sábado, 29 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24516: História da CCAÇ 2792 (Catió e Cabedú, 1970/72) - Parte V: Período de 1 de novembro a 31 de dezembro de 1970: as primeiras duas baixas em combate


Guiné > Região de Tombali > Carta de Catió (1956)  (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Catió e alguns rios envolventes: Tombali, Cobade, Umboenque, Ganjola, etc.

Guiné > Região de Tombali > Carta de Cacine (1960)    (Escala 1/50 mil)  > Posição relativa de Cabedú, e dos rios Cumbijã e Cacine.

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da publicação de alguns alguns excertos da história da CCAÇ 2792 (Catió e Cabedu, 1970/72) (*). É mais uma das subunidades, que estiveram no CTIG, e que não têm até à data nenhum representante (formal) na Tabanca Grande.

Uma cópia da história da unidade foi oferecida ao Centro de Documentação 25 de Abril, em vida, pelo então major general Monteiro Valente, ex-elemento do MFA, com papel de relevo nos acontecimentos do 25 de Abril, na Guarda (RI 12) e Vilar Formoso (PIDE/DGS), bem como no pós- 25 de Abril. (Foi também comandante da GNR, e era licenciado em História pela Universidade de Coimbra.)
 

Acrescente-se ainda que o cap inf Monteir0 Valente, entre outros cargos e funções, foi instrutor, comandante de companhia e diretor de cursos de Operações Especiais, no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego (1968-1970, 1972-1974). (Foto à direita, cortesia do blogue Rangers & Coisas do MR", do nosso coeditor, amigo e camarada Eduardo Magalhães Ribeiro).

Uma cópia (não integral) desta história da CCAÇ 2792, chegou-nos às mãos há uns largos tempos.


História da CCAÇ 2792 (Catió e Cabedú, 1970/72) - Parte V:

Período de 1 de novembro a 31 de dezembro de 1970:   as primeiras duas baixas em combate


3.Actividades: 

a. Inimigo

(i) Catió: 

Às 20h21, do dia 30 de novembro de 1970, o IN flagelou o reordenamento de Ilhéu de Infandre, à distância,m com armas pesadas (Morte 82), instaladas na bolanha de Catunco (Ilha do Comoo). A reação consistiu na resposta da artlharia de Catió, sendo efetuada uma patrulha ofensiva de reconhecimento na manhã seguinte.

A 28, às 6h30, o IN flagelou Catió com foguetões 122. Os projeteis resultaram curtos no alcance, não produzindo danos, Foi efetauada imediata contraflagelação sonre a base de fogos de Boche-Bissá.

Em 4 de dezembro. às 00h14, nova flagelação de Catió com foguetões 122 mm. Foram ouvidos 4 rebentamentos que resultaram curtos, não provocando danos.

(ii) Cabedú: 

Em 30 de dezembro, pelas 10h11, o IN reagiu a uma patrulha das NT, emboscando-as em Cacine 5 D1-94, e causando-lhe duas baixas.

Apreciação: A atividdae IN não teve expressão significativa. A acção sobre o reordenamenmto de Ilhéu de Infanda teve, provaveelmente,  a intenção de  experimentar a reação das NT, recém-chegadads.

Nas acções de flagelação o IN procurou causar baixas e danos, furtando-se com esses procedimentos ao contacto com as NT que lhe poderiam causar baixas,

b. Nossas Tropas (NT)

Durante o período (novembro-dezembro de 1970) procedeu-se à rendição das guarnições de Catió e Cabedú, Simultaneamente, e ainda durante o perído de sobrepposição,  procurou-se reconhecer a ZA, de modo a permitir o seu conhecimentio e familiarizar os Gr Comb  com o terreno de atuação.

A atividade adotada foi baseada em patrulhamenntos constantes.

(i) Cató:

Foram realizadas as seguintes patrulhas de reconhecimento:
  • Bolanhas situadas entre os rios Cobade e Camechae (21 novembro de 1970);
  • Região de Cubaque (24 nov);
  • Bolanhas situadas a sul do rio Cagopere (1 dez);
  • Estrada Catió-Cufar (2 dez);
  • Região de Cuducó (14 e 20 dez);
  • Região de Cubaque (18 dez).

Diariamente 1 Gr Comb garante a defesa do reordenamento do Ilhéu de Infanda

(ii) Cabedú:

A pequena guarnição de Cabedú, fronteira ao Cantanhez onde o IN dispõe de ampla liberdade de ação e posições muito fortes, continuou a adotar o sistema de armadilhamento, herdado da guarnição anterior, em que procura isolar a área, sob o seu controlo, da que se encointra sujeita ao IN.

Foram realizadas as seguintes patrulhas de reconhecimento:
  • Cabanças do rio Lade (5 e 6 dez);
  • Região de Madina (7  e 23 dez);
  • Região de Cabanta (10 dez)
Nesta ação de patrulhamento ofensivo às região de Cabanta, a 10 de dezembro, as NT foram emboscadas com armas automáticas ligeiras, LGFog e Mor 60, por um Gr IN na região de Cacine 5 D1-94, sofrendo as primeiras baixas em combate no TO da Guiné: 

- Sold at inf, nº mec 00504170, Manuel Pereira Gomes (viria a facelecer a caminho do HM 241);

- Sol at inf, nº mec. 00555870, Josué Ferreira da Silva (viria a ser evacuado para o HMP em 1 de fevereiro de 1971). 

Foram os primeiros militares da Companhia a regar com o seu sangue o solo da Guiné.

Outras patrulhas de reconhecimento:
  • Região de Tarrafo (14 e e 25 de dez);
  • Região da Ponte (16 e 27 dez);
  • Região de Candasse (?)  (19 dez).

No decorrer da patrulha de reconhecimento, do dia 27, as NT accionaram  uma armadilha que por elas havia sido implantada., sofrendo 3 feridos ligeiros (1 militar e 2 milícias): 

- solda at inf nº mec  00777770, Miguel Cuerreiro Correia; 
- cmdt Pel MIl nº 141/66, Duramane Aidorá;
-  sold mil nº 146/60, Lamina Camará.

O 5º Pel Art executou fogos de flagelação.

No campo socioeconómico e psicólófgico, há a destacar o reordenamento do Ilhéud e Infanda:

Recebeu esta sububnidade a missão de cocnluir o reordenamento do Ilhéu de Infanda. trata-se de um reordenamento situado  a cerca de 5 km  a SE de Catió, constituído por 108 casas,e  que agrupa as populações  das antigas tabancas do Ilhéu de Infanda e Quibil, num total de 700 pessoas

Fonte: Excertos da história da unidade, pp. 22/II a 24/II. 

(Seleção / revisão e fixação de texto / substítulos / negritos: LG)
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P24515: Os nossos seres, saberes e lazeres (583): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (113): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Espero não voltar a envolver-me em empreitadas deste tipo, depois de me ter regalado no museu com a impressionante exposição sobre tesouros escondidos, aceitei fazer o programa das oito igrejas históricas, isto sem esquecer que pretendo visitar o Museu do Holocausto. Ora, não se viaja sem procurar ver edifícios representativos, belas praças, jardins, percorrer prazenteiramente uma cidade como esta, ainda por cima em dia de céu azul, ensolarado e de tempo ameno. A catedral é de facto um tesouro, quem vê a carcaça não vê o interior, de uma enorme riqueza, como igualmente a igreja de S. João tem imenso esplendor, desconfio que a partir de agora vai ser como cão por vinha vindimada, importa visitar a igreja de S. Pedro, há a da Beguina (estrutura medieval para recolher idosos) e outras, aqui pontifica o barroco e depois de um dia destes espero fazer uma cura de águas, resistir à tentação de entrar tão cedo noutros esplendores do barroco.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (113):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (4)


