terça-feira, 2 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22682: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVIII: A ração de combate


Foto nº 2


Foto nº 1 > 
Ração de combate tipo E n.º 20. (Na parte de baixo lê-se: "Não deite fora o saco exterior. Servir-lhe-á para guardar os alimentos ainda não utilizados").

Foto nº 2 >  A ração de combate tipo E nº 20 continha; 1 tubo de leite condensado, 1 lata de atum, 1 lata de sardinhas, 2 latas de carne/carne com feijão /tripas, 1 lata pequena de compota, 1 lata de fruta em calda / sumo de fruta, 1 torrão nougat (amendoim). 1 pastilha de sal, uma saqueta de café instantãneo / comprimido e duas bolachas.

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 3 >  Ração individual de combate ( Individual comba ration / Ration individuelle de combat... NATO approved.  Era utilizada pelas nossas Forças Armadas em 2011. Foto de José Marcelino Martins (2011), com a devida vénia (*)




O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Tem quase pronto o seu livro de memórias (, a sua história de vida), 
de que estamos a editar alguns excertos, por cortesia sua.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (**)

Parte XVIII - A Ração de  Combate


A maior parte das nossas refeições,  ao longo dos quase dois anos de Guiné,  foram Ração de Combate.

Convenhamos que eram mais saborosas e nutritivas do que o arroz com estilhaços (arroz com minúsculos bocados de carne), à moda do vago mestre Ferreira.


O arroz com estilhaços, à moda do Furriel Vago Mestre Ferreira, fez-me lembrar as noites passadas na mítica tasca em Famalicão (Vai ou Racha) cujo proprietário era um benfiquista doente, pai do extraordinário jogador de futebol dos lampiões, Vítor Paneira.

Nesta tasca entre as muitas especialidades destacavam-se os bolinhos de bacalhau preparados pela sua simpática e esmerada esposa. Uma certa noite, já bem bebidos, ao comer um dos bolinhos de bacalhau, viro-me para o Vai ou Racha (,era assim como o tratávamos) e digo-lhe: 
− Ó Sr. Vai ou Racha! Este bolinho de bacalhau está cheio de espinhas! 

Resposta pronta do homem: 

− Como assim,  se estes só levaram batatas?!

Assim nos respondia o Vago Mestre Ferreira quando reclamavamos que a carne era pouca: 
−Como assim  −  retorquia  ele  − se  só coloquei arroz na panela?!

As rações de combate,  tipo E (Fotos nº 1 e 2), tinham várias nuances, diferindo de remessa para remessa. A remessa que me ficou na memória era composta por:

  • uma lata de conserva (geralmente sardinha/cavala?);
  • uma lata com carne;
  • uma lata de leite;
  • um sumo;
  • uma pequena lata de queijo e/ou marmelada;
  • uma bisnaga (espécie de pasta de dentes) de leite condensado;
  • um pacote de bolachas;
  • e, imaginem!, um comprimido de café para desfazer na boca.

Eu, como era alérgico ao leite (por alguma razão o querem tirar da roda dos alimentos), cedia ou trocava com outro camarada por um  sumo e despachava o leite condensado que me sabia ao óleo fígado de bacalhau que me deram na escola primária (a disputa pela minha bisnaga era dura e compreendia quase todo o pelotão). Metia-me impressão a forma como “mamavam” aquela coisa.

Mais tarde surgem umas latas de chispe e feijoada/tripas que era como fazer uma refeição num restaurante com estrela Michelin.

Sempre que aparecia o chispe e a feijoada, tinhamos problemas com o furriel enfermeiro porque lhe gastávamos todo o algodão e álcool para aquecer a iguaria.

Depois de “deitar abaixo” a respetiva ração, chegava o momento mais esperado e importante do dia, o momento do cimbalino (não confundir com o momento coca-cola!).

Fechava os olhos e transportava-me para uma esplanada de praia do picadeiro da Póvoa de Varzim, a contemplar o mar... e saboreava, com estilo, o melhor da ração – o comprimido de café.

