e mais intenso do que os acontecidos nas matas, em combate. Eram ferimentos ”feios” que impressionavam pelo estado e aspecto.
A vista do membro estraçalhado, à mistura com aquele odor a sangue e carne queimada a explosivo era realmente perturbador e continuo a falar por mim, difícil de encarar e esquecer, desencadeava um turbilhão de emoções. Na verdade para se conseguir controlar e manter o equilíbrio emocional em presença, havia que fazer um grande esforço de “alheamento” e contenção para não deixar transparecer essas emoções.
Posteriormente e a mais das vezes, podia-se extravasar toda essa contenção. O bar não fugia, a viola repousava pelo quarto, o abraço, palavras de amizade e apoio aconteciam!
No quartel a ambulância era esperada e recebida com ansiedade, curiosidade, comoção e até por descontrolo emocional causador de distúrbios psíquicos (?), como chegou a acontecer causando para a vida feridas nunca bem cicatrizadas.
Já o disse, para mim foram os tempos mais desgastantes e dos mais difíceis porque passei nessa guerra, que por Graça acabou por me poupar e ao que sinto até ver, não me deixou feridas mal cicatrizadas do corpo ou psicológicas.
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 4 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9850: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (52): Bula - A guerra das minas (2) - Os "eleitos"
sexta-feira, 4 de maio de 2012
Guiné 63/74 - P9850: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (52): Bula - A guerra das minas (2) - Os "eleitos"
1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 28 de Abril de 2012:
Olá amigo Carlos Vinhal,
Bom, acho que já te chega de folgas e comesainas, ao que parece bem animadas por sinal, nesse belo pedaço do ainda nosso Portugal.
É hora de trabalho para ti, que és um ”Mouro do mesmo” e de que estou certo, por norma gostas.
Como tal, cá vai mais um lanço de “Viagem…”que, já sabes, varres para a valeta se assim considerares.
Um abraço para ti e um outro para a”Juventude de outrora” e de agora que nos vai seguindo
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (52)
Bula – guerra das minas ( 2 ) Os “ Eleitos ”
Apeados dos Unimog, após a segurança estar montada e percorrida a pouca distancia até à zona de trabalho estabelecida no campo minado, os ”eleitos” munidos do equipamento preparavam-se para umas horas de trabalho de alto desgaste, onde a atenção e tensão seriam quase constantes, intervaladas por momentos de descanso e descompressão individuais e subjectivos na escolha do momento e duração, que só o próprio poderia e saberia determinar e quantificar.
Mentalização feita, azimutes tirados, zona de actuação definida e localização primária conseguida, era chegada a altura de a atenção não se dispersar. Depois e em seguimento do “lançamento” da “vara-medida” que deveria localizar o engenho ou a sua proximidade, a pica ligeira de verga de aço começava a funcionar com sensibilidade e moderação de força - de modo a não provocar inadvertidamente um eventual rebentamento caso acertasse em espoleta mais sensível (como veio a acontecer) - explorando a faixa de terreno que íamos pisar no curto trajecto até consumar a localização do engenho, dando então lugar à actuação da faca.
Com a atenção no máximo e tensão controlada em função da menor ou maior dificuldade do que se nos parecia apresentar, começava o manuseamento da faca (a minha tinha-a comprado na “Casa Barral”- Porto), uma espécie de “arte” que deveria ser executado com respeito e desapaixonadamente, com sensibilidade, sem facilidades e aplicando os saberes adquiridos, “desbagando” os cachos em quadrado com “AUPS” nos vértices e uma portuguesa ao centro, enfileirados e sequenciais.
Sendo que grande parte das minas estava localizada nos locais previstos ou na proximidade, muitas havia no entanto em situação para todos os gostos: umas afastadas e completamente a descoberto, outras com camadas de terra encimada e difíceis de detectar, outras desviadas q.b., outras enterrados de viés (bem perigosas por sinal) muitas enraizadas em tufos e arbustos, outras incorporadas em formigueiros … enfim, tornando-se variadíssimas vezes um trabalho “cú de boi” encontrá-las, desactiva-las e levantá-las.
Os intervalos de descanso para esticar o corpo e aliviar as costas, falo por mim, faziam-se quando se achasse mas eram por norma de pouca duração, tempo de uma golada de água e uma cigarrada enquanto o pensamento esvoaçava por outras bandas. O trabalho tinha que ser feito.
Quando um desses “cú de boi” aparecia, bom aí podia acontecer que a paciência se começava a esgotar, os suores davam para alagar, os palavrões sucediam-se, a atenção começava a querer dispersar-se, o desânimo ameaçava rondar, o facilitismo começava espreitar. Era chegado o momento de espairecer, de descomprimir e travar tendências negativas para aquela função onde o perigo estava sempre à espreita. Demorasse o tempo que demorasse, só nós próprios é que podíamos sentir e saber o momento de recomeçar a labuta, não podendo haver lugar a pressões e muito menos a imposições. Éramos, continuo a falar por mim, os decisores em causa própria e não devia nem podia ser de outra maneira, sob pena de acontecimento grave.
Nos ”cú de boi” era bom tomarem-se estas precauções preventivas, eu tomava-as, pois uma das coisas passíveis de acontecer e que não queria, seria por exemplo, exasperado pelo esforço e ao mesmo tempo contente por ter conseguido encontra-la e levanta-la, agarrar na mina e “fungá-la” no chão ou no caixote de recolha acompanhada talvez dum “cabrona f.d.p.” ainda por cima sem antes a neutralizar, ou pinchar em cima dela a chamar-lhe nomes feios, dar-lhe uma biqueirada à guarda-redes… exagero o que digo?… pois será, mas aconteceu!
Devíamos dar o nosso melhor contributo para a nossa própria segurança e para isso também era, sempre o soube e pratiquei, indispensável manter o equilíbrio físico e mental em todos os momentos, na tentativa de minimizar os riscos de um trabalho extenuante por ser em contínuo, num campo de minas com aquela dimensão e densidade. Daí e a meu ver, a importância dos descansos autónomos.
Deitados, acocorados ou de joelho no chão conforme as situações, os “mineiros encartados” iam avançando com e ao seu ritmo, “lavrando” os seus terrenos com minúcia e destreza por norma consciente, descobrindo e colhendo uma a uma as sementes de mutilação, neutralizando-as de imediato, ao que me parece recordar apondo-lhes as protecções de segurança, tampas nas plásticas, cavilhas nas metálicas portuguesas retirando-lhes depois o sistema de detonação e acomodando-as de seguida e separadamente em recipientes de recolha próprios .
Esta espécie de rotina, que não deveria ser rotineira, sucedia-se mina a mina, cacho a cacho durante horas a fio até final da jorna, altura em que se regressava às viaturas que nos levariam de regresso ao quartel onde a tarde e a noite eram nossas, pois tínhamo-las ganho e bem ganho. Era chegada a hora dum belo “banho à Nharro”(sem ofensa), duns bons canecos, talvez do dedilhar na viola, de escrever um “bate-estradas”, duma bela sorna com leitura à mistura e à fresca do ar movimentado pela ventoinha… pois na manhã seguinte teríamos que estar recuperados e frescos para mais do mesmo, tendo sido esta a nossa vida durante dias e mais dias nos finais de uma comissão que já não tinha sido fácil.
© Foto de Carlos Vinhal
No dia a dia renovava-se a esperança de que não houvesse qualquer acidente, o que nem sempre aconteceu. Logo nos primeiros dias do início, inadvertidamente o primeiro desastre aconteceu e infelizmente mais se seguiriam ao longa daquela ”caminhada” não ocorrendo outros por… sabe-se lá porquê!
Sorte, destino? Cá por mim acredito que por Graça Divina.
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9690: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (51): Bula - A guerra das minas
Olá amigo Carlos Vinhal,
Bom, acho que já te chega de folgas e comesainas, ao que parece bem animadas por sinal, nesse belo pedaço do ainda nosso Portugal.
É hora de trabalho para ti, que és um ”Mouro do mesmo” e de que estou certo, por norma gostas.