Mário Beja Santos

Haverá momentos, à procura do cumprimento do roteiro das oito igrejas em passeio pedestre, em que não sei a quantas ando, até me recordei daquele dia em que pela primeira vez entrei na Galeria dos Ofícios, em Florença, isto no tempo em que os museus italianos estavam abertos entre as 8h30 e as 14h30, tinha feito o meu trabalho de casa do que pretendia ver de grandes mestres, pus-me na bicha ainda não eram 8h, entrei parecia um touro desembolado, comecei pelos génios do Duecento, era tal o deslumbramento, era tal a vontade absorver aquela bela pintura que só conhecia dos livros que quando cheguei aos grandes mestres do século XV, senti uma dor de cabeça tal que voltei para o hotel, tomei um analgésico e jurei para nunca mais me meter em semelhante empreitada, quem quer ver com critério tem que selecionar. Sabe-se lá porquê, ando por aqui empolgado, Malines tem feitiço, gosto a sério desta combinação entre o antigo e moderno, é uma cidade cheia de aprumo, a catedral, a que já fiz referência, é imponente, passeio-me pelas ruas e dou conta do zelo com que tudo se preserva, a casa das corporações, o antigo hospital, o edifício das manufaturas de Wit (hoje a mais importante oficina de restauro de tapeçarias históricas do mundo), o edifício dos arquivos de Malines, a estatuária, a reprodução com bom gosto dos sinais antigos de indicação dos lugares. Bom, alma em Almeida, atiro-me de novo ao programa das igrejas, já está estabelecido o limite de horário, o dia em Malines encerrará no Museu do Holocausto, digo adeus às questões do critério e fico com a impressão que não será tão cedo que entrarei em igrejas barrocas, mesmo que estejam pejadas de inigualáveis tesouros artísticos.
Despeço-me da catedral, a carcaça é do século XIII, confesso que gostei de muitos pormenores, há bastante delicadeza nos altares laterais, saio e contemplo demoradamente a visão deste gigante de pedra que se embebe noutra arquitetura, muito própria do tempo. E vou a caminho de outra igreja.
Este pormenor na Grand Place é bem curioso, será seguramente uma réplica, preserva os elementos típicos e está cheio de charme.
Fazia parte do programa visitar o Grande Seminário, confesso a desilusão, vendo esta fachada ainda é possível sonhar que o interior guarda correspondência, não será assim, ainda por cima a igreja está fechada e as instalações estão ocupadas pelo dia a dia de um conjunto de identidades. Este grande seminário tem como antecedente um antigo colégio onde se assegurava a formação dos padres, o que agora nos é dado ver é da segunda metade do século XIX, é bem provável que haja no seu interior edificações do século XVIII, se as houver irei confirmar na próxima visita (porque vontade de voltar não me falta).
Estamos agora na igreja de S. João, fica perto do museu Hof van Busleyden, o templo deve o seu nome a S. João Baptista e S. João Evangelista e os dois figuram no esplendoroso retábulo pintado para esta igreja por Rubens, em 1616-1617. A obra foi pilhada pelos franceses durante a Revolução Francesa mas regressou mais tarde a Malines, mesmo com algumas perdas.
Fabuloso altar de Rubens
Pormenor escultórico, tivesse eu tempo, ficaria aqui sentado em contemplação.
Mais uma pintura de Rubens numa capela lateral.
Fiquei com a impressão neste dia de ter contemplado alguns dos mais sumptuosos púlpitos da era barroca, Malines não terá razão de queixa de ter alguns dos mais impressionantes trabalhos em madeira deste tipo.
Preparava-me para sair quando fica especado pelas dimensões e proporções do órgão, o que gosto mais, confesso, é a harmonia da integração de uma peça tão majestosa, leve e elevada em contraste com o suporte da madeira, não será tão maciça devido às belas esculturas que ornam as portas de entrada.
De novo no ar livre, vinha à procura de um banco para esticar as pernas e folhear os guias que me acompanham para tentar entender melhor as riquezas desta Burgúndia que confinava com a Borgonha francesa, ainda não encontrei explicação cabal se esta Burgúndia dos Países-Baixos meridionais também era crismada por Borgonha. E se registo aqui estas duas imagens é para recordar que Malines era uma capital e não devia ser nada insignificante, aqui foi educado o futuro Carlos V antes de viajar de barco e aportar nas Astúrias, e daqui seguir para Madrid para ser sagrada imperador.
Pronto, ainda tenho mais igrejas para visitar, sinto a pressão do tempo e jurei a mim próprio que nem que seja por meia hora ainda passarei pelo Museu do Holocausto.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24496: Os nossos seres, saberes e lazeres (582): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (112): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24514: Parabéns a você (2190): 1.º Cabo DFA Ref Manuel Francisco Seleiro, Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24508: Parabéns a você (2189): Luís Paulino, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2726 (Cacine, 1970/72)

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24513: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XI: Cutia, imagens diversas do quotidiano da tabanca e destacamento


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem (1)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem (2)

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) >  BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem (3)

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Capinagem (4)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > A caminho do poço

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Crianças no poço (1)

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Crianças no poço (2)

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) >  Discussão de mulheres no poço (1)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) >  Discussão de mulheres no poço (2)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) >   Messe e... posto escolar e militar (1)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) >   Messe e... posto escolar militar (1)


Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Estrada... e eira.

Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento e tabanca de Cutia > Imagens diversas do quotidiano da tabanca

Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71). Desta vez tendo por tema o destacamento e a tabanca de Cutia, que ficava a meio caminho entre Mansoa e Mansabá. (*)

Estas são as fotos  de um quarto lote sobre Cutia. Temos mais de 35 referências a Cutia. O Jorge Picado tem aqui, no poste P2881, uma excelente descrição do destacamento e tabanca de Cutia do seu tempo (1970/72) (**).

Na altura, havia em Cutia um Pelotão da CCAÇ 2589 / BCAÇ 2855 (Mansoa, 1969/71) e ainda o Pel Caç Nat 61 (ou Pel Caç Nat 57) e ainda um Esquadrão de um Pelotão de Morteiros.

A oganização e a seleção das fotos são feitas pelo seu amigo e nosso camarada, o médico Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa), tendo passado depois pela Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, (Bissau) (Fev 1970/Dez 1971).

O José Torres Neves é missionário da Consolata, ainda no ativo. Vai fazer, em 2023, os 87 anos. Vive num país africano de língua oficial portuguesa. Esteve no CTIG, como capelão de 7/5/1969 a 3/3/1971. Estamos-lhe muito gratos pela sua generosa partilha.

As fotos (de um álbum com cerca de 200 imagens) estão a ser enviadas, não por ordem cronológica, mas por localidade, aquartelamentos ou destacamentos do sector de Mansoa.
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(**) Vd. poste de 24 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2881: Estórias de Jorge Picado (2): Cutia, I Parte (Jorge Picado)

Guiné 61/74 - P24512: Notas de leitura (1601): "Palavras e Silêncios – Memórias Femininas da Presença Militar no Ultramar", por Ana Maria Taveira, Maria Armanda Taveira e Maria de Fátima Pina; Âncora Editora, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Junho de 2021:

Queridos amigos,
O assunto está longe de ser inédito, mas tanto quanto me é dado saber a metodologia é original para abarcar diferentes gerações, posturas que gradualmente se irão demarcando ao longo de sucessivas décadas, este precioso alfobre de mentalidades ajudará seguramente o historiador a olhar de maneira diferente o papel da mulher dos militares que trilharam o Império. São narrativas acaloradas, a organização da obra exemplar, é tónico estimulante para debates e conferências, abre janelas para novos trabalhos, é talvez este o não menos despiciendo préstimo de "Palavras e Silêncios", uma verdadeira surpresa no panorama editorial e acertadamente no programa Fim do Império, a que estão associadas a Câmara Municipal de Oeiras, a Liga dos Combatentes e a Comissão Portuguesa de História Militar.