Depois, era o clímax com as fumaças do cigarro oferecido (quase roubado) pelo Machado ou pelo Gouveia. Se fosse numa emboscada noturna, o ritual das fumaças contemplava o retirar do tapa chamas da G3 com a introdução do cigarro no cano para um gajo se tornar  um alvo fácil  de "tiro ao boneco”, por parte do IN.

Por uma questão de curiosidade,  fiz uma pesquisa sobre as rações de combate utilizadas hoje nas nossa forças armadas e fiquei com água na boca (Foto nº 3):

Pois, as rações com certificação NATO e utilizadas hoje (pelo m,enos, em 2011) pelas nossas forças armadas, incluiam as seguintes iguarias:
  • Pequeno almoço: Cacau com açúcar, 18 gramas; leite em pó, 15 gramas; bolacha doce, 125 gramas; geleia de fruta, 2 embalagens de 20 gramas cada;
  • Almoço: Jardineira de feijão, 145 gramas; paté de fígado, 65 gramas; doce de maçã, 50 gramas;
  • Jantar: Massa Bolonhesa, 400 gramas; sardinhas em óleo, 115 gramas;
  • Complementos alimentares: Bolachas de água e sal, 2 embalagens de 120 gramas; sumo de fruta em pó, 2 carteiras de 20 gramas; açúcar, 2 pacotes de 10 gramas; sal, pacotes de um grama; chocolate, 2 barras de 25 gramas; chiclete, 2 unidades; caramelos, 4 rebuçados;
  • Complementos não alimentares: Comprimidos purificadores de água, 4 unidades; pastilhas inflamáveis, 6 unidades; dispositivo de aquecimento, uma chapa moldável; carteira de fósforos; talheres de plástico; saco para lixo.
Mesmo assim, reconhecendo as significativas melhorias, não trocava estas nutritivas rações de combate pelas do meu tempo. A esta ração “modernaça” falta-lhe o essencial: O cimbalino!…

(Continua )
_________


(**) Último poste da série > 11  de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22621: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVII: a minha "bigodaça”... que tanto incomodou os senhores da guerra

22 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Em quase vinte e dois mil e setecentos postes, este deve ser o segundo que publicamos sobre o tópico "ração de combate"... Devemos ter duas ou três referências com este descritor... Mas ele dá "pano para mangas"...

Espero que a malta faça chegar comentários ao teu poste... Sobre a "ração de combate", praticamente toda a gente pode opinar...Eu rejeitei-a, desde o princípio quando percebi que era preferível morrer de fome do que de sede...Aquele abraço!.. Luis

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, esclarece qual é a autoria da foto nº 2... Será que a tiraste do material exposto no Museu da Guerra Colonial, que existe na tua terra ?

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Talvez os nossos camaradas da manutenção ou intendência,ou os nossos vagomestres, nos possam explicar esta nomenclatura:

(i) o que era uma ração de combate tipo E ? Já li que era E de Europeia, e não de Especial;

(ii) qual a diferença entre a ração nº 20 e a 30 ?

(iii) as forças especiais (páras, comandos e fuzos) tinham direito a rações especiais ?

(iv) o exército português hoje deve ter um leque maior de tipologias de rações (conforme as missões, os teatros de operações, etc.) (já li algures que são seis...);

(v) em 2010/2011 havia uma polémica nas redes sociais porque a ração que se mostra na foto nº 3 era feita... em Espanha!

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ó Joaquim, como é que uma tropa, como a nossa, que passava a vida a queixar-se do tacho e do vagomestre e das rações de combate, podia ganhar a guerra ?! Não podia, está visto...

Anónimo disse...

Meu caro Luís, dizes muito bem:
“como é que uma tropa, como a nossa, que passava a vida a queixar-se do tacho e do vagomestre e das rações de combate, podia ganhar a guerra ?! Não podia, está visto... “
Diziam as mulheres na minha aldeia que os homens se conquistavam pela boca.
Digo eu: As guerras também!!!
A nossa relação com as rações de combate era muito forte. Não só levávamos com elas nas saídas para o mato, bem como no próprio destacamento que construímos do Zero. Pois só tivemos direito a frigorífico a petróleo e a cozinha passados uns meses depois de aí nos instalarmos. Quem não gostou desta mudança foi o Vagomestre Ferreira que abalou do hotel de 5 estrelas de Aldeia Formosa para o parque de campismo selvagem do Cumbijã juntamente com a cozinha.
Um abraço
Joaquim Costa

Valdemar Silva disse...