Como tal, cá vai mais um lanço de “Viagem…”que, já sabes, varres para a valeta se assim considerares.
Um abraço para ti e um outro para a”Juventude de outrora” e de agora que nos vai seguindo
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (52)
Bula – guerra das minas ( 2 ) Os “ Eleitos ”
Apeados dos Unimog, após a segurança estar montada e percorrida a pouca distancia até à zona de trabalho estabelecida no campo minado, os ”eleitos” munidos do equipamento preparavam-se para umas horas de trabalho de alto desgaste, onde a atenção e tensão seriam quase constantes, intervaladas por momentos de descanso e descompressão individuais e subjectivos na escolha do momento e duração, que só o próprio poderia e saberia determinar e quantificar.
Mentalização feita, azimutes tirados, zona de actuação definida e localização primária conseguida, era chegada a altura de a atenção não se dispersar. Depois e em seguimento do “lançamento” da “vara-medida” que deveria localizar o engenho ou a sua proximidade, a pica ligeira de verga de aço começava a funcionar com sensibilidade e moderação de força - de modo a não provocar inadvertidamente um eventual rebentamento caso acertasse em espoleta mais sensível (como veio a acontecer) - explorando a faixa de terreno que íamos pisar no curto trajecto até consumar a localização do engenho, dando então lugar à actuação da faca.
Com a atenção no máximo e tensão controlada em função da menor ou maior dificuldade do que se nos parecia apresentar, começava o manuseamento da faca (a minha tinha-a comprado na “Casa Barral”- Porto), uma espécie de “arte” que deveria ser executado com respeito e desapaixonadamente, com sensibilidade, sem facilidades e aplicando os saberes adquiridos, “desbagando” os cachos em quadrado com “AUPS” nos vértices e uma portuguesa ao centro, enfileirados e sequenciais.
Disposição das minas e dos cachos
(parece-me ser o posicionamento dos cachos)
(parece-me ser o posicionamento dos cachos)
Sendo que grande parte das minas estava localizada nos locais previstos ou na proximidade, muitas havia no entanto em situação para todos os gostos: umas afastadas e completamente a descoberto, outras com camadas de terra encimada e difíceis de detectar, outras desviadas q.b., outras enterrados de viés (bem perigosas por sinal) muitas enraizadas em tufos e arbustos, outras incorporadas em formigueiros … enfim, tornando-se variadíssimas vezes um trabalho “cú de boi” encontrá-las, desactiva-las e levantá-las.
Os intervalos de descanso para esticar o corpo e aliviar as costas, falo por mim, faziam-se quando se achasse mas eram por norma de pouca duração, tempo de uma golada de água e uma cigarrada enquanto o pensamento esvoaçava por outras bandas. O trabalho tinha que ser feito.
Quando um desses “cú de boi” aparecia, bom aí podia acontecer que a paciência se começava a esgotar, os suores davam para alagar, os palavrões sucediam-se, a atenção começava a querer dispersar-se, o desânimo ameaçava rondar, o facilitismo começava espreitar. Era chegado o momento de espairecer, de descomprimir e travar tendências negativas para aquela função onde o perigo estava sempre à espreita. Demorasse o tempo que demorasse, só nós próprios é que podíamos sentir e saber o momento de recomeçar a labuta, não podendo haver lugar a pressões e muito menos a imposições. Éramos, continuo a falar por mim, os decisores em causa própria e não devia nem podia ser de outra maneira, sob pena de acontecimento grave.
Nos ”cú de boi” era bom tomarem-se estas precauções preventivas, eu tomava-as, pois uma das coisas passíveis de acontecer e que não queria, seria por exemplo, exasperado pelo esforço e ao mesmo tempo contente por ter conseguido encontra-la e levanta-la, agarrar na mina e “fungá-la” no chão ou no caixote de recolha acompanhada talvez dum “cabrona f.d.p.” ainda por cima sem antes a neutralizar, ou pinchar em cima dela a chamar-lhe nomes feios, dar-lhe uma biqueirada à guarda-redes… exagero o que digo?… pois será, mas aconteceu!
Devíamos dar o nosso melhor contributo para a nossa própria segurança e para isso também era, sempre o soube e pratiquei, indispensável manter o equilíbrio físico e mental em todos os momentos, na tentativa de minimizar os riscos de um trabalho extenuante por ser em contínuo, num campo de minas com aquela dimensão e densidade. Daí e a meu ver, a importância dos descansos autónomos.
Deitados, acocorados ou de joelho no chão conforme as situações, os “mineiros encartados” iam avançando com e ao seu ritmo, “lavrando” os seus terrenos com minúcia e destreza por norma consciente, descobrindo e colhendo uma a uma as sementes de mutilação, neutralizando-as de imediato, ao que me parece recordar apondo-lhes as protecções de segurança, tampas nas plásticas, cavilhas nas metálicas portuguesas retirando-lhes depois o sistema de detonação e acomodando-as de seguida e separadamente em recipientes de recolha próprios .
Esta espécie de rotina, que não deveria ser rotineira, sucedia-se mina a mina, cacho a cacho durante horas a fio até final da jorna, altura em que se regressava às viaturas que nos levariam de regresso ao quartel onde a tarde e a noite eram nossas, pois tínhamo-las ganho e bem ganho. Era chegada a hora dum belo “banho à Nharro”(sem ofensa), duns bons canecos, talvez do dedilhar na viola, de escrever um “bate-estradas”, duma bela sorna com leitura à mistura e à fresca do ar movimentado pela ventoinha… pois na manhã seguinte teríamos que estar recuperados e frescos para mais do mesmo, tendo sido esta a nossa vida durante dias e mais dias nos finais de uma comissão que já não tinha sido fácil.
Faca de mato em acção e mais uma "AUPS" recuperada
© Foto de Carlos Vinhal
No dia a dia renovava-se a esperança de que não houvesse qualquer acidente, o que nem sempre aconteceu. Logo nos primeiros dias do início, inadvertidamente o primeiro desastre aconteceu e infelizmente mais se seguiriam ao longa daquela ”caminhada” não ocorrendo outros por… sabe-se lá porquê!
Sorte, destino? Cá por mim acredito que por Graça Divina.
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9690: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (51): Bula - A guerra das minas
domingo, 1 de abril de 2012
Guiné 63/74 - P9690: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (51): Bula - A guerra das minas
1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 22 de Março de 2012:
Olá Vinhal
Saúde boa, disposição em cima, força que baste? Óptimo.
Segue novo “lanço” na “Viagem…” que a vai aproximando do final que, é uso dizer-se ser normalmente “o mais difícil de esfolar”. Assim também aconteceu na ”viagem real “, por lá.
Um abraço , saúde e boa disposição para todos
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (51)
Bula – A guerra das minas
Pela fresca da manhã os “eleitos” preparam-se para montar nas viaturas escoltadas rumo à nova guerra onde o IN eram uns engenhos diabólicos montados por nós (NT), camuflados em quilómetros de terrenos muitas vezes adulterados pela pluviosidade e diferente bicheza autóctone, fazendo com que por vezes a sinalética mapeada transformasse a sua localização correcta em verdadeira “caça ao tesouro” por tentativas, raramente infrutíferas mas vezes demais extremamente dolorosas!
Ao que tenho na ideia, este “campo de mutilação” que tínhamos que enfrentar nascia pelo quilómetro oito, alongando-se para Norte por uns bons quilómetros (creio que seis?) ao longo da lateral Leste da estrada Bula – S. Vicente (onde se fazia a travessia do rio Cacheu para Ingoré). Era constituído por uns largos milhares de minas plásticas (“encriers” devido à sua forma de tinteiro) e portuguesas (metálicas de fragmentação) na proporção de quatro para uma, ao que lembro dispostas em cachos orientados e compostos por quatro plásticas em quadrado e uma portuguesa ao centro, afastadas entre elas o suficiente para não estourarem por simpatia. Já não recordo se era uma ou duas filas paralelas de cachos. Não encontro essa nota, mas tenho ideia de que seriam umas dez mil minas (?), a passar.
