Subject: Um duplamente sentido abraço de Páscoa
Caro Luís Graça, e (se tal possível,) saudosos amigos e camaradas da Guiné, da Tabanca Grande e demais Tabancas:
Sentado no sofá em frente à TV, amargurado , direi mesmo furioso pelo desenrolar das notícias que saem do ecrã, tristes na maioria, seguem-se umas às outras, cada qual delas a mais horripilante: o número de mortes nas últimas 24 horas; as cenas nos hospitais mostrando os corredores apinhados, médicos, enfermeiros/as que fazendo das tripas coração, com uma coragem e heroísmo e dedicação sem limites além de anjos de salvação , são ou representam também os entes queridos cuja presença é tão necessária em momentos assim mas que aí não podem estar; ambulâncias desenfreadas, hospitais "ad hoc" por todos os cantos...
Vejo o apresentador do programa na TV que tenta animar , encorajar e motivar os espectadores, e fá-lo com mais autoridade do que ninguém: de rosto emagrecido e de olhos cavernosos já,— ontem, para melhor explicar e fazer compreender aos espectadores o que é esta doença, não duvidou sequer em mostrar no seu programa os raios X dos seus próprios pulmões, mostrando os resultados e sinais da luta que ele mesmo desde há quase duas semanas vem travando com o coronavírus.
O seu rosto, como o seu nome, é bem conhecido: chama-se Chris Cuomo, irmão do actual governador do estado de Nova Iorque; enquanto o seu irmão Andrew Cuomo , seguindo o exemplo do pai Mario Cuomo, antigo governador, escolheu a política, Chris escolheu e segue o jornalismo como profissão.
Neste momento, de sua casa, agora completamente isolado, continua o programa de notícias e comentários que sigo há anos já. E, se já antes tinha boa impressão dele e de seu irmão, agora não tenho palavras para os descrever: especialmente porque cada um no seu campo com a sua coragem, honestidade e idoneidade contrastam e fazem realçar a veleidade, direi mesmo a malvadez de muitos, especialmente daqueles que nestes momentos difíceis não só não fazem o que deles se deve esperar, como pelo menos aparentemente, se aproveitam desta situação para proveito pessoal.
Não te vou descrever o que vai por aqui, pois sei que todos estão mais ou menos informados da situação. Apenas direi que no que me diz respeito, quer eu queira ou não, por mais "valente" que eu queira ser não posso negar a apreensão e medo que me invade noite e dia: por mim, por minha esposa, pelos meus filhos e netos, os meus filhos trabalhando em casa, os meus netos estudando em casa, cada um e todos apoiando-nos uns aos outros, mas todos também sempre apreensivos, que todos os cuidados nunca são demasiados.
Além da TV, alguns jornais e o nosso blogue ajudam-me a passar o tempo. Eu subscrevo o "Expresso" e, pelo menos "por alto", por ele sigo as coisas em Portugal. E digo "por alto" pois eles enviam amiúde , via E mail" o "Expresso Curto" :um resumo das notícias do dia. É um bom serviço e permite a quem quiser mais detalhes acesso aos artigos completos no momento. E digo no momento pois se não fôr na altura, e quisermos acesso noutra altura, a coisa já é mais complicada. Ao contrário do New York Times e outros jornais "on line" que assino e cujo acesso é muito fácil, o acesso ao Expresso tem que se lhe diga…não sei porquê, mas por vezes mesmo com muita vontade e paciência "não dá" para entrar. Pelo menos é o que sucede comigo.
Hoje dois assuntos me tocaram de maneira especial: primeiro a mensagem do nosso camarada Patrício Ribeiro: "viagem a Mansoa e Bafafá" , com várias fotos de estradas, agora pavimentadas, bolanhas e outros coisas que me fizeram suspirar… Quando tal sucede, logo me vem a ideia de que um dia talvez ainda lá dê um salto para "matar saudades" … Quem me dera poder ir até Missirá comer uma "galinha à cafreal", passar por Mato Cão e Enxalé, dar um salto a Porto Gole, ver de novo o Geba, apanhar e mandar assar uns peixes do rio que, fazendo de variação ao sempre presente feijão frade ou grão de bico com bacalhau seco, tão bem nos sabiam…
O outro foi um artigo no "Badaladas" , sobre Varatojo e a versão invulgar de "isolamento" dos frades franciscanos aí residentes. Fiquei tão entusiasmado que peguei no telefone e liguei para o Frei António Castro, autor do artigo. Ficou surpreso e contente por eu já ter lido o jornal a que eles só vão ter acesso amanhã…
Foi ocasião para uma troca de impressões e um abraço de Paz e Bem, que enviei também ao Padre Vítor Melícias e aos outros meus irmãos ( que eu também passei por lá!) que constam na foto que acompanha o artigo. E aproveitei para "alinhavar" uma ideia: caso em Outubro as coisas (viagens, etc) já estejam normais , eu vou aproveitar a ida a Portugal à "nossa" festa programada para 12 de Outubro, para juntar outra vez os Crisóstomos e Crispins no Convento de Varatojo... para uma missa de sufrágio e saudade, seguida de um caldo de galinha ( e mais alguma coisa com certeza) no claustro do Convento….
Logo a seguir liguei para o Director do "Badaladas", (onde saiu o artigo), que também ficou surpreso com uma chamada da Nova Iorque, e ainda por cima de Queens… Logo lhe dei recado/notícia deste encontro no Varatojo e disse-lhe que apontasse o dia na agenda… espero-o ver lá, da mesma maneira que te espero a ti, à Alice e a quem mais dos nossos amigos comuns e camaradas da Guiné, me quiserem dar esse prazer.
E "isto de falar" é como as cerejas… tencionava falar de outras coisas, bem diferentes, mas para não te chatear demais vou deixar para mais logo ou para outra altura…
E se de alguma maneira contactares com os nossos amigos comuns, relacionados ou não com a Guiné: mesmo nestes momentos difíceis que estamos a passar, não esqueço que estamos na Semana Santa: junto-me a todos os que nesta altura com razões agora duplamente sentidas se unem numa prece ardente ao Senhor de sufrágio, especialmente pelas recentes vítimas desta epidemia; e de súplica para dias melhores não só para para todos nós, como para todos os que mundo fora neste momento tanto necessitam da Sua benção de Pai misericordioso.
O braço da Vilma, mesmo sem fisioterapia vai muito bem e até parece estar quase sarado!
Grande abraço,
João e Vilma
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Nota do editor:
Último poste da série > 28 de março de 2020 >
Guiné 61/74 - P20783: Tabanca da Diáspora Lusófona (8): Em quarentena em Nova Iorque, combatendo o coronavirus com "Coronita" mexicana e sardinhas de Peniche... enquanto a Vilma tomou a decisão (corajosa) de aprender português e eu a missão (heroica) de aprender esloveno... (João Crisóstomo)