Costa
As nossas rações de combate de 1969/70 tinha uma lata de leite com chocolate que era uma delicia. Como os nossos soldados fulas eram muçulmanos, e os senhores do " grande rancho geral" queriam lá saber disso, mal abríamos as caixas havia trocas das latas de carne e a bisnaga de queijo (?), que diziam ser de leite de porca, connosco três furriéis, três cabos e de início o alferes, mais o homem das transmissões, pelas latas de sardinhas.
Normalmente era uma ração de combate de uma refeição, para uma operação de intervenção/segurança com regresso para jantar ou saída após almoço para segurança/emboscada noturna e regresso de manhã para o pequeno almoço. Quando era mais de um dia havia rações duplas, mas o normal era levar duas e dois cantis de água, que estupidamente nas primeiras saídas o cabo Rochinha levou um cantil com vinho e ia morrendo de sede. Nunca fizemos fogueira para aquecer a lata de carne, que ficaria mais apetitosa e inclusive evitávamos fumar para não sermos detetados à distância. Tínhamos toda a atenção para nunca deixar latas vazias no local da refeição.
Por acaso o nosso vagomestre também se chamava Ferreira e era um tripeiro chapado, que cumpria menos mal as suas funções. Com alguns problemas por, normalmente, só haver um pelotão, os homens especialistas e o capitão no quartel que lhe dava para se "prendar" e ficava descalço com as contas. O 1º. sargento que andava sempre à guerra com ele sabe-se lá porquê, dizia-lhe 'com estas contas qualquer dia o melhor é atirar-se ao Geba'.
Mas como era rancho geral para todos desde o capitão ao soldado básico, os soldados fulas eram desarranchados, as contas sempre se normalizavam e havia comidinha variada e bem confecionada.
Também havia problemas quando saímos para emboscada noturna com regresso a meio da tarde, como tal levávamos uma ração dupla, chegávamos em cima da hora do almoço e não havia nem rancho nem a ração que já tinha marchado.
Em Nova Lamego resolvíamos esse problema com uma saída de visita ao restaurante local.
Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Os "Rafeiros" do quartel (Jubis) nao participavam das operaçoes, mas nunca perdiam a ocasiao de aproveitar as sobras do quartel em geral, mas também de explorar do que sobrava nas caixas das raçoes de combate deitadas ao lixo ou abandonadas ao acaso dentro do perimetro dos aquartelamentos em dias de operaçoes ao mato.

Claro que nunca restava nada de importante, mas por indicaçao do meu avo, que era um caçador profissional e conhecia a coisa por dentro por experiencia do passado por ter servido como auxiliar nas guerras de pacificaçao do territorio em varias frentes, passei a coleccionar uns pacotinhos pequenos de cor verde azeitona contendo caldo de carne ou galinha (ja nao sei dizer) que faziam parte destas raçoes e que curiosamente ninguém utilizava e hoje ninguém se lembra. Com elas, o velho mudava o gosto da sua farinha de milho servido ao jantar com folhas de vegetais (Djambo) fervidos em oleo de palma "molho de chabéu" Dizia-me: "Traga-me aqueles pacotinhos!". Mais tarde, sempre que nao havia sobras no quartel, fazia a mesma coisa, imitando o velho e acreditem que era muito saboroso o prato.

Mas, também, encontrava nestas caixas, uns comprimidos (seriam antibioticos?) da fabrica do laboratorio militar ou coisa parecida, que guardava no bolso e chupava a sua parte doce e deitava fora a parte amarga (o medicamento), mas sempre engolia uma parte do remedio. As vezes, chego a pensar que aqueles comprimidos teriam alguma coisa a ver com a minha boa saude e longevidade, sendo um sobrevivente de inumeras epidemias por que passou o pais desde os anos 60, a começar com a Variola (1966) a colera e a febre amarela entre outras, sem falar da Malaria que é permanente.