Para enfrentar este desafio demoníaco o equipamento base do pequeno grupo de “eleitos” era simples e fiável: pica em verga de aço, bússola, mapa, croquis de implantação e claro está faca de mato. Ah, convém não esquecer a “vara-medida” com 1,5 ou 2 metros de comprimento (já não recordo mas era da medida que distava entre a central portuguesa e as exteriores), instrumento muito útil que simplificava a localização aproximada dos engenhos desde que detectado o principal, a mina metálica. Tínhamos também à disposição um detector de metais que se necessário usávamos na detecção destas minas portuguesas de fragmentação extremamente perigosas. Para alem deste equipamento havia quem lhe acrescesse outros que julgasse conveniente para segurança e até quaisquer amuletos que acreditasse protectores e da sorte! Pelo que me tocava havia três ou quatro coisas que faziam parte integrante do equipamento: pistola no coldre, a, para mim fundamental, bota de fuzileiro e o lencito vermelho usado ao pescoço, este sim uma espécie de talismã mas também útil! Não posso esquecer a varinha de vime ou o pingalim de tiras de couro entrelaçadas l!
Tinha uma explicação para o uso destes “complementos”que passo a expor o mais concretamente possível: - Pistola “Walter” – não estorvava e podia vir a ser útil em defesa ou mesmo resolutiva noutro tipo de situação! - Botas tipo Fuzileiro - em couro, de meio cano-alto ajustado por fivelas laterais, que acreditava darem-me uma certa protecção à extensão dos “estragos” em caso de pisar um engenho. Não convinha nada que a perna tivesse que ser amputada acima do joelho!!! - Pequeno lenço vermelho - tinha-me sido oferecido no “Puto”e usava-o muitas vezes em operações, amarrado ao cano da G3 ou ao pescoço. Era uma espécie de amuleto e que podia ser útil pelo menos com os suores. - Varinha / pingalim – preênsil nos dedos, usada(o) para ajudar a detectar eventuais arames de tropeçar interpostos pelo IN no acesso ao “campo de trabalho”.
Sobre esta estória da varinha explico: Um belo dia, antes deste trabalho mas creio que por causa dele também, fui incumbido de verificar, desarmar e levantar várias armadilhas por mim montadas e “croquisadas” ano e tal antes, lá para a frente da zona da “curva do café” onde se pensava ser zona de atravessamento do IN e onde, para além disso, havia por baixo da estrada uma conduta pluvial (?) larga que a atravessava e que se queria não viesse a ser aproveitado pelo IN para quaisquer utilizações bélicas. Por essa área tinha montado uma dezena, talvez mais, de armadilhas a meu ver bem “engendradas” e para “vários gostos”! Como tal deveriam também ser bem descritas e sinalizadas em “croquis” fiéis, com referência a pontos considerados seguros e de difícil mutação, o que facilitaria uma posterior desactivação das mesmas.
No dia aprazado, dirijo-me para a zona, acompanhado como não podia deixar de ser por segurança que tomou posição do outro lado da estrada. Pés ao caminho, munido dos apetrechos necessários e do croqui por mim feito anteriormente, vou desactivando os engenhos, concentrado mas sem dificuldades de maior até que a dada altura e em local não referenciado, ao dar um passo senti no tacão da bota atrasada uma resistência que me inquietou. Não podia ser?! O chamado “sexto sentido” terá feito o automatismo funcionar preventivamente e à contagem “um - dois” estava aterrado e espalmado no chão um pouco mais adiante! O estouro não se fez esperar.
Afinal sempre era, sendo que a “geringonça” não era nossa e sim uma intrusa, posteriormente confirmado por contagem. Mais uma vez por Graça, e talvez um pouco por Lamego (onde colados ao terreno detonámos granadas que pousávamos à distancia de um braço) nada me aconteceu, para além do valente susto. Coisa para não esquecer! O que aconteceu fez-me pensar que tinha que tentar prevenir situações semelhantes. O engenho a par da nossa bela “arte do desenrasca” veio ao de cima : a solução seria uma fina e lisa varinha, pênsil dos polegar e indicador que, ao quase varrer o chão dianteiro sinalizaria e faria investigar qualquer resistência anormal ou entrave à sua progressão. Também cheguei a usar o meu ”chicote” de tiras de couro entrelaçado, mais cómodo e à mesma sem peso suficiente para descavilhar qualquer engenho munido de arame de tropeçar.
Algumas vezes parei para investigar mas felizmente foram alarmes falsos. Chegados à zona de apeamento e após a segurança estar montada em proximidade não intrusiva, os “eleitos” dirigiam-se, creio que em equipas para os locais determinados, dando início a uma luta em que facilitar era potenciar o risco de rebentamento e suas consequências nefastas. Acabou por ser uma batalha que se ganhou, mas infelizmente e quase logo de início à custa de sangue, dor e em que o esforço e sofrimento ao que sei não foram agradecidos ou reconhecidos, muito menos louvados ou premiados e onde até o prometido (pelo menos a mim) não foi sequer cumprido, antes pelo contrário. Creio que também ninguém estava a contar com quaisquer “honrarias” mas, falo por mim, esperava que o prometido fosse cumprido! Apesar dos alguns “briefings” havidos com o Comando, o que não permitia evocar “desconhecimento” dos acontecimentos, os “mandantes” andavam de certeza absorvidos e distraídos com outras coisas de maior interesse próprio naqueles finais de comissão!
Bom… é sabido que havia Comandantes e comandantes por aquelas guerras!
Luís Faria
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9536: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (50): Bula, uma nova missão
Olá Vinhal
Saúde boa, disposição em cima, força que baste? Óptimo.
Segue novo “lanço” na “Viagem…” que a vai aproximando do final que, é uso dizer-se ser normalmente “o mais difícil de esfolar”. Assim também aconteceu na ”viagem real “, por lá.
Um abraço , saúde e boa disposição para todos
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (51)
Bula – A guerra das minas
Pela fresca da manhã os “eleitos” preparam-se para montar nas viaturas escoltadas rumo à nova guerra onde o IN eram uns engenhos diabólicos montados por nós (NT), camuflados em quilómetros de terrenos muitas vezes adulterados pela pluviosidade e diferente bicheza autóctone, fazendo com que por vezes a sinalética mapeada transformasse a sua localização correcta em verdadeira “caça ao tesouro” por tentativas, raramente infrutíferas mas vezes demais extremamente dolorosas!
(Google) Estrada Bula - Pta S Vicente - Ingoré
Ao que tenho na ideia, este “campo de mutilação” que tínhamos que enfrentar nascia pelo quilómetro oito, alongando-se para Norte por uns bons quilómetros (creio que seis?) ao longo da lateral Leste da estrada Bula – S. Vicente (onde se fazia a travessia do rio Cacheu para Ingoré). Era constituído por uns largos milhares de minas plásticas (“encriers” devido à sua forma de tinteiro) e portuguesas (metálicas de fragmentação) na proporção de quatro para uma, ao que lembro dispostas em cachos orientados e compostos por quatro plásticas em quadrado e uma portuguesa ao centro, afastadas entre elas o suficiente para não estourarem por simpatia. Já não recordo se era uma ou duas filas paralelas de cachos. Não encontro essa nota, mas tenho ideia de que seriam umas dez mil minas (?), a passar.
Para enfrentar este desafio demoníaco o equipamento base do pequeno grupo de “eleitos” era simples e fiável: pica em verga de aço, bússola, mapa, croquis de implantação e claro está faca de mato. Ah, convém não esquecer a “vara-medida” com 1,5 ou 2 metros de comprimento (já não recordo mas era da medida que distava entre a central portuguesa e as exteriores), instrumento muito útil que simplificava a localização aproximada dos engenhos desde que detectado o principal, a mina metálica. Tínhamos também à disposição um detector de metais que se necessário usávamos na detecção destas minas portuguesas de fragmentação extremamente perigosas. Para alem deste equipamento havia quem lhe acrescesse outros que julgasse conveniente para segurança e até quaisquer amuletos que acreditasse protectores e da sorte! Pelo que me tocava havia três ou quatro coisas que faziam parte integrante do equipamento: pistola no coldre, a, para mim fundamental, bota de fuzileiro e o lencito vermelho usado ao pescoço, este sim uma espécie de talismã mas também útil! Não posso esquecer a varinha de vime ou o pingalim de tiras de couro entrelaçadas l!
