quarta-feira, 19 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24489: Antologia (91): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: o caso da ajuda ao PAIGC – Parte II


Guiné-Conacri  > PAIGC > Novembro de 1970 >  Coacri > Escola Piloto do PAIGC  (criada em março de 1965, para acolher os filhos dos combatentes e os órfãos de guerra), dirigida pela dra. Lilica Boal (Maria da Luz Boal), cabo-verdiana, formada em Portggal na Faculdade de Letars da Universidade Clássica de Lisboa; era ta,mbném ela  (aqui na foto), a responsável pedagógica pelos conteúdos nos manuais escolares, publicados na Suécia. 

Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda.  O fotógrafo fez parte de juntamente com uma delegação sueca (tendo à frente a antiga líder do parlamento sueco, Birgitta Dahl) que visitou as "regiões libertadas" da Guiné-Bissau, em novembro de 1970.

Mo interior, nas "regiões libertadas", não havia estruturas, escolas, hospitais ou outros equipamentos sociais, de pedra e cal... Pela simples razão, que eram um alvo fácil para a aviação portuguesa, e porque eram difíceis os caminhos que levavam às bases de rectaguarda, tanto no Senegal como na Guiné-Conacri. Além disso, sabemos que eram duríssimas as condições de vida tanto das populações controladas pelo PAIGC como pelos guerrilheiros... A propaganda para consumo externo, naturalmente, contava outra história...  

Fonte: Nordic Africa Institute / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI)




1. Pensamos que terã ainda algum interesse. para os nossos leitores,   saber como é que um pequeno partido revolucionário (o PAIGC) de um pequeno país de África, a Guiné-Bissau, território sob administração portuguesa (e então com cerca de meio milhão de habitantes) caiu nas "boas graças dos suecos"… 

Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, num texto de 290 páginas, publicado em português, em 2008, conta-nos essa história, uma história que interessa, pelo menos, aos suecos, aos portugueses e aos guineenses... 

Vamos continuar a segui-lo, reproduzindo, com a devida vénia,  mais um  excerto do seu livro. Aproveitamos para  chamar a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeaadamente quando o autor fala do trrajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se apenas das "lendas & narrativas" do PAIGC... Eis alguns exemplos:  (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAIGC; (ii) a batalha do Como: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil. habitantes por parte do PAIGC; (iv) as escolas, as clínicas e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) o assassassinato de Amílcar Cabral.  etc.

O texto, de 290 páginas, tem muitas, demasiadas, notas de pé de página, úteis (do ponto de vista documental) mas maçadoras, que o leitor poderá dispensar ou apenas ler na diagonal.. Em todo o caso, mantivemo-las. 

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes da narrativa. O "bold" a vermelho são passagens controversas, que são uma chamada de atenção para o leitor, devem merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares). 

Corrigimos os excertos seguindo o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

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Ficha ténica: Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.

Disponível em https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)

Resumo do excerto anterior (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar). Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática.  Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta,  o debate na Suécia sobre a África Austral  tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”,  oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se  ocupassem quase em exclusivo da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau.



 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 

A luta de libertação na Guiné-Bissau
(Tor Sellström, op cit., pp. 141-143)




(...) Tal como os outros territórios em África submetidos ao controlo de Portugal, a então chamada ”Guiné portuguesa” e as ilhas de Cabo Verde (13) foram, em 1951, constitucionalmente incorporadas enquanto ”províncias ultramarinas” na metrópole portuguesa.

Esta démarche, que, no fundo, foi uma manobra do regime português destinada a perpetuar o domínio colonial, não se traduziu em qualquer benefício para os habitantes desses territórios, antes pelo contrário. 

Comentando o ”absurdo da nossa situação”, Amílcar Cabral declarou em 1961 que os colonialistas portugueses tentam convencer o mundo de que não têm colónias e de que os nossos países africanos são ”províncias portuguesas”. [...] Quando o país colonizador tem um governo fascista, quando o povo desse país é em grande parte analfabeto e não conhece nem usufrui de direitos humanos fundamentais [...]; e quando, para além disso, a economia da metrópole é subdesenvolvida, tal como acontece em Portugal, a violência e as mentiras atingem níveis sem paralelo e a falta de respeito pelos povos africanos não conhece limites( 14).