Lembro-me que do quartel, a unica coisa que o meu pai (muçulmano) aceitava eram a lata de sardinhas e a Coca-Cola.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé



Tabanca Grande Luís Graça disse...

No livro do ten cor Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 379 pp.), há informação interessante sobre a a alimentação, os produtos alimantares, e o seu custo, incluindo as rações de combate (RC 20) e as rações de substituição (RS 30) (vd. pp.286 e ss.).

A ração de combate propriamente dita (RC nº 20) era a que se usava em operações, fora do aquartelamento. A ração de substituição (RS nº 30) tinha mais produtos e podia ser consumida no aquartelamento, "quando não era confeccionada refeição quente" (pág.290).

Havia havia ainda Ração de Bolacha (140 gramas, por dia e por homem): substituia o pão quando este não oera distruibuido com a RC nº 20 ou a RS nº 30.

Cada ração estava pensada para as 24h / três refeições.

Com a crise petrolífera do final do ano de 1973 / início de 1974, os géneros alimentares escassearam no mercado e/ou subiram de preço. Isso teve naturalmente reflexos nos custos do Exército, que além disso viu os custos de transporte acrescidos. Houve produtos cujos preços dispararam brutalmente, de 1973 para 1974. Veja-se alguns exemplos de preços de produtos de venda ao público em Lisboa:

Produto / Preço de 1973 / Subida em 1974 (%)

Arroz (kg)/ 8$90 / 20%
Azeite / 35$00 / 50%
Batatas / 2$50 / 80%
Bacalhau / 44$00 / 113%
Chouriço / 45$00 / 66%
Frango / 26$00 / 46%

No quadro da pág.290, o autor, certamente, por lapso, não indicou a unidade de medida dos produtos a seguir ao arroz. Para o azeite,por exemplo, deve ser o litro. O autor também não indica a fonte... O que importa destacar é o valor (preço) considerado, pelo exército, nas contas da guerra do ultramar em 1974.

Por exemplo:

Arroz:7$00;
zeite: 48$00;
Batata: 8$20;
Bacalhau; 167$20;
Chouriço: 64$80;
Frango; 41$80...

Não admira que a malta para o fim tivesse que se agarrar à RC nº 20 ou RS nº 30 ou à Ração de Bolacha...

Fernando Ribeiro disse...

Amigo Cherno Baldé,
Os comprimidos que eram fornecidos nas rações de combate não eram antibióticos nem nada parecido. Eram simples comprimidos de sal, contendo, sobretudo, cloreto de sódio (o comum sal de cozinha) e também outros sais, de potássio, magnésio, etc. Porquê? Quando uma pessoa faz um grande esforço físico debaixo de um sol implacável, transpira muito. A transpiração é uma tentativa que o nosso organismo faz para arrefecer o nosso corpo, pois a água em evaporação provoca um abaixamento da temperatura. Juntamente com a água perdida pela transpiração, também são eliminados sais presentes no organismo. O nosso suor é salgado. Quando, a seguir, bebemos água, repomos a quantidade de água de que o nosso organismo necessita, mas não repomos os sais que perdemos pela transpiração. Em condições normais, estes sais vão acabar por ser repostos através dos que estão presentes na nossa alimentação, mas quando tínhamos que continuar a fazer grandes esforços de modo continuado, os sais contidos nos alimentos das rações não eram suficientes. Era preciso então reforçar a sua quantidade, tomando os referidos comprimidos de sal.

A uma criança ou um jovem que seja mais ou menos saudável, não faz mal nenhum chupar os comprimidos de sal ou lamber uma pedra de sal, por exemplo. O seu organismo irá eliminar o sal em excesso através da urina e no fim fica tudo bem. Já para uma pessoa que tenha a sua saúde abalada, por causa da idade ou por outra razão, e que ainda por cima faça uma vida sedentária, o consumo de sal através da alimentação pode ser de tal maneira excessivo que os nossos rins não conseguem filtrá-lo todo, o que provoca problemas cardíacos e outros. Neste caso torna-se necessário reduzir o teor de sal nos alimentos.