Tinha uma explicação para o uso destes “complementos”que passo a expor o mais concretamente possível: - Pistola “Walter” – não estorvava e podia vir a ser útil em defesa ou mesmo resolutiva noutro tipo de situação! - Botas tipo Fuzileiro - em couro, de meio cano-alto ajustado por fivelas laterais, que acreditava darem-me uma certa protecção à extensão dos “estragos” em caso de pisar um engenho. Não convinha nada que a perna tivesse que ser amputada acima do joelho!!! - Pequeno lenço vermelho - tinha-me sido oferecido no “Puto”e usava-o muitas vezes em operações, amarrado ao cano da G3 ou ao pescoço. Era uma espécie de amuleto e que podia ser útil pelo menos com os suores. - Varinha / pingalim – preênsil nos dedos, usada(o) para ajudar a detectar eventuais arames de tropeçar interpostos pelo IN no acesso ao “campo de trabalho”.
Sobre esta estória da varinha explico: Um belo dia, antes deste trabalho mas creio que por causa dele também, fui incumbido de verificar, desarmar e levantar várias armadilhas por mim montadas e “croquisadas” ano e tal antes, lá para a frente da zona da “curva do café” onde se pensava ser zona de atravessamento do IN e onde, para além disso, havia por baixo da estrada uma conduta pluvial (?) larga que a atravessava e que se queria não viesse a ser aproveitado pelo IN para quaisquer utilizações bélicas. Por essa área tinha montado uma dezena, talvez mais, de armadilhas a meu ver bem “engendradas” e para “vários gostos”! Como tal deveriam também ser bem descritas e sinalizadas em “croquis” fiéis, com referência a pontos considerados seguros e de difícil mutação, o que facilitaria uma posterior desactivação das mesmas.
No dia aprazado, dirijo-me para a zona, acompanhado como não podia deixar de ser por segurança que tomou posição do outro lado da estrada. Pés ao caminho, munido dos apetrechos necessários e do croqui por mim feito anteriormente, vou desactivando os engenhos, concentrado mas sem dificuldades de maior até que a dada altura e em local não referenciado, ao dar um passo senti no tacão da bota atrasada uma resistência que me inquietou. Não podia ser?! O chamado “sexto sentido” terá feito o automatismo funcionar preventivamente e à contagem “um - dois” estava aterrado e espalmado no chão um pouco mais adiante! O estouro não se fez esperar.
Afinal sempre era, sendo que a “geringonça” não era nossa e sim uma intrusa, posteriormente confirmado por contagem. Mais uma vez por Graça, e talvez um pouco por Lamego (onde colados ao terreno detonámos granadas que pousávamos à distancia de um braço) nada me aconteceu, para além do valente susto. Coisa para não esquecer! O que aconteceu fez-me pensar que tinha que tentar prevenir situações semelhantes. O engenho a par da nossa bela “arte do desenrasca” veio ao de cima : a solução seria uma fina e lisa varinha, pênsil dos polegar e indicador que, ao quase varrer o chão dianteiro sinalizaria e faria investigar qualquer resistência anormal ou entrave à sua progressão. Também cheguei a usar o meu ”chicote” de tiras de couro entrelaçado, mais cómodo e à mesma sem peso suficiente para descavilhar qualquer engenho munido de arame de tropeçar.
Algumas vezes parei para investigar mas felizmente foram alarmes falsos. Chegados à zona de apeamento e após a segurança estar montada em proximidade não intrusiva, os “eleitos” dirigiam-se, creio que em equipas para os locais determinados, dando início a uma luta em que facilitar era potenciar o risco de rebentamento e suas consequências nefastas. Acabou por ser uma batalha que se ganhou, mas infelizmente e quase logo de início à custa de sangue, dor e em que o esforço e sofrimento ao que sei não foram agradecidos ou reconhecidos, muito menos louvados ou premiados e onde até o prometido (pelo menos a mim) não foi sequer cumprido, antes pelo contrário. Creio que também ninguém estava a contar com quaisquer “honrarias” mas, falo por mim, esperava que o prometido fosse cumprido! Apesar dos alguns “briefings” havidos com o Comando, o que não permitia evocar “desconhecimento” dos acontecimentos, os “mandantes” andavam de certeza absorvidos e distraídos com outras coisas de maior interesse próprio naqueles finais de comissão!
Bom… é sabido que havia Comandantes e comandantes por aquelas guerras!
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9536: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (50): Bula, uma nova missão
domingo, 26 de fevereiro de 2012
Guiné 63/74 - P9536: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (50): Bula, uma nova missão
1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 22 de Fevereiro de 2012:
Amigo Carlos Vinhal
Cá vai mais um passo na “Viagem…” acompanhado pelo meu agradecimento ao teu labor disponibilidade e amizade.
Ouvi um destes dias na TV, que finalmente a Guiné tinha ficado expurgada das minas malditas, ainda bem, fico muito satisfeito. Não de propósito mas curiosamente ao mesmo tempo que a minha ”Viagem…” chega até elas!!
Será que as plantadas pelas NT foram todas levantadas ao tempo ou a saída à pressa, pressionada ou não, inviabilizou de todo essa missão? Gostava na verdade de saber.
Pela parte que nos (me) toca, nesse grandíssimo campo em que trabalhamos não terá ficado uma única dessas miseráveis armas cegas, no mínimo estropiadoras e desmoralizadoras! Custou e de que maneira, mas foi conseguido.
Para ti e para todos um abraço
Luís Faria
Bula – uma nova missão
A canícula de finais de época das chuvas aperta. De pé e talvez a fumar uma cigarrada para descomprimir observo o céu e o meu olhar fica preso num “jagudi” que volteia, talvez a “tirar azimute” a um qualquer petisco cá em baixo na planura. Qual T6 (?) a certa altura lança-se em voo picado e segundos depois, nas proximidades uma explosão atroa nos ares. O meu grito de “foi abutre”, já foi em destempo.
Estava em Bula e já nos “finalmente” da estadia por aquelas terras rubras e verdes de África, cores de sangue e de esperança.
Sem que minimamente o imaginasse são-me trocadas as voltas ao libertarem-me das noitadas aliciantes ao mosquito em emboscadas nocturnas e das longas e cansativas passeatas em grupo, por aquelas matas movimentadas pela concorrência.
Talvez como prémio pelo anterior desempenho, são-me oferecidos descanso aos fins-de-semana e folga nas tardes da semana. Fixe e talvez de meter inveja a muitos, só que e em contrapartida teria de começar a aplicar os conhecimentos adquiridos em aprendizagem anterior e reconhecidos em curso diplomado de nota razoável!
Assim a minha actividade recai de novo no extenso campo de minas, legado do antecessor BCAV 2868 e acrescentado ano e meio antes em cerca de 2 quilómetros (se não erro) pelo nosso BCAÇ 2928. Enquanto que da primeira vez por lá andei a plantá-las, agora a tarefa seria a inversa e “cú-de-boi”: levantá-las!
Nessas lides andei – integrando um pequeno grupo de Alferes e Furriéis “eleitos”, escolhidos não sei com que critério – até antevésperas do final da comissão, altura em que rumei ao Cumeré (de que pouco recordo) e onde há já umas semanas estava estacionada a “FORÇA”, aguardando embarque para regresso à Metrópole num “Boeing” dos TAM.
Para mim e julgo que para todos os “eleitos”, esta fase da desminagem foi talvez a mais desgastante por que passei em toda a comissão. E não era “piegas”como agora se ousa dizer!!! Nem eu nem os que por lá escorrermos suor e dor a que alguns, infelizmente muitos, acrescentaram sangue e partes do seu corpo, da “Razão” e até da Alma!
Tanto e tanto sacrifício para, ao que julgo saber, atrás de nós virem a montar novo campo!
