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domingo, 14 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25068: Casos: a verdade sobre... (40): "Canquelifá era o seu nome" - Uma batalha de há 50 anos (José Peixoto, ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, 1972/74) - Parte III: 21 de março de 1974, Op Neve Gelada, 22 cadáveres de guerrilheiros são trazidos para o quartel, lavados, fotografados e enterrados na pista de aterragem

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Sector L4 (Piche) > Canquelifá >  CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (1972/74) > Março de 1974 > O José Marques (presume-se...) junto a um dos morteiros 120 capturados no dia 21 de março de 1974, no decurso da Op Neve Gelada, pelos Comandos Africanos, na zona de Canquelifá, "quando arrumávamos as respectivas granadas" (sic). 

Cortesia de José Marques (natural de Alpalhã, Portalegre, vive Castelo de Vide); tudo indica ter pertencido à CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, Camquelifá, 1972/74; foi já convidado para integrar o blogue, é apenas amigo do Facebook da Tabanca Grande).




Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Sector L4 (Piche) > Canquelifá >  CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (1972/74) > Foto e legenda do  José Marques, na sua página do Facebook:

Canquelifá em 74. Abrigo 12 visto do campo de futebol, nesse dia 31-03-74, não houve feridos, porque após a morte do furriel Agualusa da Rosa e o abandono da população, todos se abrigavamos no abrigo (vala coberta com troncos e pedra) à esquerda deste abrigo , junto ao tronco do mangueiro.

Canquelifá - 31 março de 74, Ultimo ataque a Canquelifá e destruição do abrigo 12, nós estávamos no abrigo (vala um pouco mais larga) com mais de um metro de troncos, cimento e pedra, à esquerda na parte mais escura, o abrigo chegava a menos de um metro deste.Quando este foi atingido pensámos que era o nosso que se estava a desmoronar.

Fotos (e legendas): © José Marques (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Sector L4 (Piche) > Canquelifá >  CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (1972/74) > Janeiro de 1974. Explosão de uma bomba durante um ataque do PAIGC ao aquartelamento de Canquelifá: foto do álbum do camarada Pereira, que vive em Almada,  ex-fur mil da CCAÇ 3545, com a devida vénia, cortesia de Jorge Araújo (***)


1. Continuação da narrativa do José Peixoto com as sua memórias sobre a Canquelifá do seu tempo (*). Recorde-se que:

(i) foi 1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74);

(ii) vive no concelho de Vila Nova de Famalicão;

(iii) é membro da Tabanca Grande nº 731, entrado em 30/10/2016.


Deixou-nos um relato memorialistico, dramático, dos últimos tempos da sua comissão, de 12/13 páginas, que foi escrevendo ao longo dos anos, e que intitulou "Arauto da Verdade".

O texto, extenso, foi publicado na íntegra (**). Estamos agora a republicá-lo, em postes por episódios, e cruzá-lo com outros postes que temos publicado sobre Canquelifá, com referênica à situação militar que se agravou, naquele aquartelamento e povoação do nordeste da Guiné, região de Gabu, a partir de agosto de 1973.



Crachá da CCAÇ 3545, "Os Abutres" (Canquelifá e Dunane, 1972/74

(cortesia do José Peixoto)



José Peixoto, Canquelifá, c. 1973


José Peixoto, hoje, inspetor 
da CP, reformado


"Canquelifá era o seu nome" - Parte III:   

Dia 21 março 1974, Op “Neve Gelada”

por José Peixoto


Com base no cansaço, pois o desgaste físico de todos nós era evidente, o inimigo cada vez mais massacrava e incrementava as suas operações a Canquelifá e áreas limítrofes, eis que surge o tão esperado apoio de 3 companhias de comandos africanos com o fim de limpar as áreas afetadas.

Às 13h00 do referido dia 21, entrada pela porta principal, abrigo 1, em coluna apeada.

A primeira companhia dirigiu-se à porta situada no lado da  Mata Sagrada, no sentido de  Chauará, local onde era suposto o IN ter instalado a sua base de lançamento dos mísseis, saindo por esta para o exterior.

A segunda companhia dirigiu-se à porta de acesso à pista junto ao abrigo 5,no  sentido de Sinchã Jidé, local onde era suposto o IN ter instalado o seu poderio dos mosteiros 120 mm, saindo para o exterior.

A terceira companhia ficou instalada junto ao abrigo de transmissões, de reserva, aproveitando a sombra de uma velha e grande laranjeira, cujo fruto não se podia comer, por ser muito amargo.

Volvidas que foram cerca de duas horas após a saída das duas companhias para o exterior de Canquelifá, às 15h00, foi ouvido o rebentar de um tiroteio de armas ligeiras, à mistura com algumas morteiradas. 

Naquele preciso momento encontrava-me a circular sentado na caixa de um Unimog, tendo por companhia o enfermeiro Paiva, de quem eu tinha recebido um convite, apenas com a intenção de curtir, tal como era usual dizer-se. A finalidade era ir a uma tabanca, para o lado do abrigo 2, buscar uma “bajudinha” que se encontrava com o paludismo para ser tratada na enfermaria.

A nossa primeira reação foi a de sempre, saltar da viatura e procurar alguma proteção debaixo da mesma, durante o desencadear do tiroteio, estimado em cerca de 10 a 15 minutos.

A evacuação da “bajudinha” já não foi concretizada, logo retrocedemos no itinerário para o denominado centro do aquartelamento. Nesta fase ainda se ouviam alguns tiros esporádicos.

Dirigi-me ao abrigo de transmissões no qual se encontrava entre outros o então major Raul Folques, procurando junto do militar, responsável pelas transmissões no terreno, inteirar-se efetivamente do que se estava a passar.

A primeira ordem que este Homem de Guerra transmitiu, honra lhe seja feita pelo trabalho coordenado, foi a saída imediata da companhia que se encontrava de reserva junto ao posto de rádio, pela porta de armas de acesso à pista no sentido de Sinchã Jidé.

À medida que o tempo passava, eram recebidas informações via rádio do resultado obtido pelas duas fações, que indicavam um número indeterminado de baixas ao IN, bem assim como material capturado.

Às 17h10, de uma tarde marcante, fazendo paralelo com as fiadas do arame farpado que dividiam o aquartelamento da vegetação, lado do Mata Sagrada, começou-se a avistar a chegada de uma das companhias, trazendo consigo aquilo a que se poderia chamar troféus de guerra, exatamente 22 corpos transportados em cima de macas improvisadas de ramos de árvores.

O estado dos seus corpos era sobretudo confrangedor e arrepiante, membros dependurados, cabeças dilaceradas, uns quantos ainda com parte do uniforme, outros completamente nus.

Chegados às imediações, a população saiu pela porta de armas ao encontro dos militares, pontapeando os corpos. Esta talvez fosse a única forma de vingança pelas mortes causadas aos seus entes queridos, em ataques anteriores.

Quando já dentro do aquartelamento, foi dada ordem para que todos os corpos fossem encaminhados para a Mesquita de Canquelifá, local de culto no qual os homens grandes praticavam as suas orações, virados para Meca.

Para efetuar a segurança durante a noite, foi escalado um pelotão da nossa companhia.

Às 17h30, quando tudo estava aparentemente calmo, eis que surge novo ataque de curta duração, com misseis, procurando assim destruir o pouco que ainda restava, como retaliação pelas suas baixas há duas ou três horas.