Uma vez, em Angola, durante uma operação militar, abri uma lata de carne de vaca. Como se a carne, por si só, não tivesse já um aspeto suficientemente repugnante, esta lata trazia como "brinde" uma mosca morta, uma dessas moscas de cor verde metalizada que costumam andar na merda! Enojado, atirei a lata fora com toda a força e ela só não entrou em órbita porque eu estava no meio de uma floresta e a lata ficou presa no emaranhado de lianas. As conservas de carne de vaca das rações de combate em Angola eram feitas por uma empresa de Benguela, de cujo nome não me recordo nem quero recordar. Uma coisa eu sou obrigado a reconhecer: a mosca estava muito bem conservada...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, sabes que não tenho ideia nenhuma da ração de combate nº 20,do meu tempo (1969/71), trazer o tal "comprimido" com sabor a café!...Hoje sou viciado em café (, até há um ano atrás, bebia 6 por dia)...Mas na Guiné não havia o "cimbalino",o café "expresso"... No bar, só café de saco. Só havia luz elétrica, memso numa terra importante como Bambadinca, cerca de 12 horas por dia (, em geral desde o anoitecer até ao nascer do dia...).Por isso os frigoríficos e arcas frigoríficas eram a petróleo...

Nem já me recordo se a malta, em Bambadinca, tinha a mania da "bica", depois da refeição, com um cheirinho... Acho que sim... Um café e um uísque.E nos quartos, também podíamos fazer um café de saco... Mas havia quem compensava a falta de cafeina com a Coca-Cola (a autêntica, que vinha da África do Sul e a que nunca me habituei, por razões estúpidas, "ideológicas": eram "a água suja do imperialismo americano"...).

Vou perguntar ao Humberto Reis e ao Tony Levezinho.

Mas no mato, às tantas da noite ou da madrugada, é que dava muito jeito um cafezinho...Mas eu, em geral, dispensava a ração de combate, tudo o que tivesse demasiado sal e açúcar... Preferia não passar sede.

Comecei a fumar na Guiné, mas evitava fazê-lo em operações, ou destacado em tabancas... pro razões de segurança. Essa de fumar com o cigarro dentro do cano da G3, lembro-me de ver... O teu texto ajudou-me a refrescar essa e outras memórias como a do café...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É verdade, em Bissau, havia vários cafés (Ronda, Império...) e há fotos na blogue com a malta sentada à mesa a beber a sua "bica" (os do Sul) ou o seu "cimbalino" (os do Norte, como o nosso Joaquim). Mas no mato não havia máquinas de café expresso, Cimbalino ou outras...

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Como compreenderão facilmente, por não ter sido um "operacional", as rações de combate não me foram "familiares", no sentido de as usar correntemente.
Mas isso não quer dizer que não tivesse tido contacto com elas.
Muitas das coisas que se passaram já não tenho registo de memória, por isso se eu disser que tenho ideia de as ter visto na recruta, em Santarém, será verdade ou ilusão?
Recordo que em Piche, entrava por vezes em "sessões de petisco" e nessas ocasiões o vagomestre cedia algumas coisas da "ração de combate" (certamente as latas de conserva) para acompanhar os vinhos que se aproveitavam das garrafas que se iam "partindo acidentalmente".

Hélder Sousa

Anónimo disse...

Luís,
Sem café fico insuportável. Sou capaz de fazer quilómetros para ir aonde servem bom café e fico possesso quando vou a um restaurante caro e me servem uma zurrapa de café.

Nunca fui um verdadeiro fumador. Como já referi várias veze, comecei a fumar na Guiné, embora jamais tenha comprado um maço de tabaco nos dois anos de comissão. Não sei se agradeça ou se meto um processo aos camadas Carlos Machado e António Gouveia. Continuo a fumar apenas dois cigarros por dia, sempre depois de tomar o cimbalino (termo que infelizmente está a desaparecer no Porto) que reduzi de 6 para dois.