Diz-se e julgava eu que este tipo de campos se passavam, como aconteceu para nós. Isso não aconteceu, talvez por validade ou segurança, não sei. Três ou quatro anos pelo menos, são bastante tempo na verdade, ainda para mais naquelas condições climatéricas e animais passíveis de alterar a morfologia do terreno, podendo deslocalizar por vezes significativamente os engenhos. Pessoalmente tive disso a prova nesse e em especial num outro campo de muito menor dimensão, nas proximidades do rio Cacheu (talvez a contar mais tarde, não sei!)
Nunca me passou pela cabeça que o Comando fosse capaz de nos envolver numa operação dessas, ainda para mais nos finais de comissão, sem forte motivo para tal, sabendo na certa que baixas iriam ser contabilizadas! Foram…e não poucas!!
A propósito veio-me à lembrança um “briefing” a que assisti no Comando do CAOP 1 aquando da preparação de uma operação (em que o comando do GCOMB seria meu). A dada altura ouço, dito de maneira natural pela “hierarquia mandante”, que eram expectáveis DOIS MORTOS nessa operação!!! Recordo que fiquei”gelado” e a pensar no valor que se atribuía a uma vida! Era (é) uma permuta contabilística no jogo das guerras: vidas por objectivos! Graças a Deus não se confirmou o expectável!
Tínhamos passado por muitos apertos, alguns dos quais bem “apertados” onde o receio e medo que se pudesse sentir, era dominado. Honestamente não seria talvez de morrer que sentia medo mas, isso sim, de ficar estropiado e dependente de terceiros, situação que não suportaria nem suporto… era esse o meu “medo real”, que por vezes aflorava em especial antes de saídas e que tinha de controlar e ultrapassar.
No levantamento das minas, em principio a morte não seria tão expectável mas em contrapartida, o estropiamento estava por norma latente e à espera da menor falha, distracção, facilitismo, euforismo, cansaço... até por vezes a reacção instintiva a umas abelhinhas ou um “meter os cornos no chão” ao som de um qualquer rebentamento ou tiro de proximidade relativa devia ser dominado, não fosse uma”maldita ferrar-nos”. Assisti a algumas situações que só por Graça não descambaram em desastre!
Ora como atrás referi, o insuportável para mim e na certa comum, era o estropiamento que me deixasse dependente. Talvez esse receio, esse medo me tenha feito actuar sempre, mas sempre mesmo com extremo cuidado, calma, concentração, segurança e autodomínio nos manuseamentos, aplicando o conhecimento adquirido, não facilitando e abstraindo-me por completo do que me rodeava nesses momentos.
Os cigarros “Português Suave” sem filtro, por vezes fumados de seguida, eram a minha panaceia nos momentos em que precisava de descontrair, de descomprimir até sentir de novo que estava em condições de continuar o trabalho. Só nós próprios podíamos sentir esse estado de espírito, não deixando lugar a influências, pressões e muito menos a imposições! Esta era a verdade, pelo menos a minha verdade!
Muito estava em jogo e não queria fazer parte do “espectável”, justamente agora em final de tempo dessa “jogatina de vida” que se arrastava há quase dois anos!
O “jagudi”, avistado mais à frente no campo, jazia estraçalhado. Prenúncios?!
Luís Faria
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Nota de CV.
Vd. último poste da série de 13 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9478: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (49): Bula - Um acto de coragem
Amigo Carlos Vinhal
Cá vai mais um passo na “Viagem…” acompanhado pelo meu agradecimento ao teu labor disponibilidade e amizade.
Ouvi um destes dias na TV, que finalmente a Guiné tinha ficado expurgada das minas malditas, ainda bem, fico muito satisfeito. Não de propósito mas curiosamente ao mesmo tempo que a minha ”Viagem…” chega até elas!!
Será que as plantadas pelas NT foram todas levantadas ao tempo ou a saída à pressa, pressionada ou não, inviabilizou de todo essa missão? Gostava na verdade de saber.
Pela parte que nos (me) toca, nesse grandíssimo campo em que trabalhamos não terá ficado uma única dessas miseráveis armas cegas, no mínimo estropiadoras e desmoralizadoras! Custou e de que maneira, mas foi conseguido.
Para ti e para todos um abraço
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (50)
Bula – uma nova missão
A canícula de finais de época das chuvas aperta. De pé e talvez a fumar uma cigarrada para descomprimir observo o céu e o meu olhar fica preso num “jagudi” que volteia, talvez a “tirar azimute” a um qualquer petisco cá em baixo na planura. Qual T6 (?) a certa altura lança-se em voo picado e segundos depois, nas proximidades uma explosão atroa nos ares. O meu grito de “foi abutre”, já foi em destempo.
Estava em Bula e já nos “finalmente” da estadia por aquelas terras rubras e verdes de África, cores de sangue e de esperança.
Sem que minimamente o imaginasse são-me trocadas as voltas ao libertarem-me das noitadas aliciantes ao mosquito em emboscadas nocturnas e das longas e cansativas passeatas em grupo, por aquelas matas movimentadas pela concorrência.
Talvez como prémio pelo anterior desempenho, são-me oferecidos descanso aos fins-de-semana e folga nas tardes da semana. Fixe e talvez de meter inveja a muitos, só que e em contrapartida teria de começar a aplicar os conhecimentos adquiridos em aprendizagem anterior e reconhecidos em curso diplomado de nota razoável!
Assim a minha actividade recai de novo no extenso campo de minas, legado do antecessor BCAV 2868 e acrescentado ano e meio antes em cerca de 2 quilómetros (se não erro) pelo nosso BCAÇ 2928. Enquanto que da primeira vez por lá andei a plantá-las, agora a tarefa seria a inversa e “cú-de-boi”: levantá-las!
Nessas lides andei – integrando um pequeno grupo de Alferes e Furriéis “eleitos”, escolhidos não sei com que critério – até antevésperas do final da comissão, altura em que rumei ao Cumeré (de que pouco recordo) e onde há já umas semanas estava estacionada a “FORÇA”, aguardando embarque para regresso à Metrópole num “Boeing” dos TAM.
Para mim e julgo que para todos os “eleitos”, esta fase da desminagem foi talvez a mais desgastante por que passei em toda a comissão. E não era “piegas”como agora se ousa dizer!!! Nem eu nem os que por lá escorrermos suor e dor a que alguns, infelizmente muitos, acrescentaram sangue e partes do seu corpo, da “Razão” e até da Alma!
Tanto e tanto sacrifício para, ao que julgo saber, atrás de nós virem a montar novo campo!
Diz-se e julgava eu que este tipo de campos se passavam, como aconteceu para nós. Isso não aconteceu, talvez por validade ou segurança, não sei. Três ou quatro anos pelo menos, são bastante tempo na verdade, ainda para mais naquelas condições climatéricas e animais passíveis de alterar a morfologia do terreno, podendo deslocalizar por vezes significativamente os engenhos. Pessoalmente tive disso a prova nesse e em especial num outro campo de muito menor dimensão, nas proximidades do rio Cacheu (talvez a contar mais tarde, não sei!)
Nunca me passou pela cabeça que o Comando fosse capaz de nos envolver numa operação dessas, ainda para mais nos finais de comissão, sem forte motivo para tal, sabendo na certa que baixas iriam ser contabilizadas! Foram…e não poucas!!
A propósito veio-me à lembrança um “briefing” a que assisti no Comando do CAOP 1 aquando da preparação de uma operação (em que o comando do GCOMB seria meu). A dada altura ouço, dito de maneira natural pela “hierarquia mandante”, que eram expectáveis DOIS MORTOS nessa operação!!! Recordo que fiquei”gelado” e a pensar no valor que se atribuía a uma vida! Era (é) uma permuta contabilística no jogo das guerras: vidas por objectivos! Graças a Deus não se confirmou o expectável!
Tínhamos passado por muitos apertos, alguns dos quais bem “apertados” onde o receio e medo que se pudesse sentir, era dominado. Honestamente não seria talvez de morrer que sentia medo mas, isso sim, de ficar estropiado e dependente de terceiros, situação que não suportaria nem suporto… era esse o meu “medo real”, que por vezes aflorava em especial antes de saídas e que tinha de controlar e ultrapassar.