Um abraço do
Mário


Aquelas mulheres de militares portugueses que percorreram o Império e a História esquece

Mário Beja Santos

A iniciativa tem o seu travo de originalidade: três mulheres decidiram reunir 32 outras de militares portugueses que serviram na Índia, em África, em Macau e Timor, e pedir-lhes testemunhos de vida desses anos. Respeitando a ordem cronológica, vamos ouvi-las desde a Maria de Lourdes, nascida em Bragança em 1924 a Patrícia, nascida em Lourenço Marques em 1975. É um abrangente retábulo de mentalidades, do modo de encarar o seu ligar de mulher, mãe e colaboradora nesta ou naquela parcela do Império, sentir-lhes nostalgia ou melancolia, aprazimento ou mortificação nesta ou naquela experiência, mas o resultado é deveras aliciante, de questionamento obrigatório, com estas memórias femininas não há nenhuma dificuldade em perceber como se praticou uma omissão indesculpável silenciando na historiografia o papel exercido pelas mulheres dos militares, na frente ou na retaguarda. É este o valor documental de "Palavras e Silêncios – Memórias Femininas da Presença Militar no Ultramar", organizado por Ana Maria Taveira, Maria Armanda Taveira e Maria de Fátima Pina, Âncora Editora, 2020.

Mulheres cujos maridos cumpriram cinco comissões, viveram doze anos em África, viveram no Estado da Índia e dali saíram precipitadamente em 18 de dezembro de 1961, mulheres que partiram para a guerra casadas de fresco, viram partir o noivo ainda em tempo de paz que os acompanharam em tempo de guerra, mulheres de oficiais das Armas, mas também de médicos e de engenheiros. Mulheres que nasceram em Goa e que ainda hoje lutam pelos seus direitos de propriedade. Mulheres que dizem abertamente que a sua identidade foi moldada dentro dos princípios da moral cristã e dos valores da ética, transmitidos pelo meio castrense. Mulheres que ensinaram em liceus e escolas, que ajudaram nos hospitais, e mesmo depois da descolonização deram apoio a quem regressou em estado de grande aflição. Mulheres que falam num estado de grande felicidade pela experiência que tiveram ao lado do seu marido. Mulheres que conheceram a permanente itinerância, a fazer e a desfazer malas, a percorrer espaços imensos, a ter que pôr os filhos nos colégios.

E vamos, no afã da leitura, apercebendo-nos de que estas mulheres não só aprenderam línguas ou a bordar ou a cozinhar, foram ampliando o seu modo de olhar as missões dos seus maridos e a própria evolução da guerra, houve aquele moroso processo de perceber e sentir a pouca ligação entre as frentes de combate e a grande indiferença na retaguarda. Em dado momento, neste sortilégio de testemunhos, alguns deles de leitura compulsiva, há que ouvir o que Maria da Graça, nascida em Luanda em 1943, diz quanto à motivação que a levou a escrever sobre a sua vida passada:
“Em primeiro lugar, porque há muita informação sobre o que foram aqueles anos no nosso antigo Ultramar, sobre a guerra, os militares, sobre a descolonização, sobre o que foi feito ou devia ter sido feito, mas tudo numa perspetiva, não só predominantemente masculina, mas também política e documental. Ficou, nalgum esquecimento, o facto de que todos os envolvidos nos processos destes anos tinham famílias, mães, mulheres, filhas que, ou os acompanharam, ou ficaram sozinhas, tendo de gerir todas as situações que lhes surgiram. Em segundo lugar, porque, passados tantos anos, as gerações dos nossos dias têm pouca noção da dor e dos problemas que passaram os que viveram aquela época. Toda essa realidade já está muito distante, faço-o para que não fique no esquecimento. Porque tenho netos adolescentes e outros ainda mais pequenos, para quem, cada vez mais, a nossa História recente será um episódio longínquo, resolvi deixar o meu testemunho. Para que compreendam por que andámos sempre com a casa às costas, porque só acabei o meu curso 20 anos depois de o começar e, acima de tudo, para que fiquem com um olhar mais verdadeiro sobre aquela vida, a minha e a de tantas outras mulheres daquela época”.

Maria Beatriz, nascida em Setúbal em 1945, conta a sua experiência na Guiné entre 1966 e 1968. Casou, e quinze dias depois o marido partia para Farim. Quatro meses depois veio buscá-la. Viveu em Farim e lembra-se do choro das hienas como lembra o fantástico pôr-do-sol. Ouviu um ataque ao K3. O marido recebeu ordem para ir para Barro com a companhia, ela ficou em Farim, só mais tarde foi para Barro, surpreendeu-se que havia muita gente que parecia nunca ter visto uma mulher branca.
“Quando me levantei e cheguei cá fora, estavam muitas mulheres e crianças para me verem, todas me tocavam e riam. Eu levava as unhas pintadas, o que foi motivo de um grande espanto. A tropa construiu uma escola. As paredes eram de uma palha entrelaçada, o teto de zinco e as carteiras foram feitas no quartel. Veio de Bissau um quadro, e o armário da escola era um barril com uma porta, onde se guardavam os livrinhos e as lousas. Eu dava aulas na escola, às meninas, da parte da manhã, de tarde os rapazes tinham aulas dadas por um rapaz guineense, que foi educado numa Missão. Normalmente, as meninas vinham-me buscar à porta do quartel para irmos para a escola. Todas queriam ir de mão dada comigo, pelo que dava um dedo a cada uma, mas empurravam-se e zangavam-se porque eu só tinha dez dedos. Passado um tempo, houve uma operação, e eu fui. Caminhámos 50 quilómetros a pé, 25 para lá, até Canja, e 25 no regresso. Na primeira vez em que saí, quando fomos inspecionar as armadilhas, ainda levei a minha pistola à cintura, para fingir que poderia fazer qualquer coisa. Fomos a Canja, não se encontrou o acampamento inimigo que se estava à espera que existisse. O regresso é que foi uma tragédia, as pernas não queriam andar”.

Não sei se outra mulher de capitão teve experiência idêntica a esta, ela descreve com a maior das naturalidades operações e patrulhamentos, conta a história de um alferes de uma outra companhia que no início da operação disse “se a senhora vai, eu não vou”. A notícia chegou a Bissau e o Quartel-General mandou uma mensagem a perguntar se havia uma senhora branca que ia às operações. Trocaram-se mensagem em tom azedo, Bissau exigia que a senhora branca saísse dali e o capitão de Barro retorquiu: “Bem, então temos um problema. As mulheres dos meus soldados (era uma companhia de caçadores nativos) são senhoras guineenses e estão com os maridos. Se as senhoras não podem estar, o que eu vou fazer com elas?”. A resposta veio seca e terminante: “Não levanta problemas que isso não é nada consigo”.

No entretanto, o quartel foi flagelado e um outro capitão foi render o marido de Maria Beatriz. “Eu estava de camuflado, e o senhor viu-me de costas. Bateu-me no ombro e, quando me virei, ia caindo ao chão. Estava para me dizer: ‘É pá, estás com o cabelo muito grande, corta-o!’”. Depois da Guiné foi a Moçambique, mas não foi a mesma coisa. “A Guiné era como se fosse minha, criei uma forte relação afetiva com a terra e com as pessoas. Tenho muitas saudades do que lá vivi, e tive muita sorte, de ter um marido que apoiava as minhas loucuras”.

Depoimentos sumarentos, documentos de valor irrefragável, conhecíamos bem o papel das enfermeiras-paraquedistas, mas nunca se entrara nos bastidores com esta grande angular cronológica, mesmo sendo justo referir que nos últimos anos têm surgido diferentes trabalhos acerca da mulher de militares nas diferentes parcelas do Império.


Palavras e Silêncios é um trabalho inexcedível, será referência obrigatória, digo-o sem hesitar.
Investigação de Sara Primo Roque, Edições Pasárgada
As Mulheres Portuguesas e a Guerra Colonial, por Margarida Calafate Ribeiro, Edições Afrontamento
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24501: Notas de leitura (1600): A Guiné pós-colonial e o funcionamento de um Estado “suave”: Um importante artigo de Joshua B. Forrest sobre a Guiné a caminho do multipartidarismo (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24511: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte VI: 16, 17, 20, 22, 23, 24 e 25 de abril de 2023





Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > 2018 > Inauguração da Escola de São Francisco de Assis. Na última foto (que é da autoria do João Crisóstomo), vê-se o Rui Chamusco, de costas. à direita.

