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sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24819: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (17): O Barroso que não era(é) só a 'carne barrosã' DOP: o comunitarismo agropastoril, segundo o Padre Fontes (1977) - II (e última) Parte: tudo era de todos quando a necessidade oprimia


Foto nº 4 > Barroso, Montalegre, Pitões > Fiadeiro (dia de boda) (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 2)


Foto nº 5 > Barroso, Montalegre, Mourela > Vezeira de vacas  (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 16)


Foto nº 6  > Barroso, s/l > Soqueiros ( (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 35)


Foto nº 5 :  Barroso, Montalegre, Cambezes >  Caniço de milho  (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 29)


1. António Lourenço Fontes é
 padre e etnógrafo. É uma figura mediática, o Padre Fontes. Conheci-o no verão de 1980, em Vilar de Perdizes, Montalegre, onde reside, quando fui a Pitões das Júnias  passar uns dias de férias, 

Foi nessa altura que li a sua obra em dois volumes, Etnografia transmonta,volume: Crenças e tradições do Barroso, 1974; 2º volume: O comunitarismo de Barroso, 1977.


Capa do livro "Padre Fontes,
o romance de uma vida".

Âncora Editora,2ª ed., 2001,
216 pp.
 Autor: Eugénio Mendes Pinto
(com a devida vénia...)
Deste segundo volume tomamos a liberdade de reproduzir alguns excertos onde se descreve, resumidamente, traços do comunitarismo agropastoril de montanha (à semelhança de outras aldeias, como Vailarinho das Furnas, Terras do Bouro, submersa pela barragem do mesmo nome, em 1971;  ou Rio de Onor, Bragança), traços esses que chegaram aos anos 70, no Barroso , e que hoje inevitavelmente desapareceram, ou tendem a desaparecer ou a transformar-se com as profundas mudanças económicas, sociais, demográficas, tecnológicas e culturais ocorridas desde então.

O Lourenço Fontes, ele próprio um Barrosão de alma e coração, começou a fazer recolhas etnográficas, desde os primeiros tempos de seminário, nos anos 50, sendo a sua própria mãe  a primeira (e privilegiada) fonte de informação e conhecimento.

Barroso (ou Terras de Barroso) em sentido restrito  é a região tradicionalmente formada pelos concelhos de Montalegre e Boticas. Os dois concelhos  têm vindo a perder população desde 1960 (vejam-se os números, em milhares): 

  • Boticas: 14,5 (1960); 10,9 (1970); 5,0 (2021)
  • Montalegre: 32,7 (1960); 22,9 (1970); 9,3 (2021)

Estes dois concelhos mandaram muitas centenas de jovens 
para a guerra de África.  Ficaram lá 41 (*).

Em homenagem a este homem, o Padre Fontes, e naturalmente aos demais homens e mulheres do Barroso, mal conhecido (e talvez até mal amado) damos a conhecer alguns dos seus escritos, que também falam de "coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços" (*).


Excertos > Coletivismo agropastoril: Manifestações atuais e antigas do comunitarismo em Barroso - II (e última) Parte (pp. 57-61)

Referència: FONTES, António Lourenço - Etnografia transmontana: II - O 
comunitarismo do Barroso. Montalegre, ed. do autor, 1977, il., 299 pp, + 48 inum, (Tipografia Minerva Transmontana, Vila Real).

O regedor e Junta de Freguesia são hoje as autoridades que superintendem e dão ordens ao povo. É digno de se ver e ouvir o povo junto,  aos domingos e dias antes, fora da igreja e ouvir as ordens do regedor ou juntas de freguesia. Nessas ordens:

  • mandam compor caminhos,
  • consertar pontilhões,
  • reparar moinhos, fornos.
  • combinam a venda ou merca de outro boi do povo, resolvem a chega do boi com o de outra aldeia,
  • marcam o dia de segar o feno do boi,
  • ou outros trabalhos comuns,
  • mandam abrir as regras da regra,
  • avisam e dão ordens de interesse público,
  • marca reuniões extraordinárias para fins utilitários.

E também os populares têm vez de dizer as suas opiniões e razões ou queixas de qualquer roubo, coisa partida, ou falta de comparência de algum favorito, nos juramentos ou coutos.