No levantamento das minas, em principio a morte não seria tão expectável mas em contrapartida, o estropiamento estava por norma latente e à espera da menor falha, distracção, facilitismo, euforismo, cansaço... até por vezes a reacção instintiva a umas abelhinhas ou um “meter os cornos no chão” ao som de um qualquer rebentamento ou tiro de proximidade relativa devia ser dominado, não fosse uma”maldita ferrar-nos”. Assisti a algumas situações que só por Graça não descambaram em desastre!
Ora como atrás referi, o insuportável para mim e na certa comum, era o estropiamento que me deixasse dependente. Talvez esse receio, esse medo me tenha feito actuar sempre, mas sempre mesmo com extremo cuidado, calma, concentração, segurança e autodomínio nos manuseamentos, aplicando o conhecimento adquirido, não facilitando e abstraindo-me por completo do que me rodeava nesses momentos.
Os cigarros “Português Suave” sem filtro, por vezes fumados de seguida, eram a minha panaceia nos momentos em que precisava de descontrair, de descomprimir até sentir de novo que estava em condições de continuar o trabalho. Só nós próprios podíamos sentir esse estado de espírito, não deixando lugar a influências, pressões e muito menos a imposições! Esta era a verdade, pelo menos a minha verdade!
Muito estava em jogo e não queria fazer parte do “espectável”, justamente agora em final de tempo dessa “jogatina de vida” que se arrastava há quase dois anos!
O “jagudi”, avistado mais à frente no campo, jazia estraçalhado. Prenúncios?!
Luís Faria
Uma equipa de Minas e Armadilhas da CART 2732 neutralizando uma mina anticarro no Bironque
Foto de Carlos Vinhal____________
Nota de CV.
Vd. último poste da série de 13 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9478: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (49): Bula - Um acto de coragem
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Guiné 63/74 - P9478: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (49): Bula - Um acto de coragem
1. Em mensagem do dia 12 de Fevereiro de 2012, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), enviou-nos mais mais uma viagem à volta das suas memórias.
Bula – um acto de Coragem
Desde sempre tive e continuo a ter para mim que a situação e o momento podem fazer o herói, o covarde, o assassino.
Por Bula andávamos, tentando enganar o tempo da melhor forma que conseguíssemos, resguardando-nos o melhor possível numa tentativa de evitar ou pelo menos minimizar quaisquer atribulações que pudessem vir a inviabilizar um regresso a casa escorreito e em tempo.
Mobilizados para a guerra, no meu conceito sempre considerei negativo correrem-se riscos escusados, que pudessem colocar a integridade física ou psicológica em causa por meros momentos de usufruto mal pensados ou impensados, nascidos de muitas e diversas razões. Por inerência, não poucos riscos faziam já parte do nosso trabalho quotidiano.
É facto que não podíamos nem seria possível vivermos como reféns dum princípio desses, enclausurados numa redoma anti-risco a ver a vida passar do lado de fora. Claro que não, não era possível.
A vida devia seguir a sua normalidade - dentro da anormalidade imposta ou não - com os seus condimentos, os seus sabores, as suas cores… os seus dislates e extravasamentos… em salvaguarda da sanidade mental, mas com conta peso e medida, o que de todo nem sempre era conseguido.
Éramos à mesma animais sociais, só que parte integrante de um grupo a que foram acometidos deveres acrescidos diferentes que, bem ou mal, aceitamos e juramos cumprir o melhor possível, pese à custa de quaisquer sacrifícios. A Sociedade envolvente por quem devíamos zelar, isso esperava de nós.
Melhor ou pior tínhamos sido minimamente preparados física e psicologicamente para assumir esse papel do grupo e individual e colectivamente íamo-lo assimilando, mais ou menos natural e enraizadamente com maior ou menor intensidade, acabando por se tornar de certo modo instintivo em momentos de tensão e risco.
Na rua principal e frente à porta de armas em Bula, havia a bomba de combustível onde os veículos militares se abasteciam sempre que necessário. Um Unimog 404 (grande) estava a ser abastecido por um condutor da “Força”.
Empunhando a mangueira de abastecimento, se a memória me não falha, o Lamas abastecia o veículo com a gasolina e a dada altura - julgou-se que devido a uma descarga de electricidade estática - chamas irrompem do bocal da mangueira. O liquido vertido incendiado pega fogo ao pneu traseiro da viatura e avivando-se começa a alastrar sem controlo, por ela e pelo chão.
Apercebendo-se da iminência de um possível desastre causado pela eventual explosão dos depósitos, o pessoal nas proximidades não está de modas e dá às pernas para local mais “confortável”.
O Lamas, ao perceber o perigo iminente e alheando-se duma provável explosão, monta-se na viatura e arranca o mais velozmente possível com o rodado a arder, conseguindo fazer com que a deslocação do ar não permitisse que o fogo alastrasse ao depósito e acabasse por se extinguir.
Tudo bem quando acaba bem!
Os meus olhos tinham presenciado um momento que a meu ver fez um Herói, ainda que e ao que sei, sem o reconhecimento merecido, como tantos! Ficou isso sim, na memória de muitos o acto de altruísmo e coragem que aqui descrevo o mais fielmente que recordo, lamentando verdadeiramente a não certeza do nome do actor.
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9354: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (48): Bula - estória de uma foto
Viagem à volta das minhas memórias (49)
Bula – um acto de Coragem
Desde sempre tive e continuo a ter para mim que a situação e o momento podem fazer o herói, o covarde, o assassino.
Por Bula andávamos, tentando enganar o tempo da melhor forma que conseguíssemos, resguardando-nos o melhor possível numa tentativa de evitar ou pelo menos minimizar quaisquer atribulações que pudessem vir a inviabilizar um regresso a casa escorreito e em tempo.
Mobilizados para a guerra, no meu conceito sempre considerei negativo correrem-se riscos escusados, que pudessem colocar a integridade física ou psicológica em causa por meros momentos de usufruto mal pensados ou impensados, nascidos de muitas e diversas razões. Por inerência, não poucos riscos faziam já parte do nosso trabalho quotidiano.
É facto que não podíamos nem seria possível vivermos como reféns dum princípio desses, enclausurados numa redoma anti-risco a ver a vida passar do lado de fora. Claro que não, não era possível.
A vida devia seguir a sua normalidade - dentro da anormalidade imposta ou não - com os seus condimentos, os seus sabores, as suas cores… os seus dislates e extravasamentos… em salvaguarda da sanidade mental, mas com conta peso e medida, o que de todo nem sempre era conseguido.
Éramos à mesma animais sociais, só que parte integrante de um grupo a que foram acometidos deveres acrescidos diferentes que, bem ou mal, aceitamos e juramos cumprir o melhor possível, pese à custa de quaisquer sacrifícios. A Sociedade envolvente por quem devíamos zelar, isso esperava de nós.
Melhor ou pior tínhamos sido minimamente preparados física e psicologicamente para assumir esse papel do grupo e individual e colectivamente íamo-lo assimilando, mais ou menos natural e enraizadamente com maior ou menor intensidade, acabando por se tornar de certo modo instintivo em momentos de tensão e risco.
Na rua principal e frente à porta de armas em Bula, havia a bomba de combustível onde os veículos militares se abasteciam sempre que necessário. Um Unimog 404 (grande) estava a ser abastecido por um condutor da “Força”.
Empunhando a mangueira de abastecimento, se a memória me não falha, o Lamas abastecia o veículo com a gasolina e a dada altura - julgou-se que devido a uma descarga de electricidade estática - chamas irrompem do bocal da mangueira. O liquido vertido incendiado pega fogo ao pneu traseiro da viatura e avivando-se começa a alastrar sem controlo, por ela e pelo chão.
Apercebendo-se da iminência de um possível desastre causado pela eventual explosão dos depósitos, o pessoal nas proximidades não está de modas e dá às pernas para local mais “confortável”.