Fotos (e legenda): © Rui Chamusco (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação de alguns excertos das crónicas que o nosso amigo Rui Chamusco (76 anos, professor de educação musical reformado, do Agrupamento de Escolas de Ribamar, Lourinhã, natural de Malcata, concelho de Sabugal, cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste) nos mandou, na sequência da sua 4.ª viagem àquele país lusófono (março-maio de 2023).

Esteve lá já 4 vezes, em 2016, 2018, 2019 e agora em 2023, no àmbito da construção, organização e funcionamemento da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau, ;Manati, município de Liquiçá.  

É juntamente com a família luso-timorense Sobral um dos grandes pilares deste projeto de solidariedade com o povo timorense. É um exemplo inspirador, de amor à lusofonia e de solidariedade para com o povo de Timor Leste, que merece ser conhecido pelos mossos leitores. Além disso, há aspetos da história, da geografia e da cultura timorenses que nos são totalmente desconhecidos.

Para os leitores que se queiram associar a este projeto, aqui fica a conta solidária da Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (ASTIL)

IBAN: PT50 0035 0702 000297617308 4

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De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4ª estadia, 2023): 
crónicas de Rui Chamusco 
/ ASTIL (excertos)

Parte VI -  16, 17, 20, 22, 23, 24 e 25 de abril de 2023

(...) 16.04.2023, domingo - Respeito, mas não concordância

Há valores neste povo que eu admiro e venero, nomeadamente os valores relacionados com a cultura. Mas também há comportamentos, motivados por algum obscurantismo social e religioso, com os quais não estou de acordo e contesto.

Ontem o “ Coro São Francisco de Assis “,  de Ailok Laran,  foi animar a liturgia da missa vespertina na catedral de Dili. Porque de alguma forma também estou ligado a este grupo, pedi ao Eustáquio para irmos à catedral, dar o nosso apoio presencial.

Depois da atuação, pedi para se juntarem à frente desta igreja, e fazermos a foto de grupo. Eis senão quando, do outro lado, se vê alguma agitação. Era um elemento do côro, uma moça de doze anos, que entrou em crise de gritos, espasmos, desmaios, etc, etc... quando se recompunha refugiava-se na igreja.

Quis saber mais pormenores sobre a situação e, de imediato, me responderam: “a menina tem espírito mau no corpo. Tem diabo nela”. Fiquei pasmado com a resposta, e pedi para ir ter com ela. Sim, não estava normal.Mas depois de me dar conta de alguns sinais, reagi como um “ocidental”, e disse: “ Ela está em estado de fraqueza. Precisa de um copo de água com açucar, precisa de comer e de descansar”.

“O que eu fui dizer!"... A Adobe que estava a meu lado, atalhou-me logo a conversa, sussurrando-me ao ouvido: “Pai Rui. Eu também penso assim, mas não podemos dizer isso, porque aqui toda a gente pensa que é espírito”. 

Fiquei derrotado, completamente destroçado... Entretanto, chega um rapaz, vindo da procissão da Divina Misericórdia, que estava decorrendo rumo à catedral, faz três vezes o sinal da cruz na testa da miúda, e ela recupera os sentidos, levanta-se e vai de novo para a igreja, até que um irmão a veio buscar na sua mota. Perguntei depois por ela, como estava, e disseram-me que estava em casa, aqui bem perto de nós, a descansar, a dormir.

Não sei que vos diga, mas continuo a pensar que há muito a fazer no caminho do esclarecimento desta gente. Mesmo correndo o risco de ser imcompreendido pela maior parte dos que me rodeiam, prefiro ser coerente comigo mesmo e discordar da interpretação destes fenómenos.

E, para não ficar desmoralizado, voltamos a Ailok Laran, com a pick-up carregadinha: vinte e três passageiros. “Louvado sejas meu Senhor pela nossa irmã pick-up”...


17.04.2023, segunfa feira - Fome ou vontade de comer

A ideia que quase todos temos de países em vias de desenvolvimento é que a maioiria das pessoas passam fome. E passam... Os corpos franzinos que crianças, jovens, adultos e velhos apresentam provam que há carência alimentar, que a nutrição tendo como base o arroz não é de todo suficiente e muito menos sobejante para um desenvolvimento harmonioso da massa corpórea. Claro que também há gente gorda, por adn, por enfermidades ou por abusos alimentares. Mas essa não é a regra.

E à mesa, perante observações de comportamentos distintos (o malae tira uma ou duas colheres de arroz; o timorense “carrega” bem o prato), alguém comenta: “ para o timorense o que importa é haver comida. Se há só arroz, enche a barriga de arroz. O barriga (estômago) tem de ficar cheio, porque vazio dói. Se houver outra comida, enche a barriga dessa comida.”

Portanto não admira que, quando se vai às compras e se trazem novas iguarias para casa elas não durem muitos dias. Junta-se a fome com a vontade de comer. Mas talvez noutro contexto, noutros países, noutros continentes o comportamento seja outro, até por uma questão de aculturação. Saber comer, também se pode aprender, independentemente dos gostos de cada um. Bom apetite!...


20.04.2023, quinta feira Timor Leste – Dia de eclipse solar


A expetativa era grande. Há dias que se vem falando deste fenómeno, e tudo se prepara para o apreciar. Estrangeiros que chegam, escolas que fecham, hotéis e albergues que esgotam. Reina alguma ansiedade.

E não falhou. À hora indicada, lá começou a lua a interferir na luminosidade do sol, ficando cada vez mais escuro, mas sem nunca se ficar sem ver. Atingiu o ponto máximo por volta das 13.15h locais. Apetrechados dos óculos especiais, cada um ia mirando e comentando o que via.

Notou-se alguma deceção da parte dos comentadores. Pensavam que ia ficar tudo escuro, mas assim não aconteceu. Alguma excitação porém, quando alguém apontou para o céu e se viu brilhar a estrela da manhã.

Ouviram-se alguns foguetes e tiros e toques de metais. Questionado sobre o que se ouvia, o Eustáquio explicou:

 “ Em Timor, quando há estes fenómenos da natureza (eclipses, terramotos, etc) as pessoas pegam em coisas e fazem barulho que é para Deus saber que ainda a gente cá em baixo.” 

Mas até nisto já se nota alguma mudança. Já não é o que era.

Depois, já na fase decrescente, foi uma brincadeira pegada com o sol que, complacente connosco, se projetava e se deixava tocar como nós quiséssemos. Bem hajas Irmão Sol.


22.04.2023, sábado  - O negócio da “Ai”

“Ai” é uma palavra, um substantivo que, em tétum, quer dizer árvore, madeira, lenha e outros sinónimos.
 
Por todos os sítios onde passamos podemos encontrar nas bermas das estradas molhos de paus (4/5) empilhados, que esperam a toda a hora por compradores. Aqui pouca gente utiliza o gás para cozinhar. Primeiro porque é muito cara a garrafa deste produto; segundo porque têm medo das explosões. Por isso, recorrem a outros carburantes, com relevância para o mais acessível, a madeira. A cada molho chamam corda, porque os paus, de mais ou menos meio metro de compridos, vêm atados com um fio em cada ponta, e são vendidos ao consumidor por “uma quarta” (25 centimos).

Chegada a hora de preparar a refeição, é normal ver adultos e crianças com duas, três ou mais “cordas” nos braços a caminho das suas casas. Porque aqui, na casa do Eustáquio em Ailiok Laran, ´há um posto de venda ao público. “Negócio da mulher”, como ele diz. E ainda bem, digo eu. 