Às 18h00, e a pedido do então alferes Fernando de Sousa Henriques, foram reunidos uns quantos militares, de caráter voluntário, para fazer segurança a 3 viaturas (2 Unimogs e 1 Berliet) na ida ao local do confronto para recuperação do material capturado. 

Eu também fiz parte deste grupo de voluntários, à semelhança do nosso presado cantineiro José Esteves, a residir para os lados de Vila Real, que para os amigos reservava sempre,  no canto mais à direita da arca frigorífica, aquela “bazuca” fresquinha.

Ordem de partida foi dada: saída pela porta de armas lado pista de aterragem dos meios aéreos, abrigo 5.

Após progressão na ordem de 1,5 km foi desencadeado novo tiroteio. Toda a coluna parou para se poder proteger, de realçar o facto de já nos encontrarmos perto do local onde se tinha dado o conflito. 

Sem sabermos o que de facto estava a acontecer, procurei estabelecer contacto com o posto de rádio de Canquelifá, o que só foi possível volvido algum tempo, o suficiente para o alferes Henriques se zangar e, num gesto brusco, me retirar o auscultador da mão, aludindo que eu ainda não sabia trabalhar com o rádio, o bem conhecido Racal. (Estas situações são as chamadas incongruências de uma guerra.)

A informação que proveio de Canquelifá, e recebida por este superior, foi exatamente, que o IN voltou ao local na tentativa de recuperar os mortos que,  como atrás referi,  eram 22 corpos.

Na posse destes elementos, e tendo em consideração que as armas se tinham calado, fomos progredindo mais uns metros com toda a serenidade, pois estava na nossa frente posicionada uma companhia formada por elementos cuja maioria era africana, fazendo proteção ao material capturado, embora a informação da nossa aproximação já tivesse fluido antecipadamente.

Foi um tanto quanto arriscada esta operação de encontro, frente a frente de uma força com a outra, tendo culminado com total êxito, pois o local era de vegetação densa.

Feita a inversão das viaturas, procedeu-se ao carregamento do material capturado, constando de cerca de 360 granadas de morteiro 120 mm, 2 morteiros do mesmo calibre completos, montados sobre rodas e outros tantos incompletos, 1 prato, mais 1 tripé.

Tratou-se na realidade de uma operação de muito risco para todos quantos voluntariamente acederam ao pedido do então saudoso alferes 
[Fernando de Sousa] Henriques.

A chegada a Canquelifá já foi tardia, por volta das 23h00, todo o regresso foi feito na escuridão da densa vegetação, apenas a viatura mais da frente acendia esporadicamente os seus mínimos, de salientar o facto de um dos veículos, creio que um Unimog, ter furado um pneu, também não me recordo se à ida, ou no regresso, é facto, assim circulou até à chegada a Canquelifá. Foi uma autêntica odisseia, sem paralelo.

Não posso deixar de realçar uma situação ocorrida já dentro de Canquelifá tendo por protagonistas a minha pessoa, o então carismático furriel mecânico Pais e um militar africano da companhia de Comandos.

Tendo este em seu poder uma pequena arma, que mais se assemelhava à nossa pistola Walter, que procurava vendê-la, alegando tê-la capturado horas antes, na operação, a um elemento feminino do PAIGC, que procurava atingi-lo, protegida por uma árvore, tendo este com a sua perspicácia evitado tal, apontando-lhe a sua G3 e dando-lhe ordem para baixar a arma.

Posteriormente tentou dialogar com ela em várias línguas, sem entendimento possível, tendo finalizado o seu diálogo apontando com a mão esquerda para o seu peito onde sustentava o seu crachá, dizendo-lhe:

−  Comando Africano não perdoa!  
− e utilizando a sua arma G3, fez uma rajada em cruz no peito da mulher, caindo esta junto à árvore.

O corpo dela foi resgatado pelo PAIGC durante o segundo confronto com a companhia dos comandos.

Relativamente à pistola, o negócio estava terminado, cujo valor para mim era de 100 pesos, tendo o Furriel Pais, valorizado para o dobro, não tenho a certeza da concretização da compra por este.

Dando continuidade ao episódio dos 22 corpos que se encontravam a repousar na grande Mesquita de Canquelifá, começaria por realçar o pedido de 2 voluntários pelo Capitão Cristo, cerca das 8h00 já do dia 22 março 1974, com a pretensão de retirarem os corpos para o exterior da mesma, onde previamente tinham sido colocados uma quantidade necessária de bidões vazios,vasilhame chegado, uns com vinho da Manutenção Militar, outros de combustível para a Mecânica, a fim de os corpos serem sentados no chão, encostados aos aludidos bidões.

 De seguida, procederam à lavagem dos seus rostos ensanguentados, recorrendo para o efeito de uma lata com água e uma vassourita de piaçaba.

A dupla de voluntários então surgida era composta pelos:

(i) o nosso Oliveira, mais conhecido pelo “Mata vacas”, pois tratava-se na realidade de um homem de coragem, se bem me recordo retalhava uma vaca, depois de morta, na sua totalidade em cerca de 20 minutos, trabalho que sempre realizou em prol da alimentação da Companhia, em toda a sua comissão, por ser esta a sua profissão na vida à paisana;

-(ii)  segundo voluntário, com alguma margem de incerteza, creio ter sido o carismático “Azambuja”, nome próprio, José Cruz, cozinheiro oficial da CCAÇ 3545, mas que não exerceu.

Realizada operação definida pelo comandante Cristo, cerca das 9h00 chegaram, 1 helitransporte escoltado por 1 helicanhão, para garantir a segurança da sua aterragem. Na placa da pista a segurança era assegurada por um pelotão, como acontecia em situações semelhantes.

Apeados os ocupantes de várias patentes, pertencentes ao Comando Territorial da Guiné, dirigiram-se ao centro, no qual se encontravam os corpos, sendo a primeira missão fotografar individualmente os mesmos por um fotocine vindo de Bissau para o efeito.

De seguida foram transportados num Unimog, também individualmente, sendo-lhes colocado junto ao corpo uma garrafa vazia de cerveja, que continha um ou mais documentos escritos no preciso momento, de conteúdo confidencial.

Reunidos os respetivos requisitos, seguiram destino pista da aviação, onde foram enterrados nos próprios buracos dos foguetões por estes lançados sobre Canquelifá nos dias últimos, não tendo atingido o objetivo por eles planeado.

De realçar o facto de ter sido escalado um pelotão naquele dia e no seguinte, para carga e transporte de terras em Unimog para serem tapados os buracos, entenda-se sepultura dos corpos.

Assim ficou encerrado mais um capítulo de uma guerra subversiva que muitas lágrimas provocaram aos intervenientes de ambas as partes.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto,negritos: LG)



Quartel de Canquelifá >  7Jan1974 > Dois corpos, já cadáveres, de elementos da guerrilha capturados durante a “Acção Minotauro”, levada a cabo por um bigrupo da CCAÇ 21. (***)

Por ausência de identificação, supõe-se que o primeiro elemento, em primeiro plano, seja o Tenente Ramón Maestre Infante (cubano) e, o outro, Jaime Mota (cabo-verdiano). 