Tal como em Angola e Moçambique, Portugal governou com punho de ferro na Guiné-Bissau e quaisquer protestos foram esmagados sem contemplações. Em finais dos anos cinquenta, a polícia secreta do regime, a infame PIDE (15), estava já instalada em Bissau e começava a constituir a sua rede de informadores, semelhante à que já funcionava em Portugal. Daí resultou que a ”Guiné portuguesa” não tenha sido poupada à violenta repressão levada a cabo pela polícia e aos massacres que as populações da parte austral do continente conheceram em 1959–60. 

Em agosto de 1959, cerca de 50 estivadores em greve no Pijiguiti foram mortos pela polícia portuguesa. Tal como aconteceu em casos deste tipo na África Austral, o massacre teve consequências muito profundas.

Um mês a seguir aos assassinatos, os militantes do PAIGC realizaram uma reunião em Bissau, na qual se decidiu libertar a Guiné e Cabo Verde ”por todos os meios possíveis, incluindo a guerra” (16).

O PAIGC era o mais antigo de todos os movimentos de libertação nas colónias portuguesas em África. Inicialmente designado Partido Africano para a Independência (PAI), foi formado em Bissau em Setembro de 1956, por um pequeno grupo de ativistas, sobretudo de origem cabo-verdiana, em torno da figura de Amílcar Cabral, três meses antes da fundação do MPLA de Angola.

Apesar de existirem e se terem feito notar outras organizações nacionalistas, nomeadamente a FLING (Frente para a Libertação e Independência da Guiné), tinham quase todas a sua base no vizinho Senegal e não tinham atividade na própria Guiné-Bissau (17).  Tal como acontecia com a FRELIMO de Moçambique, mas em contraste com o MPLA de Angola, o PAIGC era o movimento de libertação claramente dominante. Por isso, juntamente com o facto de levarem a cabo uma estratégia baseada em preceitos político-militares claros (18), a organização de Cabral veio dar grande coesão ao movimento de libertação.

Importante neste contexto foi o facto de a causa anticolonial não ter sido nunca complicada de forma importante por questões relacionadas com colonos. O número de residentes portugueses era extremamente baixo, nunca tendo ultrapassado os 2.000 civis europeus no território, sendo a maioria eram administradores coloniais, mais do que colonialistas (19)

Sob a liderança de Amílcar Cabral (20), o PAIGC adquiriu grande visibilidade na altura da greve do Pijiguiti, na qual participou intensamente. Contudo, a repressão que o movimento viria a sofrer a seguir obrigou a liderança do movimento a sair do país. Cabral fundou o quartel do PAIGC no exílio em 1960 em Conacri, capital do país vizinho ao sul da Guiné-Bissau, a francófona República da Guiné (21).

Seguiu-se um período de intensa mobilização política junto dos camponeses no sul da Guiné-Bissau, em combinação com atos de sabotagem e de desobediência civil. Em janeiro de 1963, o PAIGC deu início à fase de luta de libertação nacional por via armada, com um ataque ao quartel do exército português em Tite.

As vitórias militares do PAIGC seguiram-se umas às outras muito rapidamente. Seis meses depois de começar a guerra, o Ministro português da Defesa, o general Gomes de Araújo, espantou o seu governo ao admitir publicamente que os nacionalistas tinham tomado o controlo de uma parte significativa da colónia (22).  

No início de 1964, o moral em Lisboa sofreu um novo revés quando o PAIGC rechaçou um contra-ataque em larga escala contra a ilha de Como, anteriormente ocupada pelos nacionalistas na sua ofensiva militar. Nessa operação tomaram parte pelo menos 3.000 efectivos do lado português (23).

A batalha pelo controlo de Como marcou um ponto de viragem. A partir dessa altura, as zonas libertadas do sul da Guiné-Bissau permaneceram firmemente nas mãos do PAIGC, enquanto os portugueses, que acabariam por atingir uma presença de cerca de 30.000 efetivos num país com um pouco mais de meio milhão de habitantes, concentraram a sua atenção na defesa da capital, num conjunto de posições fortificadas e na utilização do seu poder aéreo.