Porque a Aurora [ a esposa do Eustáquim inesperadamente falecida há dias..], apesar das suas limitações físicas, não é mulher de baixar os braços. Não pára. É um exemplo de dedicação. É uma “mulher de armas”, mesmo que estas armas sejam de madeira, sejam paus para a fogueira. “Ai”! “Ai”! “Ai”!...


23.04.2023, domingo - Tão longe e tão perto

A professora Cristina, sempre muito diligente em proporcionar encontros e conhecimentos, contactou-me no sentido de nos encontarmos no Timor Plaza, onde poderíamos almoçar em companhia de um casal amigo, a professora Aurora (professora no CAFA de Ainaro ) e o seu marido José Marques. Insistiu que haveria muito interesse em que nos conhecéssemos, porque partilhávamos ideais comuns.

Claro que respondi de imediato para concretizarmos este encontro que, como foi combinado, aconteceu hoje no Timor Plaza. Sem muitas palavras ainda, notou-se logo grande empatia se foi desenvolvendo ao longo de três horas de conversa. E, quem diria que, tão longe de Portugal, pudéssemos falar de amigos comuns de diversas localidades do nosso país. 

Estupefatos com as nossas encruzilhadas da vida, fomos desfilando por regiões, terras, pessoas, peripécias, ideais, projetos...uma grande ementa que nos alimentou o espírito, porque o corpo já tinha sido alimentado anteriormente.

Foi um uma sorte e um prazer ter encontrado este casal. Com certeza que muito mais teremos para contar e, ainda melhor, para fazer. Obrigado Professoa Cristina!


24.04.2023, segunda feira - Sunset-Inn / Timor Leste: Quem somos?

A convite dos amigos professora Cristina, professora Aurora e do seu marido José Marques, hoje fomos conhecer o PRO EMA (Empoderamento de Mulheres e Adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade social), uma organização sem fins lucrativos, que vale a pena conhecer. 

E, a melhor forma de o fazer foi irmos almoçar ao espaço que esta organização explora. Desde a entrada à saída, um acolhimento e uma simpatia excecional, só possível através de uma boa formação e preparação. Autênticas profissionais, com um serviço às mesas extraordinário, cheio de pormenores e delicadezas. É um sítio onde a gente se sente bem e onde se come sem ter fome. 

Sabemos que o preço dos menus é mais caro que noutros restaurantes(?) da zona, mas nem por isso damos por mal empregue o dinheiro que pagamos, porque é uma forma muito solidária de contribuirmos para o programa desta organização sem fins lucrativos, com tão nobre missão.

Qualquer dos menus escolhidos estavam excelentes na apresentação, nos sabores, na qualidade dos produtos. Aconselho todos os amigos que vistem ou residam em Dili a que não percam a oportunidade de visitar e frequentar este espaço solidário. Não irão ficar defraudados nem desiludidos. (...)
 
 
25.04.2023, terça feira - 25 de Abril SEMPRE!...

Para os que tivemos o privilégio de participarmos neste evento tão significativo para as nossas vidas (tinha eu 27 anos) em 25 de Abril de 1974, o dia de hoje é para celebrar e reviver. 

Por cincunstâncias da vida, desde 2017 que não tenho participado em eventos comemorativos do 25 de Abril. Mas não esqueço o slogan mais conhecido de sempre “ 25 DE ABRIL SEMPRE!...” que tem guiado os defensores dos ideais de Abril, entre os quais eu quero estar, e que por mais que custe aos delatores e inimigos desta “ revolução dos cravos”, tudo faremos para que a memória coletiva dos portugueses seja preservada. 

Durante bastantes anos, seguindo esta vontade de não deixarmos cair esta celebração, colaborei sempre no espetáculo organizado pelo Município de Sabugal, com o nome “Abril entre Amigos”. Sim, enquanto houver Grupos de amigos que lutem por isso, o 25 de Abril acontecerá cada ano que passa, sempre com alguma nostalgia de quem viveu os acontecimentos e não quer deixar que o espírito da revolução de Abril seja abafado ou extinto.

Nem tudo está bem, está certo. Mas o que seria e como estaríamos se o 25 de Abril não tivesse acontecido?

 (...)





Imagens retiradas de vídeo da
página do Facebook da Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste (ASTIL), com a devida vénia... 

 [Seleção / revisão e fixação de texto / negritos / subtítulos : LG]
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Guiné 61/74 - P24510 Antologia (93): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte IV


Capa de "O Nosso Livro 2ª  Classe".
Exemplar gentilmenmte cedido ao nosso blogue pelo Paulo Santiago, natural de Águeda (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72) .


 
Foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro, 2ª ClasseAutor desconhecido. Amílcar Cabral, que passou a visitar  regulamente a Suécia, a partir de finais de 1968, era visto pelos seus admiradores suecos como  ”um mestre da diplomacia [...], uma pessoa notável e uma grande figura internacional, que era portador de uma mensagem extremamente positiva”.

"O Partido Social-Democrata e a Liga da Juventude Social-Democrata, da Suécia, recolheram fundos para a produção, no final dos anos sessenta, por parte do PAIGC, dos primeiros manuais escolares em português. 

"O primeiro livro (PAIGC: O Nosso Livro: 1ª Classe) foi impresso em 1970 pela Wretmans Boktryckeri em Uppsala, com uma tiragem de 20.000 exemplares. Nesse mesmo ano a Wretmans publicou O Nosso Livro: 2ª Classe, com uma tiragem de 25.000 exemplares. 

"Ao lado do nome da editora, na capa do segundo livro, dizia-se que o livro era publicado pelo PAIGC nas zonas libertadas da Guiné." 

(Fonte: Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, pág. 152)


1. A Suécia (parceiro comercial de Portugal desde o ano de 1960, no âmbito da EFTA - Associação Europeia do Comércio Livre) e a Guiné-Bissau nunca tiveram, até ao final da década de 1960, praticamente quaisquer ligações (históricas, comerciais, ou outras). 

Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, tem um texto de 290 páginas, sobre "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (publicado em 2008, em versão portuguesa). (Vd. ficha técnica a seguir.)

No livro o autor conta-nos como é que de repente  certas organizações suecas de solidariedade com a luta dos povos da África Austral e o governo sueco começaram a interessar-se pelo que se estava a passar naquele pequeno país de África Ocidental, que era/é a Guiné-Bissau,  um  território então sob administração portuguesa, com um escasso meio milhão de habitantes, e  com um pequeno partido nacionalista, o PAIGC;  a lutar pela sua independência.  

E não apenas a interessar-se: a partir de 1969, a Suécia a dar uma "ajuda humanitária", substancial, que se prolongou muito para além da independência, até meados dos anos 90. "As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau".

 Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual,  ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, de 1969/70 até 1976/77).
 
Passados estes anos todos, julgamos que ainda tem algum interesse, para os nossos leitores, saber um pouco maios desta história e dos seus meandros 

Vamos continuar a seguir esta narrativa, reproduzindo, com a devida vénia, mais um excerto do livro de  Tor Sellström. Já chamámos, logo no início,  a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeaadamente quando o autor fala do trajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se no essencial da propaganda do PAIGC (ou de fontes que lhe estavam próximas)... 

Já apontámos, nos postes anteriores, para alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico: (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAIGC; (ii) a batalha do Como: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil. habitantes por parte do PAIGC; (iv) as escolas, as clínicas e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) o assassassinato de Amílcar Cabral. etc.  .

O texto (na parte que nos interessa, a ajuda sueca ao PAIGC, pp. 138-172)  tem demasiadas notas de pé de página, que podem ser úteis do ponto de vista documental mas sáo extremamente fastidiosas para a generalidade dos nossos leitores. (Vamos mantê-las, para não truncar a narrativa; podem ser lidas na diagonal)

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes do texto. O "bold" a vermelho são passagens controversas,  são uma chamada de atenção para o leitor, devendo merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares).

Corrigimos os excertos seguindo o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

Ficha técnica: 

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.