Valdemar,
Isso de chegar ao quartel depois de uma saída para o mato e encontrarem as panelas vazias é mesmo motivo para atirarem o Vagomestre ao Geba.
E já agora! Que guerra é essa de: hoje vou jantar fora!!??

Um abraço, muita saúde… e bom cimbalino
Joaquim Costa

Anónimo disse...

Caro Fernando Ribeiro

Fiquei completamente esclarecido com a tua explicação ao Cherno sobre água e sais minerais e outros que tais, transpiração, etc.

Na verdade os comprimidos eram para desinfetar a água. O suplemento de sal vinha na intragável ração de combate todos os outros minerais citados fazem parte da alimentação normal e são os rins que se encarregam de equilibrar todos esses minerais que é o chamado equilíbrio hidro-eletrolítico e quando estes não conseguem desempenhar essa função resultam situações graves que podem levar à morte.
Só como exemplo o aumento ou a diminuição anormal de potássio provoca paragem cardíaca.

Nos quarteis eram fornecidos juntamente com as refeições suplementos vitamínicos e profiláticos para o paludismo.

AB
C.Martins

Valdemar Silva disse...

Meu caro Costa, Nova Lamego era uma cidade de ruas de terra batida, mas era uma cidade.
E havia um Restaurante de um homem, julgo que da Figueira da Foz, que embirrava com o cozinheiro manjaco(?) por ele 'lá entrar sempre a horas é verdade, mas irritamente por sair sempre a horas certas', dizia ele.
O nosso Quartel de Baixo era só da rapaziada da minha CART11, e com a excepção do pessoal de serviço, havia os soldados desarranchados e o outro pessoal desenfiado durante o dia. Então quando regressávamos duma operação era tomar banho e saída com regresso ao anoitecer.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

p.s. há fotografias no nosso Quartel no blogue.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O ten cor Pedro Marquês de Sousa, autor do livro "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 379 pp.), utiliza informação do nosso blogue, embora sem o citar (, a não ser no fim, na lista dos "sites" consultados).

Por "economia de análise", optou por não citar as fontes de muitos dos seus quadros, que também não têm títulos. Por exemplo, na pág. 291,utiliza uma preciosa informação sobre os géneros alimentícíos existentes em armazem, valores em escudos e preço de cada artigo (por quilo, saco, embalagem...), de um "batalhão que esteve na Guiné em 1973/74".

Ora esse batalhão é o BCAÇ 6523, a cuja CCS pertenceu o nosso "ranger" José Saúde, e que esteve em Nova Lamego. A listagem foi publicada no nosso blogue e no livro do Zé Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau (1973-74)". Lisboa: Colibri, 2019.

Remetemos, de novo, os nossos leitores para dois postes anteriores:

6 DE FEVEREIRO DE 2020
Guiné 61/74 - P20626: (Ex)citações (362): O ventre e o patacão da guerra, segundo duas preciosas listas de junho de 1974, guardadas pelo Zé Saúde... Cada um de nós tinha direito a um "per diem" de 24$50 para comer, o equivalente na época a um dúzia de ovos da Intendência (, a preços de hoje, 4,10 euros)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2020/02/guine-6174-p20626-excitacoes-362-o.html

8 DE JUNHO DE 2016
Guiné 63/74 - P16177: Memórias de Gabú (José Saúde) (63): O “ventre” de um espólio raramente conhecido. Passagem de bens alimentícios em armazém.

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2016/06/guine-6374-p16177-memorias-de-gabu-jose.html

Em 1974, com a crise económica, os preços dispararam. Por outro lado, numa das duas listagens vem o preço por unidade das rações:

Ração de combate nº 20: 43$00 por unidade; havia 680 em stock no dia 18/7/74;

Ração de substituição nº 30: 14$54 por unidade; em stock: 250...

Por norma e por razões de segurança, na Guiné tinha de haver uma reserva de 72 mil Rações de Bolacha, 50 mil da RC nº 20 e 20 mil da RS nº 30... (Cito o Pedro Marquês de Sousa, "Os números da guerra de África", pág.292).

Fernando Ribeiro disse...