O Lamas, ao perceber o perigo iminente e alheando-se duma provável explosão, monta-se na viatura e arranca o mais velozmente possível com o rodado a arder, conseguindo fazer com que a deslocação do ar não permitisse que o fogo alastrasse ao depósito e acabasse por se extinguir.
Tudo bem quando acaba bem!
Os meus olhos tinham presenciado um momento que a meu ver fez um Herói, ainda que e ao que sei, sem o reconhecimento merecido, como tantos! Ficou isso sim, na memória de muitos o acto de altruísmo e coragem que aqui descrevo o mais fielmente que recordo, lamentando verdadeiramente a não certeza do nome do actor.
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9354: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (48): Bula - estória de uma foto
sábado, 14 de janeiro de 2012
Guiné 63/74 - P9354: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (48): Bula - estória de uma foto
1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 11 de Janeiro de 2012:
Amigo Carlos Vinhal
Segue mais uma estória de “Viagem…” que poderá trazer às lembranças Camaradas que em dado momento se voluntariaram em nome de uma ou outra razão, assumindo riscos que lhes não caberiam. Devo dizer que me merecem todo o respeito.
Que 2012 seja ultrapassado com saúde e que as amizades se fortaleçam.
É o meu desejo para ti e para todos
Abraço
Luís Faria
Bula – estória de uma foto
Companheiros de guerra havia - julgo que em especial daqueles que pertenciam aos serviços e se encontravam integrados em Batalhões ou Companhias estacionados em centros populacionais mais importantes - que não queriam regressar a casa no final da comissão sem terem saído pelo menos uma vez para o mato.
Uma fotografia carrega (va) com ela uma dessas estórias. Estou cansado de a procurar… não aparece! Sinceramente gostava muito de a encontrar. Na certa não havia (há) outra no mundo… será única esta fotografia original, tirada julgo no terceiro terço de 1972.
Preservei-a religiosamente durante trinta e tal anos … ficou até ver desaparecida, esquecida ou “surripiada” há bem pouco tempo, talvez numa qualquer mostra em reuniões nossas.
Tenho pena que tenha acontecido, pois como disse, carrega (va) com ela uma estória comum a alguns, talvez até a muitos Companheiros da guerra.
Por Bula íamos avançando nas semanas, intervalando ócio e lazer com emboscadas, operações, patrulhamentos e serviços, ansiando pela rendição que parecia não mais acontecer, mas que a cada dia ganho se ia aproximando.
Acontece que, sendo a “FORÇA” uma Companhia de intervenção, mas estacionada num aquartelamento sede de Batalhão, à altura pouco atreito a ataques, havia rapaziada dos serviços que nunca tinha saído para o mato em operações e como tal achariam talvez não terem ainda sentido verdadeiramente aquela guerra.
Assim, um ou outro não querendo acabar a comissão e regressar a casa sem ter minimamente vivido e usufruído dessa experiência, de modo a saberem e sentirem como era, para os finais de comissão e quando sabiam de saída para operações, pediam-nos para integrar o grupo, o que era consentido ou não, dependendo do risco do objectivo, da pessoa e da autorização do Capitão.
Claro que se tentava demovê-los e só o consentíamos se considerávamos o objectivo de pouca probabilidade de confronto, sendo que de qualquer modo o risco existia sempre.
É neste contexto que numa saída para Ponta Matar se apresenta o Lourenço, Fur. Transmissões (o “Metralha”), equipado a preceito e qual “repórter de guerra”, acompanhado da sua quase inseparável “Asai Pentax”(?) pendurada ao pescoço. Instruo-o de que o lugar dele será atrás de mim, que deverá fazer tudo o que me vir fazer, sem despega.
O grupo arranca e lá vamos pela noite cumprindo a missão destinada, que se antevia calma e sem incidentes. A manhã encontra-nos deambulando em plena mata com o Lourenço procedendo como combinado e a assentir que tudo estava bem com ele. O tempo vai passando e registos fotográficos para memória futura, vão ficando na maquineta.
Sem mais nem para quê o tiroteio rebenta. O amigo Lourenço havia ganho a aposta e a experiência desejada, ainda por cima com “picante”que não se antevia.
Dias mais tarde, são-me mostradas as fotografias tiradas, e no lote havia a tal de que falo e anda desaparecida, que a pedido me foi oferecida na altura. Gostava mesmo de a vos poder mostrar, contudo, na impossibilidade actual espero ter a arte e o engenho para a descrever de molde a que possam observá-la como se à estampa tivesse sido dada.
É uma foto de grande nitidez e originalidade, tirada nas matas de Ponta Matar. Não regista nem uma nesga de chão, nem uma árvore, nem uma pessoa, nem qualquer objecto… nada a não ser uma única haste de capim focada em grande - plano até meia altura do rectângulo fotográfico, majestosa e erecta, perfeitamente centrada na foto e tendo o céu como fundo.
O Lourenço atirando-se para o chão tinha feito o que eu na certa fiz e a foto única e original, talvez inesperada e tirada debaixo de fogo em ângulo superior a 45º… aconteceu.
Luís Faria
Foto LF
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 20 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9237: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (47): O fugitivo
Amigo Carlos Vinhal
Segue mais uma estória de “Viagem…” que poderá trazer às lembranças Camaradas que em dado momento se voluntariaram em nome de uma ou outra razão, assumindo riscos que lhes não caberiam. Devo dizer que me merecem todo o respeito.
Que 2012 seja ultrapassado com saúde e que as amizades se fortaleçam.
É o meu desejo para ti e para todos
Abraço
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (48)
Bula – estória de uma foto
Companheiros de guerra havia - julgo que em especial daqueles que pertenciam aos serviços e se encontravam integrados em Batalhões ou Companhias estacionados em centros populacionais mais importantes - que não queriam regressar a casa no final da comissão sem terem saído pelo menos uma vez para o mato.
Uma fotografia carrega (va) com ela uma dessas estórias. Estou cansado de a procurar… não aparece! Sinceramente gostava muito de a encontrar. Na certa não havia (há) outra no mundo… será única esta fotografia original, tirada julgo no terceiro terço de 1972.
Preservei-a religiosamente durante trinta e tal anos … ficou até ver desaparecida, esquecida ou “surripiada” há bem pouco tempo, talvez numa qualquer mostra em reuniões nossas.
Tenho pena que tenha acontecido, pois como disse, carrega (va) com ela uma estória comum a alguns, talvez até a muitos Companheiros da guerra.
Por Bula íamos avançando nas semanas, intervalando ócio e lazer com emboscadas, operações, patrulhamentos e serviços, ansiando pela rendição que parecia não mais acontecer, mas que a cada dia ganho se ia aproximando.
Acontece que, sendo a “FORÇA” uma Companhia de intervenção, mas estacionada num aquartelamento sede de Batalhão, à altura pouco atreito a ataques, havia rapaziada dos serviços que nunca tinha saído para o mato em operações e como tal achariam talvez não terem ainda sentido verdadeiramente aquela guerra.
Assim, um ou outro não querendo acabar a comissão e regressar a casa sem ter minimamente vivido e usufruído dessa experiência, de modo a saberem e sentirem como era, para os finais de comissão e quando sabiam de saída para operações, pediam-nos para integrar o grupo, o que era consentido ou não, dependendo do risco do objectivo, da pessoa e da autorização do Capitão.
Claro que se tentava demovê-los e só o consentíamos se considerávamos o objectivo de pouca probabilidade de confronto, sendo que de qualquer modo o risco existia sempre.
É neste contexto que numa saída para Ponta Matar se apresenta o Lourenço, Fur. Transmissões (o “Metralha”), equipado a preceito e qual “repórter de guerra”, acompanhado da sua quase inseparável “Asai Pentax”(?) pendurada ao pescoço. Instruo-o de que o lugar dele será atrás de mim, que deverá fazer tudo o que me vir fazer, sem despega.
O grupo arranca e lá vamos pela noite cumprindo a missão destinada, que se antevia calma e sem incidentes. A manhã encontra-nos deambulando em plena mata com o Lourenço procedendo como combinado e a assentir que tudo estava bem com ele. O tempo vai passando e registos fotográficos para memória futura, vão ficando na maquineta.
