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sábado, 3 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24363: In Memoriam (478): Mário Vargas Cardoso, cor inf ref (1935-2023), ex-cap inf, CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) e ex-cmdt do BCAÇ 3884 (Bafatá, 1972/74) (João Bonifácio, ex-fur mil SAM, CCAÇ 2402, 1968/70, a viver no Canadá); Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 3547, Contuboel, 1972/74)



Guiné > Região do Oio > Có > CCAC 2402 (1968/70) > s/d > De pé: alf mil Francisco Henriques da Silva, alf mil Raul Albino (1945-2020) e Cap Vargas Cardoso (*)


Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > Da esquerda para a direita, o primeiro é o Raul Albino (19945-2020), o segundo é o Francisco [Henriques da] Silva e a seguir o Medeiros Ferreira. Só falta nesta fotografia de grupo o Beja Santos. Também aqui falta o comandante da companhia, cap imnf Vargas Cardoso (1935-2023).  O Medeiros Ferreira, o histórico dirigente estudantil da crise académica de 1962,  não compareceu no embarque, a 24 de julho de 1968, no N/M "Uíge", com destino ao  CTIG, desertando para a Suiça; por seu turno, o Beja Santos iria um mês depois, em rendição individual, comandar o Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70). Acabou por ser uma cruz pesada, sobretudo  para o futuro alf mil at inf MA Raul Albino, que teve que lidar, no início da comissão, com duas baixas de vulto dos seus amigos e camaradas, Beja Santos e Medeiros Ferreira (**)

Fotos (e legendas): © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada John Bonifácio, a viver no Canadá:

Data - quinta, 1/06/2023, 04:00
Assunto - Mais uma baixa na CCAÇ 2402  / BCAÇ 2852  (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70)

Este e-mail serve para informar todos os militares que conviveram em Angola e Guiné com o nosso querido amigo Coronel Ref Mário Vargas Cardoso.(***)

Fiz parte da sua CCAÇ 2402 e entre 1968/70 tivemos a oportunidade de servir Portugal. Informo todos que o nosso Capitão de então, deixou esta madrugada de 31 de Maio de fazer parte da nossa família militar. O sr Coronel Vargas Cardoso faleceu. 

Quero em meu nome pessoal e de todos os camaradas da 2402, enviar à sua esposa e toda a restante família, as mais sinceras condolências. O Sr. Coronel Vargas foi um militar de carreira que tudo fez para que todos os seus militares se pudessem sentir jovens válidos e orgulhosos. Poderia testemunhar muitos episódios que, como Furriel Milicino do SAM do seu comando, ambos vivemos uma camaradagem própria e que, om todo o desempenho do resto de Companhia, foi um passo importante para o sucesso da nossa 2402.

Amigo Luís, fico muito grato por esta publicação. Paz à sua alma e um etermo descanso.
Por tudo o que nos ensinou, a nossa saudade.

João G Bonifácio
Ex-Furriel Mil do SAM
CCAÇ 2402/BCAÇ 2851 
Oshawa, Ontario, Canadá

2. Poste de Manuel Oliveira Pereira na página do Facebook da Tabanca Grande, 31 de maio, 13h39:

A noticia que não gostaria de dar...

O meu ex-comandante de Batalhão (BCAÇ 3884, Bafatá, 1972/74), na Guiné, Coronel Mário José Vargas Cardoso, e meu particular amigo, partiu para outra dimensão. Fica o adeus, já com imensa saudade, do "Mano novo para o Mano velho" (forma carinhosa como nos tratamos). 

Descansa em paz "Mano velho"!...
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Notas do editor:

(**) Vd. poste de 8 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21622: In Memoriam (376): Raul Albino (1945-2020): recordando as peripécias da formação e partida da CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851, com menos duas baixas de vulto, à chegada a Bissau

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23544: Notas de leitura (1477): "A Guerra de Bissau, 7 de Junho de 98", por Samba Bari, um guineense diplomado em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada; Sinapis Editores, 2018 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
É meritória a iniciativa de Samba Bari, coligindo e tratando de notícias que ele guardou, vivia no estrangeiro quando eclodiu o conflito político-militar. Claro que a bibliografia do conflito é hoje apreciável, mas é sempre estimulante acolher novos olhares. Pode haver poucas novidades, mas toda esta reportagem tem um fundo de melancolia, um anúncio de desaire, era inevitável que toda aquela destruição, o reacender de ódios entre velhos camaradas iria forçosamente apresentar uma dolorosa fatura que se chama de trauma. E não houve uma personalidade política capaz de conclamar a reconciliação e o andar para a frente, dentro de um estado de sincero perdão. Samba Bari fez bem em também socorrer-se da história oral, atenda-se ao depoimento que colheu a Hélder Vaz, hoje embaixador da Guiné-Bissau em Portugal, pleno de patriotismo e apegado ao bom relacionamento luso-guineense.

Um abraço do
Mário



Um guineense usa a reportagem para contar o conflito político-militar de 1998-99 (1)

Beja Santos

A obra intitula-se "A Guerra de Bissau, 7 de Junho de 98", o seu autor é Samba Bari, um guineense diplomado em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada que vive em Manchester, Sinapis Editores, 2018. Trata-se de mais um contributo sobre o conflito político-militar que devastou a Guiné-Bissau por cerca de onze meses. Sobre este conflito, Samba Bari entendeu socorrer-se dos órgãos de comunicação social, e baseado em todo este acervo noticiarista escreve um livro que é uma autêntica reportagem. Para o leitor interessado, lembramos que há obras literárias sobre o conflito, caso do esplêndido relato "Comandante Hussi", por Jorge Araújo e Pedro Sousa Pereira, Clube do Autor, 2011, Jardim Botânico, um romance de Luís Naves, Quetzal Editores, 2011 e vários relatos como "Bissau em chamas", de Alexandre Reis Rodrigues e Américo Silva Santos, Casa das Letras, Lisboa, 2007, "Crónica dos (des)Feitos da Guiné", por Francisco Henriques da Silva, Almedina, 2012, o "Conflito Político-militar na Guiné Bissau", por Guilherme Rodrigues Zeferino, IPAD, 2003, "Guiné – 24 anos de Independência, 1974-1988", por José Zamora Induta, Hugin Editores, 2001 e o estudo científico "Colapso e Reconstrução Política na Guiné-Bissau (1998-2000)", Lars Rudebeck, Uppsala, 2011 (versão portuguesa), isto para não esquecer "História(s) da Guiné-Bissau", de que sou autor, Edições Húmus, 2016.