Disponível em https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)


Resumo dos excertos anteriores (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar). Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática. Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta, o debate na Suécia sobre a África Austral tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”, oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se ocupassem quase em exclusivo da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau(Parte I).

Em 3 páginas (pp. 141-143), o autor faz um resumo da "luta de libertação na Guiné-Bissau",  usando unilatereal e acriticameente informaçáo propagandística do PAIGC, alguma particularmente grosseira como a pretensão deste de controlar 400 mil habitantes... (Parte II).

Nas páguinas 144-147, fala-se dos primeiros contactos com o PAIGC e das primeiras visitas ao território (Parte III)



 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno
(pp. 138-172)

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC (pp. 147-152)

Os visitantes descreveram a forma como o PAIGC estava a construir uma sociedade democrática nas zonas libertadas, mantendo ao mesmo tempo em curso a luta armada com os portugueses.

 A construção da nova sociedade, na qual a disponibilização de cuidados de saúde e de serviços de educação era um elemento essencial, era ameaçada não só pelos constantes bombardeamentos aéreos, mas também por uma enorme escassez de material e para as escolas e clínicas rurais que iam sendo criadas. Foi com este enquadramento que o PAIGC pediu ajuda à Suécia.

O primeiro pedido em nome do movimento de libertação foi feito em Outubro de 1968 pelo historiador britânico Basil Davidson (49) a Per Wästberg, um membro destacado do Comité Consultivo Sueco para a Ajuda Humanitária, organismo criado pelo governo sueco (50). Wästberg, por sua vez, apresentou o pedido ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (51). 

Na sua carta, Davidson, destacando que atuava unicamente como ”um intermediário”, confirmava poder organizar ”um debate direto com o PAIGC na altura julgada mais conveniente” (52), realçando haver ”uma necessidade urgente de serem disponibilizadas algumas ajudas de tipo não-militar nas zonas libertadas”, e acrescentando:

"Tenho a sensação de que seria muito útil se os nossos amigos na Suécia pudessem, tão rapidamente quanto possível, angariar o dinheiro necessário para comprar bens do seguinte tipo 1) produtos médicos, e 2) leite em pó e carne enlatada. [...] A outra sensação que tenho é que devemos, neste momento, concentrar-nos em avançar depressa em vez de querer fornecer grandes quantidades. Estou especialmente a pensar nos muitos casos relacionados com napalm que eles têm, ou na quase total ausência de stocks de produtos de primeira necessidade ou, ainda, no facto de (ao que julgo saber) estarem a receber muito pouca ajuda militar e quase nenhuma ajuda não-militar" (53).

O secretário geral do PAIGC fez, menos de dois meses depois, a sua primeira (de muitas) visitas à Suécia, a convite do Partido Social Democrata (54). Essa visita marcou o início dos laços estreitos que uniriam a organização de Cabral e o partido no poder na Suécia, bem como o movimento organizado de solidariedade(55). 

A visita teve lugar num momento crucial. A campanha contra o projecto de Cahora Bassa em Moçambique dispunha de um apoio bastante alargado e, em finais de Novembro de 1968, um grupo de activistas deu início em Gotemburgo a ”acções directas” contra a ASEA, a que se seguiram, pouco tempo depois, e um pouco por toda a Suécia, manifestações contra a empresa e contra o próprio governo social democrata. Estava em curso o debate a nível nacional quanto ao projecto de Cahora Bassa quando o governo votou, a 29 de novembro de 1968, a favor da Resolução 2395 da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre as colónias portuguesas.

Ao votar, o governo expressou oficialmente a sua preocupação ”com a actividade continuada e intensificada de interesses estrangeiros, de tipo económico, financeiro e outros, que impedem a concretização das aspirações legítimas dos povos africanos desses territórios”. Apoiava ainda o apelo feito no sentido de ”conceder aos povos dos territórios sob domínio português a ajuda moral e material necessárias para que os seus direitos inalienáveis sejam repostos” (56).

Enquanto o governo do primeiro ministro Tage Erlander não agiu de acordo com a sua posição internacionalmente declarada relativamente à primeira questão ou seja, a recusa em intervir contra a ASEA, fê-lo imediatamente no caso da assistência aos movimentos de libertação. Dez dias depois, a 9 de Dezembro de 1968, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Torsten Nilsson apresentou uma declaração de intenções fulcral, ao dizer que:

"A Suécia é um dos estados que tem vindo a pedir que sejam aprofundados os esforços no sentido de acabar com a política de discriminação racial na África Austral e com a caduca e grotescamente provocadora política colonial portuguesa. Contudo, como é do conhecimento geral, não podemos contar, num futuro próximo, com passos no sentido de acabar com estas iolações. Que podemos então fazer, para deixar bem patente a nossa solidariedade com estes povos oprimidos? [...] A Suécia vem vindo, desde há longa data, a dar contribuições financeiras para a formação de refugiados oriundos da África Austral e, para além disso, há já alguns anos que ajudamos a custear as despesas de aconselhamento jurídico das pessoas acusadas de crimes à luz das chamadas ”leis do apartheid” na África do Sul. Temos também ajudado a garantir o sustento das pessoas a cargo daqueles que têm sido presas ou detidas por razões definidas nas referidas leis. [...]

"Essas contribuições têm sido dadas para ajudar os povos oprimidos de África que não conquistaram a liberdade. A luta continua e mantemos contactos com vários líderes dos movimentos de libertação em África, alguns dos quais nos solicitaram ajuda. Estamos preparados para ajudar, tal como ajudamos a frente de libertação do Vietname do Sul, disponibilizando medicamentos e material médico. A ajuda educativa aos membros dos movimentos, através das suas organizações é também uma possibilidade que estamos dispostos a analisar. Está em questão a disponibilização de ajuda humanitária. Essa ajuda melhorará a situação dos membros desses movimentos e vai permitir-lhes continuar com maior facilidade a sua luta para obter a liberdade para os seus povos" (57).

Ao falar em contactos com líderes dos movimentos de libertação de África, é muito provável que Nilsson se estivesse a referir sobretudo a conversações tidas com Amílcar Cabral pouco tempo antes. Pierre Schori, que participou nas conversações com o líderdo PAIGC, descreveria mais tarde Cabral como ”um mestre da diplomacia [...], uma pessoa notável e uma grande figura internacional, que era portador de uma mensagemextremamente positiva” (58). 

Que tenha sido Cabral a pessoa que, ao fim de anos de contactos estreitos entre a Suécia e líderes nacionalistas da África Austral, acabaria por ”quebrar o gelo” quanto à ajuda oficial directa, é algo que fica patente pela celeridade com que ogoverno, após a sua visita, deu forma e conteúdo à declaração de Nilsson. Pouco mais de duas semanas volvidas sobre a declaração, o embaixador da Suécia na Libéria, Olof Ripa,recebeu instruções para entrar em contacto com o governo em Conacri para apurar se a ajuda directa da Suécia ao PAIGC seria ou não aceitável para o governo anfitrião (59). 

Ripa respondeu em Fevereiro de 1969 que o governo de Sékou Touré apoiava o PAIGC e que ”sem a mais pequena sombra de dúvida, participaria activamente no envio de remessas de ajuda humanitária da Suécia para os movimentos de libertação” (60).

Durante a sua estadia em Estocolmo, Cabral visitou também a ASDI, onde pôde confirmar, em traços gerais, o teor do pedido feito por intermédio de Basil Davidson edeu mais pormenores quanto às necessidades do PAIGC nas áreas da saúde, educação e necessidades básicas, tais como alimentos e têxteis (61).  

No seguimento dessas conversaçõese com base na declaração de intenções do governo, em Abril de 1969 o director geral daASDI, Ernst Michanek, tomou (ainda antes de o parlamento sueco ter tornado públicoo seu posicionamento sobre este mesmo princípio) a decisão de enviar uma missão para apuramento de factos ao Senegal e à República da Guiné62 com a finalidade de ”estudar as condições para entrega de ajuda ao PAIGC” (63).