Por volta de meados dos anos sessenta, altura em que a situação militar começou a estabilizar-se, o PAIGC controlava cerca de metade do território nacional, onde tinha em funcionamento uma administração e serviços sociais próprios, incluindo cuidados de saúde e educação.

Para que fosse possível desenvolver estas atividades era essencial que o movimento obtivesse ajuda de fora (24) e foi em resposta a esse pedido que o governo sueco decidiu, em meados de 1969, aumentar o nível de ajuda humanitária ao PAIGC.

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(11) Ethel Ringborg: Memorandum (”Stöd till befrielserörelser”/”Apoio aos movimentos de libertação”), Ministério dos Negócios Estrangeiros, Estocolmo, 7 de Setembro de 1971 (MFA). A fazer fé numa nota manuscrita, fica a sensação de que foi escrito como ”informação de base” para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, que se fez representar na reunião do Comité Consultivo da Ajuda Humanitária (CCAH), realizada duas semanas depois.

(12) A ajuda oficial, ainda que reduzida, ao ANC (iniciada em 1973), à SWAPO (1970), à ZANU (1969) e à ZAPU (1973) antecedeu o reconhecimento, dado a esses movimentos pelos AGIS entre três e seis anos depois.

(13) Situadas no Atlântico, a cerca de 600 quilómetros a nordeste da Guiné, as ilhas de Cabo Verde tinham, no início dos anos sessenta, uma população total de pouco mais de um quarto de milhão de pessoas, maioritariamente de origem mista africana e portuguesa. A partir de finais do século XV, o colonialismo português ligou estas ilhas, de uma forma íntima, à Guiné, no continente africano. Muitos cabo-verdianos participavam ativamente no PAIGC, a nível da liderança, mas não só. Apesar de ter nascido na Guiné, o próprio Amílcar Cabral era de origem cabo-verdiana.

Tal como o nome indica, o PAIGC destacava a unidade dos dois territórios mas, além da propaganda política e de algumas atividades, o movimento de libertação nunca tentou incluir as ilhas na luta aberta pela libertação. Cabo Verde continuou sob domínio português até ao golpe de estado em Lisboa, em Abril de 1974, o que contribuiu para alargar o fosso entre Cabo Verde e a Guiné-Bissau após a independência, e acabaria por levar à separação formal no início de 1981.

(14) Amílcar Cabral: Revolution in Guinea: An African People’s Struggle (”Revolução na Guiné: A luta de um povo africano”), Tomo 1, Londres, 1969, p. 10.

(15) Polícia Internacional e de Defesa do Estado.

(16) Basil Davidson: The Liberation of Guiné: Aspects of an African Revolution, Penguin African Library, Harmondsworth, 1969, p. 32.

(17) A FLING concentrou uma grande parte das poucas energias que tinha na crítica da liderança ”não-africana” do PAIGC, ou seja, o facto de Cabral e outros líderes serem mestiços cabo-verdianos. Sediada em Dakar, capital do Senegal, a FLING recebia um apoio considerável do presidente Léopold Senghor que, durante toda a guerra de libertação na Guiné-Bissau, manteve as suas opções políticas abertas, distribuindo os seus favores entre a FLING e o PAIGC.

(18)  Ver Lars Rudebeck: Guiné-Bissau: A Study of Political Mobilization, Scandinavian Institute of African Studies, Uppsala, 1974.

(19) Norrie MacQueen: The Decolonization of Portuguese Africa: Metropolitan Revolution and the Dissolution of Empire, Longman, Londres e Nova Iorque, 1997, p. 37.