Prezado C. Martins,

Em Angola, os comprimidos para desinfetar a água eram distribuídos pelo pessoal antes da partida para uma operação, juntamente com as rações de combate, mas não faziam parte destas. Dentro das rações é que vinham os tais comprimidos de sal de que falei. Estes comprimidos de sal não traziam qualquer indicação, a não ser as letras LM, iniciais de "Laboratório Militar". Quem quisesse, que adivinhasse que raio de comprimidos eram aqueles e para que diabo serviam. Até havia quem sugerisse que eles eram para tirar o tesão!

Os comprimidos para desinfetar a água eram, como acima disse, distribuídos juntamente com as rações de combate. Era-nos dito para o que é que eles serviam e recomendavam-nos que esperássemos meia hora depois de introduzirmos um comprimido no cantil, até bebermos a água assim desinfetada. Ninguém seguia a recomendação e nem sequer se dava ao trabalho de introduzir o comprimido no cantil porque, quando conseguíamos encontrar água no decurso de uma operação, vínhamos com tanta sede que não podíamos esperar meia hora sequer. Bebíamos a água de imediato, por mais lamacenta que ela estivesse. A sede é mil vezes mais difícil de suportar do que a fome. É de enlouquecer. Só quem passou por uma situação semelhante é que sabe. Pela parte que me toca, regressei à Metrópole no fim da comissão com um verdadeiro "jardim zoológico" de parasitas nos intestinos. A minha desparasitação fez-se cá, com toda a facilidade, aliás.

Todas as semanas, num dia bem determinado, eram distribuídos pelo pessoal do meu batalhão, ao almoço, comprimidos profiláticos para o paludismo. Como na minha companhia tínhamos uma constante atividade operacional, quase nunca tomávamos os ditos comprimidos, por estarmos sempre ausentes. E devíamos! Houve um caso muito sério de paludismo no meu grupo de combate, que poderia ter sido muito mais brando ou mesmo evitado de todo, se o militar em causa tivesse tomado os comprimidos, de cuja composição não me recordo. Eu até tive sorte, pois regressei de Angola com paludismo crónico, mas assintomático, como agora se diz. Eliminou-se com meia dúzia de comprimidos de pirimetamina e pronto.

Valdemar Silva disse...

Costa, podes observar nas fotos nos P22160 e numa das grandes fotos do blogue P11097 as instalações de parte do nosso quartel, Quartel de Baixo, em Nova Lamego.
Evidentemente que era um luxo, comparado com os abrigos e valas nas tabancas cercadas de arame farpado que habitualmente saíamos a reforçar.
As instalações deste Quartel, anteriormente já ocupadas por outras Companhias, eram nas traseiras do edifício do Chefe de Posto da Região do Gabu que ocupava a parte principal da frente. Nas traseiras dessa parte do edifício havia a messe, a secretaria e dormitório de oficiais e sargentos da nossa CART11, os soldados estavam instalados no mesmo local mas num edifício antigo armazém de mancarra.
Podes ver no P19411, embora passados uns anos mas não muito diferente, como era o edifício e arruamentos principais.
O Restaurante era a tasca do Sr. Geraldes, que era de Setúbal e julgo que também estava lá a mulher dele.

Abraço e saúde.
Valdemar Queiroz

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Recordo-me das rações colectivas para 5 homens que eram extremamente incómodas porque obrigavam a que todos comessem ao mesmo tempo e as embalagens era maiores do que as "individuais". Estas mais flexíveis tinham o inconveniente de serem monótonas. Assim, quem tivesse de fazer uma operação de vários dias comia o mesmo (ou quase) durante esse tempo. Os comprimidos de café destinavam-se a criar um sabor idêntico ao que deixava o café (de saco). Os soldados muçulmanos não comiam tudo o fosse e pudesse ser de porco (especialmente chouriço). Creio que o pessoal da MM e os "planeadores" e financeiros nunca se preocuparam com a monotonia da alimentação durante as operações e daí vem o nosso ódio às rações. SE alguma vez as tivessem experimentado durante dois ou três dias, podia ser eu as tornassem mais atraentes e variadas. Falta referir que as rações traziam uma folhinhas de algo parecido com papel higiénico e que também podia ser usado como guardanapo...