O pretexto da reportagem tem a ver com o facto de Samba Bari ter vivido no estrangeiro esta guerra de pendor fratricida, pegou nos textos dos jornais guardados, recorreu à história oral e dá-nos o seu ponto de vista, sem alardes. Até 7 de junho de 1998, a Guiné-Bissau podia orgulhar-se, a despeito de se poder considerar ter um regime despótico, não ter sofrido de uma guerra devastadora, tudo ficara circunscrito, em 1980, a um golpe de Estado que afastou um conjunto de cabo-verdianos da cúspide do PAIGC, acontecimento que conduziu à separação da Guiné de Cabo Verde. O que começou em 7 de junho terminou em 7 de maio do ano seguinte, quando a Junta Militar, dirigida por Ansumane Mané chegou a Bissau e Nino Vieira, após se ter refugiado na embaixada portuguesa, partiu para o exílio. Conflito devastador do princípio ao fim, na derradeira batalha viam-se dezenas de corpos caídos por terra enquanto o palácio presidencial foi saqueado e incendiado. A violência não acabou nesse dia, Ansumane Mané terá sido executado em novembro de 2000, a cerca de trinta quilómetros de Bissau, outros elementos da Junta irão ser mortos, posteriormente.

Samba Bari elenca algumas das causas remotas e próximas que conduziram a um conflito que teve caraterísticas muito especiais: iniciados os tiroteios que marcaram a revolta, consciente de que à volta de Ansumane Mané estava a nata de todos aqueles que tinham lutado pela independência, Nino Vieira pediu apoio internacional ao Senegal e à Guiné-Conacri, jamais terá pensado que o armamento destes países e os respetivos militares irão personificar a sua derrota. O presidente, outrora carismático, ficou circunscrito a Bissau; a Junta Militar só lhe deixou saída para o mar e as principais estradas foram bloqueadas e o aeroporto tomado. Em poucos dias a capital esvaziou-se, o corpo diplomático fugiu, com exceção do embaixador português, os tiroteios iam destruindo infraestruturas, os hospitais não escaparam.

Samba Bari procura dar-nos o retrato do ditador, do seu círculo de fiéis, da ganância dos seus negócios, dos seus ódios de estimação, do trauma que provocou quando mandou executar Paulo Correia, 1.º Vice-Presidente do Conselho de Estado, Viriato Pã, Procurador-Geral da República, à frente de um rol de mais 44 acusados. A política externa de Nino era completamente errática, umas vezes do lado da China Popular, outras da Formosa, umas vezes com Israel e a Indonésia, o que criava mal-estar no seio da Organização da Unidade Africana e Portugal, no caso da Indonésia era inaceitável este estreitamento de relações quando Timor estava ocupado. Ao longo dos últimos anos o relacionamento com a chefia das Forças Armadas deteriorara-se. A causa próxima tinha a ver com o tráfico de armas para o Casamansa, uma região em permanente conflito com Dacar, um conflito étnico aparentemente insolúvel. Nino acusava Ansumane de ser o responsável pela venda clandestina de armas aos revoltosos, Ansumane dizia literalmente o oposto. E não havia grandes dúvidas de que nas primeiras eleições democráticas de 1994 a vitória de Nino sobre o seu adversário Kumba Yalá estava envolta de bastante batota. Ao destituir Ansumane Mané do cargo de Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Nino incendiou as Forças Armadas. No início desse dia 7 de junho, a casa do brigadeiro Ansumane Mané foi atacada a tiro, o brigadeiro Bric-Brac (seu nome de guerra) não estava lá, tinha ido convocar os seus fiéis homens de armas. Horas depois três fiéis de Nino caíram numa emboscada na estrada que liga o aeroporto ao centro da capital. Começaram os tiroteios, Nino desistiu de uma viagem ao estrangeiro, barricou-se no Palácio Presidencial.

O descontentamento nas Forças Armadas não podia ser maior, com salários em atraso, tinha havido o abandono das fileiras de centenas de militares, Ansumane foi à procura dos mais resistentes e operacionais. No interior, a população militar era flutuante. Por exemplo, o quartel de Gabú, poucos dias antes da guerra, tinha apenas um militar e o de Bafatá três. A Junta Militar recrutou todos os descontentes, muitos deles esperavam uma oportunidade para obterem o estatuto semelhante aos designados “Combatentes da Liberdade da Pátria”, que eram todos aqueles que tinham combatido o colonialismo português.

Samba Bari recorda o procedimento de António Guterres, da CPLP, do Comandante Hélder Costa, do “Ponta de Sagres”, que correndo os maiores riscos atracou no cais de Bissau para recolher os fugitivos; o comportamento do embaixador português que se recusou a partir e que se revelará um destacado chefe de missão, tentando que as conversações diplomáticas chegassem a bom porto; a tentativa da Gâmbia para um cessar-fogo, que falhou; uma entrevista a Hélder Vaz, então presidente do grupo parlamentar do Movimento Bâ-fata (e hoje embaixador da Guiné-Bissau em Portugal) sobre as razões da crise; o estado calamitoso das multidões em fuga, a criação de fundos humanitários, a propaganda de um lado e do outro, a tentativa do bispo de Bissau, D. Artur Septímio Ferrazzeta, que tentou improficuamente o diálogo entre as partes; a raiva que se ia apoderando dos revoltosos com a duplicidade da política francesa; a tentativa de mediação da CPLP que conduziu ao memorando de entendimento que foi rubricado em 23 de julho de 1998 a bordo da Fragata “Corte Real” e a desilusão posterior; e a oposição guineense a querer ver os senegaleses fora da Guiné. Entretanto, prosseguiram outras conversações, há a esperança de se ter chegado a um cessar-fogo. Esperança de pouca dura.

(continua)

Tanque abandonado, imagem da guerra civil de 1998-99
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23539: Notas de leitura (1476): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 18 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23088: (In)citações (197): Mais recordações do conflito político-militar de 1998-1999, por parte de quem o viveu por perto, o Cherno Baldé e o Patrício Ribeiro


Guiné - Bissau > Bissau > 2003 > A imagem, sempre sinistra, da carcaça de um tanque  destruído e abandonado na estrada, talvez nas imediações de Brá. Devia tratar-se de um tanque T 54/55, de origem russa. A foto foi tirada em 30/4/2003,  portanto quase 4 anos depois do conflito. Foto: Mariomassone (2003) (pormenor). (Imagem de domínio público, editada por nós, e aqui reproduzida com a devida vénia  ao autor e à Wikimedia Commons)


1. Comentários ao poste P23054 (*), ainda a propósito do conflito-político miliar que estalou em 7 de junho de 1998, com o golpe de Estado contra o Presidente João Bernardo "Nino" Vieira,  liderado pelo General de Brigada Ansumane Mané, e que envolveu também tropas dos 2 países vizinhos, o Senegal e a Guiné-Conacri, tendo-se prolongado até 10 de Maio de 1999. 

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Cherno, tudo acaba bem quando acaba em bem... Será? O teu "calvário" não acabou aqui, em 15 de junho de 1998, em Fajonquito... Irá prolongar-se por mais um ano, dois, três, talvez mais... Quando voltaste à tua casa no Bairro Militar, em Brá, provavelment não a encontraste, ou estava completamente destruida ou vandalizada... E depois foi preciso recomeçar a vida, o trabalho, a escola... Tivestes mais 3 filhos...

Há marcas (muitas vezes mais psicológicas do que físicas) que não desaparecem mais... Não te vou pedir que nos fales disso, seria doloroso... Mas tudo indica que não foram anos fáceis, os teus, os vossos, do pós-guerra civil... Em 2001/02 tiveste que vestir a "camisola do Sporting", ao lado dos teus "primos ucranianos"... 

Talvez um dia possas escrever sobre a tua inesperada vida de emigrante...em Lisboa, trabalhando nas obras.

Um abraço, meu irmãozinho, e amigo. 
Luís
7 de março de 2022 às 10:13

(ii) Cherno Baldé (to à esquerda, em Fajonquito, sua terra natal, em 2010):


Caro amigo Luís Graça,

Prometo voltar ao assunto logo que possível, todavia antecipo para informar que ainda fiz duas viagens de ida e regresso Fajonquito-Bissau e vice-versa.

O Bairro onde habitava estava do lado dos rebeldes, mas felizmente, nada aconteceu à nossa casa, pois os meus vizinhos, balantas e antigos guerrilheiros, que não tinham saído, tinham-se encarregado de a vigiar por nós e não deixar que fosse vandalizada. Também encontrei a nossa cadela que, na confusão da nossa partida, não tinhamos encontrado.

A primeira vez foi no mês de agosto (de 1998), durante uma das tréguas entre as partes. Bissau estava completamente deserta. Tentei visitar os nossos escritórios nas antigas instalações militares de Brá, onde funcionava o Ministério das Obras Públicas. Quando cheguei junto à estrada, vi um carro blindado no meio da estrada e vários corpos abandonados, onde só se viam os ossos das costelas e outras partes do corpo.

Não podia continuar e voltei para casa completamente fora de mim, sem saber se caminhava ou já estava morto, no dia seguinte tive que voltar atrás e juntar-me à familia.

A segunda vez foi com o meu filho e fizemos uma semana e parecia que tudo se ia resolver, mas de repente tudo recomeçou e tivemos que abandonar a cidade de novo, no meio do tiroteio.

Finalmente, em meados de Março de 1999, voltei juntamente com a família e ainda tivemos que viver a parte final do conflito em maio do mesmo ano, refugiados em Safim durante dois dias.

Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
7 de março de 2022 às 15:28


(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

Obrigado, Cherno, pela partilha. Em relação à casa, tiveste mais sorte que o nosso saudoso Pepito, que morava no bairro do Quelelé... Os senegaleses roubaram e escaqueiraram tudo... Imagina a dor de alma quando voltou de Cabo Verde...

Mas foste um homem de coragem e transmitiste aos teus filhos valores que são essenciais para o futuro... Que possamos todos aprender com o passado...

7 de março de 2022 às 15:45


    
(iv)  Patricio Ribeiro (empresário, que vive na Guiné-Bissau desde  a segunda metade de 1980):

Cherno, a vida não foi fácil.

Também por lá andei, de 7 de junho de 1998 a  e 1999, pelas mesmas bolanhas a pé, por onde saía e entrava diversas vezes em Bissau, com a mochila às costas que levava dentro um prato de plástico e uma colher e uma lata de atum, era a ração de combate.

Mas como já era a minha 3.ª guerra… ia passeando nos intervalos da "chuva".

A "chuva" que vinha do Cumeré e de João Landim, estragou-me por duas vezes o telhado da casa, matou uma vizinha ainda jovem.

Poucas pessoas se deram ao trabalho de escrever sobre o 7 de junho de 1998. Muito ainda está no segredo dos deuses. (**)

Agora só me resta, que a minha 4.ª "chuva", não passe por perto. Abraço

8 de março de 2022 às 10:42
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Vd. também postes anteriores:

(**) Recomanda-se a leitura dos 3 postes que aqui publicámos há mais de 10 anos sobre a origem deste conflito político-militar... São da autoria do antigo embaixador português e nosso camarada Francico Henriques da Silva:

17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7803: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (1) (Francisco Henriques da Silva)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21654: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (12): A "cunha" da mana de Salazar, texto de Vargas Cardoso, cor inf ref, ex-comandante da CCAÇ 2402, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70... Mais uma pequena homenagem à memória do nosso Raul Albino (1945-2020)


Guiné > Região do Oio > Có > CCAC 2402 (1968/70) > s/d > De pé: alf mil Francisco Henriques da Silva, alf mil Raul Albino e Cap Vargas Cardoso

Foto (e legenda): © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. O tema das "cunhas" é pouco natalício... Mas presta-se também à bonomia e ao bom humor próprios da época natalícia.. O cor inf ref Vargas Cardoso entregou ao Raul Albino esta história, que tem tanto de burlesco como de inefável (incitando por isso,  ao riso amarelo); foi, juntamente com mais uma vintena de textos, o seu contributo para o volume II das Memórias da CCAÇ 2402, cuja coordenação editorial esteve a cargo do Raul Albino. 