(20) Nascido na Guiné-Bissau em 1924, Amílcar Cabral foi para Lisboa em 1945 para estudar no Instituto Superior de Agronomia, formando-se em 1952 com notas extraordinárias. Em Portugal, Cabral participou ativamente em grupos políticos e culturais africanos clandestinos e formou em 1951, juntamente com Mário de Andrade e Agostinho Neto, de Angola, e Marcelino dos Santos, de Moçambique, o Centro dos Estudos Africanos em Lisboa. Descrito como o ”berço dos líderes africanos”, o Centro de Estudos Africanos juntou os futuros líderes do PAIGC, MPLA e FRELIMO e abriu o caminho para a constituição de outras organizações, tal como o Movimento Anti- Colonialista, formado por Andrade, dos Santos e Cabral em 1957 e, mais tarde, a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), no ano de 1961.

Depois de se formar, Cabral foi para a Guiné para chefiar uma estação de pesquisa próxima de Bissau, tendo levado a cabo um estudo agrícola da colónia em 1953–54. A missão, bem como as repetidas visitas a Angola como consultor agrícola para várias empresas entre 1955 e 1959, puseram-no em contacto direto com as realidades dos camponeses africanos, experiência da maior importância para o desenvolvimento do seu raciocínio político. Cabral, em conjunto com Aristides Pereira, o seu irmão Luís e mais algumas pessoas, fundou o PAI/PAIGC em Bissau, em setembro de 1956, acabando por ser nomeado seu secretário-geral. Nesse mesmo ano, participou também no processo que acabou por conduzir à formação do MPLA em Luanda, a capital de Angola.

Após o massacre do Pijiguiti, em agosto de 1959, os líderes do PAIGC foram forçados a exilar-se e, em maio de 1960, Cabral fixou-se em Conacri, capital da vizinha República da Guiné, de onde liderou a luta de libertação. Cabral viria a ser assassinado a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri.

Para mais informações sobre a vida de Amílcar Cabral consulte Amílcar Cabral: Revolutionary Leadership and People’s War de Patrick Chabal, African Studies Series, Cambridge University Press, Cambridge, 1983.

(21) Para distinguir a República da Guiné, país independente, da Guiné ”portuguesa”, referimo-nos à segunda como Guiné-Bissau e à primeira apenas como Guiné. O MPLA de Angola também criou o seu quartel-general no exílio em Conacri em 1960, transferindo-o no ano seguinte para Léopoldville (Congo).

(22) MacQueen op. cit., p. 38.

(23) Chabal op. cit., p. 59.

(24) Além do mais, o PAIGC foi responsável pelo aumento constante do número de refugiados tanto na Guiné como no Senegal.

 [ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G ]

2. Em contraponto leia,-se estes excerts do 1º livro da CECA:


CECA (1988) > Campanhas de África (1961-1974)  – Breve síntese


(…) c. Guiné (pp. 116- 121)

A partir de 1958, constituíram-se, no estrangeiro, diversos Movimentos que visavam obter a independência da Guiné Portuguesa.

Alguns deles usufruíam do apoio de Dacar: União Popular da Guiné (UPG), fundada em 1958; União Democrática Cabo-verdiana (UDC), em 1959; Movimento de Libertação da Guiné (MLG), em 1961, e a União dos Naturais da Guiné Portuguesa (UNGP), em 1962. Outros apoiavam-se em Conakry: o Movimento de Libertação da Guiné e Ilhas de Cabo Verde (MLGCV), fundado em 1959 e o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), fundado em 1956 por Amílcar Cabral .

Após várias vicissitudes, que incluíram reagrupamentos de alguns destes Movimentos, a partir de 1962, ficaram atuando apenas o PAIGC e a Frente de Libertação para a Independência da Guiné (FLING). Pode dizer-se mesmo que, a partir desta data, a luta armada assou a ser conduzida exclusivamente pelo PAIGC, que acabou por ser o único a lutar em todos os campos.

Contudo, é o Movimento para a Libertação da Guiné (MLG) que efetua, em 1961, as primeiras acções terroristas em S. Domingos e, uns dias depois, em Susana e Varela. Ainda que sem outra finalidade aparente que não fosse a de roubar, estes atos provocaram a saída de muitos nativos para a República da Guiné e para o Senegal (97).