Foto do álbum do camarada Pereira, fur mil da CCAÇ 3545, com a devida vénia.  Cortesia do nosso coeditor Jorge Araújo (***)
____________

Notas do editor


(*)  Últimos dois  postes da série > 



Vd. também poste de 10 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25053: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XLI: Canquelifá, a ferro e fogo, no 1º trimestre de 1974

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25053: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XLI: Canquelifá, a ferro e fogo, no 1º trimestre de 1974


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné > Zona leste > Região de Piche > Setor de Piche > Canquelifá >  Março de 1974 > A desolação da guerra: a tabanca, depois das violentas e prolongadas flagelações, diárias  por parte do PAIGC, à luz do dia, com morteiros 120, foguetões 122 e canhões s/r, entre 18 e 22 de março de 1974, e partir de várias direções (e sobretudo Norte e Leste).

Houve mortos e feridos e graves danos materiais: pelo menos, 1 morto e 5 feridos graves entre as NT; 3 mortos, 2 feridos graves e 4 feridos ligeiros entre a população. Essas acções, que devem ter sido dirigidas pelo comandante do PAIGC Manuel dos Santos (Manecas),  revelam um certo "sentimento de impunidade", com o IN escudado nos mísseis terra-ar Strela,  russos, tentando "engodar" a nossa aviação... Nesta altura, no 1.º trimestre de 1974, Canquelifá corria o risco de tornar-se a Guileje da zona leste, o que é confirmado pelo testemunho do Amadu Djaló. 

Nuno Rubim escreveu a propósito: "Sempre presumi que a base de fogos tivesse instalada do outro lado da fronteira. O Perintrep é omisso sobre este ponto. Mas não, ao que parece era na antiga tabanca de Chauara, a escassos 10 km de Canquelifá, com o PAIGC entrincheirado, e sua artilharia defendida por sapadores e infantaria... A escassos 4 km a norte, havia outra posição, Sinchã Jidé. No caso de Chauara, o reabastecimento era feito por estrada próxima que vinha do Senegal e atravessava a Guiné-Conacri." (*) 

Pelo testemunho do ex-ten pilav António Martins de Matos, nosso grão-tabanqueiro, sabemos que da parte da FAP houve bombardeamentos nocturnos com o Dakota, chegando-se a utilizar bombas de 750 libras para aliviar a pressão sobre as NT.

Estas fotos são do álbum do nosso camarada (e amigo)  Jacinto Cristina, o famoso padeiro do destacamento da ponte de Caium (CCAÇ 3546, Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974), e que vive em Figueira dos Cavaleiros, Ferreira do Alentejo,  estando ainda vivo, rijo e valente.

Observ. - O José Peixoto, ex-1º cabo radiotelegrafista, da CCAÇ 3545, que vive emVila Nova de Famalicão, e é membro da nossa Tabanca Grande, diz que estas fotos terão sido tiradas pelo "saudoso alferes (Fernando de Sousa) Henriques" (falecido em 2011),  e que se reportam aos primeiros grandes ataques de 3, 4 e 5 (sic) de janeiro de 1974 (e não de 18-24 de março), altura em que a população abandonou a tabanca e o houve um princípio de pânico e amonitação do pessoal da companhia (bem como  do Pel Art) (que queria abandonar Canquelifá), situação que o cap mil inf Fernando Peixinho de Cristo (1947-2016)  conseguiu resolver com grande calma e coragem (feito que lhe terá valido a Cruz de Guerra de 3ª classe, a par da defesa heróica de Canquelifá nos últimos meses  do final da guerra).

Fotos: © Jacinto Cristina (2010). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Mapa de Canquelifá (1957) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Canquelifá (NT) e das bases de fogos do PAIGC, em março de 1974: Sinchã Jidé, a 4 km a norte, junto à fronteira com o Senegal, e Chauara, a menos de 10 km, a leste, junto à fronteira com a Guiné-Conacri.


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Mapa de Canquelifá (1957) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Canquelifá, Copá, Nhunanca e Chauará, bem como  da fronteira do Senegal, a norte.

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)

1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais de nove dezenas de referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não  lhe permitaram ultimar.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné-Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xix) o jogo do rato e do gato: de Caboiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972;

(xx)  tem um estranho sonho em Gandembel, onde está emboscado très dias: mais do que um sonho, um pesadelo: é "apanhado por balantas do PAIGC";

(xxi) saída para o subsetor de Mansoa, onde o alf cmd graduado Bubacar Jaló, da 2ª CCmds Africanos, é mortalmente ferido em 16/2/1973 (Op Esmeralda Negra)M

(xxii) assalto ao Irã de Caboiana, com a 1ª CCmds Africanos, e o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor;

(xxiii) vamos vê-lo a dar instrução a futuros 'comandos' no CIM de Mansabá, na região do Oio, no primeiros meses do ano de 1973, e a fazer algumas "saídas" extras (e bem pagas) com o grupo do Marcelino, ao serviço do COE (Comando de Operações Especiais), que era então comandado pelo major Bruno de Almeida; mas não nos diz uma única sobre essas secretas missões; ao fim de 12 anos de tropa, é 2º sargento e confessa que está cansado;

(xxiv) antes de ir para CCAÇ 21, como sede em Bambadinca, como alferes 'graduado" (e sob o comando do tenente graduado Abdulai Jamanca, ainda irá participar na dramática Op Ametista Real, contra a base do PAIGC, Cumbamori, no Senegal, em 19 de maio de 1973;  esta parte do seu  livro de memórias  (pp. 248-260) já aqui foi transcrita no poste P23625;

(xxv) no leste, começa por atuar no subsetor do Xime, em meados de 1973;

(xxvi) em setembro de 1973, quando estava em Piche, já na CCAÇ 21, recebe a terrível notícia da morte do seu querido irmão mais novo, Braima Djaló, da 3ª CCmds;

(xxvii)  embora amargurado com a morte do seu irmão mais novo, e cansado, ao fim de 12 anos de tropa e de  guerra, o Amadu Djaló mantem-se na CCAÇ 21, como alferes graduado; vemo-lo agora no início de 1974 em Canquelifá, em reforço da CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (1972/74).


 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XLI:

Canquelifá a ferro e fogo, no 1.º trimeste de 1974 (pp. n 266-272)


A CCaç 21, comandada pelo tenente Jamanca, foi destacada para apoiar a companhia estacionada em Canquelifá 
[CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883] . Partimos de Piche com os milícias das tabancas da zona a picarem a estrada.

Quando chegámos reunimo-nos com o capitão[1] da companhia de europeus. A primeira coisa que nos disse foi que não tinha instalações para nos alojarmos. Jamanca respondeu que não havia problemas, que nós nos havíamos de desenrascar. Falámos com o filho de régulo, Mamadu Sané, mais conhecido por Mama Sané, que nos arranjou uma casa com cinco quartos e respectivas camas e um sala grande com mesas e cadeiras. Tínhamos mais do que esperávamos.

Depois de descansarmos um bocado, fomos chamados para o almoço, que dois soldados europeus tinham colocado nas mesas da casa onde ficámos. Enquanto me estava a lavar,  ouvi Demba Chamo dizer qualquer coisa que não percebi mas ouvi a resposta do Jamanca, que comíamos e depois reclamávamos. 

Quando entrei na sala vi duas travessas de alumínio, muito velhas, uma rota e sem pega, os talheres muito velhos também. Estávamos todos muito calados até à chegada do Sada Candé, que mal se sentou perguntou se era naquelas sucatas que íamos comer. Jamanca, muito calmo, voltou a dizer:

- Vamos comer primeiro, depois falámos com o capitão. 