As fontes e lavadouros são para todos. Há pouco, quase  ninguém  tinha água ao domicílio. Todos, especialmente as moças novas,  à noitinha,  hora poética, iam com os canecos de lata, barro ou madeira.  à fonte. Ali vinham os seus namorados conversar, ajudar alevantar o cântaro.  Algumas,  ao acabar de encher, vazavam-no para terem mais tempo de namorar. As mais velhas até das paredes da fonte fazem urinol, ementes ninguém vem.  

Nos lavadores de água corrente e limpa:

As Mulheres quando se juntam, 

Só falam da vida alheia, 

Começam na lua nova,

 Acabam na lua cheia  (grávidas).


A Câmara fez tanques novos, mas o povo em muitos casos prefere o lavadouro antigo, mais escondido e próprio para lavar e esconder a roupa suja ou rota, e para mexericar ou cusculhar à vontade.

Nas ardenas, ou seja, quando arde a casa do vizinho, todos ajudam com caldeiras e panelas a apagar o lume. E na reconstrução, todos se cotizam.

Se prejuízo é grande, assim é a proporção da ajuda. Arde uma casa. Todos entramna sua reconstrução. conforme as posses e generosidade. Ins dão as traves, outros as ripas,  a palha, outros cplmam, outros dão o vinho, etc.

Nas festas familiares ou no luto, todos são solidários. Dia de boda, todos vão a boda. Compram os homens a vitela, as mulheres os doces (Cambezes,  Padroso).

No enterro,  igualmente,  novos e velhos vão velar o morto no dia da morte,  durante a noite, em que se come e bebe. Uns vão chamar os padres,  outros,  pelos montes,  antes de haver telefone, vão dar parte ao cangalheiro, outros vão abrir a cova.  e as mulheres vão cozinhar para o forno, cozer o carolo, ou em casa,  cozinhar para os padres e gente de fora da terra. Diz o povo:  na morte e na boda verás quem te honra.

Se falta de um animal, cabra da vezeira, vaca, burro ou até pessoa da família, todo o povo vai pelos montes ajudar a procurar o perdido, enquanto um vai rezar  o responso a  Santo António para que depare as coisas perdidas e não as deixe correr perigo. Ao aparecer tocam o sino, para avisar os que andam no monte.

Quando um filho vai à inspecção e fica apurado toda a aldeia é convidada a sentir a alegria na borga, que, rua abaixo, rua acima, os apurados fazem. E na véspera de ir assentar praça, todos os vizinhos, familiares e amigos vão despedir-se dele e  dão-lhe coisas ou dinheiro.

Se emigra, na despedida fazem igual, solidarizando-se na alegria e na saudade.

Alguém está doente. Antes todo o povo  acompanhava quando quando ia o Senhor fora. Fazem o trabalho do doente se ele não pode.

Nos serões,ou se vai para o forno,  que está a cozer, ou está ainda quente,  ou para casa dos amigos ou familiares. O petról é pago por todos â vez.

relógios de pedra públicos. Em Pincães (Cabril) há a pedra de água. (…)

canelhos ou recintos públicos ao ar livre, que servem de retrete a  mais de uma família.(Comua).

pedras de amolar e afiar instrumentos de corte, gadanhos, fouces, machadas, facas, onde toda a gente amola. Seja na pedra do tanque. do adro (Solveira). do pé do Cruzeiro (Gralhas).

maçadouros públicos onde todos podem maçar o linho (Tourém).

Em Vilar de Perdizes, há lagares e alambique  onde alguns podem pisar o seu vinho e cozer o bagaço.  

Em Fafião e Pincães há lagares do azeite para todos, assim como alambiques.

Enfim, tudo é de todos, quando a necessidade oprime. Se o vizinho tem uma vaca e precisa de outra, pede uma vaca, ou uma junta se precisa de um carro.  de qualquer utensílio, o vizinho que tem, empresta.

Quando apareceram os escaravelhos da batateira, agrupavam-se  vizinhos para comprar e utilizar em comum o pulverizador. Para limpar o grão, compravam  em conjunto a limpaderia.

Quando o  forno não cozer e  a vizinha precisa do pão, vai pedir emprestado â que cozeu há pouco e depois passa a torná-lo, quando cozer,.

