quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22687: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XX: Pitões das Júnias, serra do Barroso, Portugal, 2014





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Serra do Barroso > Montalegre > Pitões das Júnias


Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de 
António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74. 

Texto e fotos recebidos em 28 de  outubro último.

Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas ao mundo, em cruzeiros. É membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 290y referências no blogue.


Pitões das Júnias, serra do Barroso, 
Portugal, 2014

por António Graça de Abreu


Ano de 2014. Venho subindo, subindo, até tocar as nuvens.

O pequeno mosteiro de Santa Maria, de finais do século IX, mais velhinho do que Portugal -- a igrejinha permanece de pé, o resto meio arruinado --, recorda monges beneditinos que por aqui passaram, exorcisando pecados, pacificando a alma. Há resmas de lendas e mistérios levantando-se, à solta, por estes lugares.

A 1.200 metros de altitude, entre os pináculos do Gerês e do Barroso, a magia agreste da paisagem, os tectos esquecidos da pátria portuguesa. Tudo aberto para o respirar inteligente das montanhas.

Entro na aldeia, quase vazia de gentes. As casas de granito, a igreja matriz de S. Rosendo, o relógio de sol, o forno comunitário, os espigueiros. Muitos habitantes escaparam-se rumo a outras paragens, franças e araganças, onde a vida será mais fácil. Mas em Pitões da Júnias o ar é mais puro, os horizontes mais vastos, tão alvoroçado o recorte pedregoso do cume dos montes. E descobrem-se cascatas abrigadas na rocha, a paz completa.

Outrora, aconteceram por aqui grandes batalhas entre camponeses galegos e portugueses. Gentes destas terras, de ambos os lados da raia, roubavam cabeças de gado, na extrema fronteiriça. Os lusitanos costumavam ganhar em ardilosas pelejas e traziam as vacas, e os vitelos, para requintados repastos, a boa carne barrosã desfazendo-se em bocas esfomeadas.






Hoje, há ainda na povoação, três restaurantes onde se cozinham uns tantos primores, cabrito, feijoada à transmontana, a posta barrosã, um cozido divinal com enchidos da terra.

Avanço pela estrada mais a norte. Passo Tourém e chego a Espanha. Do outro lado da raia, acalma-se a paisagem, prados a perder de vista, uma aldeia galega, um posto de gasolina. O carburante mais barato, encho o depósito do carro. Regresso às terras do Gerês, é tempo de abastecer o estômago, borrego assado, um exuberante vinho verde Alvarinho proveniente de uvas douradas de Melgaço. O automóvel também bebeu bem, tem gasolina espanhola mais do que suficiente para os 450 quilómetros até Lisboa.

António Graça de Abreu

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6 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

António, e foste aos "Cornos da Fonte Fria" ? Estive em Pitões das Júnias, há mais de 40 anos, era a Joana pequena e incomodava-se imenso com a bosta das vacas e as caganitas das cabras e ovelhas que "pavimentavam" as ruas da aldeia...

Na altura ainda havia imensas casas com telhado de colmo, 500 vacas e 2500 cabras e ovelhas (que iam para a serra pastar no sistema da vezeira, iam de manhã e voltavam *a noite, cada família dava à vez um pastor)...As cabras e as ovelhas todas tinham, nas orelhas, uma marcação tipo código, feita a canivete, que permitia o dono identificá-las em caso de se tresmalharem no regressoo ao curral (a parte de baixo da casa, de granito)...

Ficámos lá vários dias com a pequenada, um grupo de amigos. E um dia deu-nos na mona ir fazer um piquenique nos Cornos da Fonte Fria, um verdadeiro monumento de granito que se avistava da aldeia, e que exerceuma atração mágica ao visitante. "É muito longe?", perguntávamos. "Ah,não, é já ali",respondiam-nos...Bom,andámos toda a manhã, com o farnel e os putos às costas...E só e eu mais outro amigo, o Joaquim Pedrosa (, também camarada da Guiné, que Deus já tem) conseguimos chegar às faldas da serra... sem conquistar os "Cornos da Fonte Fria"...

As pessoas ainda estavam muito isoladas, adoravam conversar connosco (que viemos de Lisboa!)... Algumas o mais longe que tinham ido era ao Porto ou a Viseu. Mas encontrámos um homem que tinha ido direitinho até uma morada em Paris, só com um papel na mão, sem saber ler nem escrever...

Na altura ainda havia restos do comunitarismo agropastoril de montanha (a vezeira, o forno do povo, o boi do povo, os baldios...). Mas quem tinha 20 vacas era rico. O mais vulgar era terem 3 ou 4 vacas... O triplo da população estava radicada no Brasil...