Mas Sada disse que não comia e todos nós ficámos a olhar para ele.

Sada interpelou dois soldados da CCaç 21, que estavam a passar, mandou-os pegar na travessa e na terrina e passou para a frente deles dizendo-lhes para irem atrás. Não o podia deixar ir sozinho, levantei-me e segui-o até ao gabinete do capitão. 

Quando chegámos, Sada perguntou ao capitão se era nessas travessas que nos davam a comida. Quando o capitão ia começar a falar, Sada pegou na terrina da sopa e atirou-a para o chão, enchendo de sopa as calças do capitão. Fiquei muito envergonhado e ouvi o capitão dizer que o assunto não era com ele, era com o alferes tal, não me lembro do nome. Sada, muito excitado, foi à procura do alferes e quando reparámos estavam os dois aos socos, um ao outro, e depois continuaram a lutar no chão.

Soldados africanos e europeus levantaram-se, a ver o espectáculo. Um alferes europeu que estava à minha beira disse-me para o ajudar a separá-los. 

Isto é uma vergonha, dois oficiais a brigar, com os soldados todos a ver, vamos separá-los já disse-me.

O capitão mandou recolher a comida que estava em cima das mesas deles e mandou levá-las para as nossas. Mas nós já tínhamos perdido a vontade de comer.

À noite, mais calmos, reunimo-nos para discutir o assunto. Resolvemos levantar os géneros, entregá-los ao filho do régulo e pedir-lhe que fosse a mulher dele a cozinhar para nós. Jamanca, sempre muito calmo, disse-nos para não contarmos a ninguém o que se tinha passado. Que, como tínhamos visto, o capitão e os oficiais da companhia eram boas pessoas e que devíamos esquecer essa história das terrinas.

Eu tinha conhecido Canquelifá muitos anos atrás, em 1961, quando andei por lá com o meu primo Ussumane Injai a comprar gado para o vendermos depois em Bissau. Nessa altura, Canquelifá era uma terra pequena, tinha só duas ou três lojas.

Agora estava aqui outra vez, no início de 1974[2], e Canquelifá estava muito diferente. As tabancas que havia à volta, junto às fronteiras com o Senegal e com a Guiné-Conacri,  estavam todas arrasadas, a população tinha desaparecido

A zona estava nas mãos do PAIGC e Canquelifá agora era um local muito perigoso, sempre à espera de ataques, do lado do Senegal ou da Guiné-Conacri. As estradas estavam semeadas de minas, se Canquelifá precisasse de apoio à noite, não podia ser socorrida por estrada, de noite não se podiam picar estradas. Foi nesta situação que encontrámos Canquelifá.

Estavam ali duas companhias[3], uma de europeus e a nossa, oito pelotões ao todo. Fizemos um programa de saídas, todos os dias de manhã saía um bigrupo nosso até a uma distância de cinco a sete kms e regressava por volta das duas da madrugada. Julgávamos que,  a partir dessa hora, era mais difícil haver ataque do PAIGC. Num dia saía um bigrupo de africanos, no dia seguinte um de europeus. Desta forma, cada bigrupo descansava três dias.

Em algumas dessas saídas, deixávamos o quartel, de manhã muito cedo, na direcção de Nhunanca. Depois de andarmos um bom bocado, entrávamos numa lala[4], quase sem árvores, com o capim muito alto, que as populações geralmente queimavam na primavera.

Depois de atravessarmos para o outro lado da lala, permanecíamos aí algum tempo, até cerca das 15h00, quando decidíamos abandonar o local. Caminhávamos mais dois a três kms e emboscávamo-nos. Ocupávamos dois caminhos, o que ia para Nhunanca e o que levava a Chauara. Ficávamos naquele local durante cerca de uma hora e regressávamos, contornando o quartel e entrando pela entrada contrária à saída para Copá. Fizemos este trabalho várias vezes, com uma ou outra alteração no percurso.

Numa dessas saídas[5], um dos nossos bigrupos, comandado pelos alferes Ali Sada Candé e Braima Baldé, quando estava emboscado, a cerca de dois kms do aquartelamento, avistou, por volta das 16 horas, um grupo do PAIGC a atravessar uma lala. Estavam a deslocar-se na direcção do quartel.

O nosso bigrupo foi no encalço deles, a observarem o que iam fazer. Cerca de um quilómetro andado o pessoal do PAIGC parou, debaixo de uma grande árvore. Um deles estava a preparar-se para subir a árvore, quando o nosso bigrupo os atacou, de surpresa. 

O pessoal do PAIGC fugiu como pôde, deixando no local três guerrilheiros mortos[6], as armas e um rádio Racal[7], que viemos a descobrir, mais tarde, tinha sido perdido por nós em Morés, em 23 de dezembro de 1971.

Era a vez do meu grupo ficar no aquartelamento, mas quando começámos a ouvir o tiroteio saímos imediatamente. Quando os encontrámos o caso já estava arrumado, ajudámo-los a trazer os corpos dos guerrilheiros que depositámos junto à parada.

Nesse mesmo dia[8], por volta das 17h30, o PAIGC desencadeou um ataque a Canquelifá. Ou de represália, ou porque também tinham ouvido os tiros. Um dos primeiros mísseis acertou na central eléctrica e uma grande bola de fumo negro começou a subir. De vez em quando paravam os bombardeamentos, depois recomeçavam. Durou quase a noite toda este ataque. Não me lembro de ter visto algum míssil cair fora do arame farpado.

A tabanca ardeu e ficou completamente destruída. Morreram durante o ataque três pessoas: um furriel europeu, salvo erro chamado Silva, um soldado negro, o Mica Djaló, que eu tinha eliminado no 4º curso de comandos em Mansabá,  e um rapaz de cerca de 13 ou 14 anos que trabalhava para o furriel europeu que tinha morrido[9].

Durante a flagelação, que nunca mais acabava, a certa altura, chegou-se ao pé de mim um soldado da minha companhia, chamado Ansumane, que me disse que, no local onde se encontrava, tinham morrido todos, que ele tinha sido o único que tinha escapado. Perguntei-lhe pelo comandante do grupo, respondeu que não sabia. Chamei o Mamadu Mané, que era o comandante da milícia local, e disse-lhe para ir comigo, acompanhados de alguns voluntários do meu grupo.

Nessa altura, estávamos debaixo de fogo, continuavam a cair mísseis na zona do quartel, mas não impediram a nossa ida. Quando lá chegámos vimos três corpos enterrados numa vala e alguns feridos. Conseguimos retirá-los, com muita dificuldade, e transportar os feridos para a enfermaria, onde lhes prestaram os primeiros socorros, ainda durante a madrugada, até que, de manhã, foram evacuados.

Foram muitas as operações e emboscadas que fizemos na zona de Canquelifá e Piche. É difícil, para mim, recordar os pormenores de todas. De algumas eu fui tomando pequenas notas. Noutras, eu estava cansado e também aconteceu ter que sair outra vez. E depois esqueci-me.

Recordo-me de duas emboscadas[10], entre Piche e Canquelifá, em que numa, mesmo ao nosso lado, os milícias tiveram um morto e alguns feridos e na outra só tivemos alguns feridos ligeiros.

A minha companhia saiu uma vez com a companhia de europeus, para a zona do Gabu. Saímos de Piche, em viaturas, e cerca de cinco minutos depois caímos numa emboscada[11]. Tivemos seis mortos[12], entre as quais o Bailo, soldado do meu grupo. Nesta emboscada perdemos um carro blindado[13].

De outra vez, deixámos Piche para irmos ao rio Corubal[14]. Quando nos estávamos a aproximar do rio,  vimos pegadas frescas, caixas de fósforos e maços de cigarros vazios. Era uma zona muito utilizada pelo inimigo. 

Na conversa com o guia, este disse-me que todos os acampamentos do PAIGC ficavam na outra margem e que para este lado só vinham quando faziam patrulhas ou para atacarem o quartel, a maior parte durante a noite.
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Notas do autor ou do editor literário (VB):

[1] Nota do editor: cap mil inf inf  Fernando Peixinho de Cristo (1947-2004).

[2] Nota do editor: é início de 1974 (e não em  1973, como por lapso vem no original)

[3] Nota do editor: CCaç 3545 e CCaç 21.

[4] Clareira.

[5] Nota do editor: Acção “Minotauro”, em 7/01/1974. (***)

[6] Um cubano e dois fulas (na realidade, um deles era cabo-verdiano, o Jaime Mota, e o cubano seria o tenente
 Ramón Maestre Infante), que foram transportados para Canquelifá, onde ficaram expostos durante os bombardeamentos. Depois, durante uma acalmia, foram enterrados num local junto à pista de aviação, em dois buracos abertos pelos bombardeamentos. (***)

[7] Quando foi emitida para o QG, a mensagem da operação, com a indicação do material apreendido, alguém confirmou, através do nº do aparelho, que o rádio Racal era o que tínhamos perdido, cerca de dois anos antes, em Morés.

[8] Nota do editor: 7 Janeiro 1974.

[9] Nota do editor: em consequência desta flagelação sobre Canquelifá, executada ao final do dia 7 janeiro 1974, morreram no local o fur mil OE Luís Filipe Pinto Soares e os soldados Donsa Boaró, da CCaç 21,  e Mica Baldé, do 6º PelArt /GAC 7.

[10] Nota do editor: uma no itinerário entre Piche e Canquelifá ocorreu em 26mar74, que causou a morte a Adulai Buaró e Iaia Sissé, ambos soldados milicias do Pel Mil 268, adstrito à CCaç 3545,  e Ibraima Candé, soldado da CCaç 21.

[11] Nota do editor: em Bentém, no itinerário Piche-Canquelifá.

[12] Nota do editor: nesta emboscada, em 22 março 1974, menos de 24 horas depois da operação “Neve Gelada” (às 15h00 de 21mar74, o BCmds capturou ao IN 3 morteiros 120), morreram o soldado-condutor da chaimite, João Costa Araújo, Victor Manuel de Jesus Paiva, soldado-condutor, os furriéis José António da Costa Teixeira e Manuel Joaquim Sá Soares, do ERec 8840, sedeado em Bafatá,  e os soldados Bailó Baldé, da CCaç 21, e Bambo Nanqui, do 12ºPel Art / GAC7.

[13] Nota do editor: viatura chaimite.

[14] Corubal foi o nome que os Fulas lhe deram. Os Futa-Fulas chamam-lhe Coli.

(Seleção, fixação / revisão de texto, negritos, links, fotos, notas adicionais, título, subtítulo: síntese das partes anteriores: LG)
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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 17 de maio de  2016 > Guiné 63/74 - P16098: O que dizem os Perintreps (Nuno Rubim) (4): A um mês do 25 de abril de 1974, o IN ataca Canquelifá durante 4 dias, com um grande potencial de fogo, e faz violenta emboscada no itinerário Piche-Nova Lamego a coluna auto (Perintrep 12/74, relativo ao período de 17 a 24/3/1974)


(***) Vd. poste de  15 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23001: Memórias cruzadas da região de Gabu: as origens do desassossego em Copá e as sequelas da metralha entre o Natal de 73 e 7Jan74 (Jorge Araújo)

Vd. também poste de 30 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16656: Tabanca Grande (497): José Peixoto, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAÇ 3545/BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74), nosso 731.º Grã-Tabanqueiro

domingo, 26 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24889: S(C)em comentários (19): O silêncio da CECA (Comissão de Estudo para as Campanhas de África) sobre a trágica Op Abencerragem Candente: Xime, 26 de novembro de 1970, 6 mortos e 9 feridos graves


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > c. 1969/70 > Vista aérea da tabanca do Xime, onde estava sediada uma unidade de quadrícula... Em 26 de novembro de 1970, era a CART 2715 / BART 2917, comandada pelo jovem cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014). (*)

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Um dos maiores desaires das NT, no Sector L1 (Bambadinca), no meu tempo (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, junho de 1969/ março de 1971) foi a Op Abencerragem Candente (subsetor do Xime, 25 e 26 de novembro de 1970). (**)

Temos 26 referências no nosso blogue a esta operação. Em contrapartida, há um estranho silêncio nos livros da CECA (Comissão para o Estudo das Campannhas de África)... Nem uma palavra no livro relativo à atividade operacional no CTIG em 1970: vd. CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2015), 

A Op Abencerragem Candente foi  53 anos atrás (4 dias depois da Op Mar Verde), e ao que sabemos terá sido a mais sangrenta das operações realizadas no subsetor do Xime, durante a guerra colonial, pelo lado das baixas  contabilizadas para as NT: 6 mortos e 9 feridos graves:

(i) Da CCS/BART 2917, ao serviço da CCAÇ 12: guia e picador Seco Camará, assalariado, trabalhando sobretudo com a CCAÇ 12; está sepultado em Nova Lamego:

(ii) Da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72):

- Furriel Mil Mec Auto Joaquim Araújo Cunha, nº mec 14138068; sepultado em Barcelos;

- 1º Cabo At José Manuel Ribeiro, nº mec 18849069; sepultado em Lousada.

- Sold At Fernando Soares, nº mec 06638369; sepultado em Fafe;

- Sold At Manuel Silva Monteiro, nº mec 17554169; sepultado em Condeixa-a-Nova;

- Sold  At Rufino Correia Oliveira, nº mec 17563169; sepultado em Oliveira de Azeméis...

Dos feridos graves (9), helievacuados em Madina Colhido, não temos infelizmente registo dos seus nomes, tirando o sold Sajuma Jaló (apontador de bazuca do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, onde eu ia integrado, como comandante de secção).

A emboscada, em L, enquadrada e/ou comandada por cubanos, apanhou na "zona de morte" os 3 Gr Comb do Agr C [CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12]. Estiveram envolvidos nesta operação 3 agrupamentos, 8 grupos de combate, cerca de 250 homens em armas.

"O ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r (!) que incidiram sobre a antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (1° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola-metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores." (Fonte: poste P1318).

2. No desfecho desta operação, uma das vítimas, "à posteriori", foi o próprio comandante da CART 2715, o jovem cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos, então com 26 anos. Por razões de saúde, saiu do comando da CART 2715, no princípio do ano de 1971, e nunca mais voltou.

Há 7 anos atrás, o nosso editor LG deixou aqui escrito, em verso, o seguinte (****):

(...) Um, dois, três, quatro, cinco, seis homens
vão morrer daqui a três ou quatro horas,
às 8h50,
em vinte e seis de novembro de mil novecentos e setenta,
no cacimbo da madrugada,
na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês.
Cinco brancos e um preto,
a lotaria da morte, em L,
numa emboscada que é cubana,
numa roleta que é russa,
com os RPG, amarelos, "made in China"...
no corrocel da morte que é, afinal, universal! (...)
_________

Notas do editor:

(*) Último poste da série  > 26 de novembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24888: S(C)em comentários (18): Obrigado, América! Thank You, America ! (José Câmara, Soughton, MA)

(**) Vd. poste de 28 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23823: (De) Caras (190): Vitor Amaro dos Santos (Lousã, 1944 - Coimbra, 2014), o primeiro comandante´da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970 /72): continuamos a honrar a sua memória 


(****) Vd.poste de 27 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16765: Manuscrito(s) (Luís Graça) (102) : Para ti, camarada, que ainda não sabes que vais morrer, às 8h50 da madrugada do dia 26 de novembro de 1970...

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Guiné 61/71 - P24305: Armamento do PAIGC (4): Morteiro pesado 120 mm M1943, de origem russa, usado nos ataques e flagelações a aquartelamentos das zonas fronteiriças, como Gandembel, Guileje, Gadamael, Guidaje, Copá ou Canquelifá


Guiné > PAIGC > 1973 > O temível morteiro 120 mm, usado na batalha dos 3 G (Guidaje, Guileje, Gadamael)... Só Guileje tinham abrigos  feitos pela Engenharia Militar, o BENG 447, à à prova de morteiro pesado...  As granadas tinham uma espoleta de atraso, perfurante, permitindo um melhor desempenho, após uma perfuração inicial das estruturas dos abrigos.

Foto (e legenda): © Nuno Rubim (2007). Todos os direitos reservados.
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaaradas da Guiné]




Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > Sector L4 >  Canquelifá >  Março de 1974 > A desolação da guerra... A tabanca, depois do violento ataque do PAIGC com morteiros 120 e foguetões 122, durante 4 horas, em 18 de março de 1974...

Foto (e legenda): © Jacinto Cristina (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaaradas da Guiné]


1. Continuando a série "Armamento do PAIGC" (*), apresenta-se hoje o morteiro pesado 120 mm, usado contra alguns aquartelamentos de fronteira, tais como Guidaje, Guileje e Gadamael, em maio e junho de 1973, Copá, em janeiro de 1974, ou Canquelifá, em março de 1974, mas já também em 1968 contra Gandembel, Cameconde, etc.

A estreia foi contra Gandembel em agosto de 1968. As bases de fogos eram sempre localizadas no território da Guiné-Conacri. Foi utilizada, contra as NT, como arma de artilharia. E não tinham, à exceção de Gandembel, Guileje e pouco mais, abrigos à prova do morteiro 120 mm. Os nossos "bunkers" eram "bu...rakos", escavados na terra, e com cobertura de terra, chapa de zinco e troncos de cibe...

 
 O nosso especialista em história da artilharia e armas pesadas do PAIGC, cor art ref Nuno Rubim (de quem não temos, infelizmente, notícias há muito) escreveu aqui em tempos (**):

(...)  As munições do morteiro de 120 mm tinham efectivamente uma espoleta de atraso, perfurante, para permitir o rebentamento da granada já depois de ser obtida alguma penetração.(...)

É dele também a foto do mroteiro 120 mm que publicamos acima.

2. Temos muito pouca informação técnica sobre esta arma usada pelo PAIGC, desde pelo menos desde agosto de 1968 (contra Gandembel, segundo testemunho do nosso camarada Idálio Reis, e confirmado pela  CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2015). pág. 143).

Devido ao seu peso (275 kg,  sem contar com os cunhetes das granadas), esta arma coletiva, de tiro curvo, só podia ser rebocada e usada nas zonas fronteiriças. 

Em 1968, e segundo a mesma fonte (CECA, 2015, pág.145), o PAIGC, além de já estar dotado de meios de transmissões, e de já dispor do canhão s/r  8,2 cm "Tenasrice" (facilmente transportável e pondendo disparar, apoiado no ombro do atirador!), também tinha feito progressos no que diz respeito aos meios de transporte: dispunha, em 1969, de cerca de meia centena de viaturas Zil e Gaz, para além de alguns autotanques e algumas automacas. Essas viaturas,  todavia, só circulavam nos países limítrofes (Guiné-Conacri e Senegal), não ultrapassando, em regra, a  linha fronteiriça.

Segundo a mesma fonte, "o morteiro 120mm, com um alcance de 5700 metros" era uma arma que "no exército  soiviético, estava a substituir o morteiro 8,2cm", o que não é comfirmado pro outras fontes que consultámos...

Segundo a Wikipedia (em inglês), julgamos que se trata do morteiro M1943 ou 120-PM-43 (em russo: 120-Полевой Миномёт-43) ou o morteiro de 120 mm Modelo 1943 (em russo: 120-мм миномет обр. 1943 г.), Era também conhecido como Samovar.

Com cano de alma lisa, calibre 120 milímetros, foi introduzido pela primeira vez em 1943 como uma versão modificada do M1938. Na prática, veio substituir o M1938 como arma-padrão para baterias de morteiro em todos os batalhões de infantaria soviéticos no final dos anos 1980, embora os exércitos do Pacto de Varsóvia utilizassem um e poutro modelo.

Especificações técnicas:
  • Peso total: 275 kg (tubo, bipé e prato);
  • Granada (HE-120): 16 kg; (granada altamente explosiva);
  • Equipagem:  6 elementos;
  • Calibre: 120 mm;
  • Carregamento: granada introduzida pela boca do tubo que tinha, no fundo, um percutor fixo;
  • Elevação: +45° a +80°; 
  • Cadência de tiro: 9 tiros por minuto no máximo, 70 tiros por hora no máximo;
  • Velocidade inicial da granada: 272 m/s (Frag-HE & HE);
  • Alcance efetivo de tiro: máximo de 5.700 m, mínimo de 500 m.  

A Guiné-Conacri é um dos países que ainda dispõe, atualmente, desta arma tal como a Guiné-Bissau (neste caso, uns 8 morteiros, não sabendo nós se algum é "sobrevivente"  do tempo da guerrilha)...

Esta arma, de carregar  pela boca,  pode facilmente ser dividida em três partes (tubo, bipé e prato) para movimentação em distâncias curtas ou rebocada por um camiã0  Zil ou Gaz numa atrelado de duas rodas.

É um sucedâneo do 120-PM-38 ou M1938 , Os russos eram "bonzinhos" mas não eram "parvos": não sabemos se não terão mandado para Conacri (e/ou para o PAIGC)  alguns exemplares desta "sucata da II Guerra Mundial"... 

O morteiro soviético 120-PM-38 ou M1938, de 120 mm,  foi  usado em grande escala pelo Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial. Embora fosse um projeto convencional, a combinação de 4 factores (peso,  mobilidade, poder de fogo e alcance) levou ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de novas versões, como o 120-PM-43.

Já em 1968 e 1969, o IN utilizava o morteiro 120mm contra aquartelamentos fronteiriços no sul: Guileje, Gadamael, Cameconde, Cacine...At6é 1970, as NT náo capturaram nenhum morteiro pesado do IN.

Na Op Neve Geada, de 21 a 23 de março de 1974, foi batida a zona de Campiã / Cantiré, sector L4, nas proximidades de Canquelifá, numa ação levada a cabo pelo BCmds da Guiné, a très agrupamentos. Na zona estava referenciada uma base de fogos IN.  