 Se precisa de lume para acender de manhã, porque a cinza do rescaldo se apagou à míngua de lenha, vai-se pedir uma brasa ou.  numa lanterna,  o lume, a casa da vizinha que fumega.

Quando pare a vizinha,  todas a amigas,  especialmente as que foram à boda, vão nos primeiros 8 dias visitar a parturiente e  levar a  cesta. A cesta é a prenda que se dá: açúcar, arroz. massa, trigo, ovos, etc.

O soqueiro, o alfaiate.  o carpinteiro, o  colmador não eram pagos. tornavam lhe os dias em trabalhos agrícolas. 

O cabeleireiro é pago em alqueires de pão por família. 

Até ao médico (boticairo)  se era pago em alqueires ó ano.

Quando a folha está ceibe, isto é, quando se carrou o centeio das terras, as vacas e outro gado podem pastar livremente nas terras, sejam de quem forem. A vezeira alaga paredes,  come espigas que ficaram, e ninguém pode dizer olé. pois é um direito comum. 

Embora a propriedade seja particular, nesta ocasião, cede ao bem de todos. Também é certo que as messes não pode de pé,  a rés das vezeiras não pode pastar nessa folha, até que   as carradas estejam feitas. Esta ordem de pastar, por vezes, é dada no adro da Igreja pelo regedor.

caminhos e passagem comuns

 águas de régua para lameiros de vários herdeiros, onde cada qual rega dias fixos, ou as horas marcadas Há poços e poças de vários vizinhos ou de  toda a povoação. Umas são para rega, outros é proibido abrir-lhe a água com regar. São reservadas, em todo o Verão,  para  acudir a possíveis incêndios.

Enfim, era um rosário de aplicações do sistema comunal. se fossemos a desafiar todos os casos e momentos da vida do Barrosão. 

Não serei eu o mais indicado para fazer uma observação e análise crítica  e rigorosa do comunitarismo na minha terra. Vivo-o, estou impregnado dele,  como quase todo o Barrosão,  que ainda se não deixou dominar pelo individualismo de origem capitalista.

Por isso, é para mim anormal que,  em Barroso,  se não viva e pratique este modo de vida, enquanto que um estranho à terra nota estas divergências,  de povo para povo. 

Apesar disso, procurei abstrair de mim mesmo e da minha terra,  fazendo-me estranho,  para poder chegar e descrever a nossa originalidade de vida, ao nosso sistema de produção e de consumo.

In: Etnografia transmontana: II - O comunitarismo do Barroso. Montalegre(pp. 57/61)

© António Lourenço Fontes (1977).

[Seleção / fixação e revisão de texto / itálicos e negritos, para efeitos de publicação deste poste; LG. (Com a devida vénia ao autor... )]
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quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24817: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (16): O Barroso que não era(é) só a 'carne barrosã' DOP: o comunitarismo agropastoril, segundo o Padre Fontes (1977) - Parte I: do boi do povo à paulada nas chegas e nas feiras

 

Foto nº 1 > Barroso, Montalegre, Covelo do Gerès >  Carreto da lenha (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 32)

 
Foto nº 2 > Chaves, Soutelinho da Raia > Segada (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 24)


Foto nº 3 > Barroso, Montalegre, Paredes do Rio   Antiga esc0ola, com cobertura de colmo (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 4)

1. O Padre Fontes é uma figura popular na sua região (Barroso, Trás-Os-Montes, concelhos de Montalegre e Boticas). Tornou-se melhor conhecido, e desta vez a nível nacional, quando em 1983 organizou o primeiro Congresso de Medicina Popular para escândalo de alguns, a começar pelo seu bispo,  de Vila Real, que náo gostou da "heresia" de misturar o sagrado e o profano, Deus e o Diabo. 

É padre e etnógrafo. Conheci-o no verão de 1980, na sua casa em Vilar de Perdizes, Montalegre. Fui passar férias em família, mais um grupo de amigos, em Pitões das Júnias, Montalegre (a aldeia mais alta de Portugal, na serra do Gerês, a par da Gralheira, Cinfáes, na serra de Montemuro, ambas a cerca de 1110 metros acima do nível do mar), e onde a maior parte (ou boa parte)  das casas ainda eram de colmo; teria na altura c. de 238 habitantes, hoje menos de 151, contando na emigração, desde o Rio de Janeiro a Paris, pelo menos o triplo da população de 1980).  