A Alice, que tinha estado no arranque do Parque Nacional da Peneda-Gerês, dez anos anos, tinha (e tem) um especial afecto por aquelas gentes e aquelas terras...Que não aceitaram bem, no início, a ideia da criação do parque... Pudera, desconfiavam do Estado...

Valdemar Silva disse...

Nos tempos da gasolina abaixo dos 40 dólares o barril, a andar por essas franças e araganças bem podia ir mais para leste e passar por França a caminho de Bragança.
França foi terra de minas de ouro e da placa FRANÇA, que enganava os emigrantes a salto.
'Pronto, chegamos a França, agora é sempre em frente', dizia o passador ao coitado que ficava sem os cinco contos e a guarda por companhia.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

È verdade, Valdemar, alguns pobres diabos terão sido enganados pelos "enjadores" (que fizeram fortunas com a emigração "a salto" para França)... Mas a França portuguesa fica a 2 horas de carro de Montalegre... Pertence ao concelho de Bragança, mais a leste, fica perto de Rio de Onor, outra terra que era o "ex-libris" da economia agropastoril de montanha e do "comunitarismo primitvo"... Passei por lá já duas ou três vezes, a última antes da pandemia...

Precisamos de viajar mais pelos distritos de Bragança e Vila Real, que hoje já têm bons acessos... São terras e gentes com carácter, e os celtas no seu ADN.

Anónimo disse...

Luís, já agora, já que falamos de Bragança não deixem de ir a Rio de Onor no parque nacional de Montesinho, visitar a cidade e o seu castelo e jantar aí no magnífico restaurante. E já agora, sigam na A4 e contemplem estas duas extraordinárias obras de engenharia:

• O Túnel do Marão ( É o mais longo túnel rodoviário da Península Ibérica, com 5665 metros).

• O Viaduto do Corgo onde o meu filho Tiago foi Diretor de obra, depois de fazer parte da equipa que construiu (2008/2009) a Ponte de S. Vicente, no Cacheu, Guiné-Bissau.

Excerto de um artigo da Revista da Ordem de Engenheiros - INGENIUM- sobre o Viaduto do Corgo: “ … constitui um dos maiores desafios técnicos estruturais que a construção rodoviária enfrentou nestes anos mais recentes…” )

Os pais não perdem uma oportunidade para elogiar os seus…

Um abraço
Joaquim Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Joaquim pelas tuas dicas...

E ainda bem que evocas o nome do teu filho, Tiago Costa, um dos obreiros da ponte de São Vicente, na Guiné-Bissau, financiada pela UE e construida com a nossa melhor engenharia. Recordo-me de os ter acompanhado através do seu blogue, em 2007/2009:

http://psvicente.blogspot.com/

Deves ter orgulho no teu filho... Infelizmente ainda não passei pelo Viaduto do Corgo (há muitos anos atravessei a antiga fronteira de Quintanilha, mas ainda não havia autoestradas). Pelo que li é de se lhe tirar o chapéu:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Viaduto_do_Corgo

Dá um alfabravo ao teu rapaz, e diz-lhe que "os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são"...

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Embora já um tanto tardio em relação ao momento em que este "post" foi lançado, não posso deixar de referir duas coisas:

Uma, é que embora se possa questionar (como alguns desocupados fazem) o que é que estas coisas têm a ver com a Guiné, a verdade é que fazem parte de vida e das nossas vivências e é sempre, pelo menos para mim é, interessante e motivo de "ganho" estes conhecimentos, até porque de locais onde não fui (e dificilmente irei), seja em termos paisagísticos, seja gastronómicos, seja históricos e outros.

Outra coisa, que por acaso até "cola" com o "cerne" do Blogue, a Guiné, é que não tinha relacionado o Tiago Costa com o Joaquim Costa e, curiosamente, mesmo não sabendo nem tendo conhecimento deste relacionamento, a verdade é que fui um seguidor das "coisas" que foram sendo colocadas em Blogue pelos operacionais da construção dessa Ponte no Cacheu, lembro-me até de ter enviado (e foi publicado) um texto em que referenciava esse blogue e salientava a ênfase emotiva que os vários elementos portugueses colocavam ao falar das gentes, da flora, da fauna e das emoções que sentiam mesmo depois de já terem acabado a Obra. Embora estivessem a trabalhar no Cacheu devem ter bebido "água do Geba"....

Realmente.... isto anda tudo ligado!

Abraço
Hélder Sousa