Um Ab.
António J. P. Costa

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Volto à antena para recordar que, numa "Guiné Melhor" e até (já antes) numa Guiné não tão boa, tomávamos comprimidos à 5.ª feira em qualquer lugar que estivéssemos do TO daquela PU. Eram um polivitaminico e um anti-palúrico. Havia quem achasse que eram os comprimidos para nos dar coragem e por isso tinha uma certa relutância em os tomar. Outros entendiam que era algo que retardava a actividade sexual, mas isso é uma anedota, real, infelizmente.

Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé, essa é que eu nunca ouvido sequer falar..."ração colectiva para cinco manos" no mato... Mas reconheço que tinha um inconveniente adicional: "Os cinco à volta do tacho, perdão, da ração, podiam correr o risco de serem apanhados à mão!... Ou havia um desgraçado de um sexto que ficava de sentinela ?

Estou de estou acordo contigo: quem estava em Lisboa, a planear, a comandar, a discursar... não fazia a mínima ideia do que era Guiné e aquela maldita guerra...

Para já a alimentação era muito diferente entre os três ramos das Forças Armadas, como mostra, com números na mão, o ten cor Pedro Marquês de Sousa, autor do livro "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 379 pp.). De resto, alguns de nós, mais felizardos, já aqui escreveram que na Marinha é que se matava a malvada, quando se ia a Bissau...

De qualquer modo a malta na Guiné até tinha, por portaria, um "valor diário de alimentação normal" (22$00) do que a rapaziada de Angola e Moçambique (18$00)... Compare-se com os dos meninos e meninas, dos 10 aos 17 anos, do Colégio Militar, Pupilos do Exército e Instituto de Odivelas: os finórios e as finórias tinham 20$00 (!) por dia para comer... Era o valor da jorna de um cavador de enxada no Norte...

Diz o Pedro Marquês de Sousa (pág. 289) que o brigadeiro Spínola pediu, em 1971, um aumento da verba diári da alimentação para os seus "rapazes"... para 33$00 dia/homem,tendo en conta o aumento dos custos dos produtos de primeira necessidade e do seu transporte... Devem-lhe ter feito um manguito!...

Joao G Bonifacio disse...

Os meus melhores cumprimentos a todos e em especial para o Luis Graca.
Achei muito apropriado escrever sobre as racoes de combate porque com todos os comentarios lidos, apenas se disse das suas desvantagens. A racao de combate so servia para um dia de operacoes e nao pode ser tida a longo prazo, porque como alguem disse aqui preferia morrer a fome do que a sede. O seu conteudo de sal e acucares era elevado. Verdade seja dita. Eu distribui milhares as tropas para operacoes de um dia e de 12 horas. Era importante a agua, mas alguns desejavam vinho, o que era concedido. A racao era desmantelada e cada um levava o que mais gostava. Era assim que eu actuava com vagomestre ou "nutricionista) Nas opercoes mais longas eu esperava com eles com algo quente e energetico. As inferiores a parte das reacoes nao utilizdas, eram substituido no menu de almoco, em Salada Russa ( todas as conservas mais a mistura com batata, feijao frade, salada de tomate e/ou alface, pois tinhamos bastante. Se os militares regressassem ate as 21 locais, eu fornecia refeicao quente, conforme a ementa do dia.

Teremos que reconhecer que em geral os militares e dependendo de onde eram naturais, gostava de diferentes ementas. Tentei varias vezes dar bifes com ovo estrelado batata frita e salada. Diziam eles que era uma barrigada de fome. Eu, dono da ementa, tentei sempre acalma-los e no dia seguinte era bacalhau a gomes de Sa ou Carne estofada com espargueti etc.

Neste bolgue eu adoro ler o conteudo escrito, mas adoraria ler um pouco mais do que de bom alguns NUTRICIONISTAS" FIZERAM PELOS SEUS HOMENS, tentando minimizar os efeitos de algumas dificuldades de reabastecimentos.

Um Abraco a todos

Joao Bonifacio
Toronto Canada
ex- fur mil do sam
Co/Mansaba e Olossato
Guinw-e