E devorei dois dos seus livros, Etnografia transmonta, 1º volume: Crenças e tradições do Barroso, 1974; 2º volume: O comunitarismo de Barroso, 1977.(*).

Deste segundo volume  tomamos a liberdade de reproduzir alguns excertos onde se descreve, resumidamente,  traços do comunitarismo agropastoril de montanha (Rio de Onor e  Vilarinho das Furnas eram até aos anos 50 os exemplos mais típicos e estudados), traços esses que chegaram aos anos 70, no Barroso , e que hoje inevitavelmente desapareceram, ou tendem a desaparecer ou a transformar.se com as profundas mudanças económicas, sociais, demográficas, tecnológicas e culturais ocorridas desde então. 

O Lourenço Fontes, ele próprio um Barrosão de alma e coração,  começou a fazer recolhas etnográficas, desde os primeiros tempos de seminário, nos anos 50, sendo a sua própria mãe  uma primeira (e privilegiadfa) fonte de informação e conhecimento.

Barroso (ou Terras de Barroso) em sentido restrito é a região tradicionalmente formada pelos concelhos de Montalegre e Boticas.

Em homenagem a este homem, e naturalmente aos demais homens e mulheres do Barroso [ região de Trás-os-Montes que todos nós conhecemos mal, ficando pela "carne barrosá" DOP, o "vinho dos mortos" (Boticas) ou o "presunto de Chaves" e pouco mais... ] , damos a conhecer alguns dos seus  escritos, que também falam de "coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços" (*). 

Além disso enriquecem o nosso vocabulário, havendo aqui termos e expressóes que não são  familiares à maior parte dos nossos leitores, nomeadamente citadinos, e alguns dos quais nem sequer ainda vèm dicionarizados:

  • quentar o forno
  • ferrenhas
  • boi do povo
  • chegas
  • pastoria
  • limpaderia
  • tocar gado
  • manteça 
  • carreto da lenha
  • segar
  • mangação
  • colmar / colmador
  • soqueiro 
  • cabaneiro
  • boticairo
  • ceibe
  • pontilhão
  • merca
  • couto
  • ementes o vizinho vai botar um copo / ementes ninguém vem
  • à roda do povo
  • ó ano
  • banços do andor
  • pau de lodo
  • fojo do lobo
  • ardenhas
  • estadulhada, etc.

Excertos > Coletivismo agropastoril:  Manifestações atuais e antigas do omunitarismo em Barroso - Parte I (pp. 55-57)

Referência: FONTES, António Lourenço - Etnografia transmontana: II - O comunitarismo do Barroso. Montalegre, ed. do autor, 1977, il., 299 pp, + 48 inum,  (Tipografia Minerva Transmontana, Vila Real).

(..:) Toda a vida do barrosão está imbuída de sentido comunitário,  familiar.

Todos os trabalhos pesados ou leves são motivos de entreajuda e colaboração:

  • a segada do centeio, do feno, 
  • a recolha dos mesmos, 
  • o arranque ou plantação da batata, 
  • a malhada, 
  • a desfolhada do milho, onde ele predomina, 
  • o carreto da lenha, 
  • a cavada do centeio, 
  • o arranjo dos caminhos, 
  • a abertura dos regos ou presas de rega,
  • os próprios moinhos comunitários, 
  • o forno e a sua obrigatoriedade de quentar
  • a  utilização dos baldios, seja para pasto, carvão, lenha,  roçar mato ou fazer a cavada

são manifestações evidentes e  r
eminisiscências de uma unidade familiar de cada aldeamento.

O boi do povo, um dos maiores  proprietários da aldeia, é  de todos os que têm vacas. Todos colaboram na sua manutenção e pastoria. Todos têm de lhe ir:

  • segar e recolher o feno, 
  • semear as batatas do boi, 
  • recolhê-las, 
  • pedir pão ou milho ou mesmo roubá-lo, quando os mais velhos os não querem dar às boas. 


Em Cambezes, quando é o tempo das ferrenhas tenras,  o boi anda à roda pelos vizinhos, cada um tem de dar ferrenha ao boi ou bois,  tantos dias como de vacas têm para cobrir. Todos pagam ao pastor do boi, conforme o número de vacas.  