A missão oficial, chefiada por Curt Ström, responsável pelo departamento de formação da ASDI, esteve na África Ocidental em meados de Maio de 1969, na mesma alturaem que a Comissão Permanente do Parlamento para as Dotações (64) discutia a questão geral do apoio sueco aos movimentos africanos de libertação. A conclusão foi que essa ajuda estava em conformidade com o direito internacional, ”nos casos em que as Nações Unidas tenham tomado uma posição inequívoca contra a opressão de povos que lutam pela liberdade nacional” (65). 

A Suécia tornar-se-ia assim no primeiro país ocidental industrializado a apoiar uma política de ajuda humanitária oficial directa aos movimentos de libertação nas colónias portuguesas, no Zimbabué, na Namíbia e na África do Sul (66). 

No caso da ”Guiné portuguesa”, a decisão fazia referência expressa ao PAIGC e aos passos preparatórios a dar relativamente à ajuda sueca, declarando-se que de acordo com a informação recebida pelo comité, estão a ser exploradas as possibilidades práticas de alargar a ajuda humanitária sueca no campo da educação às vítimas da luta travada sob a liderança do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), no sentido de libertar a Guiné portuguesa da soberania de Portugal. O comité tem, entre outros aspectos, com referência ao apoio que já está a ser alargado, por forma a abarcar o Instituto Moçambicano (67), uma abordagem positiva relativamente a esse tipo de ajuda, caso seja possível ultrapassar os problemas de índole prática, e partindo do princípio que o governo vai explorar as possibilidades de acção que se lhe apresentem (68).

A Guiné-Bissau não faz parte da África Austral. Num sentido estrito, as relações da Suécia com o PAIGC não devem portanto ser incluídas neste estudo. Contudo, o PAIGC tinha uma ligação estreita com o MPLA de Angola e com a FRELIMO de Moçambique.

Em conjunto com os seus aliados do CONCP e com a SWAPO da Namíbia, o ANC da África do Sul e a ZAPU do Zimbabué, fazia, para além do mais, parte do chamado Grupo de Cartum de ”autênticos” movimentos de libertação. Num contexto internacional, a luta de libertação na pequena colónia portuguesa situada na costa da África Ocidental estava, no âmbito do contexto acima descrito, muitas vezes justaposta com as lutas na África Austral. Esta justaposição é, em larga medida, de incentivar e utilizar como fonte de inspiração.

A importância da cooperação com o PAIGC para a participação sueca na questão da África Austral é enorme. O primeiro programa global sueco alguma vez concebido para dar ajuda humanitária directa e oficial a um movimento de libertação africano foi criado em conjunto com o PAIGC, o qual, por sua vez, estava profundamente empenhado numa luta armada contra uma nação europeia que tinha ligações comerciais formais com a Suécia, facto que determinou o carácter e as limitações da ajuda. 

Apesar de apelos veementes, feitos pelo movimento de solidariedade não-governamental e pela esquerda socialista de uma forma geral, em prol de um ”apoio incondicional”, ou seja, que fossem disponibilizadas verbas que o PAIGC pudesse usar a seu belo prazer, foi mantida uma orientação para a vertente humanitária. 

Apesar disso, as autoridades passaram, pouco tempo depois, a equacionar ajuda ”humanitária” com ajuda ”não-militar” ou ”civil” e, consequentemente, a alargar o âmbito dessa cooperação. Particularmente significativa foi a interpretação de ajuda humanitária ao PAIGC feita pelo governo sueco e pela ASDI, e que foi posteriormente aplicada aos movimentos de libertação na África Austral. A cooperação com o PAIGC não apenas definiu o conteúdo geral e a estrutura do programa de ajuda oficial da Suécia aos movimentos de libertação, mas criou também uma cultura institucional dentro da ASDI, e entre esta e o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Daí que seja relevante fazer um esboço da cooperação entre o governo sueco e o PAIGC (69).

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Notas do autor:

(44) Rudebeck participou activamente no Comité da África do Sul de Uppsala/Grupo de África. Voltou à Guiné-Bissau em 1972. Mais tarde professor assistente de ciências políticas na Universidade de Uppsala, Rudebeck publicou em 1974 um livro intitulado Guinea-Bissau: A Study of Political Mobilization (”Guiné-Bissau: Um estudo da mobilização política”) (op. cit.).

(45) Knut Andreassen e Birgitta Dahl: Guiné-Bissau: Rapport om ett land och en befrielserörelse (”Guiné-Bissau: Relatório sobre um país e um movimento de libertação”), Prisma, Estocolmo, 1971. Dahl, que na altura desempenhava um cargo na ASDI, viria a ser nomeada Ministra da Energia (1982–90) e do Ambiente (1986–91). Tornou-se presidente do parlamento sueco em 1994.

(46) Tal como Bengt Ahlsén: Portugisiska Afrika: Beskrivning av ett kolonialimperium och dess sönderfall (”A África portuguesa: Apresentação de um império colonial e sua queda”), Svenska Utbildningsförlaget Liber AB, Estocolmo, 1972. Após uma visita, em finais de 1971, às zonas libertadas, Anders Ehnmark e o fotógrafo Jean Hermanson publicaram Exemplet Guiné-Bissau: Ett reportage om en befrielserörelse (”O exemplo da Guiné-Bissau: Relatório sobre o movimento de Libertação”), Bokförlaget PAN/Norstedts, Estocolmo, 1973. O jornalista norueguês Johan Thorud acompanhou-os na viagem, publicando o seu próprio relato na Noruega (Geriljasamfunnet:Guiné-Bissaus kamp mot Portugal / ”A sociedade da guerrilha: A luta da Guiné-Bissau contra Portugal”, Tiden, Oslo, 1972).

(47) Uma vez que os conhecimentos que a ASDI detinha sobre o PAIGC e sobre a situação nas zonas libertadas era limitado, pediu-se a Palm e a Dahl que apresentassem à agência relatos das suas visitas, documentos esses que teriam depois um papel importante na tomada de decisão de aumento da ajuda oficial sueca ao MPLA de Angola.

(48)  Marianne Rappe: Memorandum (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com Folke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de Abril de 1972 (MFA).

Foto: Birgitta Dahl acompanhando o PAIGC às zonas libertadas da Guiné-Bissau em Novembro de 1970. (Foto: Knut Andreassen)

(49) Davidson estava muito ligado à causa nacionalista nas colónias portuguesas desde os anos cinquenta e visitou as zonas libertadas na Guiné-Bissau em 1967. O seu relato, intitulado The liberation of Guiné , foi publicado em 1969 em língua sueca, com o título Frihetskampen i Guiné-Bissau (Natur och Kultur, Estocolmo).

(50) Inicialmente criado em 1964 para aconselhar o governo na área da ajuda oficial sueca aos jovens refugiados africanos na área da educação, os membros do CCAH (nomeados oficialmente) representaram o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a ASDI, as OGNs mais representativas e pessoas com conhecimentos especiais sobre a África Austral. Per Wästberg fazia, a título de exemplo, parte deste último grupo. 

O comité desempenhou um papel vitaldo ponto de vista dos destinatários da ajuda humanitária enviada pela Suécia. A começar pela decisão do parlamento sueco de aumentar a ajuda directa oficial aos movimentos africanos de libertação, o seu mandato e número de membros foi aumentando gradual e regularmente ao longo dos anos. Para além de dar assessoria à África Austral, o CCAH deu depois o seu apoio ao governo sueco na questão da ajuda humanitária à América Latina. O apoio dado pela Suécia ao Vietname e aos movimentos nacionalistas na Indochina nunca fez, contudo, parte do mandato do CCAH. 

O comité foi presidido pelo director geral da ASDI, que contava com o apoio de um pequeno secretariado,composto por funcionários da ASDI e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, para preparar as reuniões e os pontos que nelas haviam de ser discutidos. 