Sem mais nem para quê o tiroteio rebenta. O amigo Lourenço havia ganho a aposta e a experiência desejada, ainda por cima com “picante”que não se antevia.
Dias mais tarde, são-me mostradas as fotografias tiradas, e no lote havia a tal de que falo e anda desaparecida, que a pedido me foi oferecida na altura. Gostava mesmo de a vos poder mostrar, contudo, na impossibilidade actual espero ter a arte e o engenho para a descrever de molde a que possam observá-la como se à estampa tivesse sido dada.
É uma foto de grande nitidez e originalidade, tirada nas matas de Ponta Matar. Não regista nem uma nesga de chão, nem uma árvore, nem uma pessoa, nem qualquer objecto… nada a não ser uma única haste de capim focada em grande - plano até meia altura do rectângulo fotográfico, majestosa e erecta, perfeitamente centrada na foto e tendo o céu como fundo.
O Lourenço atirando-se para o chão tinha feito o que eu na certa fiz e a foto única e original, talvez inesperada e tirada debaixo de fogo em ângulo superior a 45º… aconteceu.
Luís Faria
Foto LF
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 20 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9237: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (47): O fugitivo
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Guiné 63/74 - P9237: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (47): O fugitivo
1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 16 de Dezembro de 2011:
Amigo Carlos Vinhal
Cá vai um apontamento de “Viagem…” mais uma vez vivido na primeira pessoa e que traduz em certas situações o despoletar de comportamentos humanos por vezes potencialmente perigosos.
Como já sabes, publicarás se achares com um mínimo de interesse.
Aproveito para desejar a todos um BOM NATAL
Um Abraço
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (47)
O fugitivo
Se bem me recordo, poucas para não dizer raríssimas, foram as vezes em que estive escalado para serviço do dia, durante a minha passagem pela Guiné. Talvez pela antiguidade ou por a actividade operacional não o permitir. Já não sei!
Uma dessas excepções aconteceu em Bula onde estive de Sargento de Dia ou da Guarda. Creio que de Dia, já também não recordo, o que não tem importância alguma hoje mas poderia ter tido à época, deixando de ser recordação de uma passagem hoje chistosa, para mim e talvez para quem se possa recordar dela.
Nessas funções chega-se a hora do jantar e dirijo-me para o refeitório dos Praças, exercendo uma das minhas atribuições. A noite é escura, o refeitório está cheio com o Pessoal do Batalhão e vou cirandando por lá! A janta decorria com a algazarra normal e em ordem até que de repente se ouve, vindo do exterior próximo mergulhado na noite, algo do género: ”O fdp do turra fugiu…”
O sossego acabou. Havia na verdade um (pelo menos) prisioneiro turra na cadeia e ao que se ouviu tinha tido o desplante e arte de se pirar da “pildra” mesmo ali quase ao lado!
Alguns Rapazes saem a terreno em penumbra e ao avistarem um vulto começam-se a ouvir os incentivos do género “está ali… é ele, vai p´ro arame… agarra que ele foge… apanha o cabrão…”, fazendo com que esses alguns se transforme de imediato numa mole de seguidores que em atropelo abandonam o refeitório para o lado pouco iluminado adjacente, sem dar tempo a nada.
Toda aquela massa humana, incendiada por estes apelos corre no escuro atrás do vulto avistado, que com algum avanço começou a parecer voar.
Saio do refeitório para o lado da parada, talvez para procurar informação do que se estava a passar, também já não recordo. Recordo isso sim, de momentos depois ver o perseguido logo seguido do maralhal a sair das sombras por detrás do dormitório (?) em direcção ao local onde eu estava. Saquei a pistola e grito-lhe ordem de parar, apostado em o deter antes que ele fugisse ou o maralhal lhe deitasse a mão.
O homem ofegante pára à minha beira, a rapaziada também e à luz constata-se o erro que poderia ter trazido consequências graves e irreversíveis. Não era senão um Soldado (?) ou Milícia (?)!!
Alguém tinha avistado uma silhueta na escuridão a sair das imediações da prisão e julgando ser o “turra” gritou o alerta. Por sua vez a silhueta ao ouvir e ao ver o maralhal começar a ir na sua direcção, em vez de parar, assustou-se e deu às de “viladiogo” ganhando asas nos pés e na certa “borrado de medo “(imaginem!), só parando à minha ordem e junto a mim.
Ainda bem que esta passagem pode ser recordada hoje com certa piada, por mim ou por outros que nela tenham sido actores, ou até por quem consiga imaginar a cena e o cagaço que deve ter apanhado o “fujão”. Talvez até, quem sabe, ele venha a ler isto e nos possa contar de viva voz o que sentiu!
Luís Faria
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9147: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (46): A velhice em Bula
Amigo Carlos Vinhal
Cá vai um apontamento de “Viagem…” mais uma vez vivido na primeira pessoa e que traduz em certas situações o despoletar de comportamentos humanos por vezes potencialmente perigosos.
Como já sabes, publicarás se achares com um mínimo de interesse.
Aproveito para desejar a todos um BOM NATAL
Um Abraço
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (47)
O fugitivo
Se bem me recordo, poucas para não dizer raríssimas, foram as vezes em que estive escalado para serviço do dia, durante a minha passagem pela Guiné. Talvez pela antiguidade ou por a actividade operacional não o permitir. Já não sei!
Uma dessas excepções aconteceu em Bula onde estive de Sargento de Dia ou da Guarda. Creio que de Dia, já também não recordo, o que não tem importância alguma hoje mas poderia ter tido à época, deixando de ser recordação de uma passagem hoje chistosa, para mim e talvez para quem se possa recordar dela.
Nessas funções chega-se a hora do jantar e dirijo-me para o refeitório dos Praças, exercendo uma das minhas atribuições. A noite é escura, o refeitório está cheio com o Pessoal do Batalhão e vou cirandando por lá! A janta decorria com a algazarra normal e em ordem até que de repente se ouve, vindo do exterior próximo mergulhado na noite, algo do género: ”O fdp do turra fugiu…”
O sossego acabou. Havia na verdade um (pelo menos) prisioneiro turra na cadeia e ao que se ouviu tinha tido o desplante e arte de se pirar da “pildra” mesmo ali quase ao lado!
Alguns Rapazes saem a terreno em penumbra e ao avistarem um vulto começam-se a ouvir os incentivos do género “está ali… é ele, vai p´ro arame… agarra que ele foge… apanha o cabrão…”, fazendo com que esses alguns se transforme de imediato numa mole de seguidores que em atropelo abandonam o refeitório para o lado pouco iluminado adjacente, sem dar tempo a nada.
Toda aquela massa humana, incendiada por estes apelos corre no escuro atrás do vulto avistado, que com algum avanço começou a parecer voar.
Saio do refeitório para o lado da parada, talvez para procurar informação do que se estava a passar, também já não recordo. Recordo isso sim, de momentos depois ver o perseguido logo seguido do maralhal a sair das sombras por detrás do dormitório (?) em direcção ao local onde eu estava. Saquei a pistola e grito-lhe ordem de parar, apostado em o deter antes que ele fugisse ou o maralhal lhe deitasse a mão.
O homem ofegante pára à minha beira, a rapaziada também e à luz constata-se o erro que poderia ter trazido consequências graves e irreversíveis. Não era senão um Soldado (?) ou Milícia (?)!!
Alguém tinha avistado uma silhueta na escuridão a sair das imediações da prisão e julgando ser o “turra” gritou o alerta. Por sua vez a silhueta ao ouvir e ao ver o maralhal começar a ir na sua direcção, em vez de parar, assustou-se e deu às de “viladiogo” ganhando asas nos pés e na certa “borrado de medo “(imaginem!), só parando à minha ordem e junto a mim.
Ainda bem que esta passagem pode ser recordada hoje com certa piada, por mim ou por outros que nela tenham sido actores, ou até por quem consiga imaginar a cena e o cagaço que deve ter apanhado o “fujão”. Talvez até, quem sabe, ele venha a ler isto e nos possa contar de viva voz o que sentiu!
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9147: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (46): A velhice em Bula
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