Em Pitões pagam em alqueires de centeio  ao que guarda o rego da rega, no tempo da respetiva. O tratador é gratuito, trata do  boi para vender ou chegar com outro.

Nas chegas,  o desporto usual das aldeias do Barroso, todos vão acompanhar o seu boi, de pau na mão,  e rogar aos santos da igreja que ele seja campeão.

Se não for campeão,  ou o vendem,  ou o tratam para vir a sê-lo. Por isso, nem sempre o ser bom reprodutor é o motivo de conservar um boi, mas o ser o melhor lutador. Está aqui uma das razões da degenerescência da raça Barrosã, além de outras.

Nas festas religiosas, mistas de superstição e de cristianismo,  também o sentido de responsabilidade se reparte por todos à roda. Cada comissão nomeia, para o ano seguinte, a comissão respetiva. Um juiz e os mordomos necessários para angariar fundos pedindo pelas aldeias, de saco e alforge, esmola para o santinho. Há devotos que fazem, então promessa de ir pelas aldeias, fazer uma penitência. 

No dia da festa, todos têm de colaborar na manteça dos músicos,  do armador, do fogueteiro, dos padres,  gratuitamente e as horas que fizerem falta.

Nas procissões, os rapazes novos têm até brio de serem eles a pagar, para pegarem nos banços dos andores. Arrematam o banço do andor e todo o percurso, arrotam com o peso de enormes andaimes, em que vai o santo ou santos enfeitados com sedas, balões, fitas, luzideiras estrelas, anjos de papel, dinheiro, etc.

Nas feiras e festas a rapaziada junta-se em determinado local, mais ou menos central, ou a saída do povo, cada qual com o seu pau de lodo, antes, hoje com a sua pistola no bolso. [ A GNR acabou com os paus, diz o autor em nota de rodapé, pág. 56] 

Se tocam gado para a feira, cria, vaca, porco ou burro, esperam uns pelos outros, ou tocam uns o gado dos familiares e vizinhos. Para as crias irem melhor, há um que toca as vacas,  para apoio das crias ou  vitelos de todos. 

Na feira, guardam o gado, ementes o  vizinho vai botar um copo,  à tenda e,  se calhar, até lha vende, pois já sabe quanto vale e quanto tem de pedir aos mercadores,  que passam, fazendo mangação dos possíveis exorbitâncias do lavrador acanhado,  envergonhado no pedir.

Nos barulhos ou contendas,  entre  pessoas da aldeia diferentes,  também a coesão e unidade se manifesta. Um por todos e todos por um,  gritam logo. E toca de desgalhar paulada ou estadulhada nos inimigos do nosso vizinho. 

Há aldeias que não se ligam bem, apesar de serem da mesma freguesia ou muito próximas, que não se gramam por uma pequena questão particular. O Jogo do Pau era espectáculos nestas marés. (Salto).

Até no estrangeiro, o emigrante barrosão  vive e pratica o mesmo modo de vida comunitária. Mal tem trabalho, logo chamam a família e amigos que podem para ali fazer uma segunda aldeia familiar comunal. 

Que o digam todos as comunidades de  Barrosões em várias cidades do mundo. Ludlow, Milford, New Bedford, Mass e  Bridgeport Conn, New Jersey, N.W, nos Estados Unidos da América do Norte. Em Montreal, Ontário,  no Canadá. Em São Paulo, Rio,  no Brasil. Em Paris, Londres, S. Sebastião, Orense, África, Angola ou Moçambique, eram notadas as comunidades de Transmontanos, especialmente os Barrosões, pelo seu sentido de união e colaboração como sendo de uma família só. 

Na manutenção do padre e da conservação de monumentos de interesse público, todos contribuem, por derrama com a sua quota parte,  ou com dias de trabalho. ao padre Todos pagam em alqueires de pão ou milho, vinho, segundo tabela antiga,  e segunda as posses das famílias. 

Ao padre dão além disso,  a lenha para todo o ano, na matança, dão-lhe o melhor do porco, a assadura,  a rodela do pescoço e a língua,  para que fale bem na igreja; vão.lhe fazer os trabalhos agrícolas,  dão-lhe feno para o cavalo etc. 

Os altares das capelas têm zeladoras,  à roda do povo ou por promessa. As capelas são conservadas por comissões,  nomeadas autonomamente,  pelos vizinhos.