No dia 21, pelas 14h45, a base de fogos foi assaltada, tendo sido apreendidos: (i) 3 morteiros 120 mm; (ii) 367 granadas de morteiro 120 mm;  (iii) 1 LGFog RPG-2; (iv) 2 espingaradas automáticas Kalashnikov;  e (v) material diverso. 

No dia seguinte, pelas 10h00, foi assaltada nova base de fogos e capturadas  três rampas de foguetões 122 mm, além de material diverso (munições, espoletas, munições., etc.). 

Baixas: 2 mortos e 24 feridos, do lado das NT; 27 mortos, incluindo 2 cubanos, do lado do IN.  (Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2015). pp. 479/480.)
______________


(...) No dia 31Mai73, iniciou as flagelações com morteiros 120 mm, tendo as primeiras granadas caído fora do perímetro do aquartelamento e sucessivamente o fogo foi sendo mais ajustado, deduzindo-se que o lN tinha montados Postos Avançados de Observação.

No dia 1Jun73 iniciou nova flagelação que durou várias horas tendo as granadas caído todas dentro do aquartelamento, com especial incidência sobre os depósitos de géneros e da cantina, zonas periféricas de defesa (valas) e espaldões da Artilharia que foram duramente atingidos. (...)

Comentário do C. Martins (3 de julho de 2022 às 03:16):

(...) A descrição feita pelo sr. ex-capitão "comando" Ferreira da Silva, hoje coronel e advogado, está muito correta com a excepção da granada que provocou 3 mortos e 12 feridos, não caíu na cobertura da zona de descanso, mas sim dentro do espaldão,tendo ficado o obús inoperacional Nunca mais tantos homens ficaram dentro do espaldão.

O quartel ficava a 4 km da fronteira. As bases de fogos do IN ficavam todas dentro da Guiné-Conakry, sendo as peças, morteiros, grads, etc.. manobradas por cubanos.  (...)

Era muito difícil fazer contra-bateria. Felizmente para nós o IN tinha maus artilheiros, com excepção de um dia de fevereiro/74 em que as "enfiaram" todas na orla da mata em frente aos obuses, com granadas perfurantes e incendiárias; se tivessem corrigido o tiro em 100 metros mais à frente, hoje  eu não estaria certamente a escrever estas linhas. (...)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 19 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24234: Armamento do PAIGC (3): peça de artilharia 130 mm M-46, cedida pelo Sekou Turé para os ataques, a partir do território da Guiné-Conacri, contra Guileje e Gadamael, em maio/junho de 1973

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23977: "Una rivoluzione...fotogenica" (6): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte V: os "hospitais" do mato e o pessoal de saúde cubano

 

Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC,  cubano, o dr. António,  auscultando uma idosa/ Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 17 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Cuban doctor Antonio checking up heartbeat - 1974 (Nesta altura havia mais um cirurgião e um enfermeiro cubanos, cujos nomes não são conyecidos, na base de Sara, para além do dr. António, de apelido também desconhecido.)



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC,  cubano, o dr. António auscultando uma criança ao colo da mãe  / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 18 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Cuban doctor Antonio checking up heartbeat - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC,  cubano, o dr. António auscultando uma rapariga / Foto ASC Leiden - Coutinho Collection - B 20 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Heartbeat check up by doctor Antonio - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC, cubano, o dr. António,  auscultando uma jovem mulher / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 21 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Heartbeat check up by doctor Antonio - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC, cubano, o dr. António,  falando doentes, sempre na presença de um intérpetre (ao centro)  / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 22 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Heartbeat check up by doctor Antonio - 1974.



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > PAIGC: uma enfermaria no mato.  Doenets acamados.  / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 14 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Patients in infirmary - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > PAIGC: uma enfermaria no mato. Cama com rede mosquiteira. / Foto : ASC Leiden - Coutinho Collection - B 16 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Patients in infirmary - 1974



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uiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 >: PAIGC: Enfermaria ou posto médico : "sala de espera" ao ar livre / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 19 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - “Waiting room” - 1974






Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. O PAIGC munca controlou 2/3 do território da antiga Guiné Portuguesa, na altura da luta armada pela independência. Foi um mito habilmente fabricado e explorado por Amílcar Cabral.   Nem nunca teve "hospitais" no interior do território, em zonas como a base de Sara, a sudeste do Morés e a nordeste de Mansoa. Teve, isso sim, pequenas enfermarias do mato, guarnecidas por um ou outro médico cubano e enfermeira local, formada "ad hoc"... As condições de higiene, segurança, assepsia e antissepsia, eram deploráveis. Fazia-se, excecionalmente, alguma pequena cirurgia ambulatória (sem banco de sangue, anestesia geral,  gerador elétrico, ou simples material  para desinfeção e esterilização, ou até simples água potável, etc.) e consultas, "públicas", de clínica geral, como as fotos de Roel Coutinho (*) documentam. 

O médico holandês deve ter passado por aqui  algumas semanas, pelo menos fotografou os seus colegas cubanos a trabalhar em condições inacreditáveis...  O arsenal terapêutico era extremamente rudimentar. Em casos mais graves mas excecionais,  os doentes podiam ser  transportados até à fronteira do Senegal, de padiola (operação que levava 4 dias), e depois   em viatura automóvel até ao hospital de Ziguinchor.

Estas fotos também fazem, de algum modo, parte daquilo a que chamos uma "estética da guerra de libertação"... A saúde, a educação, os "armazéns do povo", etc., foram temas bastante focados pelos fotojornalistas e outros visitantes das "regiões libertadas" do PAIGC (***)... 

Sabemos, de resto, que "não há revoluções sem propaganda".  Sem mitos, rituais,  "folclore", "mentiras piedosas",  etc.  Mas, no caso do médico Roel Coutinho, acreditamos na sua boa fé. As suas fotos (mais de 700) pretendem documentar uma realidade, exótica para ele, mas sobre a qual não parece fazer juízos de valor. As suas fotos só foram doadas à ASC Leiden e tornadas públicas na Net quando a "revolução...fotogénica" de Amílcar Cabral e do seu PAIGC já há muito tinha passado de moda...


2. Já aqui transcrevemos em tempos o depoimento de um médico-cirurgião cubano,  Domingo Diaz Delgado (n.1936), respeitante à sua  passagem, no segundo semestre de 1966, pelas bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Sará, na Frente Norte (**).



[…] "Luís Cabral levou-me até Ziguinchor. Aí permaneci dois ou três dias, tendo-me encontrado com os chefes militares mais importantes que actuavam no Norte da Guiné, entre eles Osvaldo Vieira (1938-1974) porque, como era o primeiro cubano que ali chegava, estavam à minha espera.

Despediram-se de mim [6 de julho de 1966] e saí com um grupo de combatentes. Era noite quando cruzei a fronteira por essa zona escoltado por uns quantos. A caminhada, feita por um terreno acidentado, para mim foi terrível. Demorei quatro a cinco horas até chegar à primeira base guerrilheira que se chamava Sambuiá. Passei a noite nessa base, já com os pés bastante maltratados.

Essa caminhada que fiz em quatro ou cinco horas, quando regressei fi-la em cinquenta minutos, porque tinha menos trinta quilos e levava já um ano caminhando naquele terreno.

Passada a noite nesse lugar, de madrugada retomámos a caminhada até à próxima base da guerrilha, penetrando profundamente no território da Guiné (Bissau).

À volta de quarenta minutos caminhámos com uma vegetação que nos protegia da aviação, mas para alcançar o rio Farim, que teríamos de atravessar para chegar à base de Maqué, faltava ainda percorrer sete quilómetros muito planos, e sem qualquer protecção natural".

(...) "Pouco habituado a estas tarefas, caminhava lentamente face ao estado em que estavam os meus pés e todo o corpo. O meu estado de desespero também começou a dar sinais e que não me deixava ficar tranquilo, e não dava conta que olhavam para o céu, uma vez que naquele lugar os helicópteros armados e os jactos (aviões de guerra), metralhavam e matavam quem fosse detectado. Os guerrilheiros estavam desesperados porque tinham que zelar pela minha segurança, pois era o primeiro médico que ali chegava.

Finalmente chegámos ao rio Farim, onde o abundante caudal tornava difícil a sua travessia nas pequenas canoas que eles fabricavam com troncos de árvores. Atravessámos o rio e chegámos pela noite à base de Maqué, onde levava dois dias a andar e estava bastante mal.

No trajecto tivemos de beber água em más condições. Ali a água potável era a dos rios, e eles habituaram-se a fazer uns buracos na terra, bem localizados e escondidos para encherem quando chovia. Ao longo do itinerário realizado sabiam onde tinham os buracos para tirar a água com terra e era a que, a partir desse momento, comecei a beber.

Como era o primeiro grupo cubano na Guiné (Bissau), não tínhamos antecedentes. Quando cheguei à base de Maqué já as diarreias começavam a fazer estragos, mas nem por isso deixámos de comer o que encontrávamos pelo caminho. No dia seguinte, antes de amanhecer, reiniciámos a caminhada, avançando pelo país até alcançar a base de Morés. Nesse lugar estivemos um dia, seguindo, depois, uma nova caminhada até chegar à base onde permaneci cerca de seis meses: Sará". […]





Guiné - Bisssu > Região do Oio > Base de Sará > 1966 > Cubanos:  da esquerda para a direita, o instrutor militar tenente Alfonso Pérez Morales (Pina); o ortopedista Tendy Ojeda Suárez; o cirurgião Domingo Diaz Delgado e o médico de clínica-geral Pedro Labarrere. (In: Hedelberto López Blanchi - "Historias Secretas de Médicos Cubanos", La Habana, Ediciones "La Memoria", Centro Cultural "Pablo de la Torriente Brau", 2005, 237 pp. Com a devida vénia...)

Acrescente-se que o Domingo Dias Delgado, nome de guerra Demétrio (passou dois anos na Guiné=, escreveu ainda recentemente um livro de memórias (2018): "Memorias de Demetrio : un médico guerrillero en Guinea Bissau" (La Habana, Cuba : Editorial Capitán San Luis, 2018, 189 pp,, + ilustrações)




(...) "A base de Sará estava praticamente no centro do território. Aqui já estavam dois companheiros médicos do meu grupo, dos três que saíram de Cuba em avião, o ortopedista Teudi Ojeda e o médico Pedro Labarrere, e os três fomos os únicos que naquele tempo [1966] estivemos na Zona Norte. De Sará, estávamos a quatro dias de distância da fronteira [Senegal] e não era fácil transportar coisas para lá.

Tínhamos um pequeno arsenal de medicamentos, instrumentos cirúrgicos, mas muito rudimentar, para resolver problemas que se apresentassem naquele tipo de conflito. A possibilidade de enviar feridos até à fronteira era muito escassa, pela distância e a maneira de os transportar, e a forma como se movimentava o inimigo.

O acampamento mudava de lugar em certas ocasiões, pois apesar de que nesse tempo era uma base guerrilheira, não se podia permanecer fixo e havia que mudá-lo constantemente para maior segurança. Chegou o momento em que detectaram a base, e a aviação a atacou e a metralhou em várias ocasiões.

De qualquer maneira, nós permanecemos cerca de seis meses nessa base [até dezembro de 66] e depois de vários bombardeamentos vimo-nos na obrigação de mudar o hospital [enfermaria no mato] para outro lugar que ficava a hora e meia dessa base". […]




Mapa da Frente Norte – região do Oio – assinalando-se as bases por onde passou o médico Domingo Diaz Delgado, no 2º semestre de 1966: Sambuiá, Maqué, Morés, Sará.

Infografia: Jorge Araújo (2018)



Guiné > PAIGC > 1970 > Algures, numa "área libertada" >  "Dzsungel lakók", em húngaro, gente do mato...  A guerra de libertação teve muito pouco de romântico. Os militares portugueses que combateram o PAIGC na Guiné, sabem quão duras eram as condições de vida, tanto dos seus combatentes como da população sob o seu controlo, dentro das fronteiras do território da antiga província portuguesa da Guiné ... A foto é do fotojornalista húngaro Bara István (n. 1942) que visitou, a partir de Conacri, algumas dessas regiões, no sul, em 1970, embebbed nas fileiras do PAIGC.

Foto: Foto Bara (http://www.fotobara.hu/galeria.htm)  
(já não está disponível "on line", a não ser no Arquivo.pt: https://arquivo.pt/wayback/20090707123742/http://www.fotobara.hu/galeria.htm)


3. Escreveu o António Graça de Abreu ("Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura". Lisboa: Guerra e Paz, Editores, SA, 2007, p. 94):

Mansoa, 3 de Maio de 1973

Na região de Mansoa, as NT capturam mais elementos IN, ou aparentados com os guerrilheiros, do que em Canchungo. Normalmente chegam ao nosso CAOP com um aspecto lastimável, a subnutrição, as doenças, a miséria têm tomado conta deste pobre povo que vive nas regiões libertadas.

Os prisioneiros são quase sempre mulheres que se deslocam às povoações controladas pelas NT, a fim de venderem por exemplo mancarra (amendoim), óleo ou vinho de palma, e são capturadas nas estradas ou nos caminhos em volta dos nossos aquartelamentos.

Chegam descalças, andrajosas, às vezes com filhos pequenos às costas a chupar os peitos secos e mirrados. Dói, só de olhar. 

São interrogadas, é-lhes pedido todo o tipo de informações sobre os acampamentos, o armamento, as aldeias controladas pelo IN onde vivem os seus maridos, os seus familiares. 

Como é natural, estas mulheres falam muito pouco e também magoa o coração ver como são tratadas. É minha tarefa comprar-lhes uns trapinhos novos para tapar o corpo, umas sandálias de plástico para protegerem os pés.

Também se capturam elementos IN dos sexo masculino. Há dias um deles, que gozava de um regime de semi-liberdade, foi apanhado a fugir do quartel, já do outro lado do arame farpado, Deu a desculpa de que ia cagar.

Alguns prisioneiros são utilizados como guias nas operações das NT contra os santuários IN. Quando começa o tiroteiro, têm o hábito de escapar e de se refugiar na mata, por isso, às vezes seguem à frente das NT levando uma corda grande amarrada em volta da cintura. Se tentam a fuga,  procurando desligar-se da corda, são por norma abatidos.(...)

(Seleção e negritos: LG)

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(***) Vd. poste de 4 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23947: "Una rivoluzione... fotogenica" (1): Uma reportagem e um livro decisivos, e que consagram a estética da "guerra de libertação", "Guinea-Bissau: una rivoluzione africana" (Milano, Vangelista, 1970, 200 pp.), dos italianos Bruno Crimi (1940-2006) e Uliano Lucas (n. 1942)