Foto: © Lema Santos (2006). Direitos reservados.
Texto de Pedro Lauret. Da seu currículo militar consta que: (i) foi promovido a Guarda-Marinha em Julho de 1971; (ii) embarcou para a Guiné, em Setembro de 1971, onde exerceu o cargo de Oficial Imediato do NRP Orion.
Na Guiné exerceu intensa actividade operacional em todos os rios e braços de mar navegáveis pelo navio (Cacheu, Geba, Buba, Tombali, Cumbijã, Cacine, Bijagós). Em Maio de 1973 encontrava-se em missão no Rio Cacheu quando se dão os ataques a Guidaje, desembarca o Destacamento de Fuzileiros 8 no Jagali, afluente do Cacheu, após terem sido abatidas duas aeronaves (1 DO e 1 T6); nesse dia seria abatida mais 1 DO. No mesmo mês, no rio Cacine é a primeira unidade a chegar a Gadamael depois da retirada de Guileje, evacua, contra a ordem expressa do General Spínola, um número indeterminado (mais de 300) militares e civis que se encontravam fugidos nas margens do rio (...) (1) .
Ganturé, Rio Cacheu Maio de 1973,
Ganturé era um aquartelamento na margem Norte do rio Cacheu a cerca de 5 Kms de Bigene, onde estacionava um Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE). Tinha uma pequena ponte de atracação em madeira, dois grandes cibes faziam de cabeços. A Marinha mantinha no Cacheu uma Lancha de Fiscalização Grande (LFG) e duas LDM, o comandante da LFG comandava este pequeno agrupamento. O DFE estava sob o comando do COP3 sedeado em Bigene.
Naquele início de Maio, o NRP Orion encontrava-se atracado em Ganturé onde DFE 8 se encontrava estacionado. Logo pela manhã é recebida uma mensagem dando indicação para apoiar o DFE 8 numa acção de desembarque. Fomos então informados pelo 1º Tenente Ferreira da Silva, comandante do DFE 8 do que passava:
Guidaje fora atacada com grande intensidade havendo um número grande de feridos. De Bissau levantara um DO que aterrara em Bigene para embarcar o médico e ir apoiar Guidaje. Ao levantar e a meio caminho entre aquelas duas localidades o DO fora abatido. Era necessário resgatar eventuais sobreviventes. O DFE 8 fora incumbido daquela missão em cooperação com uma Companhia de Paras que entretanto fora helitransportada para Bigene. Nunca vi tamanho movimento de helióteros.
Desembarcamos o DFE 8 na margem Norte na zona do Jagali. Entretanto levantaram de Bissau dois T6 para bombardear a zona antes da chegada dos Paras e Fuzos. Um dos T6 foi abatido, aos comandos encontrava-se o Major Mantovani. Chegados ao local, as NT só encontraram cadáveres. Foi ainda encontrado o corpo do míssil Strella que abatera uma das aeronaves. O DFE 8 reembarcou no meu navio e entregou-nos o corpo do míssil que transportámos para Bissau.
A incredibilidade era total, dois aviões abatidos numa única manhã, os feridos de Guidaje encontravam-se ainda no local e, embora não possa garantir, penso que um Para fora morto.
Entretanto um outro DO levantou de Bissau e aterrou em Guidaje, recolheu os feridos e levantou de regresso tendo então sido abatido.
Três aviões abatidos num só dia. A Força Aérea deixou de voar durante um largo período de tempo, e quando retomou passou a utilizar perfis de voo de eficácia reduzida. A supremacia aérea que constituía a nossa única vantagem militar no terreno, perdera-se. As evacuações, os apoios de fogo dos Fiat e do Helicanhão deixaram de se efectuar.
O cerco de Guidaje começara e o drama de Guileje e Gadamael estavam prestes a acontecer.
Passados poucos dias fomos rendidos no Cacheu, passámos em Bissau para reabastecer e navegámos a Sul para o Cumbijã e depois Cacine ao encontro dos acontecimentos de Guileje/Gadamael que já relatámos.
Nota: "A Guerra Colonial" [Lisboa: Diário de Notícias, 1999] de Aniceto Afonso e Matos Gomes contém uma preciosa descrição deste período na Guiné, pelo que a inserção [de um extracto sobre Guidaje, em Maio de 1973] no blogue é extraordinariamente feliz (2).
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Notas de L.G.:
(1) Vd post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)
(2) Vd. post de 21 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1198: Antologia (53): Guidaje, Maio de 1973: o inferno (Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes)
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