In: Etnografia transmontana: II - O comunitarismo do Barroso. Montalegre(pp. 55/57)


© António Lourenço Fontes (1977).


(Continua)


[ Seleção / fixação e revisão de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste; LG. (Com a devida vénia ao autor... ]

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Notas doo editor;

(*) Ver aqui um resumo biobliográfico;:

António Lourenço Fontes, mais conhecido por Padre Fontes, nasceu em Cambezes do Rio, Montalegre, Barroso, em 1940. É um padre católico português "com ampla ação cívica, social, cultural e literária", diz a Wipédia.

É o principal impulsionador do Congresso de Medicina Popular, em Vilar de Perdizes, Montalegre, e das "Sextas-Feiras 13", em Montalegre.  O Congresso de Medicina Popular realiza-se desde 1983 atrai curandeiros, bruxos, videntes,  cartomantes, etc,. além de psiquiatras, antropólogos e... turistas de todo o lado (Em 2023, foi a 37ª edição). Outro evento, que se realiza desde 2002, sob a organizaçáo da Câmara de Montalegre,  é a "Noites das Bruxas"  que decorrem em todas as "Sextas-feiras 13").
 
 Oriundo de um família pobre, de 12 irmãos (o pai esteve emigrado na Américva, em 1927), Lourenço Fontes fomou-se no seminário em Vila Real (1950-1962). Em 1980, concluiu a licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Já desde o seminário era uma figura rebelde e contestatária ("com um terço na mão e o diabo no coração", escreveu ele no seu diário secreto da adolescència). Como jpvem padre, desterrado em Tourém e depois colocado em Vilar de Perdizes, lutou contra a situação política em vigor até ao 25 de Abril de 1974 bem como contra a guerra colonial. No Barroso morreram 41 jovens na guerra de ÁfriCA: 12 em Boticas 12 ( sendo 3 no TO da Guiné); e 29 em Montalegre (9 no TO da TO da Guiné).

Um dos mortos foi o Manuel Lourenço Fontes, que pode ser irmão ou parente do Padre Fontes: tem o mesmo apelido, é natural da mesma terra, Cambezes do Rio, Montalegre, era sold at inf, CCAÇ 2321 / BCAÇ 2837, morreu em combate em 5 de janeiro de 1969, na serra do Mapé, no TO de Moçambique, juntamente com mais 6 camaradas.

 O António Lourenço Fontes editou e colaborou em várias obras: Etnografia Transmontana (2 volumes), Usos e Costumes de Barroso, Milenário de S. Rosendo, Antropologia da Medicina Popular Barrosã, Chegas de bois, Raça Barrosã, Las fronteiras invisibles, Contos da raia, Crenzas e mitos da raia seca ourensana, Ponte da Mizarela, ponte do diabo, Roteiro dos castros de Montalegre, Roteiro dolménico de Montalegre.

Tem ampla colaboração em vários jornais e revistas regionais. Colaborador permanente da RTP, TVE, TVG. Participou em filmes da região: Terra de Abril, Terra Fria, 5 dias e 5 noites, Não cortes o cabelo que meu pai me penteou, Os demónios, documentários para a BBC, TV da Holanda e França, UNESCO, Odisseia...

Fez centenas de conferências por todo o país e no estrangeiro, em universidades, grupos culturais, escolas, autarquias, etc. Organizou diversos congressos, nacionais e internacionais. 

Fundou e dirigiu o mensário Notícias de Barroso (d1971 a 2006). Exerceu as funções de empregado, chefe de pessoal nos Serviços Médico Sociais de Vila Real (Montalegre), de 1973 até 1990. Exerceu as funções de secretário do gabinete da Presidência na Câmara Municipal de Montalegre desde 1990 a 2000 e reformou-se.

É considerado o maior etnógrafo de Trás-os-Montes depois do Abade de Baçal. O Ecomuseu de Barroso tem o seu nome. Em 2012, por iniciativa dos deputados eleitos pelo distrito de Vila Real foi solicitado ao Presidente da República Portuguesa que o Padre Fontes fosse distinguido com a Ordem do Mérito.

Apesar dos seus 83 anos e da doença de Parkinsom, ele continua a ser um trabalhador incansável e um Barrosáo apaixonado pela sua terra.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22687: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XX: Pitões das Júnias, serra do Barroso, Portugal, 2014





Portugal > Parque Nacional da Peneda-Gerês > 
Serra do Barroso > Montalegre > Pitões das Júnias


Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de 
António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74. 

Texto e fotos recebidos em 28 de  outubro último.

Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas ao mundo, em cruzeiros. É membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 290y referências no blogue.


Pitões das Júnias, serra do Barroso, 
Portugal, 2014

por António Graça de Abreu


Ano de 2014. Venho subindo, subindo, até tocar as nuvens.

O pequeno mosteiro de Santa Maria, de finais do século IX, mais velhinho do que Portugal -- a igrejinha permanece de pé, o resto meio arruinado --, recorda monges beneditinos que por aqui passaram, exorcisando pecados, pacificando a alma. Há resmas de lendas e mistérios levantando-se, à solta, por estes lugares.

A 1.200 metros de altitude, entre os pináculos do Gerês e do Barroso, a magia agreste da paisagem, os tectos esquecidos da pátria portuguesa. Tudo aberto para o respirar inteligente das montanhas.

Entro na aldeia, quase vazia de gentes. As casas de granito, a igreja matriz de S. Rosendo, o relógio de sol, o forno comunitário, os espigueiros. Muitos habitantes escaparam-se rumo a outras paragens, franças e araganças, onde a vida será mais fácil. Mas em Pitões da Júnias o ar é mais puro, os horizontes mais vastos, tão alvoroçado o recorte pedregoso do cume dos montes. E descobrem-se cascatas abrigadas na rocha, a paz completa.

Outrora, aconteceram por aqui grandes batalhas entre camponeses galegos e portugueses. Gentes destas terras, de ambos os lados da raia, roubavam cabeças de gado, na extrema fronteiriça. Os lusitanos costumavam ganhar em ardilosas pelejas e traziam as vacas, e os vitelos, para requintados repastos, a boa carne barrosã desfazendo-se em bocas esfomeadas.






Hoje, há ainda na povoação, três restaurantes onde se cozinham uns tantos primores, cabrito, feijoada à transmontana, a posta barrosã, um cozido divinal com enchidos da terra.

Avanço pela estrada mais a norte. Passo Tourém e chego a Espanha. Do outro lado da raia, acalma-se a paisagem, prados a perder de vista, uma aldeia galega, um posto de gasolina. O carburante mais barato, encho o depósito do carro. Regresso às terras do Gerês, é tempo de abastecer o estômago, borrego assado, um exuberante vinho verde Alvarinho proveniente de uvas douradas de Melgaço. O automóvel também bebeu bem, tem gasolina espanhola mais do que suficiente para os 450 quilómetros até Lisboa.

António Graça de Abreu

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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16077: O que dizem os Perintreps (Nuno Rubim) (3): Mais três fotos da "minha" CCAÇ 1424... Numa delas o alf mil inf António Joaquim Alves de Moura, natural de Padronelos, Montalegre, que morreu em combate, "a meu lado com um tiro no coração", a 4/9/1966, em Chinchim Dari, entre Mejo, a sul, Nhabocá, a norte, e Salancaur, a oeste... mais 4 topónimos do nosso martirológio de Guileje


Foto nº 1 > Guileje > 1966 > CCAÇ 1424 > "O meu grupo de assalto"...


Foto nº 1 A >  O malogrado alf mil inf, António Joaquim Alves de Moura,
morto em combate a 4/9/1966. É a única fotografia que dispomos dele, no blogue e na Net. É um dos 75 alferes mortos no TO da Guiné.


Foto nº 2 >  Guileje > 1966 > CCAÇ 1424 > "O grupo de apoio"


Foto nº 3  > Guileje > CCAÇ 1424 > "O grupo de segurança" (milícias)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 1424 (1965/67)


Fotos (e legendas): © Nuno Rubim (2016). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Nuno Rubim, com data de ontem:

[, foto à direita: o Nuno Rubim, hoje cor art ref, e um talvez o maior especialista em Portugal de história da artilharia... O Nuno tem uma documentação, em suporte digital e em papel, absolutamente fabulosa sobre o TO da Guiné, onde fez duas comissões, no princípio e no fim da guerra... Na primeira comissão comandou duas das unidades que passaram por Guileje: a CCAÇ 726 (out 1964/jul 1966) e a CCAÇ 1424 (jan 1966/dez 1966); tem além disso a coleção completa, digitalizada, dos  Perintreps, daí o título desta sua nova série; trabalhador incansável, é também um grande amigo e camarada, a que pedimos informação e conselho; é membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de junho de 2006 (*)]




