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Mário Braga, que se destacou sobretudo como contista e novelista, nasceu em Coimbra, em 1921. Na Universidade de Coimbra formou-se em Ciências Histórico-Filosóficas. Foi editor da revista Vértice, editada em Coimbra, a partir de 1942 e que vai ser o porta-voz do movimento (literário e artístico) do neo-realismo. Esta revista de cultura e arte foi um dos casos de maior longevidade no campo das letras e das ideias em Portugal. Um dos seus directores foi o poeta Joaquim Namorado (1914-1986).
Algumas outras obras de Mário Braga, quase todas esgotadas: Nevoeiro (contos) (1944), Caminhos sem Sol (novelas) (1948), Serranos (Contos) (1948), Mariana (novela) (1957), Quatro Réis (contos) (1957), Vale de Crugens (novela) (1958), Histórias de Vila (contos) (1958), O Cerco (Novelas) (1959)... Traduziu, entre outros livros, O Silêncio do Mar (contos), de Vercors, editado em Portugal em 1959. O original foi publicado em 1942 . Vercors era o pseudónimo literário de Jean Bruller.
Capa da edição, mais recente, do livro O Silêncio do Mar. Lisboa, Editorial Presença, 1986, c. 66 pp. Preço: c. 8 euros. Fonte: 2002 © Editorial Presença ( com a devida vénia...).
Mensagem com data de 28 de Setembro de 2006, de Mário Beja Santos (ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70:
Caro Luís, acredites ou não, tudo o quanto aqui digo é realidade sem ficção, é água tão pura que resolvi partilhá-la com todos os tertulianos. Recebe um abraço do Mário.
Caro Mário: Eu não preciso de acreditar... Não é um questão de fé nem de confiança. Somos camaradas e, mesmo sem nunca termos sido íntimos, fizemos algumas operações juntos e eu conheci as terras do tigre de Missirá... Entre camaradas não se faz batota. E nestes últimos meses, graças ao nosso blogue, eu tenho a oportunidade de te conhecer melhor. Estou-te profundamente reconhecido pelos teus testemunhos desse teu/nosso tempo... Sei que estás a reviver intensamente esses anos, irrepetíveis, únicos, da tua vida. Transmite, por favor, ao teu velho amigo Mário Braga a minha simpatia e o meu apreço. Os teus amigos do tempo de Guiné nossos amigos são. (LG)
A inesquecível companhia que o Mário Braga me fez na Guiné
por Beja Santos
Há dias, visitei Coimbra, subi à Sé Velha, demorei-me a olhar a prodigiosa entrada lateral renascentista e o casario em frente onde, em 1961, no primeiro andar em que funcionava o Instituto Maternal, conheci o Mário Braga. A minha mãe era funcionária administrativa da Maternidade Dr Alfredo da Costa e uma das suas maiores amigas, a Irene, fizera concurso para o Instituto Maternal em Coimbra, razão da sua visita à cidade do Mondego. Acompanhei-a com satisfação e a Irene disse-me:
- Vou-te apresentar ao meu chefe, que é escritor e jornalista como tu gostarias de ser. Ouve-o com atenção, pois tu precisas de ter bons mestres.
Mário Braga era indiscutivelmente um nome cimeiro do neo-realismo literário. Eu conhecia alguns dos seus contos, que achava assombrosos. Enquanto as duas amigas conversavam, o escritor, chefe de secretaria do Instituto Maternal, convidou-me para o seu escritório, falou-me do seu trabalho como editor da revista Vértice e amavelmente entregou-me três livros com dedicatória e uma braçada de revistas.
Devorei Serranos (guardo a edição com ilustrações de Cipriano Dourado) e li vezes sem conta O Livro das Sombras, mais tarde premiado, galardoado com o Prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências. Nas dedicatórias, o Mário Braga desejava felicidades ao seu jovem admirador. Ao longo dos anos, fui acompanhando à distância o seu trabalho literário, levei mesmo para a Guiné o Corpo Ausente e o terceiro livro que me oferecera, O Silêncio do Mar, de Vercors que ele traduzira, penso eu nos anos 50, para a Atlântida Editora.
Vercors, de quem hoje não oiço referências, foi um resistente que usou a escrita durante a ocupação nazi. Nas antologias ainda hoje é tido como um valor permanente da literatura francesa. Mas, fenómeno dos tempos, as suas temáticas e as suas inquietações estão fora de moda. Não sabia o Mário Braga a alegria que tive quando um dia, aí para Novembro de 68, fui ao fundo de um dos baús dos meus livros e conheci O Silêncio do Mar.
É uma pequena e maravilhosa história de tolerância, de cultura e diálogo europeus, de premonição da união entre os povos da Europa, mas também de profundíssima tristeza quando se descobre a ampla dimensão da barbárie nazi. É uma história com três personagens, um ocupante e dois ocupados. O oficial alemão chama-se Werner von Ebrennac. O narrador está permanentemente acompanhado pela sua sobrinha na casa onde vive o ocupante. O oficial discursa, os ocupados ouvem-no em silêncio. São tiradas monocórdicas de um homem que se vai revelando como amante da cultura francesa, compositor musical, confia que grandes coisas acontecerão na Europa, sobretudo à França e à Alemanha, finda a guerra. A literatura para ele era a França e a música era a Alemanha. Uma viagem de von Ebrennac a Paris vai mudar radicalmente a sua confiança no diálogo que ele destinava ao futuro da Europa. O oficial idealista descobre que há desprezo pela França, que a Alemanha veio para dominar e impor uma nova ordem. Von Ebrennac no seu último monólogo anuncia que vai partir para Leste. E, primeira vez, os dois ocupados despedem-se do oficial alemão.
É um conto triste mas assente numa esperança que se veio a realizar: coube à França e à Alemanha pôr de pé o projecto europeu como o estamos a viver. Mas em Missirá o que me empolgou em von Ebrennac foi a humildade na confissão sobre os valores culturais. Assim como eu ia descobrindo a escultura, o mobiliário, os costumes, as atitudes religiosas dos guineenses, considerando-as de génio, assim me deixei seduzir por aquele alemão que queria partilhar os valores inconfundíveis da mesma civilização. Daí o entusiasmo com que li e reli O Silêncio do Mar naquelas noites de Missirá.
Com os anos, cimentei amizade com o Mário Braga. Ele veio para Lisboa a seguir ao 25 de Abril, foi Director Geral da Divulgação Cultural onde lançou projectos do maior interesse. Lembro, por exemplo os pequenos breviários de cultura onde apareceram o ensaio de Carlos Alberto Medeiros sobre Portugal e a sua geografia humana e os livros de Portugal e as suas artes e ofícios. Ele está hoje com 85 anos e muito diminuído pela mácula, mas mantém a sua memória praticamente intocável.
Falei-lhe do blogue, referi-lhe como O Silêncio do Mar desaparecera nas cinzas de uma flagelação e ele logo prontamente me cedeu o único exemplar que tem para eu reler e o trazer à vossa presença. Não há nada como ter amigos como o Mário Braga e juntá-los aos camaradas da Guiné.
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