Por norma, as recomendações eram apresentadas sob a forma de memorandos, cujo conteúdo se baseava, por sua vez, em contribuições e comentários feitos por agentes relevantes no terreno. O trabalho do Comité era feito num espírito de estrita confidencialidade, havendo registo apenas das decisões tomadas e nunca dos debates tidos. As recomendações apresentadas pelo secretariado foram, com poucas excepções, seguidas pelo comité e aprovadas pelo governo, para serem aplicadas pela ASDI. 

Num período de ano e meio, entre 1981–82 – 1982–83, por exemplo, o CCAH discutiu 100 pedidos, que representaram no total um valor próximo dos 270 milhões de coroas suecas, ao longo de 13 reuniões. Em 91 casos, o comité seguiu o parecer do secretariado, propondo uma dotação superior em 2 dos casos e uma dotação mais reduzida ou a rejeição pura e simples da proposta em 7 casos (SIDA/Kjellmer: Memorandum (”Beredningen för humanitärt bistånd: Ärenden 1981–82 och 1982–83”/”Comité Consultivo para Ajuda Humanitária: Pontos 1981–82 e 1982–83”), ASDI, Estocolmo, 17 de Fevereiro de 1983) (SDA).

(51) Carta enviada por Per Anger, Ministro dos Negócios Estrangeiros, a Olof Ripa, embaixador sueco na Libéria, Estocolmo, 19 de Dezembro de 1968 (MFA).

(52) Carta enviada por Basil Davidson a Per Wästberg, Londres, 17 de Outubro de 1968 (MFA).

(53) Ibid.

(54) Arbetet, 13 de Dezembro de 1968. Durante a sua visita à Suécia, nos finais de Novembro de 1968, Amílcar Cabral encontrou-se também com C.H. Hermansson, secretário geral do Partido de Esquerda Comunista (Comité da África do Sul de Uppsala: ”Protokoll”/”Actas”, Uppsala, 8 de Novembro de 1968) (UPA). De acordo com Onésimo Silveira, representante permanente do PAIGC na Suécia, ”os contactos com os partidos comunistas do Ocidente eram, contudo, diminutos” e o PAIGC não quis ”imiscuir-se nas suas lutas” (ibid).

55. O Partido Social-Democrata e o PAIGC já tinha entabulado contactos antes da visita de Cabral à Suécia, em finais de 1968. Já antes, nesse mesmo ano, o partido no poder tinha, por exemplo, doado 10.000 coroas suecas ao movimento de libertação, dinheiro esse retirado do Fundo Internacional para a Solidariedade, criado em Outubro de 1967 (Pierre Schori em Arbetet, 13 de Dezembro de 1968). Tinham também sido feitos contactos estreitos, atravésde Onésimo Silveira, que vivia e estudava em Uppsala, com o Comité da África Austral dessa cidade universitária.

Esses contactos haveriam de levar o movimento sueco para a solidariedade a apoiar o PAIGC. Em meados de 1968, apenas para dar um exemplo, foi enviada uma unidade de raios-x para o PAIGC em Conacri, com a ajuda do Comité da África do Sul de Uppsala: ”Protokoll”/”Actas”, Uppsala, 30 de Junho de 1968) (UPA). 

Cabral visitou também Uppsala durante a sua estadia na Suécia, comparecendo numa reunião pública co-organizada pelo Comité da África do Sul, a Associação Social-Democrata Laboremus, a Associação de Estudantes de Verdandi e a Liga da Juventude do Partido de Esquerda (VUF). A reunião teve lugar na Universidade a 27 de Novembro (”Amílcar Cabral: Demonstrationer inte nog. Vi behöver konkret hjälp”/”Amílcar Cabral: As manifestações não chegam, precisamos de ajuda concreta” em Uppsala Nya Tidning, 28 de Novembro de 1968). 

Em 1969 o Comité da África do Sul de Uppsala deu início a uma campanha de angariação de fundos a nível nacional em prol do PAIGC (Södra Afrika Informationsbulletin, n. 12, 1971, p. 49) e, como acima foi dito, vários membros do comité, entre os quais Bertil Malmström, Lars Rudebeck e Birgitta Dahl, visitaram as zonas libertadas da Guiné-Bissau em 1969–70. 

Como forma de protesto pela visita de estado do presidente senegalês Léopold Senghor à Suécia (Senghor era visto como um traidor do PAIGC), que se realizou em Maio de 1970, o Comité da África do Sul de Uppsala e um conjunto de organizações políticas montaram espectaculares manifestações, ligadas com o seu aparecimento na universidade (”En Diktare och Diktator Besöker Norden”/”Um poeta e ditador visita os países nórdicos” em Södra Afrika Informationsbulletin, no. 9, 1970, pp. 5–8 e ”Senghor-rättegången”/ ”O Julgamento Senghor” em Södra Afrika Informationsbulletin, no. 14, 1972, pp. 23–25).

(56) Assembleia Geral das Nações Unidas, Resolução 2395 (XXIII) de 29 de Novembro de 1968, citada no Yearbook of the United Nations: 1968, Gabinete de Informação ao Público, Nações Unidas, Nova Iorque, 1971, p. 804.

(57) ”Discurso do Ministro dos Negócios Estrangeiros”, 9 de Dezembro de 1968 no Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents on Swedish Foreign Policy: 1968, Estocolmo, 1969, p. 116.

(58) Entrevista com Pierre Schori, p. 333.

(59) Carta de Per Anger, Ministério dos Negócios Estrangeiros, enviada a Olof Ripa, embaixador da Suécia na Libéria, Estocolmo, 19 de Dezembro de 1968 (MFA).

(60) Carta de Olof Ripa, embaixador da Suécia na Libéria enviada a Per Anger, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Monróvia, 19 de Fevereiro de 1969 (MFA).

(61) Kerstin Oldfelt: Memorando (”Humanitärt bistånd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC)”/”Ajuda humanitária ao PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 22 de Julho de 1969 (SDA).

(62) Curt Ström: ”Reserapport” (”Relato de viagem”), ASDI, Estocolmo, 13 de Junho de 1969 (SDA).

(63) Ibid.

(64) Em sueco, Statsutskottet.

(65) Parlamento sueco 1969: Declaração no. 82/1969 pela Comissão das Dotações, p. 24.

(66) Ironicamente, o deputado que assinou a histórica declaração da Comissão Permanente sobre Dotações foi Gösta Bohman. No ano seguinte, tornou-se Presidente do Partido Moderado, conservador, o único partido sueco tradicional a excluir-se da parceira alargada com os movimentos de libertação na África Austral.

(67) O apoio oficial sueco ao Instituto Moçambicano da FRELIMO, sediado em Dar es Salaam, na Tanzânia, tinha vindo a aumentar desde 1965.

(68) Parlamento sueco, 1969: Declaração no. 82/1969 pela Comissão das Dotações, p. 24.

(69) Incluído sobretudo como uma introdução ao tema da ajuda sueca aos movimentos de libertação da África Austral, o ”desvio” pela via do PAIGC e da Guiné-Bissau, é tudo menos global. Apesar de serem dados exemplos que ilustram o âmbito e o carácter da ajuda do governo sueco, o importante papel desempenhado pelo Partido Social-Democrata, pelos Grupos de África e por outras organizações de solidariedade, não recebe o reconhecimento devido. 

Para além de tudo aquilo que é acima referido, deve notar-se também que o Partido Social-Democrata e a Liga da Juventude Social-Democrata recolheram fundos para a produção, no final dos anos sessenta, por parte do PAIGC, dos primeiros manuais escolares em português. O primeiro livro (PAIGC: O Nosso Livro: 1ª Classe”) foi impresso em 1970 pela Wretmans Boktryckeri, em Uppsala, com uma tiragem de 20.000 exemplares. Nesse mesmo ano a Wretmans publicou (”O Nosso Livro: 2ª Classe”), com uma tiragem de 25.000 exemplares. Ao lado do nome da editora, na capa do segundo livro, dizia-se que o livro era publicado pelo PAIGC nas ”zonas libertadas da Guiné”.

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Nota do editor: