Mensagem do Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, comentando o último post do Pedro Lauret (1):
Caro Luís Graça,
Acabo de ler no Blogue um comentário do Pedro Lauret que de uma forma sucinta aborda a questão da ética na frente de combate, invocando preceitos que relevam do Direito Internacional e das Convenções, em particular a SOLAS 1974 ( Salvaguarda da Vida Humana no Mar), e as de Genebra que são quatro e não apenas uma como muitos supõem, e respectivos protocolos. Como exemplos, o Pedro Lauret apresenta o caso geral do combate marítimo entre forças embarcadas e concretiza uma situação de envolvimento terrestre com a Operação Mar Verde.
A minha reacção a quente a este comentário é a seguinte:
Em primeiro lugar e como ser humano, sinto-me feliz por constatar que, nesta caserna, alguém com autoridade e firmeza vem lembrar que, em qualquer guerra, passada ou presente, há barreiras que jamais podem ser ultrapassadas independentemente de ordens ou circunstancialismos. Isto é: não vale tudo, há regras.
E em segundo lugar, meus caros amigos, porque andando eu um pouco às aranhas, reencontrei-me finalmente! Sim, posso dizer que foi nesta guerra, a do Pedro, que eu participei. Porque foi esta conduta que me foi ensinada desde o berço até às salas de aula da EPI. Porque nunca recebi nenhuma ordem de operações em que o principal item fosse "matar" e menos ainda torturar ou seviciar.
Porque não faz parte da tradição das (modernas) forças armadas de Portugal atentar contra os direitos humanos de quem quer que seja, ainda que do IN se trate. Porque é na frente de batalha que a verdadeira estatura do homem se revela e sabemos (eu sei) que abnegação, magnanimidade e generosidade produzem altíssimos dividendos.
E finalmente porque todos temos uma consciência que, uma vez violentada, nunca mais nos deixa em paz. Será por isso que entre nós, como em outros povos (devidamente estudados), envolvidos em guerras recentes, há tantos inadaptados, psicopatas, suicidas, criminosos, stressados de guerra? Não se ofendam, porque a relação está provada!
E já agora, permitam-me um último desabafo. Eu não sou tão ingénuo como pareço. Tontos, sempre os houve na população em geral. Mais tonto ainda foi quem permitiu a sua incorporação e lhes entregou funções de comando. Casos como aquele de que Wiriamu é um terrível exemplo, não sendo porventura o pior, e muitos outros que a História silenciará, talvez pudessem ter sido prevenidos através de adequado filtro médico(?). Mas se não estão ou estavam doentes, estes indivíduos deveriam ser julgados, sendo o único caso em que admito a reintrodução da pena de morte. Não pode haver desculpas, estes casos não ficam resolvidos com peregrinações patéticas aos locais do crime por parte dos seu autores, com um batalhão de repórteres de TV atrás, como eu já vi. Um milhão de ex-combatentes sentem-se enxovalhados por estes indivíduos.
Às minhas mãos e às minhas ordens, com dignidade, muito respeito e uma profunda dor no meu coração, morreram seres humanos. MAS NUNCA NINGUÉM TEVE QUE MORRER. Nem foi maltratado ou humilhado.
E já agora, deixemo-nos de desvalorizar os direitos do adversário, chamando-lhes Turras. Eram soldados do PAIGC que tal, como nós, cumpriam o seu dever defendendo a Pátria. Tal como eu e outros.
Um abração e p. f. passa ao Pedro.
Vitor Junqueira
________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 13 de janeiro de 2007
Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)
Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1971 > Da esquerda para a direita: tripulação do heli, Alf Mota (CCAÇ 2701), Alf Santiago (Pel caç Nat 53), Spínola, Cap Clemente (cmdt da CCAÇ 2701), Cap Tomás (ajudante de campo do Spínola), sendo o último da direita o Alf Médico Faria (do BCAÇ 3872).
Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
Continuação da publicação das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72). Texto enviado em 12 de Dezembro de 2006.
Luís:
Segue a parte nº 6 das minhas memórias. Acrescento que o Carlos Clemente foi um dos militares enviados para os Açores, juntamente com o Vasco Lourenço, um mês antes do 25 de Abril.
Um abraço
Paulo
Hoje vou falar pouco do 53 e debruçar-me sobre alguns camaradas da 2701 e também sobre o ambiente respirado naquela Companhia.
O comandante da CCAÇ 2701, capitão Carlos Clemente, hoje coronel reformado, continua a ser um dos meus grandes amigos. Era uma pessoa, e também um militar, de excepção.Cultivava as boas relações com a população, fundamental naquele tipo de guerra, e zelava, de uma forma não vulgar, pelo bem estar dos homens sobre o seu comando.
Naquela altura havia uma messe conjunta, alteração mais tarde efectuada pelo proveta (2), para sargentos e oficiais, onde se consumiam grandes quantidades de cerveja e uísque. Apesar das várias arcas e frigoríficos que havia, por vezes o gelo não chegava, pediu por isso, supremo requinte, uma máquina para fazer gelo, que veio quase de seguida.
O comandante de batalhão estava-se marimbando para a qualidade de vida dos homens sobre o seu comando, andando sempre a reclamar com o Clemente sobre os pedidos que ele fazia,
dizendo que o Saltinho estava a ser beneficiado em relação à sede de batalhão em Galomaro e às companhias de Cancolim e Dulombi. Claro, o Clemente contornara a questão, fazendo os pedidos de material de frio e outros, directamente a Bissau, com CC ao tenente-coronel, comandante do batalhão. Este também não concordava com a existência de arcas-frigorificas nos destacamentos, mas elas estavam lá.
Operacionalmente, o Carlos Clemente também tinha grandes qualidades, tinha feito uma comissão, como tenente, em Moçambique, onde fora ferido em combate,e nas vezes em que saí com ele para operações, fiquei convencido que era um militar líder, ncom óptimas qualidades de comando.
Havia depois o Alf Julião, como mais antigo, substituía o Clemente, nas ausências deste. Já é conhecido da Tertúlia, esteve na Ameira (3), e todos sabem termos uma amizade de aço, vinda dos matos da Guiné.
O Alf Mil Op Esp Fernando Mota, transmontano de gema, era o mais operacional, aquele com que mais vezes saí para o mato.Com ele inaugurei, no início de Abril de 71, a picada que seguindo o carreiro dos djilas [vendedores ambulantes]ía até Galomaro, passando o rio Pulom. Foi um grande dia de comes e bebes em Bafatá, principalmente para mim, que estava no Saltinho desde Outubro de 70.
O Mota foi gravemente ferido, em fins de Novembro de 71, último dia do Ramadão, na picada que ligava Saltinho a Aldeia Formosa, quando deu de caras com um bi-grupo do IN, que viria atacar o Reordenamento de Contabane e, simultaneamente, o quartel. Ainda hoje anda com estilhaços numa perna.
Na altura desta emboscada eu estava em Bambadinca na instrução de Milícias. Fazia parte do
grupo de combate do Mota, outro amigo do peito, o Fur Mil Carlos Santos, presente também na Ameira (3) e outro grande operacional.
O Valentim Oliveira, portista ferrenho, era outro dos alferes, estudante de Arquitetura, foi o supervisor e responsável pela construção de Contabane, hoje Sinchã Sambel.
Há noite no bar, acompanhado pelo Mário Rui, dedilhavam cada um a sua viola, enquanto o resto do pessoal ía bebendo e jogando o King. Doença traiçoeira levou-o há onze anos.
Não posso esquecer o Médico, Martins Faria, de Guimarães, excelente clínico e excelente pessoa.
Havia no Saltinho uma regra, não escrita, mas era cumprida. Quando vinham as colunas, vinham várias caixas de uísque, por vezes havia desvios, e penso que em muitas companhias era costume fazer uma distribuição daquelas marcas mais conceituadas, ficando para beber as mais vulgares. Ali não havia distribuição, primeiro bebia-se, quando chegasse nova coluna, caso ainda sobrasse alguma das tais garrafas, vendia-se, prioritariamente, a quem estivesse para vir de férias, fosse oficial, sargento ou soldado.
Dentro das possibilidades, também se comia bem na 2701 e, outro requinte, havia talheres de peixe para todos.
Termino por hoje, voltando a falar de alguns destes camaradas em próximas memórias.
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post anterior > 4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha
(2) Referência ao Capitão da CCAÇ 3490 (Saltinhgo), pertencente ao BCAÇ 3871 (Galomaro, 1971/74). Vd. posts de:
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)
25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)
(3) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)
Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1971 > "Alf Mil Mota, eu, armado em tocador de guitarra, e o Alf Mil Valentim Oliveira. Atrás existe um cartaz que diz EM 71 MUITA FLOR E AMOR" (Paulo Santiago).
Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
Continuação da publicação das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72). Texto enviado em 12 de Dezembro de 2006.
Luís:
Segue a parte nº 6 das minhas memórias. Acrescento que o Carlos Clemente foi um dos militares enviados para os Açores, juntamente com o Vasco Lourenço, um mês antes do 25 de Abril.
Um abraço
Paulo
Hoje vou falar pouco do 53 e debruçar-me sobre alguns camaradas da 2701 e também sobre o ambiente respirado naquela Companhia.
O comandante da CCAÇ 2701, capitão Carlos Clemente, hoje coronel reformado, continua a ser um dos meus grandes amigos. Era uma pessoa, e também um militar, de excepção.Cultivava as boas relações com a população, fundamental naquele tipo de guerra, e zelava, de uma forma não vulgar, pelo bem estar dos homens sobre o seu comando.
Naquela altura havia uma messe conjunta, alteração mais tarde efectuada pelo proveta (2), para sargentos e oficiais, onde se consumiam grandes quantidades de cerveja e uísque. Apesar das várias arcas e frigoríficos que havia, por vezes o gelo não chegava, pediu por isso, supremo requinte, uma máquina para fazer gelo, que veio quase de seguida.
O comandante de batalhão estava-se marimbando para a qualidade de vida dos homens sobre o seu comando, andando sempre a reclamar com o Clemente sobre os pedidos que ele fazia,
dizendo que o Saltinho estava a ser beneficiado em relação à sede de batalhão em Galomaro e às companhias de Cancolim e Dulombi. Claro, o Clemente contornara a questão, fazendo os pedidos de material de frio e outros, directamente a Bissau, com CC ao tenente-coronel, comandante do batalhão. Este também não concordava com a existência de arcas-frigorificas nos destacamentos, mas elas estavam lá.
Operacionalmente, o Carlos Clemente também tinha grandes qualidades, tinha feito uma comissão, como tenente, em Moçambique, onde fora ferido em combate,e nas vezes em que saí com ele para operações, fiquei convencido que era um militar líder, ncom óptimas qualidades de comando.
Havia depois o Alf Julião, como mais antigo, substituía o Clemente, nas ausências deste. Já é conhecido da Tertúlia, esteve na Ameira (3), e todos sabem termos uma amizade de aço, vinda dos matos da Guiné.
O Alf Mil Op Esp Fernando Mota, transmontano de gema, era o mais operacional, aquele com que mais vezes saí para o mato.Com ele inaugurei, no início de Abril de 71, a picada que seguindo o carreiro dos djilas [vendedores ambulantes]ía até Galomaro, passando o rio Pulom. Foi um grande dia de comes e bebes em Bafatá, principalmente para mim, que estava no Saltinho desde Outubro de 70.
O Mota foi gravemente ferido, em fins de Novembro de 71, último dia do Ramadão, na picada que ligava Saltinho a Aldeia Formosa, quando deu de caras com um bi-grupo do IN, que viria atacar o Reordenamento de Contabane e, simultaneamente, o quartel. Ainda hoje anda com estilhaços numa perna.
Na altura desta emboscada eu estava em Bambadinca na instrução de Milícias. Fazia parte do
grupo de combate do Mota, outro amigo do peito, o Fur Mil Carlos Santos, presente também na Ameira (3) e outro grande operacional.
O Valentim Oliveira, portista ferrenho, era outro dos alferes, estudante de Arquitetura, foi o supervisor e responsável pela construção de Contabane, hoje Sinchã Sambel.
Há noite no bar, acompanhado pelo Mário Rui, dedilhavam cada um a sua viola, enquanto o resto do pessoal ía bebendo e jogando o King. Doença traiçoeira levou-o há onze anos.
Não posso esquecer o Médico, Martins Faria, de Guimarães, excelente clínico e excelente pessoa.
Havia no Saltinho uma regra, não escrita, mas era cumprida. Quando vinham as colunas, vinham várias caixas de uísque, por vezes havia desvios, e penso que em muitas companhias era costume fazer uma distribuição daquelas marcas mais conceituadas, ficando para beber as mais vulgares. Ali não havia distribuição, primeiro bebia-se, quando chegasse nova coluna, caso ainda sobrasse alguma das tais garrafas, vendia-se, prioritariamente, a quem estivesse para vir de férias, fosse oficial, sargento ou soldado.
Dentro das possibilidades, também se comia bem na 2701 e, outro requinte, havia talheres de peixe para todos.
Termino por hoje, voltando a falar de alguns destes camaradas em próximas memórias.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post anterior > 4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha
(2) Referência ao Capitão da CCAÇ 3490 (Saltinhgo), pertencente ao BCAÇ 3871 (Galomaro, 1971/74). Vd. posts de:
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)
25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)
(3) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)
sexta-feira, 12 de janeiro de 2007
Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)
Guiné > Regiãop do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Um prisioneiro do PAIGC.
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
Mensagem do Pedro Lauret (1), com data de 20 de Outubro de 2006, respondendo a um pedido do editor do blogue para opinar sobre algumas questões potencialmente fracturantes no seio dos antigos combatentes da guerra colonial (2):
A guerra tem regras. Existe direito internacional e convenções que a regulamentam. Cabe às Forças Armadas, em especial aos oficiais dos quadros permanentes fazer cumprir esses procedimentos, quer divulgando-os na formação dos que integram as fileiras, quer principalmente na acção.
A Marinha tem especial atenção a estas matérias, até porque o combate naval tem características diferentes do que é travado em terra. Um militar da Marinha é também um marinheiro, os marinheiros, por longa tradição naval, e por legislação, adoptam um conjunto de princípios que se designam por "salvaguarda da vida humana no mar". Este conjunto de princípios caros a quem anda no mar reflectem a consciência de alguma precariedade e impotência relativamente ao meio levando-os a abraçar aqueles princípios com convicção.
Num combate naval tradicional, o vencedor, ao afundar navios inimigos, vai provocar náufragos, que devem ser socorridos e tratados segundo as leis do mar. Cria-se assim uma dupla situação de prisioneiros náufragos.
Nunca os fuzileiros adoptaram lemas do tipo: "...nós não fazemos prisioneiros". Na guerra não vale tudo. O julgamento de Nuremberga vem claramente provar esta afirmação, retirando legitimidade àqueles que pensam que obedecer a ordens os absolve da responsabilidade de actos praticados.
Há individualidades em que é indiscutível a sua coragem e determinação, merecendo nalgumas circunstâncias a nossa admiração . No entanto o problema que se põe é a forma como alguns deles lutaram como quadros das Forças Armadas.
Para mim é intolerável, por exemplo, a Operação Mar Verde: As Forças Armadas prestaram-se a entrar em águas territoriais de uma potência vizinha, reconhecida internacionalmente e membro das Nações Unidas, com navios sem os símbolos nacionais, com os números de costado pintados; desembarcaram forças militares, com uniformes do PAIGC, armas soviéticas, sem qualquer identificação e com a informação que em caso de ficarem prisioneiros Portugal não os reconheceria. Em terra mataram indiscriminadamente civis, assaltaram o palácio do governo matando e pilhando-o, atacaram a casa de Amílcar Cabral, mataram familiares, pilharam lojas e cidadãos. A isto chama-se Terrorismo. Os actos praticados constituem, muito provavelmente, crimes contra a humanidade.
Muitas outras acções deste tipo tiveram lugar. Para mim são inaceitáveis e condeno-as firmemente. Estas acções poderiam ter sido levadas à prática pela PIDE, nunca pelas Forças Armadas.
Hoje, quando se fala de Conakri todos falam dos prisioneiros libertados, único objectivo atingido na operação. As Forças Armadas poderiam há muito tempo ter feito uma operação para os resgatar. Poderiam ter desembarcado um grupo de comandos, eventualmente embarcados num submarino, e de surpresa fariam um golpe de mão e libertariam os prisioneiros. Mesmo que a operação fracassasse e alguns militares fossem capturados mereceriam da comunidade internacional compreensão e protecção do direito internacional.
Não posso deixar, ao analisar certas personalidades [que se evidenciaram na guerra colonial], de as enquadrar nestas realidades. Penso que trazer estas matérias para o blogue é complicado, mas se o fizermos teremos que evidenciar toda a realidade. Será o blogue o espaço mais indicado para aprofundar estas matérias? Não poderemos nós com a nossa tertúlia debatermos estes temas doutra forma?
Um abraço
Pedro Lauret
___________
Nota de L.G.:
(1) Vd. alguns dos post do actual capitão de mar-e-guerra, na reforma, Pedro Lauret, que foi imediato da NRP Orion, na Guiné (1972/73):
29 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1393: Saudações tertulianas na chegada do novo ano de 2007 (1) : Luís Graça / Pedro Lauret
12 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1362: Encontro: guerra colonial e descolonização (Pedro Lauret)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)
31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1202: Ganturé, Rio Cacheu, Maio de 1973 (Pedro Lauret)
1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)
(2) Vd. último post desta série: 4 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1400: Questões politicamente (in)correctas (14): Os Zés da Desordem deste País (Albano Costa / Torcato Mendonça)
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
Mensagem do Pedro Lauret (1), com data de 20 de Outubro de 2006, respondendo a um pedido do editor do blogue para opinar sobre algumas questões potencialmente fracturantes no seio dos antigos combatentes da guerra colonial (2):
A guerra tem regras. Existe direito internacional e convenções que a regulamentam. Cabe às Forças Armadas, em especial aos oficiais dos quadros permanentes fazer cumprir esses procedimentos, quer divulgando-os na formação dos que integram as fileiras, quer principalmente na acção.
A Marinha tem especial atenção a estas matérias, até porque o combate naval tem características diferentes do que é travado em terra. Um militar da Marinha é também um marinheiro, os marinheiros, por longa tradição naval, e por legislação, adoptam um conjunto de princípios que se designam por "salvaguarda da vida humana no mar". Este conjunto de princípios caros a quem anda no mar reflectem a consciência de alguma precariedade e impotência relativamente ao meio levando-os a abraçar aqueles princípios com convicção.
Num combate naval tradicional, o vencedor, ao afundar navios inimigos, vai provocar náufragos, que devem ser socorridos e tratados segundo as leis do mar. Cria-se assim uma dupla situação de prisioneiros náufragos.
Nunca os fuzileiros adoptaram lemas do tipo: "...nós não fazemos prisioneiros". Na guerra não vale tudo. O julgamento de Nuremberga vem claramente provar esta afirmação, retirando legitimidade àqueles que pensam que obedecer a ordens os absolve da responsabilidade de actos praticados.
Há individualidades em que é indiscutível a sua coragem e determinação, merecendo nalgumas circunstâncias a nossa admiração . No entanto o problema que se põe é a forma como alguns deles lutaram como quadros das Forças Armadas.
Para mim é intolerável, por exemplo, a Operação Mar Verde: As Forças Armadas prestaram-se a entrar em águas territoriais de uma potência vizinha, reconhecida internacionalmente e membro das Nações Unidas, com navios sem os símbolos nacionais, com os números de costado pintados; desembarcaram forças militares, com uniformes do PAIGC, armas soviéticas, sem qualquer identificação e com a informação que em caso de ficarem prisioneiros Portugal não os reconheceria. Em terra mataram indiscriminadamente civis, assaltaram o palácio do governo matando e pilhando-o, atacaram a casa de Amílcar Cabral, mataram familiares, pilharam lojas e cidadãos. A isto chama-se Terrorismo. Os actos praticados constituem, muito provavelmente, crimes contra a humanidade.
Muitas outras acções deste tipo tiveram lugar. Para mim são inaceitáveis e condeno-as firmemente. Estas acções poderiam ter sido levadas à prática pela PIDE, nunca pelas Forças Armadas.
Hoje, quando se fala de Conakri todos falam dos prisioneiros libertados, único objectivo atingido na operação. As Forças Armadas poderiam há muito tempo ter feito uma operação para os resgatar. Poderiam ter desembarcado um grupo de comandos, eventualmente embarcados num submarino, e de surpresa fariam um golpe de mão e libertariam os prisioneiros. Mesmo que a operação fracassasse e alguns militares fossem capturados mereceriam da comunidade internacional compreensão e protecção do direito internacional.
Não posso deixar, ao analisar certas personalidades [que se evidenciaram na guerra colonial], de as enquadrar nestas realidades. Penso que trazer estas matérias para o blogue é complicado, mas se o fizermos teremos que evidenciar toda a realidade. Será o blogue o espaço mais indicado para aprofundar estas matérias? Não poderemos nós com a nossa tertúlia debatermos estes temas doutra forma?
Um abraço
Pedro Lauret
___________
Nota de L.G.:
(1) Vd. alguns dos post do actual capitão de mar-e-guerra, na reforma, Pedro Lauret, que foi imediato da NRP Orion, na Guiné (1972/73):
29 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1393: Saudações tertulianas na chegada do novo ano de 2007 (1) : Luís Graça / Pedro Lauret
12 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1362: Encontro: guerra colonial e descolonização (Pedro Lauret)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)
31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1202: Ganturé, Rio Cacheu, Maio de 1973 (Pedro Lauret)
1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)
(2) Vd. último post desta série: 4 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1400: Questões politicamente (in)correctas (14): Os Zés da Desordem deste País (Albano Costa / Torcato Mendonça)
Guiné 63/74 - P1422: A derrocada do Leste e a mina que desgraçou o meu amigo de infância André, da CCAV 3864 (A. Santos)
Guiné > Zona Leste > Sector L3 > Nova Lamego > O António Santos no seu posto de rádio, acompanhado de dois camaradas. Operador de mensagens, por ele passavam muitas notícias da guerra. Ele acompanhou, à distância, a progressiva derrocada militar da região de Gabu.
Foto: © António Santos(2006). Direitos reservados.
Mensagem do nosso camarada A. Santos, Ex-Sold Trms, Pel Mort 4574/72, Zona Leste, Sector L3, Nova Lamego,1972/74:
Camarada, Luís Graça.
Boa saúde.
Os posts P1409 e P1410 em que se faz a recensão do livro de Benigno Fernando (1), tem referências a acontecimentos (verídicos) que se passaram na Zona Leste, sector L6. Este assunto a que se refere este post do Beja Santos, é só a confirmação do que te falei no nosso primeiro encontro, na tua faculdade (2).
Nessa altura referi também outra localidade que acabou por ser o alvo que mais embrulhos sofreu, Canquelifá, que pertenceu ao Sector L4. Já fiz uma abordagem ao tema no post 1216 (2).
O Cap Cruz, cmdt da 1ª companhia do BCAV 8323, de seu nome Angelo César Pires Moreira da Cruz (não sei se posso ditar o nome completo, mas aqui está, conforme é referido nos canhenhos da guerra) foi substituído pelo Cap Fernando Loureiro.
Isto tudo traz-me à memória um outro caso em tudo idêntico, que eu tenho feito por não lembrar desde 1973. Durante algum tempo penso ter conseguido, mas periodicamente vêm ao de cima, tento de novo esquecer mas em vão, este post do Beja Santos veio definitivamente obrigar-me a não esquecer.
No Batalhão anterior ao BCAV 8323, dois elementos que o compunham, são rapazes da minha infância, um na CCS outro na CCAV 3864, o André. Durante os 6 meses finais de 1972 e o ano de 1973 quase todo, quando passavam por Nova Lamego os meus amigos vinham ter comigo para a confraternização da praxe, conversar sobre a vidinha, e beber umas cervejas. Isto aconteceu repetidas vezes, até que um dia quando eles faziam 22 meses de comissão, o meu amigo André pisou uma maldita mina, num maldito trilho, que o desgraçou para todo o sempre, nunca mais foi o mesmo.
No nosso almoço, na Ameira, distribuí um CD onde no ficheiro em formato Excel com o título lista_unidades na célula H-773, está a palavra Sissaucunda a vermelho. Não foi por acaso, esse vermelho simbolizava o azar do nosso camarada e meu amigo de escola, das brincadeiras de há 50 anos.
Como ja contei, o Leste nesta fase terminal da guerra estava a ser muito apertado, outra nova, amigo Luís, Nova Lamego nesse tempo foi sobrevoada à noite por diversas vezes e os aviões não descolavam de Bissalanca.
Desculpa ter tomado algum do teu tempo, mas o post P1410 teve este efeito em mim, porque normalmente sou mais de ler do que escrever ou falar, talvez defeito da passagem pelas trms.
Um Alfa Bravo
A. Santos
SPM 2558
___________
Notas de L.G:
(1) Vd posts de:
8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1410: Antologia (57): O Natal de 1973 em Copá (Benigno Fernando)
8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1409: Bibliografia de uma guerra (16): Pirada, Bajocunda, Canquelifá, Copá: o princípio do fim (Beja Santos)
(2) Vd. post de 27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1216: A batalha (esquecida) de Canquelifá, em Março de 1974 (A. Santos)
(...) Copá foi extinto em 14 de Fevereiro de 1974, após violentas flagelações, Mareué idem em 11 de Março de 1974, mas o aquartelamento mais sacrificado foi o de Canquelifá, que sofreu flagelações a toda a hora. Neste caso a arma mais utilizada foi o morteiro 120, e houve abrigos que não resistiram.
"A 20 de Março de 1974, entrou em cena o Batalhão de Comandos Africanos, com as três companhias que dele faziam parte integrante. Saíram de Nova Lamego em coluna composta por viaturas militares e civis e dirigiram-se para o local. A operação durou 3 dias, de 21 a 23 de Março 1974. Segundo os canhenhos militares, capturaram 3 Mort. 120, 1 RPG, 2 espingardas, 367 granadas de Morteiro e deixaram 26 mortos do lado IN (do nosso lado nada dizem)...
"Mas cá o rapaz, no dia 22 [de Março de 1974], como não fazia nada, e porque o condutor da ambulância era do meu pelotão e foi chamado à pista, eu fui com ele. Chegados ao local, era um vaivém de helicópteros que traziam mortos e feridos. Eu dei uma mãozinha para pegar nas macas. Retirava dos Helis e, segundo instruções do médico, ora pousava na pista (estava morto), ora colocava num Dakota que estava logo ali (estava muito ferido)... Vi pernas destroçadas por estilhaços de não sei de quê!" (...).
Camarada, Luís Graça.
Boa saúde.
Os posts P1409 e P1410 em que se faz a recensão do livro de Benigno Fernando (1), tem referências a acontecimentos (verídicos) que se passaram na Zona Leste, sector L6. Este assunto a que se refere este post do Beja Santos, é só a confirmação do que te falei no nosso primeiro encontro, na tua faculdade (2).
Nessa altura referi também outra localidade que acabou por ser o alvo que mais embrulhos sofreu, Canquelifá, que pertenceu ao Sector L4. Já fiz uma abordagem ao tema no post 1216 (2).
O Cap Cruz, cmdt da 1ª companhia do BCAV 8323, de seu nome Angelo César Pires Moreira da Cruz (não sei se posso ditar o nome completo, mas aqui está, conforme é referido nos canhenhos da guerra) foi substituído pelo Cap Fernando Loureiro.
Isto tudo traz-me à memória um outro caso em tudo idêntico, que eu tenho feito por não lembrar desde 1973. Durante algum tempo penso ter conseguido, mas periodicamente vêm ao de cima, tento de novo esquecer mas em vão, este post do Beja Santos veio definitivamente obrigar-me a não esquecer.
No Batalhão anterior ao BCAV 8323, dois elementos que o compunham, são rapazes da minha infância, um na CCS outro na CCAV 3864, o André. Durante os 6 meses finais de 1972 e o ano de 1973 quase todo, quando passavam por Nova Lamego os meus amigos vinham ter comigo para a confraternização da praxe, conversar sobre a vidinha, e beber umas cervejas. Isto aconteceu repetidas vezes, até que um dia quando eles faziam 22 meses de comissão, o meu amigo André pisou uma maldita mina, num maldito trilho, que o desgraçou para todo o sempre, nunca mais foi o mesmo.
No nosso almoço, na Ameira, distribuí um CD onde no ficheiro em formato Excel com o título lista_unidades na célula H-773, está a palavra Sissaucunda a vermelho. Não foi por acaso, esse vermelho simbolizava o azar do nosso camarada e meu amigo de escola, das brincadeiras de há 50 anos.
Como ja contei, o Leste nesta fase terminal da guerra estava a ser muito apertado, outra nova, amigo Luís, Nova Lamego nesse tempo foi sobrevoada à noite por diversas vezes e os aviões não descolavam de Bissalanca.
Desculpa ter tomado algum do teu tempo, mas o post P1410 teve este efeito em mim, porque normalmente sou mais de ler do que escrever ou falar, talvez defeito da passagem pelas trms.
Um Alfa Bravo
A. Santos
SPM 2558
___________
Notas de L.G:
(1) Vd posts de:
8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1410: Antologia (57): O Natal de 1973 em Copá (Benigno Fernando)
8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1409: Bibliografia de uma guerra (16): Pirada, Bajocunda, Canquelifá, Copá: o princípio do fim (Beja Santos)
(2) Vd. post de 27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1216: A batalha (esquecida) de Canquelifá, em Março de 1974 (A. Santos)
(...) Copá foi extinto em 14 de Fevereiro de 1974, após violentas flagelações, Mareué idem em 11 de Março de 1974, mas o aquartelamento mais sacrificado foi o de Canquelifá, que sofreu flagelações a toda a hora. Neste caso a arma mais utilizada foi o morteiro 120, e houve abrigos que não resistiram.
"A 20 de Março de 1974, entrou em cena o Batalhão de Comandos Africanos, com as três companhias que dele faziam parte integrante. Saíram de Nova Lamego em coluna composta por viaturas militares e civis e dirigiram-se para o local. A operação durou 3 dias, de 21 a 23 de Março 1974. Segundo os canhenhos militares, capturaram 3 Mort. 120, 1 RPG, 2 espingardas, 367 granadas de Morteiro e deixaram 26 mortos do lado IN (do nosso lado nada dizem)...
"Mas cá o rapaz, no dia 22 [de Março de 1974], como não fazia nada, e porque o condutor da ambulância era do meu pelotão e foi chamado à pista, eu fui com ele. Chegados ao local, era um vaivém de helicópteros que traziam mortos e feridos. Eu dei uma mãozinha para pegar nas macas. Retirava dos Helis e, segundo instruções do médico, ora pousava na pista (estava morto), ora colocava num Dakota que estava logo ali (estava muito ferido)... Vi pernas destroçadas por estilhaços de não sei de quê!" (...).
quinta-feira, 11 de janeiro de 2007
Guiné 63/74 - P1421: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (14): Um final com homenagem a um homem grande, Fernando Sani
Guiné-Bissau > Bissau > Hospital Nacional Simão Mendes > 2006 > O Fernando Sani é o que está de pé, ao centro, junto da restante equipa de apoio à cólera. A cólera, felizmente foi extinta, pouco tempo depois.
Foto e texto: © Paulo Salgado (2007). Direitos reservados
Caro Luís,
Soubera eu que tinhas estado aqui, na minitertúlia (1), e teria aparecido, com todo o prazer.
Como sabes, a minha relação com o Povo da Guiné é de grande simpatia e carinho.
O que se segue - já nem sei se escrevi algo sobre isto anteriormente - já foi produzido na Gestão Hospitalar [, revista da Associação Portuguesesa dos Adminisytradoires Hospitalares]. Dei-lhe um retoque e eu penso que não vai mal ao mundo se for reproduzida aqui para os queridos tertulianos saberem que há alguns camaradas que andaram pela Guiné depois da guerra e que os Homens se entendem quando querem...
Fazes o arranjo como quiseres e se quiseres.
Um abraço de estima,
Paulo Salgado
Comentário de L.G.: Paulo Salgado é administrador hospitalar no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia. Acaba de regressar de um mais um ano de cooperação na Guiné-Bissau, onde esteve à frente do Hospital Nacional Simão Mendes. Com esta crónica, e com o regresso do Paulo (e da Conceição) a casa, podemos dar por finda a crónica que ele alimentou ao longo de mais de um ano (2). E acaba bem: é o testemunho de um homem da saúde e um cidadão do mundo, o Paulo Salgado, de grande sensibilidade e generosidade, a outro homem, grande, o Fernando Sani, que trabalhou com ele no Hospital Nacional Simão Mendes e que a morte já levou. Claro que o Paulo e o seu 'bombolom' não vão ficar mudos... Um retemperador regresso a casa, à pátria, aos nossos hospitais, é o que lhe desejo (com um beijinho para a São). E, à volta, cá o(s) espero.
_________
Camaradas Tertulianos:
Desejo transmitir-vos um dos factos que vivi nesta minha comissão de 12 meses (tudo somado são cerca de seis anos na Guiné que me dão força para poder dizer: quando querem, os Homens entendem-se…). Isto para vos significar o apreço e carinho que tenho pelo POVO da Guiné-Bissau. Hoje e antanho.
Fernando Sani – homenagem a um Guineense
Conheci o Sr. Fernando Sani há cerca de quatro anos, nas minhas actividades no Hospital Nacional Simão Mendes. Não são muitos anos se considerarmos que os homens vivem muitos mais; todavia, foram os suficientes para construirmos uma sã convivência, e para eu me aperceber que estava lidando com um homem superior.
Durante estes anos, tive oportunidade de colher dele: a humildade intelectual – ele que fora um homem viajado e culto; a solidariedade – ele que partilhava o magro salário que auferia com muitos familiares e amigos; a bondade – que irradiava através dos actos praticados junto dos que ainda eram mais carenciados; a educação fina – que dele brotava em gestos de simpatia de homem habituado a falar nhô ou nhá quando tratava com alguém, homem ou mulher, que lhe merecia respeito segundo as tradições da Guiné-Bissau, que ele prezava. Um Homi Garandi.
Muitas vezes conversámos de diversos assuntos, e havia sempre alguma novidade que me surpreendia agradavelmente.
Numa das conversas, falou-me dos tugas e daquilo que com eles aprendeu quando jovem: fora apadrinhado por um médico que fizera a sua vida profissional clínica no Hospital Militar e no Hospital Civil, e dele recebeu incentivos na sua via escolar, em Bissau, já no tempo da guerra.
Compreendeu, todavia que o rumo da sua Terra era outro e foi bolseiro no Leste onde adquiriu bagagem múltipla que não desejo referir, por honra da sua memória.
Assumindo a chefia do sector de saneamento do HNSM, detinha conhecimentos que o colocavam no lugar cimeiro da profissão: dominava os conceitos de higiene e limpeza que deveriam ser praticados; sabia dirigir os funcionários que lhe estavam adstritos com palavras amigas e não com modos agrestes; era capaz de dar o exemplo carregando às costas – admito que já cansadas pelo sofrimento – o pulverizador e, protegido e sabedor das regras de utilização, e com os instrumentos adequados, desinfectar as salas, as enfermarias, para, de seguida, com muito profissionalismo, limpar os materiais e guardá-los de novo.
Foi no período da cólera que ocorreu entre Julho de 2005 e Fevereiro de 2006, durante meses, que este homem se revelou ainda mais aos meus olhos: incansável, encaminhava os doentes para a enfermaria, de noite e de dia, entregando-os ao pessoal de enfermagem; solícito e zeloso, ia buscar os soros e outros produtos de hidratação oral para aplicação e tratamento dos doentes; imperturbável face ao cheiro nauseabundo provocado pelas diarreias, caminhava pela enfermaria, protegido, para acudir a um ou outro doente; atento às informações e ensinamentos que a equipa de Médicos Sem Fronteiras lhe indicavam, e que nele viam um Profissional conhecedor e interveniente.
Neste período da cólera, outras mulheres e homens estiveram na frente da luta contra o perigo escondido, mas ali bem visível no sofrimento de crianças, velhos e adultos. Para esses homens e mulheres que permaneceram ao lado dos doentes, também a minha amizade.
O Sr. Sani veio, um dia, dizer-me:
- Amigo, estou muito cansado. - E eu li-lhe no rosto esse cansaço.
Com outros amigos, o visitei ao longo das semanas que sobreviveu. Mas sempre um leve sorriso lhe esmorecia a face magra à medida que a doença o fustigava. Da última vez, apenas balbuciou o meu nome.
Cá fora, eu chorei. Chorei pelo Homi Garandi. Pelo Amigo.
Que os Deuses, o teu e o meu, Querido Amigo, te coloquem no lugar mais bonito que existe nos céus, pois tu, Fernando Sani, mereces como poucos.
No seu funeral, os seus Familiares, muçulmanos piedosos, chamaram-me para acompanhar o corpo até ao repouso final.
Obrigado, meu Amigo, por aquilo que me ensinaste, nesta Terra que não é minha, mas que aprendi a amar através das crianças, dos homens e mulheres que sempre têm um sorriso de esperança.
Paulo Salgado
Abril de 2006
________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 9 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1412: A minitertúlia de Matosinhos e... Leça da Palmeira (Carlos Vinhal / Xico Allen)
(2) . posts anteriores:
5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXX: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (1)
(...) "Vou tentar relatar (narrar, contar, ficcionar quanto baste) as minhas vivências nesta terceira (ou quarta?) comissão / presença demorada... (Agora estamos numa Missão que é um termo muito divulgado por quem passa aqui curtas ou mais longas estadias em nome de alguém a fazer qualquer coisa – confesso-vos que tenho visto muita coisa mal feitinha)"(...).
13 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXL: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (2)
19 de utubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLVII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (3)
(...) "Hoje, sábado, fomos até ao Saltinho, com os cooperantes da Saúde que chegaram ontem no avião (já agora: a Dra. Adelaide, ginecologista; o Dr. Justiça, hematologista e que também fez a guerra em Angola) e ainda o João Faria, engenheiro hospitalar (que já cá está há oito dias… Manga di tempu! , que esteve em Angola, e que se está a aguentar com brio e companheirismo nas lides do Hospital Civil... Todos eles emprestaram à viagem de 350 km um sabor especial)" (...).
5 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXI: Crónicas de Bissau ou o 'bombolom' do Paulo Salgado (4)
29 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (5): para onde ?
3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (6): HN Simão Mendes
5 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXVIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' de Paulo Salgado) (7): Suleiman Seidi
30 de Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CDIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (8): novos tertulianos
18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (9): História e estórias
30 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXV: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (10): ontem e hoje em Uaque
1 de Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 -CDXC: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado)(11): Beethoven e batuque no Olossato
2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCI: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato
13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1069: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (13): Para quando África ?
(...) "Quem está aqui em trabalho intenso, meses a fio, deixa coisas para contar num amanhã, escrevinha outras para uma memória que há-de ser escrita, agora e sempre falando da Guiné sob outros ângulos e com outras visões e tu perguntarás e os camaradas perguntarão:- Por que razão não bombolaste?
(...) Lá no Hospital há traumatizados há meses à espera de intervenção. Era isto que eu ia contar? Mas hoje apeteceu-me. 10 de Setembro de 2006. (Ouvi passar uma ambulância uivando - o que irá fazer ao Hospital com o doente?)" (...).
Foto e texto: © Paulo Salgado (2007). Direitos reservados
Caro Luís,
Soubera eu que tinhas estado aqui, na minitertúlia (1), e teria aparecido, com todo o prazer.
Como sabes, a minha relação com o Povo da Guiné é de grande simpatia e carinho.
O que se segue - já nem sei se escrevi algo sobre isto anteriormente - já foi produzido na Gestão Hospitalar [, revista da Associação Portuguesesa dos Adminisytradoires Hospitalares]. Dei-lhe um retoque e eu penso que não vai mal ao mundo se for reproduzida aqui para os queridos tertulianos saberem que há alguns camaradas que andaram pela Guiné depois da guerra e que os Homens se entendem quando querem...
Fazes o arranjo como quiseres e se quiseres.
Um abraço de estima,
Paulo Salgado
Comentário de L.G.: Paulo Salgado é administrador hospitalar no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia. Acaba de regressar de um mais um ano de cooperação na Guiné-Bissau, onde esteve à frente do Hospital Nacional Simão Mendes. Com esta crónica, e com o regresso do Paulo (e da Conceição) a casa, podemos dar por finda a crónica que ele alimentou ao longo de mais de um ano (2). E acaba bem: é o testemunho de um homem da saúde e um cidadão do mundo, o Paulo Salgado, de grande sensibilidade e generosidade, a outro homem, grande, o Fernando Sani, que trabalhou com ele no Hospital Nacional Simão Mendes e que a morte já levou. Claro que o Paulo e o seu 'bombolom' não vão ficar mudos... Um retemperador regresso a casa, à pátria, aos nossos hospitais, é o que lhe desejo (com um beijinho para a São). E, à volta, cá o(s) espero.
_________
Camaradas Tertulianos:
Desejo transmitir-vos um dos factos que vivi nesta minha comissão de 12 meses (tudo somado são cerca de seis anos na Guiné que me dão força para poder dizer: quando querem, os Homens entendem-se…). Isto para vos significar o apreço e carinho que tenho pelo POVO da Guiné-Bissau. Hoje e antanho.
Fernando Sani – homenagem a um Guineense
Conheci o Sr. Fernando Sani há cerca de quatro anos, nas minhas actividades no Hospital Nacional Simão Mendes. Não são muitos anos se considerarmos que os homens vivem muitos mais; todavia, foram os suficientes para construirmos uma sã convivência, e para eu me aperceber que estava lidando com um homem superior.
Durante estes anos, tive oportunidade de colher dele: a humildade intelectual – ele que fora um homem viajado e culto; a solidariedade – ele que partilhava o magro salário que auferia com muitos familiares e amigos; a bondade – que irradiava através dos actos praticados junto dos que ainda eram mais carenciados; a educação fina – que dele brotava em gestos de simpatia de homem habituado a falar nhô ou nhá quando tratava com alguém, homem ou mulher, que lhe merecia respeito segundo as tradições da Guiné-Bissau, que ele prezava. Um Homi Garandi.
Muitas vezes conversámos de diversos assuntos, e havia sempre alguma novidade que me surpreendia agradavelmente.
Numa das conversas, falou-me dos tugas e daquilo que com eles aprendeu quando jovem: fora apadrinhado por um médico que fizera a sua vida profissional clínica no Hospital Militar e no Hospital Civil, e dele recebeu incentivos na sua via escolar, em Bissau, já no tempo da guerra.
Compreendeu, todavia que o rumo da sua Terra era outro e foi bolseiro no Leste onde adquiriu bagagem múltipla que não desejo referir, por honra da sua memória.
Assumindo a chefia do sector de saneamento do HNSM, detinha conhecimentos que o colocavam no lugar cimeiro da profissão: dominava os conceitos de higiene e limpeza que deveriam ser praticados; sabia dirigir os funcionários que lhe estavam adstritos com palavras amigas e não com modos agrestes; era capaz de dar o exemplo carregando às costas – admito que já cansadas pelo sofrimento – o pulverizador e, protegido e sabedor das regras de utilização, e com os instrumentos adequados, desinfectar as salas, as enfermarias, para, de seguida, com muito profissionalismo, limpar os materiais e guardá-los de novo.
Foi no período da cólera que ocorreu entre Julho de 2005 e Fevereiro de 2006, durante meses, que este homem se revelou ainda mais aos meus olhos: incansável, encaminhava os doentes para a enfermaria, de noite e de dia, entregando-os ao pessoal de enfermagem; solícito e zeloso, ia buscar os soros e outros produtos de hidratação oral para aplicação e tratamento dos doentes; imperturbável face ao cheiro nauseabundo provocado pelas diarreias, caminhava pela enfermaria, protegido, para acudir a um ou outro doente; atento às informações e ensinamentos que a equipa de Médicos Sem Fronteiras lhe indicavam, e que nele viam um Profissional conhecedor e interveniente.
Neste período da cólera, outras mulheres e homens estiveram na frente da luta contra o perigo escondido, mas ali bem visível no sofrimento de crianças, velhos e adultos. Para esses homens e mulheres que permaneceram ao lado dos doentes, também a minha amizade.
O Sr. Sani veio, um dia, dizer-me:
- Amigo, estou muito cansado. - E eu li-lhe no rosto esse cansaço.
Com outros amigos, o visitei ao longo das semanas que sobreviveu. Mas sempre um leve sorriso lhe esmorecia a face magra à medida que a doença o fustigava. Da última vez, apenas balbuciou o meu nome.
Cá fora, eu chorei. Chorei pelo Homi Garandi. Pelo Amigo.
Que os Deuses, o teu e o meu, Querido Amigo, te coloquem no lugar mais bonito que existe nos céus, pois tu, Fernando Sani, mereces como poucos.
No seu funeral, os seus Familiares, muçulmanos piedosos, chamaram-me para acompanhar o corpo até ao repouso final.
Obrigado, meu Amigo, por aquilo que me ensinaste, nesta Terra que não é minha, mas que aprendi a amar através das crianças, dos homens e mulheres que sempre têm um sorriso de esperança.
Paulo Salgado
Abril de 2006
________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 9 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1412: A minitertúlia de Matosinhos e... Leça da Palmeira (Carlos Vinhal / Xico Allen)
(2) . posts anteriores:
5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXX: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (1)
(...) "Vou tentar relatar (narrar, contar, ficcionar quanto baste) as minhas vivências nesta terceira (ou quarta?) comissão / presença demorada... (Agora estamos numa Missão que é um termo muito divulgado por quem passa aqui curtas ou mais longas estadias em nome de alguém a fazer qualquer coisa – confesso-vos que tenho visto muita coisa mal feitinha)"(...).
13 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXL: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (2)
19 de utubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLVII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (3)
(...) "Hoje, sábado, fomos até ao Saltinho, com os cooperantes da Saúde que chegaram ontem no avião (já agora: a Dra. Adelaide, ginecologista; o Dr. Justiça, hematologista e que também fez a guerra em Angola) e ainda o João Faria, engenheiro hospitalar (que já cá está há oito dias… Manga di tempu! , que esteve em Angola, e que se está a aguentar com brio e companheirismo nas lides do Hospital Civil... Todos eles emprestaram à viagem de 350 km um sabor especial)" (...).
5 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXI: Crónicas de Bissau ou o 'bombolom' do Paulo Salgado (4)
29 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (5): para onde ?
3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (6): HN Simão Mendes
5 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXVIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' de Paulo Salgado) (7): Suleiman Seidi
30 de Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CDIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (8): novos tertulianos
18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (9): História e estórias
30 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXV: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (10): ontem e hoje em Uaque
1 de Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 -CDXC: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado)(11): Beethoven e batuque no Olossato
2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCI: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato
13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1069: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (13): Para quando África ?
(...) "Quem está aqui em trabalho intenso, meses a fio, deixa coisas para contar num amanhã, escrevinha outras para uma memória que há-de ser escrita, agora e sempre falando da Guiné sob outros ângulos e com outras visões e tu perguntarás e os camaradas perguntarão:- Por que razão não bombolaste?
(...) Lá no Hospital há traumatizados há meses à espera de intervenção. Era isto que eu ia contar? Mas hoje apeteceu-me. 10 de Setembro de 2006. (Ouvi passar uma ambulância uivando - o que irá fazer ao Hospital com o doente?)" (...).
Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)
A caminho da Guiné > A bordo do Niassa > Maio de 1969 > Quadros metropolitanos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), na viagem de Lisboa-Bissau (24 a 29 de Maio de 1969). Da esquerda para a direita: 2º sargento Videira, furriéis milicianos Branquinho, Levezinho, Reis, Fernandes, Henriques e Almeida (este último já falecido). Na mesa de trás, ao fundo, receonhece-se o furriel miliciano enfermeiro Martins.
Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados.
Ainda a viagem do TT Niassa: Guiné 1969 - CCAÇ 2590 (1)
Caros Luís Graça e restantes Tertulianos,
Lido atentamente que foi o teu post P1366 (2), com o decorrer do tempo fui atraído pelo meu vício terrível de revolver e investigar papelada, bem no meio de pó e potenciais rinites alérgicas, na tentativa de acrescentar algo de inovador e interessante ao puzzle que, pedra atrás de pedra, se vai armando pela tua mão.
Uma já crónica doença de que passei a sofrer, como se tivesse começado a ganhar algum respeito a conceitos históricos, diametralmente opostos aos conceitos tecnicistas e pragmáticos por que sempre me tenho regido.
Num perfecciosismo que muitas vezes me impede de ser atempado no que escrevo ou comento, quase certamente impelido pela necessidade de participar construtivamente num projecto notável, fui embrulhar algumas achegas que deixo para tua análise e dos tertulianos interessados.
A escassa panóplia de marinheiros participantes, ainda que venha a ser classificada de qualidade extra, enfrenta igualmente as dificuldades próprias de um Ramo diferente e da ausência generalizada e comum de interesse político pela História recente deste país.
Uma tarde afundado em dossiers atados, como se de autos se tratassem, bastou para que me sentisse naquela de ter levado uma Carta a Garcia.
Neste caso pessoal, tratando-se da CCAÇ 2590 [, futura CCAÇ 12], pareceram-me interessantes as achegas que junto. Pertencer-te-á a ti, Luís e também aos Camaradas de Unidade, dispensarem-lhes a atenção que vos merecerem alguns pormenores.
Por mim e se algo for de interesse, considerem-na um complemento de colaboração deste tertuliano.
- O TT Niassa (3), em Maio de 1969 e conforme reza a Ordem de Transporte nº 20 do ME, transportou a CCAÇ 2590 e também as Unidades indicadas no seguinte quadro, com o itinerário e horários que mais abaixo se discriminam.
- Tratou- se de uma dupla viagem Lisboa–Bissau–Lisboa–Funchal–Bissau–Lisboa.
- Teve início a 5 de Maio, em Lisboa, e terminou, novamente em Lisboa, a 13 de Junho de 1969.
- Capitão de Bandeira: CFR Abel da Costa Campos de Oliveira
- Comandante do Niassa – Cmte Arnaldo Manuel Sanches Soares
- As partidas e chegadas em cada escala fizeram-se de acordo com as seguintes datas e horários:
Lisboa (Cais da Rocha) - partida > 071110Z MAI69
Bissau (Fundeado no Geba) - chegada > 121605Z MAI69
Bissau (Atracado) > 121835Z MAI69
Bissau (Atracado) - partida > 150733Z MAI69
Lisboa (Atracado) – chegada > 210645Z MAI69
Lisboa (Cais da Rocha) – partida > 241105Z MAI69
Funchal (Atracado) – chegada > 252357Z MAI69
Funchal (Atracado) – partida > 260135Z MAI69
Bissau (Fundeado) – chegada > 292250Z MAI69
Bissau (Atracado) – chegada > 300800Z MAI69
Bissau (Fundeado) > 021100Z JUN69
Bissau (Atracado) > 05????? JUN69 (não definido)
Bissau (Atracado) – partida > 070135Z JUN69
Caió (Fundeado) – chegada > 080135Z JUN69
Caió (Fundeado) – partida > 080830Z JUN69
Lisboa (Atracado) – chegada > 131110Z JUN69
- Transportou de Lisboa, na totalidade, 52 oficiais, 187 sargentos e 1299 praças além de 1727 toneladas de carga, depois de corrigidos alguns desvios de última hora à previsão acima feita e conforme a seguinte listagem do quadro abaixo.
- No Funchal embarcou a CCAÇ 2529.
- O TT Niassa Foi escoltado na ida e na volta, entre Bissau e o Farol do Caió, pela LFG Cassiopeia
- Foram normalmente distribuídas as ementas das refeições servidas a Oficiais, Sargentos e Praças, sendo que havia alguma diferença nas qualidades das refeições respectivas, correspondentes às classes em que viajaram.
TT Niassa > Maio de 1969 > A capa e contracapa de um dos tipos de ementas, a de 1ª classe
TT Niassa > Maio de 1969 > A capa e contracapa de outro dos tipo de ementas, a de 2ª classe
- Durante a viagem foram exibidos, nos passatempos habituais, os seguintes filmes:
- Harper, O Detective Privado
- Ninguém Foi Tão Valente
- D. Camilo na Rússia
- Três Vezes Mulher
- A Cidade Submarina
- A Rapariga das Violetas
- Foi sorteado um transistor, oferta do MNF, no dia 28 de Maio, à chegada a Bissau.
- Foi servido um jantar de despedida oferecido em nome do Comandante do Navio e do Capitão de Bandeira a todas as forças embarcadas, quer na ida quer no regresso, com ementas especiais.
TT Niassa > Junho de 1969 > A capa da ementa do jantar de regresso a Lisboa.
TT Niassa > Maio de 1969 > A capa da ementas do jantar de despedida antes da chegada a Bissau.
Sem efectuar qualquer comentário - todos os de que me lembrei eram jocosos ou sórdidos - apeteceu-me perguntar:
- Alguém sabe a quem saiu o transistor?
Um abraço para todos,
Manuel Lema Santos
1º TEN RN 1965/72
Guiné, NRP Orion, 1966/68
Nota - Não sei se omiti algum tertuliano da CCAÇ2590 mas a suceder foi por puro desconhecimento (4)
_______
Notas de L.G.:
(1) Vd posts anteriores sobre esta série:
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
(2) Vd. post de 13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)
(3) Vds. post de 21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
(4) Obrigado, Lema Santos. Como é bom recordar!... São deliciosos os pormenores da tua reconstituição da nossa viagem... que foi naturalmente inequescível.
Além de mim, do António Levezinho, do Humberto Reis e do Joaquim Fernandes, fazem ainda parte da tertúlia, nesta data, os seguintes ex-camaradas da CCAÇ 2590/CCAÇ 12: Abel Rodrigues (ex-Alf Mil), João Carreiro Martins (ex-Fur Mil Enf) e José de Sousa (ex-Fur Mil)...
Sobre a nossa viagem de regresso, em Março de 1971, no TT Uíge, vd. post de 9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)
quarta-feira, 10 de janeiro de 2007
Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)
A 17ª estória do Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 (1)
Ainda o Amaral, mas desta vez, Mestre – Escola : Quero andar de Comboio!
Creio que foi em Fevereiro de 1971, que em Missirá, recebi a ordem de Bissau – um dos furriéis passava a ser Professor, com dispensa de toda e qualquer actividade operacional. Ponderada a situação, optei pelo Amaral (2), cujo porte rechonchudo e as maçãs do rosto vermelhuscas, lhe davam um ar prazenteiro e bonacheirão, nada condizente com as funções de comandante de secção combatente.
Por outro lado, pesou na minha decisão, o facto de ele ser filho de professores primários… pois filho de peixe, pensava eu, saberia nadar…
Enquanto Professor, ao Amaral, competia ensinar não só as crianças, mas também os Soldados Africanos, que deviam completar a terceira e quarta classes. Arranjado o espaço, preocupou-se logo o nóvel Professor em obter dois instrumentos, segundo ele, indispensáveis à sua actividade – um longo ponteiro e uma régua, que ele denominava “menina dos cinco olhos”.
Às oito horas, o Amaral formava as crianças, as quais em marcha acelerada entravam na escola, clamando em coro:
– Bom dia, Senhor Furriel Professor.- Depois permaneciam toda a manhã em afinada ladainha:
– Um mais um dois, dois mais dois quatro, ba, bá, ca, cá, da, dá, etc, etc.
Qualquer erro ou desatenção, dava lugar a castigo, que para isso servia a “menina dos cinco olhos”, gabando-se o Mestre, do seu exemplar método pedagógico, exactamente igual ao que fora utilizado na sua escola primária. À tarde, era a vez dos Soldados e eu de vez em quando ia assistir.
Porém, talvez pela maior complexidade da matéria ou pela idade dos discípulos, o Amaral sentia muitas dificuldades. Recordo uma aula, na qual o Professor explicava aritmética, enunciando problemas:
-Tu, Sambaro, diz-me lá? Se gastas 300 quilos de arroz por mês, quantos gastas em 15 dias? - Aqui, o Sambaro começava a discutir, afirmando que lhe chegavam 100 quilos, retorquindo o Amaral:
- Faz de conta, isto é um problema!
- Mas eu nunca comprei 300 quilos - teimava o Soldado. Quase apopléctico o Amaral desistia… Também na História de Portugal, as coisas corriam mal. Castelhanos sem ser turras, era difícil de entender, e quanto a D. Afonso Henriques, fora transformado em pai do Almirante Américo Tomás…
Um dia o Amaral todo ufano, convidou-me para ir à aula. O Mamadu tinha feito progressos. Era o melhor aluno. Lá fui, tendo presenciado o interrogatório sobre as linhas de caminho de ferro e respectivas estações. Mamadu tinha decorado tudo!
Linha do Norte, do Sul, do Oeste… Todos os ramais, estações e apeadeiros. Como ir da Pampilhosa ao Entroncamento, e de Faro à Covilhã.
Radiantes, Professor e Aluno, esperavam o meu elogio. Lembrei-me porém, de perguntar:
- Sabes o que é um Comboio?
- Alfero, nunca n´ca ódja um! – respondeu , Mamadu.
Foi a partir de então que acrescentámos o nosso desabafo de chatisse:
-Tirem-me daqui! Quero andar de Comboio”! – passámos a gritar.
Jorge Cabral
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. último post > 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa
(2) Vd. post de 6 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)
Ainda o Amaral, mas desta vez, Mestre – Escola : Quero andar de Comboio!
Creio que foi em Fevereiro de 1971, que em Missirá, recebi a ordem de Bissau – um dos furriéis passava a ser Professor, com dispensa de toda e qualquer actividade operacional. Ponderada a situação, optei pelo Amaral (2), cujo porte rechonchudo e as maçãs do rosto vermelhuscas, lhe davam um ar prazenteiro e bonacheirão, nada condizente com as funções de comandante de secção combatente.
Por outro lado, pesou na minha decisão, o facto de ele ser filho de professores primários… pois filho de peixe, pensava eu, saberia nadar…
Enquanto Professor, ao Amaral, competia ensinar não só as crianças, mas também os Soldados Africanos, que deviam completar a terceira e quarta classes. Arranjado o espaço, preocupou-se logo o nóvel Professor em obter dois instrumentos, segundo ele, indispensáveis à sua actividade – um longo ponteiro e uma régua, que ele denominava “menina dos cinco olhos”.
Às oito horas, o Amaral formava as crianças, as quais em marcha acelerada entravam na escola, clamando em coro:
– Bom dia, Senhor Furriel Professor.- Depois permaneciam toda a manhã em afinada ladainha:
– Um mais um dois, dois mais dois quatro, ba, bá, ca, cá, da, dá, etc, etc.
Qualquer erro ou desatenção, dava lugar a castigo, que para isso servia a “menina dos cinco olhos”, gabando-se o Mestre, do seu exemplar método pedagógico, exactamente igual ao que fora utilizado na sua escola primária. À tarde, era a vez dos Soldados e eu de vez em quando ia assistir.
Porém, talvez pela maior complexidade da matéria ou pela idade dos discípulos, o Amaral sentia muitas dificuldades. Recordo uma aula, na qual o Professor explicava aritmética, enunciando problemas:
-Tu, Sambaro, diz-me lá? Se gastas 300 quilos de arroz por mês, quantos gastas em 15 dias? - Aqui, o Sambaro começava a discutir, afirmando que lhe chegavam 100 quilos, retorquindo o Amaral:
- Faz de conta, isto é um problema!
- Mas eu nunca comprei 300 quilos - teimava o Soldado. Quase apopléctico o Amaral desistia… Também na História de Portugal, as coisas corriam mal. Castelhanos sem ser turras, era difícil de entender, e quanto a D. Afonso Henriques, fora transformado em pai do Almirante Américo Tomás…
Um dia o Amaral todo ufano, convidou-me para ir à aula. O Mamadu tinha feito progressos. Era o melhor aluno. Lá fui, tendo presenciado o interrogatório sobre as linhas de caminho de ferro e respectivas estações. Mamadu tinha decorado tudo!
Linha do Norte, do Sul, do Oeste… Todos os ramais, estações e apeadeiros. Como ir da Pampilhosa ao Entroncamento, e de Faro à Covilhã.
Radiantes, Professor e Aluno, esperavam o meu elogio. Lembrei-me porém, de perguntar:
- Sabes o que é um Comboio?
- Alfero, nunca n´ca ódja um! – respondeu , Mamadu.
Foi a partir de então que acrescentámos o nosso desabafo de chatisse:
-Tirem-me daqui! Quero andar de Comboio”! – passámos a gritar.
Jorge Cabral
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Notas de L.G.:
(1) Vd. último post > 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa
(2) Vd. post de 6 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)
Guiné 63/74 - P1418: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (28): Sol e sangue em Gambiel
Capa do romance Barranco de Cegos, de Alves Redol. Lisboa: Portugal Editora, 1961. (Contemporânea, 29). Capa de João da Câmara Leme (Digitalização a partir de uma exemplar, autografado pelo autor, e gentilmente cedido pelo escritor Mário Braga, amigo do Mário Beja Santos).
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1968 > O Furriel Miliciano Casanova. "O Casanova é um dos meus mais agudos problemas de consciência. Chegou no final de Agosto a Missirá e, progressivamente, tornou-se o meu interino. Chegou muito triste, procurando estudar seres humanos e situações. Depois levantou voo, foi imaginativo e um grande colaborador. Distrai-me e não dei pela sua exaustão. Quando partiu com um colapso nervoso é que me apercebi do peso da sua ausência. Ele foi a minha rectaguarda, confiei-lhe as contas e a sorte dos aquartelamentos sempre que estava no mato" (BS).
Texto e foto: © Beja Santos (2006). (Com os nossos agradecimentos ao ex-furriel miliciano Luís Casanova que disponibilizou esta e outras fotos). Direitos reservados.
E segundos decidi com o Casanova partirmos a coluna, eu responder com os morteiros para os pontos de saída do fogo rebelde, enquanto se lhes fazia saber que dispúnhamos de bazucas. Vi algum temor na tropa quando um grupo vestido de caqui amarelo correu bem à nossa frente a escassas centenas de metros, do outro lado do rio. Então, exactamente naquela direcção, descarregámos todo o potencial dos nossos morteiros. Desconheço as consequências, mas vi a força rebelde espalhar-se aos gritos em todas as direcções.
Campino, o bazuqueiro, com duas pernas estilhaçadas
Os morteiros, do outro lado, confrontavam-se com as nossas bazucas, naturalmente menos eficientes. É nessa altura que Adulai Djaló e Mamadu Djau, num ímpeto, se lançaram destemidamente para junto do rio, à procura de atingir o armamento rebelde. Nisto, uma morteirada explode entre os dois, atirando-os ao chão. Mamadu Djau levantou-se logo mas Adulai parecia inanimado e a bazuca abandonada. Fomos a correr, temendo o pior. Não era o pior mas era grave. Adulai, o nosso Campino tinha as duas pernas estilhaçadas.
Usando alguns dilagramas como cortina protectora, retirámos com o nosso ferido, daqui seguimos em marcha forçada até Missirá. Com desespero, vi o dia a caminhar para o ocaso, sem poder dimensionar a gravidade dos ferimentos. Chegados a Missirá, rasgadas as calças do ferido apurou-se que eram estilhaços superficiais e que o nosso Campino resistiria perfeitamente até ao amanhecer seguinte. Ele foi prontamente evacuado e uma semana depois apareceu orgulhoso com as suas pernas enfaixadas, mostrando-se sombranceiro, minimizando a escala do acidente, desabafando mesmo:
-Isto não são ferimentos para um bazuqueiro!. - Mal sabia ele que no dia 19, em Chicri, o seu desempenho voltaria a ser importante.
É no regresso a Missirá que confirmo a lástima em que tenho a perna direita: coxeio cada vez mais e não é a primeira vez que me estatelo no capim, na lama ou na terra seca. Em Bambadinca o David Payne já me avisou que tenho que ir rapidamente à faca, pois é a exostose será gradualmente mais dolorosa. Planeámos tudo para eu me aguentar em Missirá e Finete até fins de Fevereiro (sente-se no ar que Bambadinca e Bafatá preparam uma operação no Cuor. Temos depois as obras, embora eu confie que o Casanova as acompanhe melhor do que eu.
Morre-se de malária no Cuor
Nos solavancos da roda da fortuna há outros acontecimentos que não quero omitir. Chegou um relatório acerca daquele Amadu, o madinga saracolé de Bafatá que nos apareceu em pânico em Canturé, referido aqui há semanas atrás. Afinal o ataque dos rebeldes foi já dentro do Cuor na bolanha de S. Belchior, houve três mortos e doze feridos. O mais surpreendente é que os rebeldes tiveram ao seu dispor a escassos metros da margem uma embarcação carregada de víveres.
O Capitão Baptista Neves, Comandante da CCS [do BCAÇ 2852], visitou Missirá em inspecção amigável. Prometeu duas viaturas, muito cimento mas exige abrigos levados da breca, com tectos de betão. Todos os dias fazemos desmatações, a época das chuvas está a findar, a partir de agora a natureza vai dar sinais de viço. O Furriel Pires, não satisfeito com as paredes nuas da messe decorou-os com cartazes turísticos do Algarve, reproduções de El Greco, Matisse e Delacroix. Depois, aprimorou a decoração com afirmações de Mouzinho de Albuquerque que rodeavam uma expressiva ilustração do enterro do Conde Orgaz... achei aquilo um bocado bacoco mas não reagi.
O Setúbal, um dia destes, entrou a 100 à hora na porta de armas, uma pedra manhosa fez com que o Unimog desse uma guinada cínica, o Domingos Silva, o Jobo e o Serifo andaram pelos ares. O primeiro perdeu os sentidos, o segundo rasgou os beiços, o terceiro estava glopeado da cabeça aos pés. Felizmente, não houve consequências.
Morreu um Bacari Soncó, de 30 anos, irmãozinho do régulo, vitimado pela malária e levámos a família Soncó ao choro no Cossé. Mamadu Djau, além de bazuqueiro é um homem que sofre. Entrou-me numa madrugada destas na morança com os olhos emudecidos. Soubera que um dos seus irmãos, soldado no Moricanhe, ficara volatizado quando pisou uma mina na estrada de Mansambo. Este o nosso quotidiano tranversal.
Barranco de Cegos e outras prendas do Ruy Cinatti
Nesta época, graças às prendas que o Ruy Cinatti (2) me mandou, ando de papo cheio. São leituras marcantes e registo-as num caderno que depois mando para Lisboa. Por exemplo, do Raúl de Carvalho, em Talvez Infância: "É vergonha ser forte e dar o braço a torcer; É vergonha falar de coisas que não se entendem, ou então das cosias que a gente não confessa a ninguém; não é vergonha ser pobre, e estar calado; não se queixar, ser assim: - não vês a terra, que por mais sol que faça ou chuva que encharque, fica sempre na mesma; árida, plana a toda a sua redondeza, e por mais que a gente cave ou charrue ou a revolva, fica sempre na mesma, não acaba... a gente deve ser assim como a terra".
Ou ainda Herberto Helder: "Assim uma cidade vem de longe, cantando muito baixo- e eu recebo-a em casa, ao pé do fogo. Limpo-lhe as folhas, e digo que a sua canção, entre a poeira, era bela e terrível. Aliso as penas de uma formidável morte. Branca é a europa diante da noite, soda ocidental. Grandes barcos chegam batendo as águas. Morrer cedo é como um livro onde as pessoas passem ao fundo, dormindo. Viro as páginas de noites leves. Grandes barcos chegam, batendo o coração. Morrer cansa, ao soletrar a noite de páginas distraídas".
De um livro de poemas de René Char, que o Cinatti também me mandou, sublinho de um poema: "Pour qui oeuvrent les martyrs? La grandeur réside dans le départ qui oblige. Les êtres exemplaires sont de vapeur et de vent.". Mas a leitura mais impressiva deste tempo é Barranco de Cegos, de Alves Redol, que o meu padrinho me ofereceu. É uma epopeia ribatejana, envolvendo a família Relvas, abastados lavradores com propriedades no Ribatejo e no Alentejo.
Tudo começa à volta do Ultimatum e o colapso financeiro, em 1891. Diogo Relvas, o senhor de Aldebarã, tem uma estatura literária gigantesca. Mal sabia eu que nunca voltaria a encontrar em torno do Ribatejo uma outra criação igual. É um pouco da História de Portugal, com miguelismo, marialvismo, sanha conservadora, um tirano agrário que põe e dispõe da vida dos filhos e dos trabalhadores. Com o advento da República, já envelhecido, desaparece numa torre, um neto manda embalsemá-lo e um dia numa corrente de ar desfaz-se em pó. Seria o salazarismo que Alves Redol visava também em 1961?.
As próximas semanas irão introduzir uma reviravolta nos meus projectos. Vou emboscar frente a Mero, vou receber o Comandante Chefe numa visita estranhíssima que culminará no mês seguinte numa punição. Vai haver de novo Chicri. Arrasto cada vez mais uma perna doente. No dia 1 de Fevereiro, o pelotão 52 joga uma partida de futebol com o pelotão 53, recém-chegado do Xime. Enquanto jogamos o céu escurece-se com uma força aérea que se desloca para os lados de Bafatá. Nós não sabíamos, mas ia a começar a evacuação de Madina de Boé. E Fevereiro será o mês de muita canseira em Mato de Cão, traremos um prisioneiro de Quebá Jilã e ouvirei os gritos horríveis de Fodé Dahaba em frente a Madina. É necessário, tenho que contar.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1399: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (27): Sinopse: os meus primeiros 150 dias
(2) 10 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1032: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (5): Uma carta e um poema de Ruy Cinatti
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1968 > O Furriel Miliciano Casanova. "O Casanova é um dos meus mais agudos problemas de consciência. Chegou no final de Agosto a Missirá e, progressivamente, tornou-se o meu interino. Chegou muito triste, procurando estudar seres humanos e situações. Depois levantou voo, foi imaginativo e um grande colaborador. Distrai-me e não dei pela sua exaustão. Quando partiu com um colapso nervoso é que me apercebi do peso da sua ausência. Ele foi a minha rectaguarda, confiei-lhe as contas e a sorte dos aquartelamentos sempre que estava no mato" (BS).
Texto e foto: © Beja Santos (2006). (Com os nossos agradecimentos ao ex-furriel miliciano Luís Casanova que disponibilizou esta e outras fotos). Direitos reservados.
Texto enviado pelo Mário Beja Santos em 19 de Dezembro de 2006:
Aqui vai o primeiro texto referente a 1969. Foi uma semana agitada, aquela que preludia a primeira visita de Spínola a Missirá. Creio que com as fotografias do Casanova tu ganhaste um novo fôlego ilustrativo. Por exemplo, podias aqui recorrer à fotografia do bazuqueiro Adulai Djaló. Seguirá por correio o livro Barranco de Cegos, de Alves Redol, com dedicatória do autor a Mário Braga. Eu já desesperava de o encontrar nas minhas andanças pela Feira da Ladra, e em conversa com o Mário Braga ele disse-me que cedia a obra, seguramente o grande livro do Redol. Enviar-te-ei em breve o original da minha punição, que ficará a teu cargo, como tudo mais. Tudo farei para que esta semana recebas dois textos, já que na semana de Natal vou reorganizar os primeiros 6 meses de 1969 e procurar preencher lacunas com o Casanova, o Queta Baldé e o Fodé Dahaba. Depois fujo para a floresta, para Casal dos Matos. A saga continua. Recebe um abraço do Mário.
Nas margens do rio Gambiel, fogo imprevisto entre os palmeirais
por Beja Santos
A 1 de Janeiro, a pretexto de uma coluna e acompanhamento de obras em Finete, fui à missa a Bambadinca. Mas em Canturé, bem expostas à evidência, encontrámos sinal da cabança de bovinos de Mero a caminho de Madina: as bostas, por azar de quem viajou de noite, era um eloquente testemunho bem exposto na picada.
Reorganizei o programa, o Furriel Pires (recém-chegado a Missirá para substituir o Saiegh) ficou em Finete e fui patrulhar a bolanha entre Gambicilai e Boa Esperança. A colheita não foi despicienda: três carregadores de PPSH perdidos e sinais evidentes da cambança do rio em frente da bolanha de Mero.
Um RVIS sobre um dos santuários da guerrilha
Regressámos a Missirá onde já nos esperava uma mensagem para me apresentar na manhã seguinte ao oficial de operações em Bambadinca. É então que vou ouvir pela primeira vez a palavra RVIS, ou seja fazer um patrulhamento aéreo à procura de sinais da vida militar e civil dos rebeldes.
Subimos para uma DO, atravessámos os Nhabijões, cruzámos o Geba e subimos Mato de Cão, depois Sinchã Corubal e então Madina. Sem saber ao que vinha (ou fingindo ignorar que estava a ver do ar a guerra que outros preparavam nos gabinetes), pedi ao major de operações para examinarmos mais ao pormenor o terreno a partir da região do Enxalé, e adiante de Madina, subindo em direcção ao Oio.
Os resultados foram interessantes e para mim, completamente inesperados: um entrelaçado de caminhos irradiando de Madina nas quatro direcções, quase estradas que se diluiam na floresta impenetrável, também em todas as direcções. Subindo para Norte do Cuor, pedi ao piloto para cirandar de Madina até Quebá Jilã, do rio do mesmo nome até ao rio Passa e daqui para o rio Gambiel. Não acreditava no que os meus olhos viam: as bolanhas completamente lavradas a quatro quilómetros em linha recta de Missirá. Ora, já tinhamos patrulhado Sancorlá e Salá, visto milimetricamente todo o terreno firme em direcção da Pate Gide, regressando por Cancumba, e nenhum sinal foi avistado.
Ora, saltava à evidência que toda essa grande estrada que vem de Porto Gole, passando por Enxalé, atravessando o rio Gambiel em direcção a Sare Ganã e daqui para Bafatá era muito mais utilizada pelo PAIGC do que pelas nossas tropas. Guardei para mim o assombro da revelação, sabia que aquele RVIS tinha a ver com uma operação à região de Madina para a qual não obtive nenhuma informação, parti imediatamente para Finete com um bom carregamento de materiais de construção civil e ao despontar da aurora da manhã seguinte parti com um grupo de 30 homens, dois morteiros e duas bazucas em direcção ao rio Gambiel.
A paisagem deslumbrante de Gambiel
Para quem não sabe, Gambiel é um dos sítios mais formosos do mundo. Os palmeirais estendem-se pelo rio que vai desaguar no Geba, acima da Aldeia de Cuor. São luxuriantes, de porte elevado, em declive para as bermas do rio, estendendo-se pelo horizonte desafogado. Tivemos sorte com o dia, translúcido, com pouca humidade e temperatura aceitável àquela hora. Depois de vistoriar o pontão dinamitado pelos rebeldes no início da luta armada (e que impediu as ligações directas entre Missirá e Geba e Bafatá) começámos a circundar os palmeirais do lado do Cuor, procurando identificar aquilo que na véspera vira como claramente visto na bifurcação dos regulados do Cuor, de Mansomine e Joladu.
É uma progressão dificil entre terra firme e caminhos enlameados, entre floresta cerrada e o campo descoberto. Interessava-me, em primeiro lugar, saber se a população civil que cultivava o rio Gambiel cambava em direcção a Missirá e, em segundo lugar, esclarecer se havia presença militar contínua neste recanto noroeste do Cuor. Súbito, pelo meio dia, o sol tornou-se uma fornalha, enquanto subíamos para a fronteira dos domínios do Cuor. Aí pelas 2 da tarde, ergo os binóculos e asseguro-me que os campos lavrados estão de facto no Mansomine e em toda a fronteira do Oio, não no Cuor.
Para me certificar em absoluto do que estávamos a ver, chegámos à margem da bolanha junto do rio Cuiá para depois descermos por Paté Gidé, e assim regressarmos a Missirá. É então que se ouvem três tiros de trovão e a lama despedaça-se num milhão de salpicos à nossa frente. Tínhamos sido detectados por um grupo de vigilância armada. Ou se recuava correndo o risco de estalar o pânico dentro da floresta ou se respondia com um mínimo de concerto.
Aqui vai o primeiro texto referente a 1969. Foi uma semana agitada, aquela que preludia a primeira visita de Spínola a Missirá. Creio que com as fotografias do Casanova tu ganhaste um novo fôlego ilustrativo. Por exemplo, podias aqui recorrer à fotografia do bazuqueiro Adulai Djaló. Seguirá por correio o livro Barranco de Cegos, de Alves Redol, com dedicatória do autor a Mário Braga. Eu já desesperava de o encontrar nas minhas andanças pela Feira da Ladra, e em conversa com o Mário Braga ele disse-me que cedia a obra, seguramente o grande livro do Redol. Enviar-te-ei em breve o original da minha punição, que ficará a teu cargo, como tudo mais. Tudo farei para que esta semana recebas dois textos, já que na semana de Natal vou reorganizar os primeiros 6 meses de 1969 e procurar preencher lacunas com o Casanova, o Queta Baldé e o Fodé Dahaba. Depois fujo para a floresta, para Casal dos Matos. A saga continua. Recebe um abraço do Mário.
Nas margens do rio Gambiel, fogo imprevisto entre os palmeirais
por Beja Santos
A 1 de Janeiro, a pretexto de uma coluna e acompanhamento de obras em Finete, fui à missa a Bambadinca. Mas em Canturé, bem expostas à evidência, encontrámos sinal da cabança de bovinos de Mero a caminho de Madina: as bostas, por azar de quem viajou de noite, era um eloquente testemunho bem exposto na picada.
Reorganizei o programa, o Furriel Pires (recém-chegado a Missirá para substituir o Saiegh) ficou em Finete e fui patrulhar a bolanha entre Gambicilai e Boa Esperança. A colheita não foi despicienda: três carregadores de PPSH perdidos e sinais evidentes da cambança do rio em frente da bolanha de Mero.
Um RVIS sobre um dos santuários da guerrilha
Regressámos a Missirá onde já nos esperava uma mensagem para me apresentar na manhã seguinte ao oficial de operações em Bambadinca. É então que vou ouvir pela primeira vez a palavra RVIS, ou seja fazer um patrulhamento aéreo à procura de sinais da vida militar e civil dos rebeldes.
Subimos para uma DO, atravessámos os Nhabijões, cruzámos o Geba e subimos Mato de Cão, depois Sinchã Corubal e então Madina. Sem saber ao que vinha (ou fingindo ignorar que estava a ver do ar a guerra que outros preparavam nos gabinetes), pedi ao major de operações para examinarmos mais ao pormenor o terreno a partir da região do Enxalé, e adiante de Madina, subindo em direcção ao Oio.
Os resultados foram interessantes e para mim, completamente inesperados: um entrelaçado de caminhos irradiando de Madina nas quatro direcções, quase estradas que se diluiam na floresta impenetrável, também em todas as direcções. Subindo para Norte do Cuor, pedi ao piloto para cirandar de Madina até Quebá Jilã, do rio do mesmo nome até ao rio Passa e daqui para o rio Gambiel. Não acreditava no que os meus olhos viam: as bolanhas completamente lavradas a quatro quilómetros em linha recta de Missirá. Ora, já tinhamos patrulhado Sancorlá e Salá, visto milimetricamente todo o terreno firme em direcção da Pate Gide, regressando por Cancumba, e nenhum sinal foi avistado.
Ora, saltava à evidência que toda essa grande estrada que vem de Porto Gole, passando por Enxalé, atravessando o rio Gambiel em direcção a Sare Ganã e daqui para Bafatá era muito mais utilizada pelo PAIGC do que pelas nossas tropas. Guardei para mim o assombro da revelação, sabia que aquele RVIS tinha a ver com uma operação à região de Madina para a qual não obtive nenhuma informação, parti imediatamente para Finete com um bom carregamento de materiais de construção civil e ao despontar da aurora da manhã seguinte parti com um grupo de 30 homens, dois morteiros e duas bazucas em direcção ao rio Gambiel.
A paisagem deslumbrante de Gambiel
Para quem não sabe, Gambiel é um dos sítios mais formosos do mundo. Os palmeirais estendem-se pelo rio que vai desaguar no Geba, acima da Aldeia de Cuor. São luxuriantes, de porte elevado, em declive para as bermas do rio, estendendo-se pelo horizonte desafogado. Tivemos sorte com o dia, translúcido, com pouca humidade e temperatura aceitável àquela hora. Depois de vistoriar o pontão dinamitado pelos rebeldes no início da luta armada (e que impediu as ligações directas entre Missirá e Geba e Bafatá) começámos a circundar os palmeirais do lado do Cuor, procurando identificar aquilo que na véspera vira como claramente visto na bifurcação dos regulados do Cuor, de Mansomine e Joladu.
É uma progressão dificil entre terra firme e caminhos enlameados, entre floresta cerrada e o campo descoberto. Interessava-me, em primeiro lugar, saber se a população civil que cultivava o rio Gambiel cambava em direcção a Missirá e, em segundo lugar, esclarecer se havia presença militar contínua neste recanto noroeste do Cuor. Súbito, pelo meio dia, o sol tornou-se uma fornalha, enquanto subíamos para a fronteira dos domínios do Cuor. Aí pelas 2 da tarde, ergo os binóculos e asseguro-me que os campos lavrados estão de facto no Mansomine e em toda a fronteira do Oio, não no Cuor.
Para me certificar em absoluto do que estávamos a ver, chegámos à margem da bolanha junto do rio Cuiá para depois descermos por Paté Gidé, e assim regressarmos a Missirá. É então que se ouvem três tiros de trovão e a lama despedaça-se num milhão de salpicos à nossa frente. Tínhamos sido detectados por um grupo de vigilância armada. Ou se recuava correndo o risco de estalar o pânico dentro da floresta ou se respondia com um mínimo de concerto.
E segundos decidi com o Casanova partirmos a coluna, eu responder com os morteiros para os pontos de saída do fogo rebelde, enquanto se lhes fazia saber que dispúnhamos de bazucas. Vi algum temor na tropa quando um grupo vestido de caqui amarelo correu bem à nossa frente a escassas centenas de metros, do outro lado do rio. Então, exactamente naquela direcção, descarregámos todo o potencial dos nossos morteiros. Desconheço as consequências, mas vi a força rebelde espalhar-se aos gritos em todas as direcções.
Campino, o bazuqueiro, com duas pernas estilhaçadas
Os morteiros, do outro lado, confrontavam-se com as nossas bazucas, naturalmente menos eficientes. É nessa altura que Adulai Djaló e Mamadu Djau, num ímpeto, se lançaram destemidamente para junto do rio, à procura de atingir o armamento rebelde. Nisto, uma morteirada explode entre os dois, atirando-os ao chão. Mamadu Djau levantou-se logo mas Adulai parecia inanimado e a bazuca abandonada. Fomos a correr, temendo o pior. Não era o pior mas era grave. Adulai, o nosso Campino tinha as duas pernas estilhaçadas.
Usando alguns dilagramas como cortina protectora, retirámos com o nosso ferido, daqui seguimos em marcha forçada até Missirá. Com desespero, vi o dia a caminhar para o ocaso, sem poder dimensionar a gravidade dos ferimentos. Chegados a Missirá, rasgadas as calças do ferido apurou-se que eram estilhaços superficiais e que o nosso Campino resistiria perfeitamente até ao amanhecer seguinte. Ele foi prontamente evacuado e uma semana depois apareceu orgulhoso com as suas pernas enfaixadas, mostrando-se sombranceiro, minimizando a escala do acidente, desabafando mesmo:
-Isto não são ferimentos para um bazuqueiro!. - Mal sabia ele que no dia 19, em Chicri, o seu desempenho voltaria a ser importante.
É no regresso a Missirá que confirmo a lástima em que tenho a perna direita: coxeio cada vez mais e não é a primeira vez que me estatelo no capim, na lama ou na terra seca. Em Bambadinca o David Payne já me avisou que tenho que ir rapidamente à faca, pois é a exostose será gradualmente mais dolorosa. Planeámos tudo para eu me aguentar em Missirá e Finete até fins de Fevereiro (sente-se no ar que Bambadinca e Bafatá preparam uma operação no Cuor. Temos depois as obras, embora eu confie que o Casanova as acompanhe melhor do que eu.
Morre-se de malária no Cuor
Nos solavancos da roda da fortuna há outros acontecimentos que não quero omitir. Chegou um relatório acerca daquele Amadu, o madinga saracolé de Bafatá que nos apareceu em pânico em Canturé, referido aqui há semanas atrás. Afinal o ataque dos rebeldes foi já dentro do Cuor na bolanha de S. Belchior, houve três mortos e doze feridos. O mais surpreendente é que os rebeldes tiveram ao seu dispor a escassos metros da margem uma embarcação carregada de víveres.
O Capitão Baptista Neves, Comandante da CCS [do BCAÇ 2852], visitou Missirá em inspecção amigável. Prometeu duas viaturas, muito cimento mas exige abrigos levados da breca, com tectos de betão. Todos os dias fazemos desmatações, a época das chuvas está a findar, a partir de agora a natureza vai dar sinais de viço. O Furriel Pires, não satisfeito com as paredes nuas da messe decorou-os com cartazes turísticos do Algarve, reproduções de El Greco, Matisse e Delacroix. Depois, aprimorou a decoração com afirmações de Mouzinho de Albuquerque que rodeavam uma expressiva ilustração do enterro do Conde Orgaz... achei aquilo um bocado bacoco mas não reagi.
O Setúbal, um dia destes, entrou a 100 à hora na porta de armas, uma pedra manhosa fez com que o Unimog desse uma guinada cínica, o Domingos Silva, o Jobo e o Serifo andaram pelos ares. O primeiro perdeu os sentidos, o segundo rasgou os beiços, o terceiro estava glopeado da cabeça aos pés. Felizmente, não houve consequências.
Morreu um Bacari Soncó, de 30 anos, irmãozinho do régulo, vitimado pela malária e levámos a família Soncó ao choro no Cossé. Mamadu Djau, além de bazuqueiro é um homem que sofre. Entrou-me numa madrugada destas na morança com os olhos emudecidos. Soubera que um dos seus irmãos, soldado no Moricanhe, ficara volatizado quando pisou uma mina na estrada de Mansambo. Este o nosso quotidiano tranversal.
Barranco de Cegos e outras prendas do Ruy Cinatti
Nesta época, graças às prendas que o Ruy Cinatti (2) me mandou, ando de papo cheio. São leituras marcantes e registo-as num caderno que depois mando para Lisboa. Por exemplo, do Raúl de Carvalho, em Talvez Infância: "É vergonha ser forte e dar o braço a torcer; É vergonha falar de coisas que não se entendem, ou então das cosias que a gente não confessa a ninguém; não é vergonha ser pobre, e estar calado; não se queixar, ser assim: - não vês a terra, que por mais sol que faça ou chuva que encharque, fica sempre na mesma; árida, plana a toda a sua redondeza, e por mais que a gente cave ou charrue ou a revolva, fica sempre na mesma, não acaba... a gente deve ser assim como a terra".
Ou ainda Herberto Helder: "Assim uma cidade vem de longe, cantando muito baixo- e eu recebo-a em casa, ao pé do fogo. Limpo-lhe as folhas, e digo que a sua canção, entre a poeira, era bela e terrível. Aliso as penas de uma formidável morte. Branca é a europa diante da noite, soda ocidental. Grandes barcos chegam batendo as águas. Morrer cedo é como um livro onde as pessoas passem ao fundo, dormindo. Viro as páginas de noites leves. Grandes barcos chegam, batendo o coração. Morrer cansa, ao soletrar a noite de páginas distraídas".
De um livro de poemas de René Char, que o Cinatti também me mandou, sublinho de um poema: "Pour qui oeuvrent les martyrs? La grandeur réside dans le départ qui oblige. Les êtres exemplaires sont de vapeur et de vent.". Mas a leitura mais impressiva deste tempo é Barranco de Cegos, de Alves Redol, que o meu padrinho me ofereceu. É uma epopeia ribatejana, envolvendo a família Relvas, abastados lavradores com propriedades no Ribatejo e no Alentejo.
Tudo começa à volta do Ultimatum e o colapso financeiro, em 1891. Diogo Relvas, o senhor de Aldebarã, tem uma estatura literária gigantesca. Mal sabia eu que nunca voltaria a encontrar em torno do Ribatejo uma outra criação igual. É um pouco da História de Portugal, com miguelismo, marialvismo, sanha conservadora, um tirano agrário que põe e dispõe da vida dos filhos e dos trabalhadores. Com o advento da República, já envelhecido, desaparece numa torre, um neto manda embalsemá-lo e um dia numa corrente de ar desfaz-se em pó. Seria o salazarismo que Alves Redol visava também em 1961?.
As próximas semanas irão introduzir uma reviravolta nos meus projectos. Vou emboscar frente a Mero, vou receber o Comandante Chefe numa visita estranhíssima que culminará no mês seguinte numa punição. Vai haver de novo Chicri. Arrasto cada vez mais uma perna doente. No dia 1 de Fevereiro, o pelotão 52 joga uma partida de futebol com o pelotão 53, recém-chegado do Xime. Enquanto jogamos o céu escurece-se com uma força aérea que se desloca para os lados de Bafatá. Nós não sabíamos, mas ia a começar a evacuação de Madina de Boé. E Fevereiro será o mês de muita canseira em Mato de Cão, traremos um prisioneiro de Quebá Jilã e ouvirei os gritos horríveis de Fodé Dahaba em frente a Madina. É necessário, tenho que contar.
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1399: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (27): Sinopse: os meus primeiros 150 dias
(2) 10 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1032: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (5): Uma carta e um poema de Ruy Cinatti
terça-feira, 9 de janeiro de 2007
Guiné 63/74 - P1417: Solidário contigo, Pepito (José Martins)
Caro Pepito:
Soube através do mail do Luís Graça o que se passou com a tua querida filha.
Posso imaginar, porque também sou Pai.
Também é triste o que se passa com a nossa querida Guiné.
Que podemos fazer, além de denunciar e continuar a amar esse povo, do
qual, tu e a tua família fazem parte?
Um forte abraço do
José Martins
Soube através do mail do Luís Graça o que se passou com a tua querida filha.
Posso imaginar, porque também sou Pai.
Também é triste o que se passa com a nossa querida Guiné.
Que podemos fazer, além de denunciar e continuar a amar esse povo, do
qual, tu e a tua família fazem parte?
Um forte abraço do
José Martins
Guiné 63/74 - P1416: Catarina e Carlos Schwarz, a Força da Razão (Torcato Mendonça)
Mensagem de Torcato Mendonça, de solidariedade para com a luso-guineense Catarina Ribeiro Schwarz da Silva, e para com o seu pai, o nosso querido amigo Pepito:
Minha Amiga, permita que a trate assim, a Guiné-Bissau precisa de si. África precisa de pessoas como você.
Os cobardes que a agrediram não são Militares, não são dignos de envergarem uma farda. Um dia, esperemos que o mais breve possível, terão o castigo devido. Eu espero. De tal modo que desesperei… hoje volto a acreditar. Os tiranos, os senhores de poderes ilegítimos, vão ter, aí ou noutro lugar qualquer, sempre, o castigo condizente com a sua malvadez. Não os tema, tenha cuidado. Enfrentar frontalmente um cobarde é desesperante para ele. E um dia cai vencido…
Um braço solidário. A Força da Razão Vencerá.
Um abraço para si, Carlos Scharz: tratarem-nos mal um filho é terrível. Obrigado a vocês pelo que fazem pela Guiné e África. Curiosamente trato o meu filho mais velho, Pedro, por Pepito.
Um forte abraço solidário a vocês e a todos os que lutam, nessa terra bela, vermelha e ardente, para ter um futuro digno para todos os seus filhos.
Não sou ninguém, fui militar aí e costumo ler o blogue do Luís Graça. Ele que me perdoe ter escrito directamente...Actos destes revoltam-me e ainda mexem comigo.
Um forte abraço de solidariedade do,
Torcato Mendonça
Apartado 43,
6230-909 Fundão
Minha Amiga, permita que a trate assim, a Guiné-Bissau precisa de si. África precisa de pessoas como você.
Os cobardes que a agrediram não são Militares, não são dignos de envergarem uma farda. Um dia, esperemos que o mais breve possível, terão o castigo devido. Eu espero. De tal modo que desesperei… hoje volto a acreditar. Os tiranos, os senhores de poderes ilegítimos, vão ter, aí ou noutro lugar qualquer, sempre, o castigo condizente com a sua malvadez. Não os tema, tenha cuidado. Enfrentar frontalmente um cobarde é desesperante para ele. E um dia cai vencido…
Um braço solidário. A Força da Razão Vencerá.
Um abraço para si, Carlos Scharz: tratarem-nos mal um filho é terrível. Obrigado a vocês pelo que fazem pela Guiné e África. Curiosamente trato o meu filho mais velho, Pedro, por Pepito.
Um forte abraço solidário a vocês e a todos os que lutam, nessa terra bela, vermelha e ardente, para ter um futuro digno para todos os seus filhos.
Não sou ninguém, fui militar aí e costumo ler o blogue do Luís Graça. Ele que me perdoe ter escrito directamente...Actos destes revoltam-me e ainda mexem comigo.
Um forte abraço de solidariedade do,
Torcato Mendonça
Apartado 43,
6230-909 Fundão
Guiné 63/74 - P1415: Blogoterapia (13): Literatura de guerra (Jorge Cabral)
Caro Luís,
Cá continuo a acompanhar o nosso blogue, o qual se desenvolveu e diversificou, transformando-se num amplíssimo forum, onde podemos encontrar quase tudo, até a informação sobre as preferências literárias do Camarada Beja Santos, as quais são importantes para o compreender enquanto jovem e abnegado combatente. Claro que nada elucidam sobre o quotidiano típico dos nossos Soldados, que nunca leram Norman Mailer, o que se calhar não lhes fez falta nenhuma.
Fosse esta uma Tertúlia Literária, e eu comentaria que a grande obra de Mailer não é "As Praias da Barbária", mas sim o portentoso romance de guerra "Os Nus e os Mortos", o que contraria a ideia expressa por Lobo Antunes, de que escrevem melhor sobre a guerra os que a não fizeram.
É que Norman Mailer serviu na 2ª Guerra Mundial, tendo sido segundo ele próprio, um "soldado banalíssimo", orientador de artilharia, sapador e cozinheiro. Talvez o grande romance português sobre a guerra colonial, ainda esteja à espera, de um banalissimo soldado...
É verdade porém que a nossa guerra vai entrando na ficção. Leia-se por exemplo "Longe de Manaus", cuja personagem principal é o detective Jaime Ramos, ex-alferes na Guiné. Aí nos surgem locais que conhecemos, Bafatá, Bambadinca, Mansoa, Bissorã, etc.
Chega porém de Literatura! Fui o alfero Cabral, com ou sem leituras, e garanto que nunca discuti prosa ou poesia, com os meus soldados ou com a população, embora tivesse sido dado a outras artes com as bajudas...
Abraço Grande
Jorge
PS - Junto estória.
Cá continuo a acompanhar o nosso blogue, o qual se desenvolveu e diversificou, transformando-se num amplíssimo forum, onde podemos encontrar quase tudo, até a informação sobre as preferências literárias do Camarada Beja Santos, as quais são importantes para o compreender enquanto jovem e abnegado combatente. Claro que nada elucidam sobre o quotidiano típico dos nossos Soldados, que nunca leram Norman Mailer, o que se calhar não lhes fez falta nenhuma.
Fosse esta uma Tertúlia Literária, e eu comentaria que a grande obra de Mailer não é "As Praias da Barbária", mas sim o portentoso romance de guerra "Os Nus e os Mortos", o que contraria a ideia expressa por Lobo Antunes, de que escrevem melhor sobre a guerra os que a não fizeram.
É que Norman Mailer serviu na 2ª Guerra Mundial, tendo sido segundo ele próprio, um "soldado banalíssimo", orientador de artilharia, sapador e cozinheiro. Talvez o grande romance português sobre a guerra colonial, ainda esteja à espera, de um banalissimo soldado...
É verdade porém que a nossa guerra vai entrando na ficção. Leia-se por exemplo "Longe de Manaus", cuja personagem principal é o detective Jaime Ramos, ex-alferes na Guiné. Aí nos surgem locais que conhecemos, Bafatá, Bambadinca, Mansoa, Bissorã, etc.
Chega porém de Literatura! Fui o alfero Cabral, com ou sem leituras, e garanto que nunca discuti prosa ou poesia, com os meus soldados ou com a população, embora tivesse sido dado a outras artes com as bajudas...
Abraço Grande
Jorge
PS - Junto estória.
Guiné 63/74 - P1414: Eles (os inimigos do nosso povo) não passarão! (Pepito)
Lisboa > UNL/ENSP > Julho de 2006 > O Pepito, na última visita que me fez, na Escola Nacional de Saúde Pública, em reunião de trabalho a que se associou o Zé Neto e o Nuno Rubim.
Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.
Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.
Mensagem do Pepito, pai da Catarina Ribeiro, membro da nossa tertúlia e director da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, enviada de Bissau às 16h53:
Amigo Luís:
A tua solidariedade e dos nossos amigos da Tertúlia (1) é o melhor que nos pode acontecer, à minha filha e a mim. Aliás, nem calculas a quantidade de amigos de cá, de populares, alguns desconhecidos, que nos têm transmitido a força da solidariedade. "Eles" não sabem nem sonham a força que tem um abraço amigo, como o coração se aperta tanto pelos amigos à nossa volta, a confiança que dá para continuarmos a dizer NÃO aqueles que querem construir um país a soco, tiro e pontapé.
Dói muito mais quando atingem os nossos filhos em vez de nós próprios. É o pior que pode acontecer! Nem calculas as ideias terríveis que passam pela cabeça de um homem. Embora o tempo ajude a apaziguar a alma, é a confiança de os poder ver um dia de rastos, fora do poder, a implorar inocência.
A história ensinou-me que os cobardes são os piores tiranos, pois só são corajosos enquanto mandantes escondidos sem a ombridade de se assumirem frontalmente. Inauditamente, na nossa Guiné-Bissau, assiste-se ao mandante enviar os seus capitães-de-mato, vir condenar os assassinatos que ele próprio ordenou...
A todos os amigos da nossa Tertúlia vai um emocionado abraço meu, que tenho a certeza ser tambem o de todos os amigos que cá deixaram e que sonham com um país em que um dia valha a pena viver.
pepito
PS:
1. email da minha filha: catarina.schwarz@gmail.com
2. agradeço muito a tua disponibilidade em divulgar este assunto no blogue, o que muito me sensibiliza.
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 9 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1413: Catarina Ribeiro Schwarz e Carlos Schwarz (Pepito): É importante que saibam que não estão sós! (Luís Graça & Camaradas da Guiné)
Amigo Luís:
A tua solidariedade e dos nossos amigos da Tertúlia (1) é o melhor que nos pode acontecer, à minha filha e a mim. Aliás, nem calculas a quantidade de amigos de cá, de populares, alguns desconhecidos, que nos têm transmitido a força da solidariedade. "Eles" não sabem nem sonham a força que tem um abraço amigo, como o coração se aperta tanto pelos amigos à nossa volta, a confiança que dá para continuarmos a dizer NÃO aqueles que querem construir um país a soco, tiro e pontapé.
Dói muito mais quando atingem os nossos filhos em vez de nós próprios. É o pior que pode acontecer! Nem calculas as ideias terríveis que passam pela cabeça de um homem. Embora o tempo ajude a apaziguar a alma, é a confiança de os poder ver um dia de rastos, fora do poder, a implorar inocência.
A história ensinou-me que os cobardes são os piores tiranos, pois só são corajosos enquanto mandantes escondidos sem a ombridade de se assumirem frontalmente. Inauditamente, na nossa Guiné-Bissau, assiste-se ao mandante enviar os seus capitães-de-mato, vir condenar os assassinatos que ele próprio ordenou...
A todos os amigos da nossa Tertúlia vai um emocionado abraço meu, que tenho a certeza ser tambem o de todos os amigos que cá deixaram e que sonham com um país em que um dia valha a pena viver.
pepito
PS:
1. email da minha filha: catarina.schwarz@gmail.com
2. agradeço muito a tua disponibilidade em divulgar este assunto no blogue, o que muito me sensibiliza.
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 9 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1413: Catarina Ribeiro Schwarz e Carlos Schwarz (Pepito): É importante que saibam que não estão sós! (Luís Graça & Camaradas da Guiné)
Guiné 63/74 - P1413: Catarina Ribeiro Schwarz e Carlos Schwarz (Pepito): É importante que saibam que não estão sós! (Luís Graça & Camaradas da Guiné)
Guiné-Bissau > Bissau > AD-Acção para o Desenvolvimento > Janeiro de 2007 > Foto da semana > "Integrado na comemoração do seu XVº Aniversário, a AD acaba de lançar uma colecção de 9 bilhetes postais incluindo fotografias doadas pelo fotografo profissional Ernst Schade, das quais uma delas é esta que retrata as mulheres pescadoras do rio Cadique, na região de Cantanhez, sul da Guiné-Bissau.
A pesca de bolanha é uma actividade determinante para a segurança alimentar das famílias desta zona que com ela asseguram, ao longo do ano, uma parte importante dos recursos proteicos da sua alimentação.
Foto: © Ernst Schade / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007) (com a devida vénia...).
Mensagem que enviei hoje ao Pepito(Carlos Schwarz) e à sua filha, Catarina Ribeiro, em meu nome e da nossa tertúlia:
Meu/nosso querido amigo e irmão Pepito:
Soube, pelo Nuno Rubim, que o final do ano de 2006 e o início do 2007 não foram portadores de bons augúrios para ti, a tua família, o povo da tua terra… Soube, por ele (e já li na Net a notícia da Lusa, e comentários em dois ou três blogues), que a tua filha Catarina Ribeiro Schwarz da Silva foi vítima de agressão por parte de uns energúmenos que representavam (!) o Estado guineense, no passado mês de Dezembro, à saída de Quinhamel (1).
Lamento-o profundamente, por ela e por ti que, como pai, estás a sofrer muito com isso... Sei que a situação foi denunciada publicamente aí na Guiné, pela Liga dos Direitos Humanos. Mas, no nosso blogue, também queremos manifestar-te, a ti e a ela, a nossa solidariedade, a nossa preocupação...
Os últimos acontecimentos no Bairro Militar, na sequência do cobarde ataque, à porta de casa, de que resultou a morte do antigo Chefe do Estado Maior da Armada e antigo guerrilheiro Laminé Sanhá, são motivo, entre nós, de preocupação pela tua segurança, e pela continuidade dos teus projectos, e até pelo futuro da Guiné como país livre e independente.
Inquieta-nos profundamente o que está a passar no teu país, neste últimos dias, nestas últimas semanas, nestes últimos meses, nestes últimos anos...
Diz-nos o que podemos fazer por ti. Dá-me também o mail da tua filha (que, pelo currículo, verifico ter estudado no ISCTE, na minha escola, tendo tirado psicologia social e das organizações) (1). Gostaria de dar-lhe uma palavrinha de conforto.
A nossa ideia é, em 2007, termos uma maior intervenção cívica, enquanto grupo e tertúlia, em relação ao que se passa no teu país... Nenhum de nós, que combateu na Guiné e faz questão de ser amigo do povo da Guiné, está disposto a ver, de braços cruzados, o desvanecer de tantos sonhos e esperanças. Somos uma geração de combatentes e vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que os nossos amigos e irmãos da Guiné-Bissau tenham orgulho no seu país e nas autoridades que os representam, continuem a ter esperança no futuro, continuem a fazer parte da humanidade... Que os amigos e os irmãos são mesmo para as ocasiões!
Recebe um grande abraço do Luís Graça e demais camaradas e amigos da Guiné, que te admiram (aqueles que já tiveram o privilégio de te conhecer pessoalmente ou que já ouviram falar de ti e da tua obra, à frente da AD - Acção para o Desenvolvimento). É importante que tu saibas que não estás só, mesmo a milhares de quilómetros de distância. Força para ti, para a Catarina, para a tua família, para os teus colaboradores. Força para todos os homens e mulheres da Guiné que acreditam nos valores da democracia, da liberdade, dos direitos humanos, da paz, da sã convivência entre os povos.
Eles (os inimigos do teu povo, os inimigos da Guiné) não passarão!
Luís Graça & Camaradas da Guiné
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. os seguintes sítios e blogues na Net:
Africanidades, blogue do Jorge Rosmaninho > 11.12.06 > Liga Direitos Humanos Condena Agressão de Militares a Portuguesa
Guiné-Bissau: LGDH acusa soldados de uso de força excessiva >
Próxima Estação > 12 de Dezembro de 2006 > Estou com um ódio de morte…
Guia dos Recursos Humanos das ONG da Guiné-Bissau, de Braima Dabo e Catarina Ribeiro
A pesca de bolanha é uma actividade determinante para a segurança alimentar das famílias desta zona que com ela asseguram, ao longo do ano, uma parte importante dos recursos proteicos da sua alimentação.
Foto: © Ernst Schade / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007) (com a devida vénia...).
Mensagem que enviei hoje ao Pepito(Carlos Schwarz) e à sua filha, Catarina Ribeiro, em meu nome e da nossa tertúlia:
Meu/nosso querido amigo e irmão Pepito:
Soube, pelo Nuno Rubim, que o final do ano de 2006 e o início do 2007 não foram portadores de bons augúrios para ti, a tua família, o povo da tua terra… Soube, por ele (e já li na Net a notícia da Lusa, e comentários em dois ou três blogues), que a tua filha Catarina Ribeiro Schwarz da Silva foi vítima de agressão por parte de uns energúmenos que representavam (!) o Estado guineense, no passado mês de Dezembro, à saída de Quinhamel (1).
Lamento-o profundamente, por ela e por ti que, como pai, estás a sofrer muito com isso... Sei que a situação foi denunciada publicamente aí na Guiné, pela Liga dos Direitos Humanos. Mas, no nosso blogue, também queremos manifestar-te, a ti e a ela, a nossa solidariedade, a nossa preocupação...
Os últimos acontecimentos no Bairro Militar, na sequência do cobarde ataque, à porta de casa, de que resultou a morte do antigo Chefe do Estado Maior da Armada e antigo guerrilheiro Laminé Sanhá, são motivo, entre nós, de preocupação pela tua segurança, e pela continuidade dos teus projectos, e até pelo futuro da Guiné como país livre e independente.
Inquieta-nos profundamente o que está a passar no teu país, neste últimos dias, nestas últimas semanas, nestes últimos meses, nestes últimos anos...
Diz-nos o que podemos fazer por ti. Dá-me também o mail da tua filha (que, pelo currículo, verifico ter estudado no ISCTE, na minha escola, tendo tirado psicologia social e das organizações) (1). Gostaria de dar-lhe uma palavrinha de conforto.
A nossa ideia é, em 2007, termos uma maior intervenção cívica, enquanto grupo e tertúlia, em relação ao que se passa no teu país... Nenhum de nós, que combateu na Guiné e faz questão de ser amigo do povo da Guiné, está disposto a ver, de braços cruzados, o desvanecer de tantos sonhos e esperanças. Somos uma geração de combatentes e vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que os nossos amigos e irmãos da Guiné-Bissau tenham orgulho no seu país e nas autoridades que os representam, continuem a ter esperança no futuro, continuem a fazer parte da humanidade... Que os amigos e os irmãos são mesmo para as ocasiões!
Recebe um grande abraço do Luís Graça e demais camaradas e amigos da Guiné, que te admiram (aqueles que já tiveram o privilégio de te conhecer pessoalmente ou que já ouviram falar de ti e da tua obra, à frente da AD - Acção para o Desenvolvimento). É importante que tu saibas que não estás só, mesmo a milhares de quilómetros de distância. Força para ti, para a Catarina, para a tua família, para os teus colaboradores. Força para todos os homens e mulheres da Guiné que acreditam nos valores da democracia, da liberdade, dos direitos humanos, da paz, da sã convivência entre os povos.
Eles (os inimigos do teu povo, os inimigos da Guiné) não passarão!
Luís Graça & Camaradas da Guiné
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. os seguintes sítios e blogues na Net:
Africanidades, blogue do Jorge Rosmaninho > 11.12.06 > Liga Direitos Humanos Condena Agressão de Militares a Portuguesa
Guiné-Bissau: LGDH acusa soldados de uso de força excessiva >
Próxima Estação > 12 de Dezembro de 2006 > Estou com um ódio de morte…
Guia dos Recursos Humanos das ONG da Guiné-Bissau, de Braima Dabo e Catarina Ribeiro
Guiné 63/74 - P1412: A minitertúlia de Matosinhos e... Leça da Palmeira (Carlos Vinhal / Xico Allen)
Matosinhos > Porto de Leixões > Casa Teresa > 27 de Dezembro de 2006 > A nossa minitertúlia: Da esquerda para a direita: o Xico Allen (que vive em Lavadores, V.N. Gaia), o Carlos Vinhais (que é de Leça), o Zé Teixeira (que é da Senhora da Hora), o Luís Graça (que é de Alfragide, Amadora) e o Marques Lopes (que também é da Senhora da Hora, Matosinhos).
Foto: © Xico Allen / A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados
Matosinhos > Porto de Leixões > Casa Teresa > 27 de Dezembro de 2006 > A nossa minitertúlia: Ds esquerda para a direita, o Xico Allen, o Carlos Vinhal, o Teixeira (não faz parte da tertúlia, mas esteve também na Guiné como oficial miliciano), o Zé Teixeira, o Luís Graça, o Marques Lopes, o Santos e o Samúdio.
Foto: © Xico Allen / A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.
Texto do Carlos Vinhal.
Fotos do Xico Allen, enviadas pelo A. Marques Lopes, já que o Xico Allen não tem mail.
Caríssimo Luís:
Que tenhas tido a felicidade de viveres umas Festas alegres junto dos teus, pelas lindas terra do Norte, é o meu desejo.
É inevitável que me refira à tua presença em Matosinhos quando nos deste a honra da tua companhia no almoço do dia 27 de Dezembro (1). Fiquei muito contente por visitares a terra que me adoptou.
Numa próxima vez, com um pouco de organização e tempo, podíamos propriciar-te, caso não conheças estes arredores, um pequeno passeio turístico pelo Concelho de Matosinhos.
Temos em Leça da Palmeira um bonito Museu com obras expostas dos pintores da terra, Agostinho Salgado (1905-1967) e Augusto Gomes (1910-1976) , além de António Carneiro que sendo amarantino (1872-1930) também se inspirou nas paisagens de Leça.
Em Leça da Palmeira viveu e está sepultado o poeta António Nobre. Também aqui viveu, morreu e está sepultado Óscar da Silva, músico e compositor, contemporâneo da célebre violoncelista Guilhermina Fuggia com quem ele aliás chegou a tocar.
Em Matosinhos viveu a poetisa Florbela Espanca. Notável matosinhense é Siza Vieira (1933) que toda a gente conhece. Haverá mais notáveis dos quais não me lembro de momento, além de outros mais conhecidos só a nível local.
Destes últimos tenho que realçar Jorge Bento (1915-2004) figura incontornável da cultura leceira que tem editados imensos livros sobre Leça da Palmeira, suas gentes, costumes e monumentos. Quando nós éramos ainda muito pequenos, punha-nos a ouvir o Lago dos Cisnes e outras obras clássicas no Salão Paroquial, nos intervalos do cinema. Ele próprio organizava grupos de teatro, pintava cenários e cartazes. Uma figura multifacetada que deixou saudades. Felizmente já tem uma rua com o seu nome cá na freguesia.
Matosinhos tem uma Igreja Matriz com traço de Nicolau Nasoni, estilo Barroco, cujo Altar-Mor exibe uma talha dourada digna de ser admirada. Lá podemos ver a célebre imagem do Senhor de Matosinhos, atribuída a Nicodemos.
A futura Ponte Móvel, que substituirá em breve a que porventura terás visto e que liga Matosinhos a Leça da Palmeira, será o 4.º maior vão do mundo, no género.
Não se pode esquecer uma visita ao novo aeroporto Sá Carneiro todo em linhas futuristas.
Em Leça do Balio podemos ver o austero Mosteiro onde casou D.Fernando I com D. Leonor Telles de Menezes.
Mais para norte, encontramos o meu concelho de nascimento, Vila do Conde. Esta é uma cidadezinha muito bonita e asseada onde podemos ver o majestoso Convento de Santa Clara e o aqueduto que levava a água até lá; podemos ainda ver a Igreja Matriz (século XVI ou XVII), Pelourinho, a zona histórica onde encontramos a Casa do Vinhal (Museu das Rendas de Bilros e com a qual não tenho nada a ver), etc.
Na minha freguesia natal, Azurara, podemos ver a igreja matriz começada no século XVI, onde eu iria ser baptizado um pouco mais tarde, 12ABR1948.
Muito para ver.
Luís, queria contactar o Xico Allen, mas reparei que não tenho o contacto dele e não o encontro na lista dos tertulianos. Se ele não faz questão de manter secreto o seu endereço, peço-te o favor de mo mandares, para eu lhe pedir que me envie as fotos do nosso almoço.
Desculpa o tempo que te roubei. Um Novo Ano cheio de êxitos.
Recebe um abraço do amigo
Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá 1970/72
Leça da Palmeira
Telemóvel > 916032220
Comentário de L.G.:
Obrigado, Carlos. És um guia excepcional e um homem que ama a a terra onde vive e que, como tu muito bem me explicaste, é a cidade de Matosinhos... & Leça da Palmeira (!)., uma terra com carácter, história e património (natural e cultural).
As fotografias que me pedes, aqui estão. Obrigado ao Xico Allen e ao Marques Lopes. Aproveito para te dizer que o Xico faz questão de, como Jesus Critso, não ter mail nem computador, vendo o nosso blogue na casa dos amigos... Diz ele que se fartou de computadores quando trabalhava na Caixa Geral de Depósitos. E do que gosta mesmo é pôr-se a caminho da Guiné, através as areais do deserto...
De qualquer modo, sabes onde encontrar estes amigos, às 4ªas feiras, à hora do almoço, na Casa Teresa, frente ao Porto de Leixões. Um belo sítio para quem gosta da boa mesa, do bom peixe e de dois dedos de conversa entre amigos e camaradas da Guiné. L.G.
______
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 29 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1393: Saudações tertulianas na chegada do novo ano de 2007 (1) : Luís Graça / Pedro Lauret
(...) "Na quarta-feira passada, tive o privilégio de estar com a nossa minitertúlia de Matosinhos: o A. Marques Lopes, o Xico Allen, o Zé Teixeira, o Carlos Vinhal e o Samúdio (um Gringo de Guileje que conheci agora pessoalmente e que é do tempo de escola do Carlos Vinhal). Almoçámos todos numa simpática tasca, a Casa Teresa, junto ao Porto de Leixões. Faltou o Albano, que estava adoentado. Falei com ele pelo telefone. Esteve também o Santos, que não é ainda da nossa tertúlia, e que esteve em Guileje com o José Casimiro Carvalho (que vive na Maia)" (...).
Foto: © Xico Allen / A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados
Matosinhos > Porto de Leixões > Casa Teresa > 27 de Dezembro de 2006 > A nossa minitertúlia: Ds esquerda para a direita, o Xico Allen, o Carlos Vinhal, o Teixeira (não faz parte da tertúlia, mas esteve também na Guiné como oficial miliciano), o Zé Teixeira, o Luís Graça, o Marques Lopes, o Santos e o Samúdio.
Foto: © Xico Allen / A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.
Texto do Carlos Vinhal.
Fotos do Xico Allen, enviadas pelo A. Marques Lopes, já que o Xico Allen não tem mail.
Caríssimo Luís:
Que tenhas tido a felicidade de viveres umas Festas alegres junto dos teus, pelas lindas terra do Norte, é o meu desejo.
É inevitável que me refira à tua presença em Matosinhos quando nos deste a honra da tua companhia no almoço do dia 27 de Dezembro (1). Fiquei muito contente por visitares a terra que me adoptou.
Numa próxima vez, com um pouco de organização e tempo, podíamos propriciar-te, caso não conheças estes arredores, um pequeno passeio turístico pelo Concelho de Matosinhos.
Temos em Leça da Palmeira um bonito Museu com obras expostas dos pintores da terra, Agostinho Salgado (1905-1967) e Augusto Gomes (1910-1976) , além de António Carneiro que sendo amarantino (1872-1930) também se inspirou nas paisagens de Leça.
Em Leça da Palmeira viveu e está sepultado o poeta António Nobre. Também aqui viveu, morreu e está sepultado Óscar da Silva, músico e compositor, contemporâneo da célebre violoncelista Guilhermina Fuggia com quem ele aliás chegou a tocar.
Em Matosinhos viveu a poetisa Florbela Espanca. Notável matosinhense é Siza Vieira (1933) que toda a gente conhece. Haverá mais notáveis dos quais não me lembro de momento, além de outros mais conhecidos só a nível local.
Destes últimos tenho que realçar Jorge Bento (1915-2004) figura incontornável da cultura leceira que tem editados imensos livros sobre Leça da Palmeira, suas gentes, costumes e monumentos. Quando nós éramos ainda muito pequenos, punha-nos a ouvir o Lago dos Cisnes e outras obras clássicas no Salão Paroquial, nos intervalos do cinema. Ele próprio organizava grupos de teatro, pintava cenários e cartazes. Uma figura multifacetada que deixou saudades. Felizmente já tem uma rua com o seu nome cá na freguesia.
Matosinhos tem uma Igreja Matriz com traço de Nicolau Nasoni, estilo Barroco, cujo Altar-Mor exibe uma talha dourada digna de ser admirada. Lá podemos ver a célebre imagem do Senhor de Matosinhos, atribuída a Nicodemos.
A futura Ponte Móvel, que substituirá em breve a que porventura terás visto e que liga Matosinhos a Leça da Palmeira, será o 4.º maior vão do mundo, no género.
Não se pode esquecer uma visita ao novo aeroporto Sá Carneiro todo em linhas futuristas.
Em Leça do Balio podemos ver o austero Mosteiro onde casou D.Fernando I com D. Leonor Telles de Menezes.
Mais para norte, encontramos o meu concelho de nascimento, Vila do Conde. Esta é uma cidadezinha muito bonita e asseada onde podemos ver o majestoso Convento de Santa Clara e o aqueduto que levava a água até lá; podemos ainda ver a Igreja Matriz (século XVI ou XVII), Pelourinho, a zona histórica onde encontramos a Casa do Vinhal (Museu das Rendas de Bilros e com a qual não tenho nada a ver), etc.
Na minha freguesia natal, Azurara, podemos ver a igreja matriz começada no século XVI, onde eu iria ser baptizado um pouco mais tarde, 12ABR1948.
Muito para ver.
Luís, queria contactar o Xico Allen, mas reparei que não tenho o contacto dele e não o encontro na lista dos tertulianos. Se ele não faz questão de manter secreto o seu endereço, peço-te o favor de mo mandares, para eu lhe pedir que me envie as fotos do nosso almoço.
Desculpa o tempo que te roubei. Um Novo Ano cheio de êxitos.
Recebe um abraço do amigo
Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá 1970/72
Leça da Palmeira
Telemóvel > 916032220
Comentário de L.G.:
Obrigado, Carlos. És um guia excepcional e um homem que ama a a terra onde vive e que, como tu muito bem me explicaste, é a cidade de Matosinhos... & Leça da Palmeira (!)., uma terra com carácter, história e património (natural e cultural).
As fotografias que me pedes, aqui estão. Obrigado ao Xico Allen e ao Marques Lopes. Aproveito para te dizer que o Xico faz questão de, como Jesus Critso, não ter mail nem computador, vendo o nosso blogue na casa dos amigos... Diz ele que se fartou de computadores quando trabalhava na Caixa Geral de Depósitos. E do que gosta mesmo é pôr-se a caminho da Guiné, através as areais do deserto...
De qualquer modo, sabes onde encontrar estes amigos, às 4ªas feiras, à hora do almoço, na Casa Teresa, frente ao Porto de Leixões. Um belo sítio para quem gosta da boa mesa, do bom peixe e de dois dedos de conversa entre amigos e camaradas da Guiné. L.G.
______
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 29 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1393: Saudações tertulianas na chegada do novo ano de 2007 (1) : Luís Graça / Pedro Lauret
(...) "Na quarta-feira passada, tive o privilégio de estar com a nossa minitertúlia de Matosinhos: o A. Marques Lopes, o Xico Allen, o Zé Teixeira, o Carlos Vinhal e o Samúdio (um Gringo de Guileje que conheci agora pessoalmente e que é do tempo de escola do Carlos Vinhal). Almoçámos todos numa simpática tasca, a Casa Teresa, junto ao Porto de Leixões. Faltou o Albano, que estava adoentado. Falei com ele pelo telefone. Esteve também o Santos, que não é ainda da nossa tertúlia, e que esteve em Guileje com o José Casimiro Carvalho (que vive na Maia)" (...).
segunda-feira, 8 de janeiro de 2007
Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo
Guiné > Região de Tombali > Pendão da CCAÇ 728, Os Palmeirins (1964/66)
Foto: © J. L. Mendes Gomes (2006). Direitos reservados.
VI Parte das memórias de Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Como, Cachil, Catió, 1964/66). Jurista de formação, está reformado da CGD. Hoje reparte o seu tempo entre Lisboa, Aveiro, Berlim... e, mais recentemente, a blogosfera, o nosso blogue (1) .
2.8. O Capitão Morato, o novo comandante
Pouco antes do meio dia, chegava a lancha costumeira da água de Catió. Era uma tarefa desejada pela rapaziada, apesar da casca de noz em que seguiam, Corubal (2) fora, através de margens densas de arvoredo.
Umas horas na vila de Catió davam para uma escapadela furtiva às tabancas…ver gente apetecida.
Um indivíduo estranho vinha com eles. Muito aprumado, no seu caqui amarelo, conservava ainda a cor branca da metrópole. Viera, de propósito, de lá, para render, lesta, a baixa escandalosa do capitão acobardado. Aos comandos militares, convinha abafar, depressa, aquele gesto de rebeldia …
- É o novo comandante!
A notícia espalhou-se inflamada. Toda a gente acudiu a ver o novo capitão. É da arma de cavalaria. Não se sabe porquê. Tem aspecto sereno e agradável. Por dentro deve estar apardalado com o espectáculo nada confortável que o esperou.
Naturalmente sorridente, depressa cativou a companhia. Já não é maçarico na guerra. Cumpriu uma missão em Angola. Inspira confiança. Foi guardar o saco de viagem com as suas coisitas, na tenda vaga do comando e seguiu-se logo o almoço.
A apreensão natural vai-se desfazendo com a abertura comedida que demonstra. Uns dias depois, vê-se bem que o pessoal anda mais sereno. A sua linha de comando passa, sobretudo, pelo conforto e pela segurança. Depressa se soube que era homem de certa influência nos comandos de Bissau, ao contrário do capitão anterior.
Por isso, as visitas da avioneta tornaram-se mais frequentes e a qualidade de vida melhorou.
O material necessário às novas casernas iniciadas sob a orientação de um homem da arte, o cabo corneteiro do meu pelotão, o 49, começou a chegar.
O pessoal entusiasmou-se e em menos de um mês estavam erguidas as três casernas, em cimento armado e tijolo. Um quarto para os alferes e um quarto para os sargentos, mais um bar.
Até parecia um quartel verdadeiro.
A inauguração ficou na história. Uma festa de arromba. Uma vitela apareceu de Catió a regalar com o perfume dos seus ricos bifes, o rancho da rapaziada e ainda deu para uma vitelada à padeiro para a mesa dos oficiais e sargentos. O vinho tinto do barril e a cerveja correram desprendidos.
O comandante bem recomendou cautela aos mais prudentes, não fosse o diabo tecê-las… Foi o bastante, mas não impediu o impulso de alguns mais entusiasmados…mesmo dentro dos alferes.
O Sasso, por exemplo, percorreu todo o caminho da festança, com fados e desgarradas, e acabou numa crise de metafísica e pranto, aos meus pés.
- Eh! Gomes, não sabes como invejo a tua fé…Para mim, só vejo o nada e desespero à minha frente…
Nesse dia, até o Gonçalves cantou pela sua passarinho…de Campo Maior e, com o gáudio de todos, em especial, os do seu pelotão, até suplicou ajuda para saltar um simples rego de água, ao lado do bar…
- Nah! É o Geba, com jacarés…exclamava ele, cambaleante, mas convencido e de olhos a reluzir.
Para não falar do furriel Gomes e do Brás, dois castiços tripeiros de gema.
2.9. Capitão Silva e o pacto com o Diabo
A presença do capitão Morato, na 728, foi passageira, infelizmente. Foi só enquanto encontravam o verdadeiro sucessor do capitão que disse não. Levou bastante tempo. A tal ponto que a Companhia viu com desgosto sair aquele oficial, sereno e seguro, que, insensívelmente, levaria todos, até onde quisesse. Quem viria depois dele?
A cena voltou a repetir-se. A minúscula lancha da água, uma vez mais, foi portadora de um novo capitão, certo dia, de manhã. Desta vez, porém, a Companhia apareceu a cumprimentá-lo e a dar as boas vindas, devidamente formada na parada do quartel.
O aspecto jovem do recém-chegado e o seu ar desafectado contribuiram, em muito, para a bonita recepção que aconteceu. A Companhia compreendeu bem a ida embora do capitão Morato e recebeu, de braços abertos, o definitivo sucessor do valentão das paradas de Évora, do outro, o desaparecido…
Uma semana de sobreposição deu para se trocarem o testemunho, entre ambos. Habituada à dureza e distância do desertor capitão, era difícil piorar, qualquer que fosse a mudança. Mas, o capitão Silva, foi, de facto, bem acolhido, só pela sua maneira de ser. Desafectado, acessível, aprumado e responsável. Não custou nada a ser encarado como o nosso definitivo comandante. E foi-o…
O seu programa foi manter o que estava montado e enriquecer o nosso convívio e bem-estar.
Sobreviver era preciso…acima de tudo. A solidão era, rigorosamente, total. Duzentos homens livres, mas, encarcerados numa ilha, dentro de arame farpado, dispensando bem a visita dos vizinhos…
Olhar a mata cerrada, 500 m à frente, em cada manhã, era o nosso alívio. Cada noite, um longo pesadelo. Não se sabia o dia nem a hora… para um ataque, que sabíamos bem ter de aguentar sozinhos… Os reforços ficavam longe, em Bissau… Catió nada poderia fazer, para além de flagelar com a sua artilharia pesada, fixa. O que era muito pouco.
Os meses foram-se passando, na mesma rotina, alumiados apenas pela avioneta do correio que havia de chegar… Podia faltar tudo. Menos o correio… Tudo parava, quando se ouvia ao longe, no alto das nuvens, do céu, sempre pardacento, o sonoro roncar da Dornier…
Se o tempo estava bom, a companhia inteira corria em rebanho, ao aeroporto. Só de ver o camarada piloto, vindo de Bissau, terra considerada… livre, animava a rapaziada. Os sacos do correio eram trazidos, em triunfo, pelo cortejo de olhos brilhantes, mas indecisos. Coitados dos que nada recebiam… No centro da parada, era feita a chamada. Um silêncio total. A cada nome, mais um que se afastava, pressuroso.
Na hora seguinte, a companhia, do capitão ao corneteiro, ficava deleitada com as letritas que lhes segredavam os seus… Longo silêncio, seguido de uma brisa de ar fresco nas almas bem saudosas. Ali, é que se via a fortuna da amizade, que pode caber num simpes papelito, uma grama de papel, o aerograma!…
Dias depois, o tão esperado, aconteceu. Uma salva de metralhadora, saída da fauces da mata sombria, foi o cornetim da alvorada. Estremunhados, toda a companhia correu para os abrigos. Pelas fendas frágeis da paliçada tenra de palmeiras, as nossas G-3 desfecharam torrentes de metralha sobre a mata atrevida.
Fez-se silêncio…Nada vinha de lá. Só a desconfiança da rapaziada os manteve em alerta… As nuvens do terror tinham calado…e o sol da bonança começou a raiar. Os ânimos ficaram exaltados… Foi apenas um estremecimento, sadio, que deu para despertar e quebrar a monotonia da cadência dos dias que iam passando, serôdios.
De novo, a 728 caíu na paz desesperante do dia a dia, sem sobressaltos. Nada pior para os nervos dos combatentes do que essa modorra morna…
Finalmente, em surdina, correu a explicação. Nos quadros da companhia, havia um elemento que era filho de um grande comerciante instalado em Bissau, desde os bons velhos tempos, da África-Brasil… E lá continuava, rendendo ricos tributos para os dois lados…
A ideia fantasista de que enquanto lá estivesse o nosso vague-mestre, nada nos aconteceria, serenou o ânimos da felizarda companhia . E, assim, foi. Certo dia, um telex do alto comando de Bissau tudo mudou… A 728, já ambientada no terreno, estava madura para a peleja. Teve de avançar para Catió, em substituição da castigada 556, a companhia de intervenção, adstrita ao batalhão
2.10. Os Treze Meses de Pesadelo
Catió, depois de Bissau, seria, na zona sul da Guiné, o centro populacional e administrativo mais importante.
Situada num exacto ponto de confluência das vias fluviais, marítimas e terrestres poderia ser considerada a capital da parte sul aonde acudiam, para distribuição, as mercadorias e toda a produção agrícola da região.
A presença administrativa, escolar e eclesiástica eram bem representadas, a seu modo. Um administrador e a sua mansão colonial era o regente máximo, polivalente, nas áreas administrativas e judiciais; um administrador apostólico regia a presença da igreja católica tradicional, numa igreja bem enquadrada e evidenciada no centro da vila, perto da administração civil; um centro de saúde, razoável, com enfermeiro permanente; uma meia dúzia de casas comerciais, onde sobressaía um grande armazém comecial, generalista e uns dois bares por conta de emigrantes da longínqua Ásia Menor, sirianos e libaneses, o Tombali e o ….
Uma avenida central, coberta de grandes mangueiras arrancava da praça da administração e do largo da igreja e avançava, por entre matas densas rumo às distantes terras de Bedanda, Guilege, depois de atravessar um campo de bolanhas e as tabancas onde reinava o soba real .
As tropas estavam aquarteladas nos edifícios do centro de saúde e na casa de um grande comerciante.
O comando do batalhão entregue a um tenente coronel, os serviços de disciplina e de administração militar; uma força fixa de artilharia e outra de cavalaria faziam a guarda permanente do batalhão e a flagelação à distância dos quartéis turras e da sua movimentação dentro das matas, além do apoio às diversas acções desenvolvidas em redor.
A companhia de infantaria, com os seus três pelotões era a guarda avançada, sempre pronta a sair, só ou enquadrada por outras forças da zona, em acções concertadas, sobre objectivos bem determinados.
À minha companhia competiria esse papel de intervenção permanente, durante os tempos mais próximos. O contacto real com o inimigo iria ser uma constante. Agora é que iam ser elas…
Seja o que Deus quiser…
A presença administrativa, escolar e eclesiástica eram bem representadas, a seu modo. Um administrador e a sua mansão colonial era o regente máximo, polivalente, nas áreas administrativas e judiciais; um administrador apostólico regia a presença da igreja católica tradicional, numa igreja bem enquadrada e evidenciada no centro da vila, perto da administração civil; um centro de saúde, razoável, com enfermeiro permanente; uma meia dúzia de casas comerciais, onde sobressaía um grande armazém comecial, generalista e uns dois bares por conta de emigrantes da longínqua Ásia Menor, sirianos e libaneses, o Tombali e o ….
Uma avenida central, coberta de grandes mangueiras arrancava da praça da administração e do largo da igreja e avançava, por entre matas densas rumo às distantes terras de Bedanda, Guilege, depois de atravessar um campo de bolanhas e as tabancas onde reinava o soba real .
As tropas estavam aquarteladas nos edifícios do centro de saúde e na casa de um grande comerciante.
O comando do batalhão entregue a um tenente coronel, os serviços de disciplina e de administração militar; uma força fixa de artilharia e outra de cavalaria faziam a guarda permanente do batalhão e a flagelação à distância dos quartéis turras e da sua movimentação dentro das matas, além do apoio às diversas acções desenvolvidas em redor.
A companhia de infantaria, com os seus três pelotões era a guarda avançada, sempre pronta a sair, só ou enquadrada por outras forças da zona, em acções concertadas, sobre objectivos bem determinados.
À minha companhia competiria esse papel de intervenção permanente, durante os tempos mais próximos. O contacto real com o inimigo iria ser uma constante. Agora é que iam ser elas…
Seja o que Deus quiser…
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar
1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG
20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo
20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo
(2) Lapso do autor, que queria dizer possivelmente Rio Cumbijã e não Rio Corubal... A Ilha do Como é banhada a sul, pelo Oceano Atlântico, e a leste pelo Rio Cumbijã (Vd. carta geral da província; vd. carta de Catió e carta de Caiar).
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