Há, porém, antecedentes. Em 3 de Agosto de 1959, ocorrera a greve de estivadores de Pijiguiti (Bissau), reprimida pelas forças da ordem. Embora se considere que este acontecimento não teve uma relação direta com os movimentos nacionalistas, tanto o MLG como o PAIGC se atribuem a responsabilidade deste incidente, que tem vindo a ser reivindicado por qualquer destes partidos. A data é celebrada pelo PAIGC como o dia nacional da revolução e os elementos grevistas, que foram mortos, são glorificados como os primeiros "mártires da Pátria".

De qualquer forma, pode dizer-se que este acontecimento ateou o rastilho que vai fazer eclodir, dois anos mais tarde, a luta contra a autoridade portuguesa (98).

Em princípios de 1963, voltaram à atividade os grupos do MLG com várias incursões na Província. Revelaram-se de novo em fevereiro e março de 1964 em ataques a tabancas, mas devido à ação enérgica dos moradores, apoiados pelas NT, estes não resultaram (99).

Em meados de 1962 e no Sul da Província, o PAIGC tinha feito a sua estreia com armas e intensificava o seu já grande esforço de propaganda e de aliciamento das populações, iniciado clandestinamente na década de cinquenta. Na noite de 30 jun / 1 jul desse ano, desencadeia as primeiras ações no Sul da Província partindo da República d Guiné (100).

Em 1963, aumenta a sua atividade no Sul e executa as primeiras ações contra as nossas tropas (ataque ao aquartelamento de Tite e emboscadas) (101). Em meados desse ano, coloca os primeiros engenhos anticarro e leva a efeito ações a N do rio Geba (Oio).

Em 1964, alarga a sua atuação para o Norte a partir do Oio, até à fronteira com o Senegal, criando assim condições para poder ser reabastecido a partir deste território. Iniciou também a sua atividade no canto NE da Província e na área do Boé, visando pressionar a etnia fula, pouco recetiva à ação subversiva do PAIGC, e surge pela primeira vez com o chamado "exército popular", numa ação sobre Guileje (102).

Nos anos que se seguiram, o PAIGC, que sempre beneficiou de um indiscriminado apoio de diversos países (principalmente os de Leste e os Africanos), intensificou a sua ação alastrando a sua influência militar a novas áreas, obrigando as nossas tropas a um constante esforço que exigiu apreciáveis reforços.

O PAIGC foi dispondo sempre de melhor armamento e de maiores efetivos em pessoal. E foi melhorando também as suas formas de atuação. Pela colocação constante de engenhos anticarro e antipessoal em todos os itinerários por onde se deslocavam as nossas forças ·e pela frequente flagelação dos meios terrestres, aéreos e navais que tinham de atuar na Província, os deslocamentos das nossas forças, quer para atividade operacional quer por simples razões administrativas e  logísticas, tornaram-se, com o correr dos anos, sucessivamente mais difíceis e dispendiosos.

Facilitaram o desencadear da insurreição e o desenvolvimento da luta alguns fatores que, num território de tão diminutas dimensões como a Guiné, assumiram especial importância. Entre eles, destacam-se:

  • grande densidade populacional (exceto no Sul) e fraca estrutura administrativa enquadrante;
  • enorme variedade de grupos étnicos, bem diferenciados e independentes e com dialetos próprios;
  • rede de vias de comunicação muito pobre e escassa;
  • arborização densa, na maior parte do território;
  • densa rede de rios e canais, dificultando extraordinariamente a movimentação por terra e tornando as deslocações por via aquática morosas e cheias de perigos;
  • amplitude diária de marés invulgarmente grande, que fazia sentir s seus efeitos não apenas no litoral mas muito para o interior, ao longo dos cursos de água, criando importantes problemas diários para deslocações, quer em terra quer nos rios;
  • recursos locais escassos, sobretudo para alimentação;
  •  clima depauperante e grande risco de doenças tropicaisterritório pequeno e extensa fronteira terrestre, permitindo rápidas incursões e a fuga para os países vizinhos apoiantes. 

Em 1969, a luta que o PAIGC nos impunha era, sem dúvida, muito dura. Todavia, as tropas portuguesas - brancas ou pretas – ocupavam todo o território e, embora com dificuldades nalgumas zonas, movimentavam-se em todo ele.

Por toda a parte continuavam a existir populações fiéis às autoridades, ou junto aos nossos aquartelamentos ou isoladas - e, conforme as zonas, constituídas ou não em autodefesa.

A partir de 1970, é incrementada a construção de aldeamentos, onde se proporcionava assistência escolar e sanitária às populações nativas. Ao mesmo tempo, são lançados os "Congressos do Povo", onde, por duas vias diferentes (a regional e a étnica) e em escalões diferentes (local e provincial) as populações expõem os seus anseios e preocupações e apresentam sugestões para a sua valorização social. Os congressos - o último dos quais se realizou entre 21 de Fevereiro e 10 de Abril de 1974 - eram autênticos elos de ligação entre o povo e o governo e, através deles, os povos participavam na vida da comunidade.

Em 1973, com o início do emprego dos mísseis terra-ar, o PAIGC atingiu o auge da sua atuação, tornando difíceis os movimentos da nossa força aérea, o que se refletiu no desenvolvimento das operações terrestres.

Ao mesmo tempo que o apoio internacional dado ao PAIGC lhe foi permitindo reforçar e alastrar a sua ação, fomos impondo e alterando o nosso dispositivo militar na Província e desencadeando medidas para acelerar o progresso da população da Guiné. Tais medidas de carácter militar, político-administrativo, social e psicológico, permitiram que a defesa fosse conduzida com a colaboração de uma boa parte da população.

O próprio inimigo o reconheceu. E, em diversas alturas, houve mesmo claras e importantes manifestações do desejo de interromper a luta por parte de elementos proeminentes das forças que se batiam contra nós, chegando a efetuar-se contactos importantes para estudo da forma de se avançar nesse campo.

Mas estas intenções não resultavam, porque outros elementos inimigos, pela força, faziam calar aquelas vozes. O próprio dirigente do PAIGC, engenheiro Amílcar Cabral, que tinha, por mais de uma vez, manifestado abertura para um determinado tipo de solução para o conflito, chegando a estabelecer alguns contactos com as nossas autoridades, acabou por ser eliminado em 1973 por elementos radicais do seu partido.

Em abril de 1974, a situação na Guiné requeria um maior reforço do nosso potencial militar e o inimigo beneficiava de uma cada vez  maior ajuda de diferentes países, nomeadamente dos que queriam afastar de vez a África da Europa Ocidental.

 Acoitava-se em certas zonas de refúgio, que considerava "áreas libertadas", e cuja superfície exagerava para efeitos de propaganda, dizendo que elas atingiam, na totalidade, dois terços da área do território.

A verdade, porém, é que, apesar de todas as dificuldades, as NT · tinham acesso a todo o território, embora com medidas de segurança variáveis conforme as regiões. Também havia outros aspetos que nos eram favoráveis, de que se salientam:

  • generalizada ausência de ódios raciais, sendo fácil a convivência do português europeu com os nativos da Guiné e apreço por parte destes pelo esforço que ia sendo feito para melhorar as suas próprias condições de vida e a humanidade e generosa igualdade com que, sobretudo no meio militar, eram tratados;
  • coesão em cada um dos diferentes grupos étnicos e validade da sua estrutura hierárquica tradicional, que tinha consciência das características positivas da atuação dos portugueses:
  • participação, na maioria dos casos voluntária, de muito importantes efetivos humanos naturais da Guiné (importantes pelo número e pela qualidade) que não atuaram apenas enquadrados nas unidades normais do Exército destacadas para a Guiné.

De facto, quanto a este último ponto, havia unidades em que, sendo os oficiais e sargentos pertencentes aos quadros normais do Exército, todas as praças eram naturais da Guiné..

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 1.º Volume;  Enquadramento Geral. Lisboa, 1988, pp. 116-121 (Com a devida vénia...).

Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G ]

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1 comentário:

Manuel Luís Lomba disse...

Torno-me recorrente nesta observação: O mentor e fundador do PAIGC foi Rafael Barbosa - não foi Amílcar Cabral (Trabalhava na Fazenda Tentativa, Angola)...