Guiné > Região de Tambali > Carta de Guileje > Escala 1/50 mil (1956) > Alguns topónimos "míticos" da nossa guerra,por onde passaram muitos dos nossos camaradas, de 1961 a 1974: além de Guileje, Mejo, Gandembel e Ponte Balana...Mas também  Salancaur, Nhacobá, Chinchim Dari (na carta aparece primeiro o topónimo Cabo Verde, seguido de Chinchim Dari, entre parênteses; recorde-se que no crioulo da Guiné-Bissau "dari" é a designação para "chimpanzé")... Também temos dúvidas sobre a linha que separa a região de Quínara e a região de Tombali, ontem como hoje...

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


Capitão "fula" (como era
 conhecidoem Mejo...) 
Nuno Rubim

Vou continuar a enviar material de Guileje, agora da CCaç 1424. Porque perintreps são muitos e tem de se escolher uma data. (**)

Seguem 3 fotos:

A foto nº 1  mostra o meu grupo de assalto. Lá está o alf Moura, o primeiro à esquerda, ajoelhado que morreu a meu lado com um tiro no coração, em Chinchim Dari.. [E eu à direita, em tronco nu, vestido à "capitão fula"];

Na foto nº 2 está o grupo de apoio e na nº 3 está o grupo de segurança (Milícias ), com armas capturadas pela Companhia em Salancaur.

Abraços
Nuno Rubim


2. Comentário do editor:

O alf Moura é o António Joaquim Alves de Moura, transmontano, natural de Padronelos, Montalegre,  morto em combate, em  4/9/1966. Pertencia à CCAÇ 1424 / BCAÇ 1858 (1965/67), batalhão mobilizado pelo RI 15.

Vamos acrescentar o topónimo Chinchim Dari à lista já extensa (e trágica) do nosso martirológio guineense.


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de junho de 2006 > Guiné 63/74 - P863: Tabanca Grande: O nosso novo tertuliano, o Coronel Nuno Rubim

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14244: Agenda cultural (374): A banda musical "Melech Mechaya" [leia-se: o rei da festa...] vai animar a longa louca noite de "Sexta-feira 13", em Montalegre, a rija capital do Barroso e do misticismo... Vivam os folgazões e prazenteiros barrosões! Vivam os nossos camaradas transmontanos!

os 

Montalegre - Sexta 13 (teaser oficial 2014) > Publicado a 01/02/2015 > "Noite de azares, bruxedos, contos, lendas e locais sombrios da memória que nos confundem os passos e escurecem a lógica. 13 de Junho 2014" > Vídeo alojado em You Tube > Montaleger Eventos (1' 10'')




Diz a organização do evento:

"O ano de 2015 abençoou Montalegre com três Sextas 13. A primeira do calendário acontece em fevereiro e promete cumprir o sucesso de edições anteriores. A capital de Barroso volta a vestir-se a rigor e lança o convite a toda a população. A celebração, focada nos azares, bruxedos, contos, lendas e locais sombrios da memória, volta a fazer uma forte aposta na música e teatro. Mais uma edição a não perder, dia 13 de fevereiro, onde o fogo espalhado por vários locais da vila promete aquecer a noite."

Da capital, Lisboa, segue a nossa conhecida banda musical "Melech Mechaya" para continuar a animar a louca longa noite de sexta feira 13 de fevereiro de 2015. 


MONTALEGRE - "Sexta-feira 13" (Vídeo Promocional) (


"Montalegre oferece o maior espetáculo de rua de Portugal com a celebração da 'Sexta-feira 13'. Um evento que já é uma referência cultural no país."

Vídeo promocional da Câmara Municipal de Montagre (Alojado no You Tube > Município de Montalegre > 9' 39'')

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14207: Agenda cultural (377): Nós, os portugueses, e os 7 mil milhões de outros: Fundação EDP, Museu da Eletricidade, Lisboa, 7 de fevereiro, 16h00... A não perder!