Tenho um exmplar desse volume, oferta pessoal do nosso saudoso amigo e camarada Raul que, como sabem, foi alf mil da CCAÇ 2402. Com a devida vénia ao Vargas Cardoso, e votos  de boas festas, para ele  e os demais camaradas da CCAÇ 2402,  "Os Lynces de Có", reproduzimos aqui a história da cunha da Dona Marta Salazar e do senhor presidente da junta de freguesia de Sta Comba Dão. intercedendo por um dos militares da CCAÇ 2402, companhia   que em junho de 1968 estava já mobilizada para o CTIG e ainda  em formação.no RI 1, Amadora.

Sobre o soldado Sereto (um dos militares a seguir referidos na narrtaiva) há outra história que poderemos reproduzir mais tarde, também da autoria do Vargas Cardoso ("E o Sereto chegou a tempo do embarque"). 

Este militar era um ex-casapaino, "filho de pai alcoólico e orfão de mãe" (sic) , jogador dos júniores do Sporting, que tinha chumbado na recruta do Regimento de Lanceiros 2 (Polícia Militar), e que o cap Vargas Cardoso se empenhou em  "proteger", esperançado em fazer dele "um cidadão útil para a sociedade"... LG



Excerto de : Parte II - Comando da Companhia - Textos de Vargas Cardoso, in "Memórias da CCAÇ 2402 (Guiné 1968/1970), Volume II", mimeog", 2008, páginas inumeradas,il. (Coordenação: Rui Albino). (Com a devida vénia...)

Guiné 61/74 - P21653: Parabéns a você (1908): Francisco Henriques da Silva, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2402 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21645 Parabéns a você (1907): Francisco Santos, ex-1.º Cabo Condutor Radiotelegrafista da CCAÇ 557 (Guiné, 1963/65) e Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494 (Guiné, 1971/74)

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21622: In Memoriam (376): Raul Albino (1945-2020): recordando as peripécias da formação e partida da CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851, com menos duas baixas de vulto, à chegada a Bissau




Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > Da esquerda para a direita, o primeiro é o Raul Albino, o segundo é o Francisco [Henriques da] Silva e a seguir o Medeiros Ferreira. Só falta nesta fotografia de grupo o Beja Santos. Também aqui falta o Comandante da Companhia, Capitão Vargas Cardoso.  O Medeiros Ferreira iria desertar antes do embarque para o CTIG; o Beja Santos iria, em rendição individual, comandar o Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70).

Foto (e legenda): © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Em memória de um camarada e amigo, um histórico da nossa Tabanca Grande,  que nos deixa, precocemente, o Raul Albino (1945-2020) (*)...

Para avivar e honrar  a sua memória, não podíamos deixar de voltar a reproduzir aqui este excerto da História da CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851, história essa publicada por ele,  no nosso blogue, pelo menos em dezoito postes,  entre 2006 e 2010 (**). 

Em papel, ele organizou e publicou dois volumes com a história dos "Lynces de Có", o segundo dos quais,  em 2008, com a participação especial de Vargas Cardoso (ex-comandante da companhia) e do João Bonifácio, que emigrou para o Canadá (ex-fur mil SAM). E ainda com a coordenação fotográfica do Maurício Esparteiro (ex-1º cabo, o talentoso fotógrafo da companhia). 

Desse segundo volume, com excelente execução gráfica, possuímos uma cópia, que o Raul nos oferecera em tempos.  No prefácio, o antigo comandante, cor inf ref Vargas Cardoso,  fez um grande elogio ao Raul Albino justamente pela sua capacidade de  manter vivo, até então, o espírito da CCAÇ 2402, os "Lynces de Có". Nesse II volume estão documentados os 10 primeiros convívios anuais do pessoal, entre 1982 e 2007.
 

História da CCAÇ 2402 > Uma cruz pesada para o alf mil at inf MA Raul Albino, logo no início da comissão, com duas baixas de vulto, as de Beja Santos e Medeiros Ferreira

por Raul Albino (2006)


Partida para a Guiné


A Companhia de Caçadores 2402 do Batalhão de Caçadores 2851 formou-se no Regimento de Infantaria nº 1, na Amadora.

Embarcou no paquete Uíge a 24 de Julho de 1968, com destino à Guiné. O BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro, 1968/70]  foi acompanhado na viagem pelo BCAÇ 2852 [, Bambadinca, 1968/70].

Achei imensa graça a esta poesia popular, sentida, do soldado António Maria Veríssimo, militar da nossa companhia, retirada do seu livro de poesia Diversos.


Uíge! Volta para a terra,
Muda de rota, de direcção,
Não nos leves para a guerra.

Por favor! Pára p’ra pensar,
Não corras tanto,
Navega mais devagar.

Somos crianças, que vais deixar
Na guerra do Ultramar.
Porque não queres a rota mudar ?

Uíge! Não sigas p’rá guerra,
Muda de direcção! Muda de rota!
Volta p’rá nossa terra.


A M Veríssimo


[Formação da Companhia]

Mas voltemos um pouco atrás, mais propriamente à altura em que a companhia se formava na Amadora, comandada pelo então Capitão Vargas Cardoso.

Estive inicialmente incluído na formação, em Évora, de uma companhia independente com destino a Timor. A minha felicidade era imensa, como podem calcular. O quartel de preparação da companhia era o RI 16, aquartelamento que na altura mais parecia um museu militar em decadência. Não possuía instalações suficientes, pelo que os oficiais eram convidados a procurar alojamento no exterior. A alimentação também era no exterior, salvo erro, numa unidade de artilharia, que não recordo o nome.

Do que me recordo bem – além da simpatia para connosco das raparigas que estudavam em Évora – era do parque de obstáculos para o treino dos militares:

(i) A Ponte interrompida estava tão interrompida pela podridão das madeiras, que foi considerada vedada ao trânsito;

(ii) A Vala estava seca, o que não seria de estranhar nos tempos actuais com as temperaturas elevadíssimas que temos, mas naquela época só se tinha alguma rotura e como os engenheiros tinham ido para a guerra, as valas tinham virado alfobres, com alguma terra no fundo e ervas a crescer;

(iii) As Paliçadas estavam decadentes, com a madeira apodrecida, não aconselhando a sua utilização sem um seguro contra todos os riscos;

(iv) O Pórtico dava graça de tão baixo que era, parecendo ter-se enterrado no chão com o tempo, mas mantendo-se gloriosamente de pé, com as cordas puídas pendentes;

(v) Lá nos entretínhamos a saltar o Muro e mais algumas brincadeiras. Mesmo o muro, devido à idade avançada, a altura mais alta (1ª), parecia a intermédia (2ª) e a intermédia, devido ao desgaste, estava quase alinhada com a baixa (3ª). Um paraíso portanto. E como eu gostava de lá estar …

Mas foi sol de pouca dura. Ao fim de cerca de três semanas de exercícios, chega uma ordem de dissolução da companhia e redistribuição dos militares. Para mim saiu-me na rifa a rendição individual de um aspirante de uma companhia em preparação na Amadora que iria seguir para a Guiné, a CCAÇ 2402.

Qual pára-quedista, fui cair no meio de um barril de pólvora, que outro nome não se pode dar à composição do quadro de oficiais da companhia em formação. Inicialmente o quadro de oficiais era constituído pelos membros abaixo indicados e eu vi-os, na altura, da seguinte forma:

(i) Capitão Vargas Cardoso

Militar de carreira, de perfil autoritário, muito organizado, com tendência para controlar tudo e todos. Gostava de ser considerado como um pai para todos os seus militares;

(ii) Aspirante Francisco Silva

Formação académica no sector das Letras, politizado tanto quanto a vida académica o permitia, parecia ser um militar apostado em cumprir a sua comissão sem hostilizar ninguém. Para melhor o identificar, ele foi, há poucos anos atrás, Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau, além de outros cargos diplomáticos;

(iii) Aspirante Medeiros Ferreira

Formação académica no sector das Letras, altamente politizado, parecia querer levar a comissão até ao fim, mas, se assim era, depressa compreendeu que essa pretensão não era fácil de concretizar. Creio que todos se recordam dele, foi Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal;

(iv) Aspirante Beja Santos

Também oriundo do sector das Letras, politizado, este elemento dispensa apresentação, pois todos o conhecem, pelo menos, como um dos nossos tertulianos mais versáteis na arte de bem escrever, como o Tigre de Missirá, ou pela sua cruzada em defesa do consumidor;

(v) Aspirante Raul Albino

Resto eu, com formação Contabilística e não politizado. Esta minha formação permitiu-me ser inicialmente seleccionado para o CSM [, Curso de Sargentos Milicianos], a especialidade de Contabilidade e Pagadoria, o que me tornou no mais feliz dos militares ao cimo da terra. 

Mais uma vez a sorte me foi madrasta, pois acabei – não sei como – por ser reclassificado para o COM [, Curso de Oficiais Milicianos], nas especialidades de Atirador Especial e Minas e Armadilhas. Será que viram em mim a capacidade de disparar números e armadilhar escritas?

Viria a crescer posteriormente com a Informática, ao longo de 30 anos na IBM, na especialização de grandes e médios sistemas. Os micro sistemas têm sido para mim um hóbi de velho, que tem a virtude de me manter afectiva e minimamente ligado aos tempos do pioneirismo informático da minha juventude.

– Mas – dirão vocês – onde está o barril de pólvora?

Pois, o barril consistia no clima explosivo que se tinha criado no relacionamento entre o Capitão e os seus Aspirantes.

Quando eu chego ao grupo, vejo o Capitão preocupado com a circunstância de levar para a Guiné a dupla Medeiros Ferreira/Beja Santos, sobre os quais não conseguia ter o controlo pretendido e com a perspectiva do relacionamento vir a degradar-se ainda mais com o passar do tempo.

Quanto ao Francisco Silva, não o vi preocupado em sua relação, talvez pensando que ele seria mais fácil de controlar. Algum tempo após a minha chegada, confidencia-me ele (por estas palavras ou semelhantes):

- Sabes? Creio que temos letrados a mais na companhia! – ao que eu lhe retorqui:

- Bem, para compensar, agora tem-me a mim que não sou de Letras, sou de Números!

Depressa me apercebi ao longo desta conversa, por sinal bastante infeliz, que não era mais que uma tentativa de aliciamento da minha pessoa para a sua causa. Tentativa semelhante ter-me-á feito o Medeiros Ferreira. Tentativas inúteis, porque eu era um indivíduo convictamente independente, avesso a alinhamentos e não politizado. Além disto era ingénuo, porque julgava que me podia manter neutral, com o equilíbrio existente a manter-se ao longo da comissão.

Ainda hoje uma dúvida me afecta a alma. Terá a minha resistência a alinhamentos, – comunicada ao Medeiros Ferreira – influenciado de algum modo o desenrolar dos acontecimentos que se seguiram no seio do grupo?

Duas a três semanas antes da partida da companhia, eu era enviado com um sargento, em avião militar, para a Guiné, com a missão de preparar a chegada da companhia em termos de material e equipamento. O que se terá passado durante esse período de tempo, escapou-me, na altura, ao meu conhecimento pessoal, razão pelo qual não o abordo aqui (...).

A minha surpresa não teve descrição, ao constatar que a companhia chegava à Guiné com duas baixas no quadro de Oficiais: o Medeiros Ferreira (**) e o Beja Santos. 

O capitão tinha ganho a primeira batalha (pessoal), mesmo antes de chegar ao teatro de guerra. Senti a minha cruz começar a ficar mais pesada...

Raul Albino

[Revisão e fixação de texto para efeitos de edição neste blogue:  LG]
___________

Notas do editor:



(**) Vd. postes de:


19 de setembro de  2010 Guiné 63/74 - P7010: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (18): Terceiro ataque ao Olossato

(***) José Medeiros Ferreira (Ponta Delgada, 1942 - Lisboa, 2014) destacou-se na crise estudantil de 1962, foi desertor da guerra colonial (1968), vuiveu na Suiça, onde se licenciou em História, pela Universidade de Genebra (1972). Depois do 25 de abril,   foi eleito deputado à Assembleia Constituinte (1975), pelo Partido Socialista, e exerceu o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Constitucional (1976–1978), chefido por Mário Soares. Foi professor universitário (Faculdade de Ciências Sociais, Universidade NOVA de Lisboa).

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20649: Notas de leitura (1264): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (45) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Enquanto o bardo espraia a sua existência na rotina pacífica de Bissau, porque já se andou no Sul, na batalha do Como, se fez itinerância pelo Oio e arredores, havendo paz nos Bijagós, ocorre visitar um dos locais mais ásperos de toda aquela guerra, Madina do Boé, cedo o PAIGC se apercebeu que aquele lugar, aquele isolamento permitiam fazer um bulício tremendo, ter sempre à mão uma carreira de tiro, até para mostrar aos jornalistas e amantes da revolução.
O livro de Gustavo Pimenta contribui para se perceber a psicologia do combatente, resistente, preparado para viver todas as contingências da mais imprevista morteirada ou canhonada. E havia também que destilar alguns estados de alma. Gustavo Pimenta refere o que se sentia a levantar uma mina, o que nos deu aso a republicar belíssimas páginas escritas por Francisco Henriques da Silva na sua "Guerra da Bolanha".

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (45)

Beja Santos

“Este amigo e camarada
a camisa e os calções mudava.
Quando não ia passear
as botas eu não largava.

Às seis horas o clarim a tocar,
o Andrade se erguia,
e os calções ele vestia
e as botas a acompanhar.
A cara eu ia lavar.
Junto com a maçaricada
a bexiga era despejada
voltando para a caserna,
e punha a boina moderna
este amigo e camarada.

Depois de beber o café
levava horas pensando
e por letras ia contando
o que sofria na Guiné.
Eu tive sempre muita fé
que à terra natal regressava.
Na Amura os dias passava
ou alegre ou chateado,
e para andar sempre asseado
a camisa e os calções mudava.

De noite eu espairecia
a ver a mana russinha
e o nosso amigo Vidinha
com o Horta para lá ia.
O 49 e o Joaquim Maria
até chegaram a rastejar.
No canhão se vinham sentar,
junto de mim e do Teixeira.
Espiava as moças a noite inteira
quando não ia passear.

Tinha um barrete camuflado
que eu não podia deixar.
Servia para me sentar
ao chegar a qualquer lado.
Na minha cama recostado,
lia, escrevia e contava,
muitas noivas arranjava,
para não pensar na amargura.
E no quartel da Amura
as botas eu não largava.”

********************

O bardo deu em intimista, desabafa sobre o seu quotidiano, é como se nos desse luz verde para discretear sobre a guerra que continuava, ao rubro em Madina do Boé, como noutros pontos do Sul, no Oio e arredores. Porque em 1965, quando o bardo está na Amura, o PAIGC já não tem só pistolas nem armas antiquadas, há mais de um ano que usa minas, flagela com morteiros e bazucas, sobre quartéis e nas picadas. Alguns aquartelamentos, pelo seu isolamento, são o bombo da festa. É o caso de Madina, como escreve em “sairòmeM, Guerra Colonial”, Gustavo Pimenta, Palimage Editores, 2000. É um romance inequivocamente diferente de tudo quanto até agora se referiu, como logo o título alude é escrito do fim para o princípio, o leitor é forçado a um exercício de dilucidação, tem pela frente uma leitura em vários sentidos. É muito intimista, não se fala em nomes, regra geral, não há assomos de farronca nem tiques de heroísmo, temo-lo a observar a inquietação que assedia os outros que o acompanham.
Assim:
“Que sentirá um condutor-auto quando vê minas a destruírem sucessivamente as viaturas que o precedem e tem, de súbito, de ser ele a conduzir a que vai na cabeça da coluna? Sozinho, entregue aos seus pensamentos, que pensará?
Na mulher? Nos filhos?
Há poucos gestos comparáveis aos daqueles que vi, serenamente, sem protesto nem resmungo, assumir o lugar da mais presumível das vítimas. Quero supor que os animava o sentido do mais sagrado dos deveres. Que é o de, pela simplicidade de quem acredita e cumpre um destino, se oferecerem à troca por quem foi condenado a enfrentar desigualmente a roleta da vida e da morte”.

Gustavo Pimenta
Caminham para Madina do Boé, levantaram-se algumas minas entre Canjadude e o Ché Che, os T6, lá nos céus, eram presença tranquilizadora.
E descreve onde e como vive:
“Se o aquartelamento, com as enormes clareiras que o rodeavam, era praticamente inexpugnável a qualquer tentativa de assalto, a verdade é que se tornava extremamente vulnerável como alvo das elevações que o circundavam.
Deslocarmo-nos para as tarefas mais comezinhas, para uma simples mijada fora do abrigo, tornara-se numa espécie de jogo do gato e do rato. Nunca sabíamos se eles estavam à coca e nos sairia na rifa o tiro isolado do dia. Aos mais afoitos, os mais loucos, já lhes dava, às vezes, para subirem ao alto de um abrigo e despejarem insultos a tudo quanto fosse guerrilheiro inimigo e respectiva família, enquanto evidenciavam convenientes manguitos.
Foram os mais insustentáveis tempos da nossa guerra.
As múltiplas inscrições que o pessoal foi colocando, em estacas ou nas árvores, um pouco por todo o lado, eram significativas. Na zona mais exposta a esse verdadeiro exercício de tiro ao alvo, qual barraca de feira, ficava uma avenida Lee Oswald. Na parte central do quartel, protegido por quatro estacas com arame à volta, estava o monumento ao mijo, uma granada de morteiro semienterrada, que não rebentara. Do lado da pista, na única entrada, protegida com cavalos de arame farpado, por onde entravam viaturas, estava uma banca repleta de recordações de Madina: empenas de granadas de morteiro e de canhão sem recuo. Se pudéssemos, tínhamos lá misturado todas as nossas angústias.”

Numa atmosfera destas, importava manter regras, incentivar o lúdico, jogar a sério o jogo da normalidade, o capitão exigia que andassem indumentados, limpassem as armas, engraxassem as botas, o pessoal ocupava-se do lúdico, como Gustavo Pimenta observa:
“Para além dos jogos de cartas ou de tabuleiro, que se podiam praticar dentro dos abrigos, recorria-se aos que se pudessem concretizar no exterior mas que não implicassem grandes ajuntamentos. Uma granada de morteiro no meio de um campo de futebol seria uma tragédia.
A malha era dos jogos que mais se praticavam. Na zona de cada abrigo, com mais ou menos vales pelo meio, havia um espaço onde se arremessavam as pedras escolhidas ou as rodelas de tronco de árvore que serviam de malha. Os mecos, executados com primor, quase carinho, partir-se-iam amiudadamente, a cada mecada, senão tivesse havido o cuidado de escolher a madeira adequada”.

Num contexto de iminência de flagelação, naquele isolamento quase perpétuo, há alguém que é saudado com especial fervor:
“Cada piloto que nos visitava era recebido na pista: balde de gelo, água Perrier e garrafa de uísque na mão. A evidenciar a gratidão pelo risco, sempre grande, de o atrevimento de poisar em Madina. Se alguém nos podia pedir o que quisesse, eram esses bravos homens que nos consentiam, em regra semanalmente, a partilha de outros mundos, do mundo dos outros, que tínhamos a ilusão de ter quase à mão”.

E um dia saíram de Madina e mudaram de rumo, no entretanto ocorreu aquela catástrofe de fevereiro de 1969 que dizimou muita gente na travessia do Ché Che. Já estão em S. Domingos, este nosso alferes Gustavo Pimenta levanta minas, e não omite a aflição que pode ir na alma de quem o faz. Livro de uma urdidura raríssima, um verdadeiro filme desbobinado, que assim começa para depois preparar o seu termo:
“O beijo da minha mãe durava uma eternidade. Fechara os olhos para que o retrato fosse imperecível. Nas cores esmaecidas da casa, no amarelo tímido do meu quarto, o da frente, junto à rua. Nos meus, que me prodigalizavam abraços, venturas e lágrimas.
Tinha o pressentimento de que nunca mais seria o mesmo. Estava a despedir-me de mim”.

Houve Madina do Boé, depois S. Domingos, como já tinha havido Fá Mandinga e a região do Xime. Fez-se uma viagem para o Norte, depois de desembarcar e ganhar a disponibilidade. Regressa como cão, o motorista de táxis bem protestou.
E tudo acaba onde começou:
“A casa antiga – para não dizer velha – acolheu-me com o cheiro e o conforto que a memória reconheceu. Quanto tempo passado e como tudo me pareceu, de súbito, regressar ao princípio. As mesmas cores esmaecidas, em particular o amarelo da porta e janelas, o mesmo soalho corrido com tábuas carcomidas entremeadas, aqui e ali, por novas impecavelmente aplicadas, a motorizada logo à entrada do corredor e, ainda, a mesma cortina encobrindo o cubículo das garrafas de gás”.

********************

E a pensar no terrífico desse levantamento das minas, ocorreu-me alguns dos mais belos parágrafos que vi escritos sobre os estados de alma que percorrem esse levantador na hora da verdade, belos parágrafos que constam no livro “Guerra na Bolanha”, por Francisco Henriques da Silva, Âncora Editora, março de 2015:
“O que se passa pela cabeça quando estamos a desmontar uma mina com cerca de seis quilos e meio de trotil? Sabemos que qualquer erro seria, como diziam os nossos instrutores em Tancos, o primeiro, o único e o fatal. Nesse momento tudo nos incomoda, as pessoas, o arvoredo, a areia seca do arremedo da estrada em que nos encontramos, os ruídos indefinidos da floresta, as formigas que, indiferentes, passeavam num carreiro ali ao lado; alguém que assobiou lá ao longe, sem qualquer motivo; o fundo de um cigarro que o furriel deitou ali bem perto de nós, há minutos. E depois o que nos passa em flashes sucessivos pela cabeça: os eléctricos amarelos de Lisboa, tão perto do nosso coração e tão longe; a namorada que já não tínhamos, mas que podíamos ter; a última música dos Beatles, que era bem gira; os pais, os irmãos e a avó, com os seus límpidos olhos azuis e o seu ar autoritário; os estudos inacabados; a estupidez incomensurável da guerra naquele país ignorado e que poucos sabiam localizar com exatidão no mapa. Enfim, o que é que, em boa verdade, não nos passa pela cabeça? Mas, atenção: temos de nos concentrar, o importante é desactivar a mina, tão depressa quanto possível, mas sem grandes pressas. Temos medo? Creio que não. Estamos apenas apreensivos. Como é que isto se define? Não sei. A juventude e alguma inconsciência que a caracteriza acaba com qualquer vislumbre de medo e a prudência não é para aqui chamada. 

Francisco Henriques da Silva
Vamos a isto? Vamos! Mãos à obra.
Com efeito, ao escavar a terra sob a parte inferior da caixa de madeira da mina anticarro, deparei com algo de estranho, não sabia exactamente o que era. Parecia-me um arame, junto com um objecto redondo metálico em forma de pastilha. Não percebi muito bem o que era, mas estava desconfiado. Não conseguia, porém, escavar mais, até porque podia desequilibrar a mina e se esta estivesse contra-armadilhada podia dar por terminada a minha comissão na Guiné e começar outra de imediato no Além. Acresce que, à torreira do sol, estava com as mãos suadas e sujas de terra. Não podia continuar. Lembrei-me de um alferes sapador que, uma semana antes, lá para o Sul, deixou escapar o percutor e ficou feito em carne picada, que, segundo me contaram, mal cabia toda dentro de um quico. Para rematar, com todos os acontecimentos do dia, estava enervado com pequenas coisas e não com a mina propriamente dita, ou seria por causa dela?”

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 7 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20628: Notas de leitura (1262): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (44) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 10 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20639: Notas de leitura (1263): O nosso Guiné de Cabo Verde: as metamorfoses de um espaço (séculos XVI-XVII), por José da Silva Horta (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16969: Agenda cultural (536): Lançamento do livro "O General Eanes e a História Recente de Portugal - II Volume", por M. Vieira Pinto, Âncora Editora, apresentação do Embaixador Francisco Henriques da Silva, dia 25 de Janeiro de 2017, às 15,00 horas, no Museu do Combatente, Forte do Bom Sucesso, Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

C O N V I T E



3 anos após a publicação do I volume do livro "O General Ramalho Eanes e a História Recente de Portugal", M. Vieira Pinto[1] lança o II Volume, no dia em que o General comemora o seu 82.º aniversário. 

A obra será apresentada pelo Embaixador Dr. Francisco Henriques da Silva e pela Mestre Sílvia Torres. 

A sessão, integrada nas comemorações do 8.º aniversário do Programa Fim do Império, terá lugar no próximo dia 25 de Janeiro, quarta-feira, às 15:00 horas, no Museu do Combatente, Forte do Bom Sucesso (junto à Torre de Belém), Lisboa. 

 «Ramalho Eanes, que estava em serviço em Angola, não participou no movimento do dia 25, mas sendo imediatamente chamado a Lisboa, foi, usando o seu prestígio e autoridade pessoais, um agente fundamental da evolução para a nova constitucionalização de Portugal, impedindo o triunfo dos extremismos e apoiando a entrega do poder ao eleitorado. Pondo de lado pequenos incidentes, pelo prestígio militar, e sabedoria ganha no conhecimento vivido da maior parte do findo império, foi conduzido pelas Forças Armadas aos mais altos postos, destacando-se, nesse processo complexo, ter sido eleito, por maioria esmagadora, Presidente da República, em 1976, por isso Comandante Supremo das Forças Armadas, mais a Chefia do Estado-Maior das Forças Armadas, e Presidente do Conselho da Revolução.» 

(Excerto do testemunho de Adriano Moreira)

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[1] - Manuel Paulo Lalande Vieira Pinto é licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa. 
Foi quadro, administrador e consultor de diversas empresas privadas, públicas, e de serviços públicos. 

Presidiu aos Conselhos Directivos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e do Gabinete Português de Estudos Humanísticos. 

Desempenhou, como catedrático convidado, funções docentes no ensino superior particular, de que foi fundador com várias personalidades. 

É autor de algumas obras de natureza técnica, didáctica, histórica e biográfica, entre elas, "Adriano – Vida e obra de um grande português" (2010, DG Edições), tendo também participado no 6.º livro da colecção «Fim do Império», Memórias do Oriente, de Dias Antunes.

(Com a devida vénia a Âncora Editora)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de janeiro de 2017 Guiné 61/74 - P16921: Agenda cultural (536): dia 6, sexta-feira, às 15h00, no ISCPS, polo universitário da Ajuda, Lisboa: conferência anual da CCIPGB/ISCSP sobre a Guiné-Bissau: Guiné-Bissau. Governança e Mercado: Região da CEDEAO

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16748: Convívios (773): 28º convívio da Magnífica Tabanca da Linha: 40 convivas no último encontro do ano, no restaurante "O Nosso Cantinho", Alvide, Cascais (Manuel Resende)


Foto nº 1 > Cascais > Cascais > Alvide  >  Restaurante "O Nosso Cantinho" > 17 de novembro  de 2016 > Aspeto geral da sala


Foto nº 2 > Aspeto parcial  dos comensais (1)


Foto nº 3 > Aspeto parcial  dos comensais (2)


Foto nº 4 > Da esquerda para a direita, João Sacôto, Manuel Resende,  José Jesus  e  Mário Fitas



Foto nº 5 > Aspeto parcial  dos comensais (3)



Foto nº 6 >  Em primeiro plano, Jorge Rosales, seguida do Mário Fitas e José Jesus


Foto nº 7 > Da esquerda para a direita: (i) sentados: João da Mata, Miguel Rocha, Jorge Rocha e Manuel Macias; (ii) de pé, Armando Pires, Jorge Costa e Luís Paulino... Todos de Algés, com exceção do João da Mata.


Foto nº 8 > O José Rosales (o mano do Jorge) (à direita),,, e o Francisco Tirano (conhecido por Xico Tirano)


Foto nº 9  > Juvenal Amado (agora a residir na Reboleira, Amadora), em primeiro plano, tendo a seu lado o António Alves Alves (de Lisboa)


Foto nº 10 > João Mata, de Palmela (CART 1746, Bissorã) (à esquerda) e Miguel  Rocha


Foto nº 11 > Irene, a companheira do sapador Luis R,  Moreira, aqui ao lado do Zé Rodrigues 


Foto nºn 12 > Manel Joaquim (ou Djaquin)


Foto nº 13 >  Jorge Nunes Costa


Foto nº 14 > Duas companheiras... Ilda Carioca e Manuela (esposa do Carlos Nuno Carronda Rodrigues)



Foto nº 15 >   Francisco Henriques da Silva (ex-embaixador de Portugal na Guiné-Bissau) e Joaquim Nunes Sequeira.


Foto nº 16 > Joaquim  Nunes  Sequeira e Francisco Palma


Foto nº 17 > A Gina e o seu inseparável  António Fernando Marques (ou vice-versa)


Foto nº 18 > José Diniz Souza e Faro


Foto nº 19 >  Mais um simpático casal: o José Leite e esposa Ana Leite


Foto nº 20 > Zé Carioca e Rogé Guerreiro


28.º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Cascais > Alvide  >  Restaurante "O Nosso Cantinho" > 17 de novembro  de 2016


Fotos  (e legendas): © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Seleção, edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, de 18 do corrente, do Manuel Resende, secretário e fotógrafo da Tabanca da Linha, ex-alf milManuel Resende [, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71]:

Caros amigos,

Ontem tivemos o nosso 28º Convívio. Se acharem querer fazer um poste com o acontecimento, agradeço para registo e consulta futura.

As fotos, sem novidades desta vez, isto é, sem "piras", seguem pela via normal, Google Drive. Como os intervenientes são todos mais ou menos conhecidos, não faço comentários.

Em anexo segue um pequeno texto.


Ontem, 17-11-2016 ocorreu, conforme previsto, o 28º convívio da Magnífica Tabanca da Linha em Alvide, Cascais, no Restaurante "O Nosso Cantinho". 

Tudo correu bem e sem reclamações.

Apesar desta fase do ano não ser muito propícia a estes eventos, entenda-se nossas idades e mês, tivémos 40 convivas, valor médio dos nossos convívios. Foi mais uma agradável reunião, movida pela amizade, e que esperamos que continue, ora com mais ora com menos convivas. 

Sei que hoje a Guiné está a passar mais um mau "bocado", esperemos todos que tudo se resolva da melhor forma, pois é essa palavra mágica "Guiné" que nos une e nos motiva.

Seguem-se algumas fotos para recordar o acontecimento.

Um abraço a todos

Manuel Resende

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